domingo, 2 de outubro de 2016

Um comentário ao texto: “O Fim do debate” da autoria de Régio Conrado Mafesolli

Resultado de imagem para imposturas intelectuais
Fonte: caminhodasletras.com.br

Resumo: Régio pretende que os indivíduos que são “intelectuais” a mais tempo são os verdadeiros intelectuais. Isso é um erro colossal que tem que ser rejeitado in limine. O que é uma vida intelectual? Trata-se de constante e abnegada busca da verdade pelo que ela só pode ter como base a sinceridade de facto e não os anos de “discussão” ou “debates” deste ou daquele indivíduo. Régio fala de intelectuais sérios como aqueles que estão no ofício de pensar a 10, 20, 30 anos e pelo que consta, ele mesmo não tem 10, 20, 30 anos de “experiência intelectual”, cometendo, assim, flagrante paralaxe cognitiva porque o eixo teórico do que ele diz se desloca histrionicamente do eixo da sua experiência real.

“Uma das coisas mais interessantes, hoje, em Moçambique é que quase todas as pessoas com algum título universitá- rio (não importa de qual universidade) reclamam-se académicas, intelectuais e comentadores. Todos podem se dizem poder analisar. Isso é encorajador e pode ser esclarecedor do conteúdo político da nossa sociedade.”
Como é que da premissa de que as pessoas que detém títulos universitários e que julgam-se, ipsis facto, académicas, intelectuais e comentadoras se pode deduzir alguma coisa do “conteúdo político da nossa sociedade”? Que mágica é essa? Para você deduzir qualquer conclusão, você tem que ter pelo menos duas premissas, uma maior e outra menor, excepto naquelas situações em que uma das premissas é sobejamente conhecida e pode ser deliberadamente omissa como no caso de um entimema. Régio comete, aqui, um non sequitur e não se apercebe disso.

Talvez sejamos um país democrático (reduzo para esse caso democracia como possibilidade de exercer a liberdade negativa e positiva sem constri- ção)!!!!

Régio define democracia como possibilidade de exercício de liberdade negativa e positiva sem constrição. Esse conceito deve ser escavado um pouco mais. Quer dizer, da possibilidade da liberdade não se pode deduzir a sua realidade. Se a liberdade não é uma coisa real, por definição, ela não pode ser possível. Ou seja, a liberdade não é real porque é possível, mas é possível porque é real. Portanto, dizer que democracia é possibilidade de liberdade é o mesmo que dizer que a democracia continua a ser democracia mesmo que essa liberdade nunca chegue a se actualizar dentro da estrutura da realidade. Ora, para acreditar nisso, o indivíduo precisa ser muito pueril porque possibilidade de liberdade existe em qualquer país do mundo até na China, na Rússia, em Cuba, Coréia do Norte, etc., mas nem por isso diremos que há democracia nesses países.
Por outras palavras, a possibilidade de liberdade não depende do regime político vigente num país, não depende do seu sistema de leis, mas depende apenas da imaginação das pessoas daquele país. Aliás, já dizia aquele grande filósofo judeu, Moisés Maimónides, que tudo que se imagina é possível. Se as pessoas forem capazes de imaginar-se negativa e positivamente livre, então, essa liberdade é possível. E se quer saber, o mais difícil nem é conseguir tornar a liberdade possível, mas sim imaginá-la porque se você não têm uma cultura literária no país de altíssima qualidade para reeducar ou treinar o imaginário da população, nenhuma imaginação será possível. Se nenhuma imaginação for possível nenhuma possibilidade de liberdade será possível.
Régio também fala de liberdade sem constrição. Ora, isso é auto-contraditório porque se você definir liberdade como ausência de coacção, segue-se que a liberdade em si já pressupõe ausência de constrição. Mas a ausência de constrição nunca é total porque aí teríamos que admitir que é possível ao ser humano alcançar a liberdade absoluta, o que é um absurdo. Só Deus tem liberdade absoluta e a nossa liberdade, enquanto seres humanos é sempre limitada porque ela se dá dentro de um quadro pré-determinado e limitado pela sociedade em que vivemos, pela natureza, pelo cosmos e por fim, pelas leis divinas.
Outro ponto importante é que a nossa liberdade deve ser graduada em função de uma outra variável bastante importante. Falo da segurança. A liberdade e a segurança funcionam como vasos comunicantes. Se o estado dá mais liberdade a população, a população terá menos segurança e se a população tiver mais segurança, ela terá menos liberdade. Qual é a solução para isso? A moral. Somente um povo com um padrão moral elevado pode ter liberdade e segurança ao mesmo tempo. Mas de qual moral estamos falando? Estou falando da única moral que deu certo neste mundo, a saber: a moral judaico-cristã.

Mas uma das questões que me tenho colocado nos últimos tempos em relação a essa «evolução» é se esse movimento significa mais debate em Moçambique.

A questão não é essa. Ou seja, a questão não é quantitativa no sentido de haver mais debate e sim qual é o nível desse debate, qual é a atmosfera cultural que envolve esse debate em todos os seus movimentos reais e possíveis. Não adianta ter mais debate num país onde o único debate que existe não passa de uma conversa (vamos dizer) entre o “amém” e o “sim, senhor”. O debate pressupõe o contraditório, honestidade intelectual entre os debatedores e um equilíbrio ou mais ou menos isso em termos de conhecimento de ambas as partes acerca do assunto em debate.
Ao questionar-me dessa forma é porque estou perplexo em relação ao conteúdo dessas «discussões», desses comentários. Estou no fundo a interrogar-me sobre a validade e a consequencialidade desses ditos «debates», sobretudo daqueles que, deveras vezes, se tem intitulado de académicos ou ainda de intelectuais.

Pelo que se pode ver, Régio critica aqueles que ele diz se intitularem de “intelectuais”, mas aqui nesse trecho ele mostra o quão confuso ele está a respeito disso porque ele está, por assim dizer, confundindo intelectual com activista que é aquilo que Gramsci chamava de intelectual orgânico que é o individuo que faz a vez de office-boy do partido ao qual ele pertence ou da causa a qual ele aderiu. Ou seja, Régio diz que as discussões dos “ditos académicos” lhe causam interrogação acerca da sua validade e consequencialidade como se o fim do trabalho intelectual fosse mudar a realidade da sociedade e não a mera contemplação intelectual da verdade. O trabalho do intelectual consiste em compreender a realidade, enquanto o trabalho do intelectual orgânico consiste em oferecer propostas políticas com vista a transformação da realidade que é a coisa central que Marx advoga nas suas teses contra Feuerbach e me parece que o Régio se identifica mais com esse último intelectual do que com o intelectual propriamente dito.

Em Moçambique há um grupo de pessoas que está a estruturar o seu pensamento dentro de uma matriz do rigor científico, que produzem um trabalho intelectual e análises que nascem do seu trabalho que vem com eles com mais de 20 ou 30 ou mesmo 10 ou mais anos de trabalho. Não é a esses que este pequeno texto se dirige.

Quer dizer, Régio pretende que os indivíduos que são “intelectuais” a mais tempo, ou como ele diz a 10, 20 ou 30 anos são os verdadeiros intelectuais e que aqueles que são “intelectuais” a menos de 10, 20, 30 anos são “pseudo-intelectuais”. Isso é um erro colossal que tem que ser rejeitado in limine porque o que determina se alguém é intelectual, um homem de estudos não é o tempo em que ele anda metido em “discussões” ou em elaboração de “trabalhos com elevado rigor científico”. Leia o livro de A.D. Sertillange intitulado “La vie Intelectuelle” e aí você vai compreender o que é ser um homem de estudo, um intelectual, o que não tem nada a ver com o que o Régio pretende aqui.

O que é uma vida intelectual? Uma vida intelectual é uma vida do pensamento, uma vida do espírito como a chamou Hannah Arendt. Uma vida do espírito é uma vida de constante e abnegada busca da verdade pelo que ela só pode ter como base a sinceridade de facto e não os anos de “discussão” ou “debates” deste ou daquele indivíduo. Aliás, se você vai discutir ou debater, isso não tem a menor importância. Isso não faz de você mais ou menos intelectual. Se você vai fazer trabalho científico, idem. Você pode ser um intelectual sem que ninguém saiba disso até o último dia da sua vida ou da duração da história da humanidade, isso não tem a menor importância. Agora, se você for um intelectual orgânico do partido a que você pertence e você esteja se arrogando ao dever prometeico de transformar o mundo a imagem e semelhança da sua porca vida, pode ser que você sinta a necessidade extravagante de se mostrar em público, na mídia, para debater, discutir, etc.

Régio fala de intelectuais sérios como aqueles que estão no ofício de pensar a 10, 20, 30 anos e pelo que consta, ele mesmo não tem 10, 20, 30 anos de experiência intelectual, se é que se pode dizer assim, e, no entanto, ele desce o cacete naqueles que como ele também não 10, 20, 30 anos de experiência nesse ofício, cometendo, assim, flagrante paralaxe cognitiva porque o eixo teórico do que ele diz se desloca histrionicamente do eixo da sua experiência real. Quer dizer, a situação real do que ele descreve desmente o que ele está dizendo. É caso para dizer que ele está no mundo da lua, que ele não sabe o que está dizendo. Porque? Porque faltou aquele exame de consciência que é a condição básica para a própria busca da sinceridade que é, por sua vez, a base da busca da verdade que é a verdadeira substância da vida intelectual.

Régio diz que o seu

“… texto pretende reflectir sobre o que o dito debate politico nos traz em termos de reestruturação da nossa O meu texto pretende reflectir sobre o que é que o dito debate público nos traz em termos de reestruturação da nossa compreensão dos fenómenos no país”.

Entretanto, quando você lê o texto de diante pra trás e de trás pra diante, em nenhum momento ele faz essa reflexão tão efusivamente prometida. Ademais, não sei se precisamos de reestruturar a nossa compreensão dos fenómenos no país, até porque toda reestruturação pressupõe a construção de um sistema teórico interpretativo de um conjunto de fenómenos como se nenhum fenómeno novo pudesse ocorrer amanhã ou depois. Não precisamos de novas estruturas, precisamos sim de voltar as nossas percepções reais e aprender a dizer as coisas como nós as vemos caso contrário caímos naquela máxima de Hegel que diz o seguinte: “se os factos contradisserem a minha teoria, pior para os factos”. Quer dizer, agora, o mais importante já não são os factos mas a narrativa que você coloca por cima dos factos. Ora, o que é isso senão o desconstrucionismo. É nesse sentido que eu digo que Hegel foi o pai do descontrucionismo e não Jacques Derrida porque o desconstrucionismo está subentendido em Hegel. Então, você aprender a dizer as coisas como você as está vivenciado, essa é a base da sinceridade e é algo muito melhor que milhões de teorias que só servem como laboratório de controlo social. Portanto, o intelectual não tem que moldar ou reestruturar a compreensão social do que quer que seja, ele deve, sim, dizer as coisas como ele as está vendo e isso é o suficiente.
Como é que é possível que um Historiador que nunca trabalhou sobre o ambiente aceite discutir sobre questões ambientais, sabendo que o seu conhecimento é apenas «conhecimento ordinário» como diz Michel.

Concordo plenamente com o Régio quando ele diz que um indivíduo só pode opinar sobre um determinado assunto se ele o tiver estudado profundamente e adquirido um domínio sobre o mesmo, principalmente se o indivíduo estiver se arrogando a autoridade científica, por isso que eu nunca apareci em público opinando sobre o que quer que seja. Todas as minhas opiniões são emitidas em privado, entre amigos e nunca como reflexões definitivas.

Porém, quando Régio fala sobre colocar

“…as suas opiniões em forma de sentenças explicativas e menos compreensivas ou ao menos interrogativas, ou seja, transforma a sua «ilusão do imediato» (Bourdieu) em verdades ou imperativos categóricos (Kant),

Ele faz uma confusão dos diabos. Primeiro, uma sentença não pode ser explicativa e menos compreensiva. Isso é uma contradição pura e simples porque toda explicação é dada no intuito de tornar o objecto explicado compreensível e não suscitar mais interrogações. Segundo, tornar algo obscuro não é o mesmo que transformar a “ilusão do imediato” em verdades ou imperativos categóricos, até porque verdade é uma coisa e imperativo categórico é outra totalmente diferente. Enquanto verdade, pelo menos no sentido lógico da coisa é uma adequatio, adequação entre dois termos, sendo um desses termos o intelecto para parafrasear o Filósofo Mário Ferreira dos Santos, o Imperativo categórico é segundo o próprio Kant, você agir de modo que as suas acções se tornem em leis para as outras pessoas, ou seja, o imperativo categórico tem a ver com projecto de poder travestido de mandamento divino, enquanto verdade é senso de proporções. Quer dizer, na sua ânsia de erudição, Régio faz um conjunto de citações que mais fazem lembrar uma colcha de retalhos. Suas citações não se articulam e não chegam se quer a ser analógicas. Conforme demonstrado por Allan Sokal &Jean Bricmont, pseudo erudição pode ser classificada como Impostura intelectual.

Maior parte das discussões que passam na nossa esfera pública, sempre excepcionando algumas, muitas vezes estão carregadas de muita carga normativa ou mesmo acabam transformando o espaço público num lugar de «normação» e «normalização» (Foucault), o que significa que os seus posicionamentos estão carregados de conteúdos a-estruturados ou ainda a-investigados. Isso faz-me recordar que em 1989, quando Gaston Bachelard publicou «la formation de l’esprit scientifique», logo nas primeiras páginas chamava-nos atenção para evitarmos o entusiasmo fácil e construirmos aquilo que ele chamou de «paciência científica».

Não concordo que discussão com uma forte carga normativa signifique que os conteúdos posicionados sejam a-estruturados ou a-investigados. Se as discussões que têm forte carga normativa tivessem um conteúdo a-estruturado como é que você iria reconhecer o conteúdo e dizer que é normativo? Que mágica é essa? Se discussões com forte carga normativa tivessem um conteúdo a-investigado, essa discussão nunca iria começar. O problema aqui é ignorar que existem vários níveis de investigação que vão desde o poético-retórico até ao nível lógico-analítico.

Até onde eu pude acompanhar, os debates que mais se fazem neste país são a respeito de política e por natureza esses debates são de cunho normativo e nunca acerca de ideias. Porque é que eu digo isso? Eu digo isso porque a política não tem a ver com discussão de ideias, a política tem a ver com poder., i.e., como você alcançar o poder e como você se perpetuar no poder. Isso foi descoberto por Bertrand Russel e ele estava certíssimo a respeito disso embora a explicação que ele tenha dado para os tipos de poder estivesse errado. Portanto, você até pode fazer um debate brilhante e ganhar a discussão e, no entanto, perder feio no campo da disputa política.

Agora, é claro que as pessoas devem ter “paciência científica”, se bem que isso seja apenas uma figura de linguagem. Mas você se preocupar mais com a polidez da sua intervenção num debate e querer parecer bonito diante da mídia é simplesmente algo secundário. O mais importante não é isso. Leia o livro de David Horowitz “A Arte da Guerra Política” e você vai descobrir que o mais importante é você se posicionar, passando para o povo ou para a audiência uma imagem que faça com que as pessoas vejam em você um amigo e não um inimigo, esperança e não medo.

Ao olhar para a forma como a maior parte dos debates são feitos na nossa esfera pública, fico com a impressão que se banalizou o espaço público tornando-o num estado concreto, aquela fase em que o espírito humano confia nas primeiras imagens que lhe aparecem.
                                                                                             
Claramente que o nosso espaço público está banalizado, mas não porque ele foi transformado num espaço concreto. Régio diz que um espaço público concreto é aquela fase em que o espírito humano confia nas primeiras imagens que lhe aparecem. Mais uma vez, Régio liga ou tenta articular coisas inarticuláveis. As primeiras imagens que nos chegam ao espírito é por definição a percepção de uma presença, i.e., a intuição…ela é sempre exacta e em nada tem a ver com espaço público concreto porque não há acto tão desprovido de testemunha quanto a própria intuição pelo simples facto dela acontecer no espírito humano.

Régio também diz que

“no fundo os nossos debates públicos, na sua grande maioria, não sendo capazes de construir a consci- ência científica dolorosa que põe em causa todo o dogmatismo e rapidez de análise, criam e espalham a «ignorância pública»”.

 Consciência cientifica dolorosa?! O que é isto? Depois ele diz que essa tal consciência é aquela que “põe em causa todo o dogmatismo e rapidez de análise que criam e espalham a ignorância pública”. Régio pretende que dogmas causam ignorância e nem se quer se dá conta de que os primeiros princípios da lógica são dogmáticos e não podem ser provados mas eles mesmos servem de prova para todas as restantes afirmações. Quer dizer, sem esses primeiros princípios da lógica, como o princípio de identidade, nós não seriamos capazes nem ao menos de pensar. Para pensarmos temos que partir sempre de afirmações que são universalmente aceites e elas mesmas improváveis. O pressuposto da dúvida metódica de Descartes que é uma dúvida absoluta é impossível. Você só pode duvidar apoiando sua dúvida num ponto arquimédico como diria Mário Ferreira dos Santos e, no final das contas, é exactamente isso que Descartes acaba fazendo, ao recorrer a “hipótese” de Deus, tornando, assim, a a dúvida cartesiana num problema teológico ao invés de filosófico.

Penso que quando Platão se reclamava dos imediatistas (sofistas) através do mito da caverna (VII livro da A República) tinha razão, pois que essas pessoas, que são imediatistas que estão ainda dominadas por certezas imediatas e às vezes com poucos fundamentos, são perigosas para aquilo que Oskar Negt chamou de «espaço público oposicional». Se um espaço público oposicional é um espaço de debate de ideias, de reflexividade, de costuração de um pensamento que consigo traz modificações profundas na compreensão do que é o nosso país, podemos dizer que o debate em Moçambique existe em poucas circunstâncias naquilo que chamamos de esfera pública.

Régio engana-se quando diz que o mito da caverna fala do imediatismo dos sofistas até porque o mal dos sofistas não era o imediatismo mas exactamente o mal que foi injustamente imputado a Sócrates, i.e., o mal de corromper a juventude.

Quando Habermas publicitou o conceito de espaço público queria frisar que a modernidade tinha produzido o sujeito capaz de pensar e de reflectir criticamente, aliás, esse é o sentido que a modernidade deu a esse conceito de sujeito. Há sujeitos críticos nesses debates?

Não é verdade dizer que a modernidade produziu o sujeito capaz de pensar e de reflectir criticamente. O pensamento crítico conforme defendido por Habermas é filho legítimo da Escola de Frankfurt. Isso nada tem a ver com a modernidade mas sim com a pós-modernidade. O pensamento crítico defendido por Habermas e seus companheiros da Escola de Frankfurt como Herbert Marcuse, Teodoro Adorno, Walter Benjamim, etc., que ficou conhecido como crítica social consistia naquilo que Hegel chamava de “trabalho do negativo”, ou seja, eles criticavam tudo e nem Marx que era o guru de todos eles escapou desse rolo compressor de crítica. A ideia dos frankfurtianos era demolir tudo a base da crítica porque eles acreditavam que a ordem vinha do caos. Quer dizer, uma coisa masoquista e louca que nos deixa espantados até hoje pela dificuldade de entender como é que pessoas tão inteligentes tenham podido descer a escala infernal mais baixa da existência humana.

Um debate é igualmente uma questão de coerência de posicionamentos diferentes que valem pela sua capacidade de produzir visões críticas sobre um determinado processo ou fenómeno. Em Moçambique é bastante comum e até normal que um mesmo indivíduo quando estiver, por exemplo, discutindo, digamos, o problema da democracia ou da liberdade em Moçambique, ser ao mesmo tempo liberal, neo-liberal, comunista, anti-capitalista sem que compreenda as contradições, dimensões contraditórias que está a cometer e que acompanham os conceitos fundamentais que usa para discutir. Isso para mim pode revelar que mesmo que se tenha dado espaço a todos para participarem dessa «esfera pública», essa participa- ção é ou tem sido pouco substancial em termos do seu conteúdo. Longe de discutirmos os fundamentos mesmo dos nossos posicionamentos e verifi- carmos se os nossos argumentos são sistemáticos, fica-se no pitoresco ou naquilo que Campanella e Maquiavel de formas diferentes chamaram de pitoresco e traduzido hoje pour Bouvier como simples demagogia. Maior parte dos debates em Moçambique são fundados em opiniões sem conteúdo analítico e com problemas profundos de abstração e demonstração. O debate transforma-se em a-debate.

Veja, essa confusão em termos de posicionamento num debate em que um indivíduo aparece a defender ao mesmo tempo o pensamento liberal, neo-liberal, comunista, anti-capitalista pode ser analisada em dois níveis. No primeiro nível, essa confusão pode reflectir desconhecimento desses jargões políticos. No segundo nível, essa confusão pode ser propositada e neste caso não seria uma confusão propriamente dita mas uma estratégia política bastante subtil como o que o professor Alexandre Dugin fez com o movimento nacional-bolvechismo.  

Por
Xadreque Sousa


Ps: para ler o artigo do Régio Conrado clique [aqui].

Nenhum comentário:

Postar um comentário