Fonte: caminhodasletras.com.br
Resumo: Régio pretende
que os indivíduos que são “intelectuais” a mais tempo são os verdadeiros
intelectuais. Isso é um erro colossal que tem que ser rejeitado in limine. O que é uma vida intelectual?
Trata-se de constante e abnegada
busca da verdade pelo que ela só pode ter como base a sinceridade de facto e
não os anos de “discussão” ou “debates” deste ou daquele indivíduo. Régio fala
de intelectuais sérios como aqueles que estão no ofício de pensar a 10, 20, 30
anos e pelo que consta, ele mesmo não tem 10, 20, 30 anos de “experiência intelectual”,
cometendo, assim, flagrante paralaxe cognitiva porque o eixo teórico do que ele
diz se desloca histrionicamente do eixo da sua experiência real.
“Uma
das coisas mais interessantes, hoje, em Moçambique é que quase todas as pessoas
com algum título universitá- rio (não importa de qual universidade) reclamam-se
académicas, intelectuais e comentadores. Todos podem se dizem poder analisar.
Isso é encorajador e pode ser esclarecedor do conteúdo político da nossa
sociedade.”
Como
é que da premissa de que as pessoas que detém títulos universitários e que julgam-se,
ipsis facto, académicas, intelectuais
e comentadoras se pode deduzir alguma coisa do “conteúdo político da nossa
sociedade”? Que mágica é essa? Para você deduzir qualquer conclusão, você tem
que ter pelo menos duas premissas, uma maior e outra menor, excepto naquelas
situações em que uma das premissas é sobejamente conhecida e pode ser deliberadamente
omissa como no caso de um entimema. Régio comete, aqui, um non sequitur e não
se apercebe disso.
Talvez sejamos um país democrático (reduzo para esse caso
democracia como possibilidade de exercer a liberdade negativa e positiva sem
constri- ção)!!!!
Régio
define democracia como possibilidade de exercício de liberdade negativa e
positiva sem constrição. Esse conceito deve ser escavado um pouco mais. Quer
dizer, da possibilidade da liberdade não se pode deduzir a sua realidade. Se a
liberdade não é uma coisa real, por definição, ela não pode ser possível. Ou
seja, a liberdade não é real porque é possível, mas é possível porque é real.
Portanto, dizer que democracia é possibilidade de liberdade é o mesmo que dizer
que a democracia continua a ser democracia mesmo que essa liberdade nunca
chegue a se actualizar dentro da estrutura da realidade. Ora, para acreditar
nisso, o indivíduo precisa ser muito pueril porque possibilidade de liberdade
existe em qualquer país do mundo até na China, na Rússia, em Cuba, Coréia do
Norte, etc., mas nem por isso diremos que há democracia nesses países.
Por
outras palavras, a possibilidade de liberdade não depende do regime político
vigente num país, não depende do seu sistema de leis, mas depende apenas da
imaginação das pessoas daquele país. Aliás, já dizia aquele grande filósofo
judeu, Moisés Maimónides, que tudo que se imagina é possível. Se as pessoas
forem capazes de imaginar-se negativa e positivamente livre, então, essa
liberdade é possível. E se quer saber, o mais difícil nem é conseguir tornar a
liberdade possível, mas sim imaginá-la porque se você não têm uma cultura
literária no país de altíssima qualidade para reeducar ou treinar o imaginário
da população, nenhuma imaginação será possível. Se nenhuma imaginação for
possível nenhuma possibilidade de liberdade será possível.
Régio
também fala de liberdade sem constrição. Ora, isso é auto-contraditório porque
se você definir liberdade como ausência de coacção, segue-se que a liberdade em
si já pressupõe ausência de constrição. Mas a ausência de constrição nunca é
total porque aí teríamos que admitir que é possível ao ser humano alcançar a
liberdade absoluta, o que é um absurdo. Só Deus tem liberdade absoluta e a
nossa liberdade, enquanto seres humanos é sempre limitada porque ela se dá
dentro de um quadro pré-determinado e limitado pela sociedade em que vivemos,
pela natureza, pelo cosmos e por fim, pelas leis divinas.
Outro
ponto importante é que a nossa liberdade deve ser graduada em função de uma
outra variável bastante importante. Falo da segurança. A liberdade e a
segurança funcionam como vasos comunicantes. Se o estado dá mais liberdade a
população, a população terá menos segurança e se a população tiver mais
segurança, ela terá menos liberdade. Qual é a solução para isso? A moral.
Somente um povo com um padrão moral elevado pode ter liberdade e segurança ao
mesmo tempo. Mas de qual moral estamos falando? Estou falando da única moral
que deu certo neste mundo, a saber: a moral judaico-cristã.
Mas uma das questões que me tenho colocado nos últimos
tempos em relação a essa «evolução» é se esse movimento significa mais debate
em Moçambique.
A
questão não é essa. Ou seja, a questão não é quantitativa no sentido de haver
mais debate e sim qual é o nível desse debate, qual é a atmosfera cultural que
envolve esse debate em todos os seus movimentos reais e possíveis. Não adianta
ter mais debate num país onde o único debate que existe não passa de uma
conversa (vamos dizer) entre o “amém” e o “sim, senhor”. O debate pressupõe o
contraditório, honestidade intelectual entre os debatedores e um equilíbrio ou
mais ou menos isso em termos de conhecimento de ambas as partes acerca do
assunto em debate.
Ao questionar-me dessa forma é
porque estou perplexo em relação ao conteúdo dessas «discussões», desses
comentários. Estou no fundo a interrogar-me sobre a validade e a
consequencialidade desses ditos «debates», sobretudo daqueles que, deveras
vezes, se tem intitulado de académicos ou ainda de intelectuais.
Pelo que se
pode ver, Régio critica aqueles que ele diz se intitularem de “intelectuais”,
mas aqui nesse trecho ele mostra o quão confuso ele está a respeito disso porque
ele está, por assim dizer, confundindo intelectual com activista que é aquilo
que Gramsci chamava de intelectual orgânico que é o individuo que faz a vez de
office-boy do partido ao qual ele pertence ou da causa a qual ele aderiu. Ou
seja, Régio diz que as discussões dos “ditos académicos” lhe causam
interrogação acerca da sua validade e consequencialidade como se o fim do
trabalho intelectual fosse mudar a realidade da sociedade e não a mera contemplação
intelectual da verdade. O trabalho do intelectual consiste em compreender a
realidade, enquanto o trabalho do intelectual orgânico consiste em oferecer
propostas políticas com vista a transformação da realidade que é a coisa
central que Marx advoga nas suas teses contra Feuerbach e me parece que o Régio
se identifica mais com esse último intelectual do que com o intelectual
propriamente dito.
Em Moçambique há um grupo de
pessoas que está a estruturar o seu pensamento dentro de uma matriz do rigor
científico, que produzem um trabalho intelectual e análises que nascem do seu
trabalho que vem com eles com mais de 20 ou 30 ou mesmo 10 ou mais anos de
trabalho. Não é a esses que este pequeno texto se dirige.
Quer dizer, Régio
pretende que os indivíduos que são “intelectuais” a mais tempo, ou como ele diz
a 10, 20 ou 30 anos são os verdadeiros intelectuais e que aqueles que são
“intelectuais” a menos de 10, 20, 30 anos são “pseudo-intelectuais”. Isso é um
erro colossal que tem que ser rejeitado in
limine porque o que determina se alguém é intelectual, um homem de estudos
não é o tempo em que ele anda metido em “discussões” ou em elaboração de
“trabalhos com elevado rigor científico”. Leia o livro de A.D. Sertillange intitulado
“La vie Intelectuelle” e aí você vai compreender o que é ser um homem de estudo,
um intelectual, o que não tem nada a ver com o que o Régio pretende aqui.
O que é uma
vida intelectual? Uma vida intelectual é uma vida do pensamento, uma vida do
espírito como a chamou Hannah Arendt. Uma vida do espírito é uma vida de
constante e abnegada busca da verdade pelo que ela só pode ter como base a sinceridade
de facto e não os anos de “discussão” ou “debates” deste ou daquele indivíduo. Aliás,
se você vai discutir ou debater, isso não tem a menor importância. Isso não faz
de você mais ou menos intelectual. Se você vai fazer trabalho científico, idem.
Você pode ser um intelectual sem que ninguém saiba disso até o último dia da
sua vida ou da duração da história da humanidade, isso não tem a menor
importância. Agora, se você for um intelectual orgânico do partido a que você
pertence e você esteja se arrogando ao dever prometeico de transformar o mundo
a imagem e semelhança da sua porca vida, pode ser que você sinta a necessidade extravagante
de se mostrar em público, na mídia, para debater, discutir, etc.
Régio fala de
intelectuais sérios como aqueles que estão no ofício de pensar a 10, 20, 30
anos e pelo que consta, ele mesmo não tem 10, 20, 30 anos de experiência intelectual,
se é que se pode dizer assim, e, no entanto, ele desce o cacete naqueles que
como ele também não 10, 20, 30 anos de experiência nesse ofício, cometendo,
assim, flagrante paralaxe cognitiva porque o eixo teórico do que ele diz se
desloca histrionicamente do eixo da sua experiência real. Quer dizer, a
situação real do que ele descreve desmente o que ele está dizendo. É caso para
dizer que ele está no mundo da lua, que ele não sabe o que está dizendo.
Porque? Porque faltou aquele exame de consciência que é a condição básica para
a própria busca da sinceridade que é, por sua vez, a base da busca da verdade
que é a verdadeira substância da vida intelectual.
Régio diz que o seu
“… texto pretende reflectir sobre
o que o dito debate politico nos traz em termos de reestruturação da nossa O
meu texto pretende reflectir sobre o que é que o dito debate público nos traz
em termos de reestruturação da nossa compreensão dos fenómenos no país”.
Entretanto,
quando você lê o texto de diante pra trás e de trás pra diante, em nenhum
momento ele faz essa reflexão tão efusivamente prometida. Ademais, não sei se
precisamos de reestruturar a nossa compreensão dos fenómenos no país, até
porque toda reestruturação pressupõe a construção de um sistema teórico
interpretativo de um conjunto de fenómenos como se nenhum fenómeno novo pudesse
ocorrer amanhã ou depois. Não precisamos de novas estruturas, precisamos sim de
voltar as nossas percepções reais e aprender a dizer as coisas como nós as
vemos caso contrário caímos naquela máxima de Hegel que diz o seguinte: “se os
factos contradisserem a minha teoria, pior para os factos”. Quer dizer, agora,
o mais importante já não são os factos mas a narrativa que você coloca por cima
dos factos. Ora, o que é isso senão o desconstrucionismo. É nesse sentido que
eu digo que Hegel foi o pai do descontrucionismo e não Jacques Derrida porque o
desconstrucionismo está subentendido em Hegel. Então, você aprender a dizer as
coisas como você as está vivenciado, essa é a base da sinceridade e é algo
muito melhor que milhões de teorias que só servem como laboratório de controlo
social. Portanto, o intelectual não tem que moldar ou reestruturar a
compreensão social do que quer que seja, ele deve, sim, dizer as coisas como
ele as está vendo e isso é o suficiente.
Como é que é possível que um
Historiador que nunca trabalhou sobre o ambiente aceite discutir sobre questões
ambientais, sabendo que o seu conhecimento é apenas «conhecimento ordinário»
como diz Michel.
Concordo
plenamente com o Régio quando ele diz que um indivíduo só pode opinar sobre um
determinado assunto se ele o tiver estudado profundamente e adquirido um
domínio sobre o mesmo, principalmente se o indivíduo estiver se arrogando a
autoridade científica, por isso que eu nunca apareci em público opinando sobre
o que quer que seja. Todas as minhas opiniões são emitidas em privado, entre
amigos e nunca como reflexões definitivas.
Porém, quando Régio fala sobre colocar
“…as suas opiniões em forma de
sentenças explicativas e menos compreensivas ou ao menos interrogativas, ou
seja, transforma a sua «ilusão do imediato» (Bourdieu) em verdades ou
imperativos categóricos (Kant),
Ele faz uma confusão dos diabos. Primeiro,
uma sentença não pode ser explicativa e menos compreensiva. Isso é uma
contradição pura e simples porque toda explicação é dada no intuito de tornar o
objecto explicado compreensível e não suscitar mais interrogações. Segundo, tornar
algo obscuro não é o mesmo que transformar a “ilusão do imediato” em verdades
ou imperativos categóricos, até porque verdade é uma coisa e imperativo
categórico é outra totalmente diferente. Enquanto verdade, pelo menos no
sentido lógico da coisa é uma adequatio,
adequação entre dois termos, sendo um desses termos o intelecto para
parafrasear o Filósofo Mário Ferreira dos Santos, o Imperativo categórico é
segundo o próprio Kant, você agir de modo que as suas acções se tornem em leis
para as outras pessoas, ou seja, o imperativo categórico tem a ver com projecto
de poder travestido de mandamento divino, enquanto verdade é senso de proporções.
Quer dizer, na sua ânsia de erudição, Régio faz um conjunto de citações que mais
fazem lembrar uma colcha de retalhos. Suas citações não se articulam e não
chegam se quer a ser analógicas. Conforme demonstrado por Allan Sokal &Jean
Bricmont, pseudo erudição pode ser classificada como Impostura intelectual.
Maior parte das discussões que
passam na nossa esfera pública, sempre excepcionando algumas, muitas vezes
estão carregadas de muita carga normativa ou mesmo acabam transformando o
espaço público num lugar de «normação» e «normalização» (Foucault), o que significa
que os seus posicionamentos estão carregados de conteúdos a-estruturados ou
ainda a-investigados. Isso faz-me recordar que em 1989, quando Gaston Bachelard
publicou «la formation de l’esprit scientifique», logo nas primeiras páginas
chamava-nos atenção para evitarmos o entusiasmo fácil e construirmos aquilo que
ele chamou de «paciência científica».
Não concordo
que discussão com uma forte carga normativa signifique que os conteúdos
posicionados sejam a-estruturados ou a-investigados. Se as discussões que têm
forte carga normativa tivessem um conteúdo a-estruturado como é que você iria
reconhecer o conteúdo e dizer que é normativo? Que mágica é essa? Se discussões
com forte carga normativa tivessem um conteúdo a-investigado, essa discussão
nunca iria começar. O problema aqui é ignorar que existem vários níveis de investigação
que vão desde o poético-retórico até ao nível lógico-analítico.
Até onde eu
pude acompanhar, os debates que mais se fazem neste país são a respeito de política
e por natureza esses debates são de cunho normativo e nunca acerca de ideias.
Porque é que eu digo isso? Eu digo isso porque a política não tem a ver com
discussão de ideias, a política tem a ver com poder., i.e., como você alcançar
o poder e como você se perpetuar no poder. Isso foi descoberto por Bertrand
Russel e ele estava certíssimo a respeito disso embora a explicação que ele
tenha dado para os tipos de poder estivesse errado. Portanto, você até pode
fazer um debate brilhante e ganhar a discussão e, no entanto, perder feio no
campo da disputa política.
Agora, é claro
que as pessoas devem ter “paciência científica”, se bem que isso seja apenas
uma figura de linguagem. Mas você se preocupar mais com a polidez da sua
intervenção num debate e querer parecer bonito diante da mídia é simplesmente
algo secundário. O mais importante não é isso. Leia o livro de David Horowitz
“A Arte da Guerra Política” e você vai descobrir que o mais importante é você
se posicionar, passando para o povo ou para a audiência uma imagem que faça com
que as pessoas vejam em você um amigo e não um inimigo, esperança e não medo.
Ao olhar para a forma como a
maior parte dos debates são feitos na nossa esfera pública, fico com a
impressão que se banalizou o espaço público tornando-o num estado concreto,
aquela fase em que o espírito humano confia nas primeiras imagens que lhe
aparecem.
Claramente que
o nosso espaço público está banalizado, mas não porque ele foi transformado num
espaço concreto. Régio diz que um espaço público concreto é aquela fase em que
o espírito humano confia nas primeiras imagens que lhe aparecem. Mais uma vez, Régio
liga ou tenta articular coisas inarticuláveis. As primeiras imagens que nos
chegam ao espírito é por definição a percepção de uma presença, i.e., a
intuição…ela é sempre exacta e em nada tem a ver com espaço público concreto
porque não há acto tão desprovido de testemunha quanto a própria intuição pelo
simples facto dela acontecer no espírito humano.
Régio também diz
que
“no fundo os nossos debates
públicos, na sua grande maioria, não sendo capazes de construir a consci- ência
científica dolorosa que põe em causa todo o dogmatismo e rapidez de análise,
criam e espalham a «ignorância pública»”.
Consciência cientifica dolorosa?! O que é
isto? Depois ele diz que essa tal consciência é aquela que “põe em causa todo o
dogmatismo e rapidez de análise que criam e espalham a ignorância pública”. Régio
pretende que dogmas causam ignorância e nem se quer se dá conta de que os
primeiros princípios da lógica são dogmáticos e não podem ser provados mas eles
mesmos servem de prova para todas as restantes afirmações. Quer dizer, sem esses
primeiros princípios da lógica, como o princípio de identidade, nós não
seriamos capazes nem ao menos de pensar. Para pensarmos temos que partir sempre
de afirmações que são universalmente aceites e elas mesmas improváveis. O
pressuposto da dúvida metódica de Descartes que é uma dúvida absoluta é
impossível. Você só pode duvidar apoiando sua dúvida num ponto arquimédico como
diria Mário Ferreira dos Santos e, no final das contas, é exactamente isso que Descartes
acaba fazendo, ao recorrer a “hipótese” de Deus, tornando, assim, a a dúvida cartesiana
num problema teológico ao invés de filosófico.
Penso que quando Platão se
reclamava dos imediatistas (sofistas) através do mito da caverna (VII livro da
A República) tinha razão, pois que essas pessoas, que são imediatistas que
estão ainda dominadas por certezas imediatas e às vezes com poucos fundamentos,
são perigosas para aquilo que Oskar Negt chamou de «espaço público
oposicional». Se um espaço público oposicional é um espaço de debate de ideias,
de reflexividade, de costuração de um pensamento que consigo traz modificações
profundas na compreensão do que é o nosso país, podemos dizer que o debate em
Moçambique existe em poucas circunstâncias naquilo que chamamos de esfera
pública.
Régio engana-se
quando diz que o mito da caverna fala do imediatismo dos sofistas até porque o mal
dos sofistas não era o imediatismo mas exactamente o mal que foi injustamente
imputado a Sócrates, i.e., o mal de corromper a juventude.
Quando Habermas publicitou o
conceito de espaço público queria frisar que a modernidade tinha produzido o
sujeito capaz de pensar e de reflectir criticamente, aliás, esse é o sentido
que a modernidade deu a esse conceito de sujeito. Há sujeitos críticos nesses
debates?
Não é verdade
dizer que a modernidade produziu o sujeito capaz de pensar e de reflectir
criticamente. O pensamento crítico conforme defendido por Habermas é filho legítimo
da Escola de Frankfurt. Isso nada tem a ver com a modernidade mas sim com a pós-modernidade.
O pensamento crítico defendido por Habermas e seus companheiros da Escola de
Frankfurt como Herbert Marcuse, Teodoro Adorno, Walter Benjamim, etc., que
ficou conhecido como crítica social consistia naquilo que Hegel chamava de
“trabalho do negativo”, ou seja, eles criticavam tudo e nem Marx que era o guru
de todos eles escapou desse rolo compressor de crítica. A ideia dos
frankfurtianos era demolir tudo a base da crítica porque eles acreditavam que a
ordem vinha do caos. Quer dizer, uma coisa masoquista e louca que nos deixa
espantados até hoje pela dificuldade de entender como é que pessoas tão
inteligentes tenham podido descer a escala infernal mais baixa da existência
humana.
Um debate é igualmente uma
questão de coerência de posicionamentos diferentes que valem pela sua
capacidade de produzir visões críticas sobre um determinado processo ou
fenómeno. Em Moçambique é bastante comum e até normal que um mesmo indivíduo
quando estiver, por exemplo, discutindo, digamos, o problema da democracia ou
da liberdade em Moçambique, ser ao mesmo tempo liberal, neo-liberal, comunista,
anti-capitalista sem que compreenda as contradições, dimensões contraditórias
que está a cometer e que acompanham os conceitos fundamentais que usa para
discutir. Isso para mim pode revelar que mesmo que se tenha dado espaço a todos
para participarem dessa «esfera pública», essa participa- ção é ou tem sido
pouco substancial em termos do seu conteúdo. Longe de discutirmos os
fundamentos mesmo dos nossos posicionamentos e verifi- carmos se os nossos
argumentos são sistemáticos, fica-se no pitoresco ou naquilo que Campanella e
Maquiavel de formas diferentes chamaram de pitoresco e traduzido hoje pour
Bouvier como simples demagogia. Maior parte dos debates em Moçambique são
fundados em opiniões sem conteúdo analítico e com problemas profundos de
abstração e demonstração. O debate transforma-se em a-debate.
Veja, essa
confusão em termos de posicionamento num debate em que um indivíduo aparece a
defender ao mesmo tempo o pensamento liberal, neo-liberal, comunista,
anti-capitalista pode ser analisada em dois níveis. No primeiro nível, essa
confusão pode reflectir desconhecimento desses jargões políticos. No segundo
nível, essa confusão pode ser propositada e neste caso não seria uma confusão
propriamente dita mas uma estratégia política bastante subtil como o que o
professor Alexandre Dugin fez com o movimento nacional-bolvechismo.
Por
Xadreque Sousa
Ps: para ler o artigo do Régio Conrado clique [aqui].
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