Na sua
obra aparecem personagens de diferentes classes socias e diferentes cores de
pele. O
Alegre Canto da Perdiz é
exemplar neste sentido. Qual era a imagem estereotípica dos portugueses no
tempo colonial e como mudou esta imagem desde então?
São
várias imagens. O povo olha para o português como alguém superior, no sentido
de ter acesso a conhecimento científico e a outras formas do saber. Depois há a
imagem do opressor. Há um medo terrível dos portugueses. A repressão colonial
foi muito dura. Há medo sobretudo nos mais velhos. Por exemplo, nos livros de
escola, quando eu estudei no tempo colonial, o branco era representado com
chapéu, roupa de safari e uma arma, todo orgulhoso. E o negro era representado
com uma saia de peles, sempre uma imagem caricata. Não me lembro de ter visto
imagens bonitas de africanos nos livros do tempo colonial. Os indivíduos da
raça negra eram sempre retratados de maneira a
demostrar inferioridade. E quando se fala do confronto entre raças há ainda uma
imagem que circula, dos pretos à volta de uma fogueira, e um grande pote com um
branco de chapéu e uma arma lá dentro para mostrar que os negros
eram canibais.
Tenho
hoje 59 anos, quando a independência aconteceu eu tinha 19. E até aos 15 ou 16
anos eu convivia com estas imagens. Sobretudo nas pessoas da minha geração e
das mais velhas existem estas quatro imagens típicas. Frequentei uma escola
primária católica e, quando comecei a ir à igreja, Deus era branco e o diabo
era preto. Com o tempo isso foi desaparecendo, mas ao mesmo tempo continua. Os
anjos de Deus são brancos até hoje, anjos pretos ainda não há.
MEUS COMENTÁRIOS:
As
cores tiveram sempre duplo sentido: o sentido literal e o sentido simbólico. O
sentido literal é como a cor nos é dada pelos sentidos como, por exemplo, quando
dizemos chá verde, chapéu castanho, etc. O sentido simbólico ocorre quando
tomamos esses dados captados pelos sentidos para representar algo que não pode
ser captado pelos sentidos, algo que percebemos na nossa alma como por exemplo,
quando tomamos a cor branca como símbolo da paz, a cor vermelha como símbolo da
vida, a lua como símbolo da Mulher e o sol como símbolo do homem, se bem que
isso já não seja propriamente simbólico mas sim alegórico.
Representar
anjos de Deus com a cor branca não significa que literalmente os anjos de Deus
sejam brancos porque isso seria contraditório com o próprio conceito de anjos
porque sendo os anjos, em stricto sensus, seres espirituais, eles podem se
apresentar com qualquer cor que eles desejarem. E mesmo que eu visse numa visão
beatífica um anjo de cor azul, de vestidos vermelhos, de olhos amarelos e assim
por diante, isso não significaria que aquelas cores são literalmente azul,
vermelho, amarelo, etc. De modo algum. Elas devem sempre ser entendidas
simbolicamente porque a visão, telestata em grego, nunca é óptica mas sim
onírica por isso que um vê e outro não vê malgrado estar situados no mesmo
lugar geográfico.
Portanto, ver racismo no facto dos anjos de Deus serem representados pela cor branca é ter uma visão estereotipada e pueril da realidade. É não entender a fronteira do literal e do simbólico. E pior ainda, imputar essa tendência apenas ao homem branco quando, na verdade, os símbolos, salvo um e outro acidente, são sempre universais, estando mesmo ao nível da mathese como dispositivos ao alcance da humanidade para aplanar as suas diferenças e elevar as suas semelhanças.
O
problema da Paulina e de muitos neste baixo mundo é o de pensar por meio de
chavões, topos (lugar-comuns) e slogans, se é que se pode chamar a isso pensar
porque se pensar como dizia Hannah Arendt, desde Sócrates até Platão
significava travar um diálogo silencioso consigo mesmo, como no monologium de
Sto Anselom, então, sucederia que o indivíduo pensante sairia do literal para o
simbólico, do óptico para o onírico quase que instintivamente e não ficaria por
aí vendo vendo racismo, machismo, exploração do homem pelo homem, etc., onde
não há a mais mínima possibilidade de que isso exista.
Que
opina dos portugueses recém-chegados a Moçambique por causa da crise em
Portugal? São bem-vindos?
É uma relação de desconfiança. Estamos
juntos, mas ninguém sabe o que é que o outro vai fazer. Portanto, os
portugueses que regressam não tiveram o convívio com a linguagem de libertação
moçambicana nem com o processo. Muitos voltam ainda com pensamentos antigos.
São poucos os que vêm de mente aberta. E o povo reage com desconfiança.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Paulina reage com desconfiança à presença dos portugueses em Moçambique e
diz que o povo é que está reagindo com desconfiança. Fez-se algum plebiscito a
respeito? Nada. Montou-se alguma enquete de algum tipo junto ao povo para saber
qual a sua opinião sobre essa matéria? Nada. Quer dizer, Paulina diz “o povo”
porque isso cria em torno do que ela está dizendo uma mística de verdade
quando, na verdade, é apenas a opinião dela e ela julga que essa opinião é
representativa em relação a opinião de 25 milhões de moçambicanos.
Neste momento, os portugueses são o último país da Europa que se pode olhar
com desconfiança no tocante a possibilidade de colonização ou recolonização.
Temos um risco de colonização? Sim, mas não vêm de Portugal, mas da China. Se
em última instância, a economia acaba ditando a política, a moral, as leis, a
cultura, etc., como dizia Marx, é no mínimo razoável admitir que tendo a China
um peso muito grande sobre a estrutura da economia do país que amanhã ou
depois, a China terá em suas mãos às rédeas da nossa política, cultural, leis,
moral, etc., se é que ainda não as têm.
Na época colonial existia a classe dos
assimilados, que abdicavam da cultura africana para obter um bilhete de
identidade e uma série de privilégios. Hoje em dia, os filhos desses assimilados
ainda formam uma classe social específica ou esta questão já não
se coloca?
Tem alguma coisa a ver. Os filhos dos assimilados são aqueles que tiveram
acesso ao ensino. Mesmo no tempo colonial, as poucas pessoas que tiveram
formação em enfermagem, que trabalharam nos serviços públicos básicos, e os
pouquíssimos médicos que apareceram, são filhos de assimilados. E a
independência precisou de pessoas com um novo saber. Então, são os filhos dos
assimilados que assumiram a maior parte dos cargos públicos de poder. Mas há
também um grosso da população que saiu do vazio e que foi estudando, por isso
hoje esta questão está um pouco diluída, mas é visível ainda. O comportamento
de um filho de um assimilado é diferente do comportamento de filhos de uma
pessoa comum.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Nem todos os que tiveram acesso ao ensino e que tiveram formação em
enfermagem eram filhos dos assimilados. O caso de Samora Machel foi disso um
exemplo e tantos outros casos que eu mesmo conheço de pais de amigos meus e do
meu próprio pai que não era filho de nenhum assimilado mas que nem por isso
deixou de ter acesso ao ensino.
Agora, é um pouco anacrónico falar de comportamento de filhos de
assimilados na história presente de Moçambique volvidos todas essas décadas. Há
outras diferenças que estratificam as pessoas em classes em Moçambique e não
necessariamente o ser descendente de assimilado uma vez que uma nova casta
social se constituiu no país quer por via da educação, quer por via da política,
quer por via do domínio do mercado.
E os
mestiços estão na mesma posição social que os assimilados ou é outra
classe social?
É outra classe ainda. E por mim deveria
haver este tipo de estudos. Enquanto os negros lutavam pela independência, os
mulatos ficaram numa situação não muito clara, porque eles tinham o privilégio
dos pais, por isso para eles não fazia muita diferença a independência. Era uma
situação difícil e continua a ser.
MEUS COMENTÁRIOS:
Paulina mente com quantos dentes tem na
boca. Não é verdade que os negros lutaram sozinhos pela independência do país
enquanto os mulatos procuravam definir a sua situação. Isso é uma falsificação
histórica histriónica que deve ser rejeitada in limine.
Pois diga-me, Sra. Paulina, Marcelino
dos Santos é negro ou mulato? Jorge Rebelo é negro ou mulato? Só para citar
alguns exemplos que já bastam para impugnar a tese de que os mulatos ficaram
indiferentes a luta pela independência porque eram filhos dos assimilados como
se não houvesse
também negros assimilados em Moçambique naquela época.
Fora os mulatos que pegaram em arma, há os que fizeram muito pela independência
sem terem pegos em armas como José Craveirinha e Noémia de Sousa, os dois
maiores poetas que este país ingrato já teve o privilégio de ver nascer. Ingrato
sim, sobretudo quando aparecem pessoas sem nenhum conhecimento histórico profundo
a dar show de lamentável inépcia histórica a mais não poder, negando o contributo
dos mulatos no processo de luta de libertação nacional e negando, igualmente,
seu contributo no processo de construção do Moçambique pós-independência.
Vou falar da Zambézia, a província com
maior miscigenação. Ali foi onde eu aprendi que o mestiço ou o mulato é um
individuo sempre numa situação de desconforto, sempre à busca de uma
identidade. Quando está com os negros, é tratado de uma maneira; quando está
como os brancos, é tratado de outra maneira. Ele sozinho tem de criar o seu
próprio mundo. Criam-se assim grupos de mestiços. Há casos de filhos de negras
com brancos que se dissociam da mãe negra e se juntam ao seu grupo mestiço. A
maior parte dessas pessoas mestiças nasce de uma violação ou de uma relação
adúltera, nunca de uma relação socialmente aceitável. Isso, perante os brancos,
cria uma certa discriminação, e perante os negros também.
MEUS COMENTÁRIOS
Quando a Paulina diz que “a maior parte
dessas pessoas mestiças nasce de uma violação ou de uma relação adúltera, nunca
de uma relação socialmente aceitável”, não é isto ofensivo, mormente porque ela
não apresenta nenhuma fonte, nenhum estudo publicado, nenhum dado estatístico
que aponte para isso? Não é isto delito de opinião.
No meu modesto entender, numa escala de
um à cem por cento, maioria significa mais de 50 por cento. Por outras
palavras, segundo Paulina Chiziane, no mínimo, 1 em cada 2 mulatos é filho
ilegítimo. E ela vai mais além no seu show de racismo histriónico ao dizer que
os mulatos são discriminados por serem filhos ilegítimos como se todos os
negros e todos os brancos que existem cá no país e no mundo inteiro fossem
filhos legítimos.
Ora, mesmo que os mulatos fossem, na sua
maioria, filhos ilegítimos como pretende Chiziane, a discriminação que os
mulatos sofrem neste país não seria de ordem racial mas apenas moral como a que
sofrem os doentes de HIV/SIDA, mas acontece que essa Sra. é incapaz de fazer
esse raciocínio tão elementar.
O mulato é um indivíduo que vive um
dilema de identidade. Na Zambézia, como são muitos, começam a criar a sua
própria identidade. Mas sempre oscila entre o preto e o branco. É muito fácil
ver isso na Zambézia, aqui em Maputo nem tanto. Às vezes um mulato quando está
diante de um branco julga-se branco, mas quando está necessitado já se sente
filho de um negro. Quando está ao lado dos brancos, sente-se inferior, mas
sente que está ao lado do poder. Nunca houve estudos sobre a mestiçagem em
Moçambique, mas eu acho que valeria a pena. A identidade é totalmente
influenciada por estes dois polos, preto e branco. Hoje qual a identidade
de um mulato? Está a puxar mais para cima ou mais para baixo? De uma maneira
geral em Moçambique, a situação dos mulatos é muito complicada. Está acima
do negro.
MEUS
COMENTÁRIOS
Não é somente o mulato que padece de crise de identidade, os brancos, os
negros, os vermelhos, os castanhos, os amarelos, os azuis, os violetas, etc.,
etc., todos padecem de crise de identidade.
Se há mulatos que ora se comportam como brancos e ora se comportam como
negros, também há negros que ora se comportam como mulatos e negros que se
comportam como brancos e também há brancos que se comportam como negros e os
que se comportam como mulatos.
E vou mais longe ainda, há homens que se comportam como mulheres e mulheres
que se comportam como homens. Há ricos que se comportam como pobres e pobres
que se comportam como ricos. Há pecadores que se comportam como santos e santos
que se comportam como pecadores e assim por diante. E isso existe em todo
mundo, não somente na Zambézia.
Outra coisa, a identidade não está na sua cor da pele, não está na sua
classe social, não está na sua língua, etc. Tudo isso são acidentes e não a
essência identitária do Ente. Identidade, igualdade por definição, é você ser o
que você é desde a sua constituição mais íntima, independentemente de todo e
qualquer acidente racial, linguístico, etc. Agora, ninguém consegue ser inteiro
desde a constituição mais profunda do seu ser porque quer os nossos
pensamentos, quer as nossas palavras, quer as nossas acções estão cobertas por
inúmeras camadas de elementos estranhos vindos de fora e que não são “Eu”.
Existe aquela famosa pergunta de Ramana Maharshi: “Quem sou?” Nem todo
mundo sabe quem é e, muitas vezes, as pessoas morrem sem nunca ter encontrado
seu verdadeiro eu, quer dizer, elas passam pela vida como meros actores,
estavam a representar um personagem apenas, estavam vivendo de forma meramente
artística e não de forma real e nem se aperceberam disso, o que é muito pior
que representar um personagem como Hamlet, Otelo, etc., conscientemente.
No teatro, o actor sabe que aquilo é somente uma peça e que depois ele
poderá voltar para a realidade, mas o indivíduo que não tem autoconsciência, no
sentido de não ter consciência de si mesmo, é como se ele estivesse
representando um personagem e se esquecesse disso e começasse a achar que
aquilo é a própria realidade. Quando um indivíduo chega a esse ponto é porque
ele neurotizou como disse o psicólogo J. C. Muller quando ele definiu neurose
como uma mentira esquecida na qual você ainda acredita.
E uma das grandes mentiras esquecidas na qual as pessoas ainda acreditam é
o tal do “Eu colectivo”. Quando você começa a transformar a opinião do grupo em
sua opinião sem que ela tenha passado pelo filtro de sua inteligência, quando
você começa a endossar as atitudes, as reacções, o linguajar grupal, etc., é
porque você já neurotizou, você já não consegue atinar com a fronteira entre o
seu teatro mental colectivo do seu grupo de referência e a realidade do seu
próprio eu.
Portanto, o problema do mulato não está na cor da sua pele mas sim nos
nossos olhos. Temos que educar os nossos olhos para verem o que estão vendo ao
invés de ficarmos ouvindo os outros dizerem o que supostamente estamos vendo.
Já dizia Grouxo Max: “você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?” Agora,
educar os nossos olhos significa antes de tudo educar a nossa imaginação. E
como se faz isso? Por meio da literatura. Sendo a literatura um dos elementos
chaves da alta cultura, a mera discriminação baseada em acidentes como cor da
pele, sexo, idade, etc., somente atesta a nossa falta de vida interior. Somente
um povo sem identidade espiritual nenhuma se apega a aspectos meramente
acidentais do acontecer humano como se
esses fossem o fundamento mesmo da realidade.
Em O Alegre Canto da
Perdiz, Delfina deseja engravidar de um branco
para ter filhos mulatos,objetivo que de fato consegue. Depois discrimina os
seus filhos negros e dá preferência aos seus filhos mulatos. Hoje em dia ainda
há mulheres que pensam e agem desta maneira?
A
descolonização é um processo longo. Leva muito tempo. E hoje, neste país
independente, as mulheres negras casadas com brancos, apesar de viverem uma
situação de discriminação, são economicamente mais estáveis. A situação
continua. Eu escrevi O Alegre Canto da Perdiz na Zambézia por uma razão muito simples. Eu tinha uma vizinha que era
mulata ou mestiça (eu não diferencio estes termos). E havia uma mulher que
varria e cozinhava na casa dela. Eu pensei que fosse empregada doméstica. Vim a
saber pouco depois que não era empregada, mas irmã. E quem dava ordens na casa
para as coisas funcionarem era a mãe, a mãe da mulata e da preta. A mulata
quando volta deve ter a comida sempre pronta, a casa sempre limpa porque a
filha negra tem de fazer este trabalho. Criei assim uma relação com a família.
E a senhora preta, a mãe das duas, dizia: “Eu estou bem, tenho boas casas que o
meu marido deixou, o meu marido branco. Tenho uma boa situação financeira, por
causa do pai desta. Agora o pai da outra, o que é que me deu? Nada. Consigo
comer e educar os filhos graças ao dinheiro que recebo do pai desta.” Portanto
é a mãe que fica no meio que faz a distinção rácica. A mãe negra consegue ser
mais racista do que os próprios filhos. Eu conheci esta família no ano 2001
quando fui para a Zambézia trabalhar. Para mim foi surpreendente porque até
àquela altura eu considerava o racismo como defeito do branco, mas o racismo
também pode ser promovido por um negro. Definitivamente, o que nós chamamos
racismo não é mais do que a busca de melhores condições de vida.
Se houvesse igualdade no homem preto e
no homem branco, esta mulher já não agiria desta maneira e não trataria os
filhos assim. Nas províncias de Zambézia e Nampula, encontramos vários casos
destes até hoje. Aqui em Maputo não é muito visível, é muito difuso, mas há.
Mulher casada com branco da Ásia, África do Sul com assistência médica em outro
lugar, com carro, tem acesso aos benefícios do marido.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Não pode ser que
“Definitivamente, o que nós chamamos racismo não é mais do que a busca de
melhores condições de vida”. Não nego que haja mulheres negras que tenham
casado com homens brancos na esperança de melhorar suas condições de vida e eu
mesmo conheço casos assim, mas a recíproca não é verdadeira. Por outras
palavras, nem todo empenho no sentido de gerar melhoria de condições de vida é
racismo caso contrário assim que as pessoas melhorassem suas condições de vida
elas deveriam deixar de ser racistas o que não acontece porque podemos
presenciar actos manifestamente racistas vindo de homens negros e de mulheres
negras que não devem nada aos brancos e vice-versa.
De modo
geral, na nossa época pós-colonial, catalogamosos antigos colonizadores como os
culpados e os colonizados como vítimas. Mas em O Alegre Canto da
Perdiz, os negros não são retratados como puras
vítimas do sistema colonial, mas também como autores de violência e injustiça.
Aparentemente esta distinção entre culpados e vítimas não é tão simples.
Não, não
é tão simples.O projeto colonial para se desenvolver precisou de ajuda dos
negros. E os negros fizeram a sua parte. (Não estou muito bem familiarizada com
a história de Moçambique e da África. Não posso mencionar nem dados nem épocas exatos).
Um dos maiores esclavagistas de Moçambique vivia na província de Niassa e era
negro, o rei Mataca.1 Ele
depois tornou-se muçulmano e teve cerca de trezentas mulheres. Hoje, se fores à
província de Niassa, que é uma província enorme (diz-se que tem a extensão de
toda a França), podes andar cem quilómetros e não encontras ninguém. E eu
procurei saber porquê. O que aconteceu foi realmente o movimento esclavagista
liderado por este rei, que armou todos os soldados e pôs-se a vender a sua
população. Há uns que fogem para não serem apanhados, uns são apanhados, e uma
província inteira ficou despovoada. Não foram os portugueses que fizeram isto.
Este homem era muito poderoso. Ele vendia os escravos aos ingleses, aos
holandeses, aos portugueses… Estabeleceu-se como um grande esclavagista. Na
província de Nampula também tivemos um caso, não sei o nome dele mas foi um
individuo conhecido como um dos maiores esclavagistas. Estes processos têm os
dois lados.
MEUS COMENTÁRIOS:
De facto a nossa história pregressa tem dois momentos, nomeadamente: um
primeiro momento caracterizado pela cooperação dos líderes africanos e um
segundo momento caracterizado pela resistência. Podemos até admitir por
hipótese que os líderes africanos cooperaram naquele primeiro momento porque a
resistência lhes era impossível mas talvez essa perspectiva seja por demais
banalizadora do terrível acto de traição que eles cometeram porque, se calhar,
houvesse algo entre cooperação e resistência como diz Hannah Arendt.
As
personagens do romance O Alegre Canto da Perdiz referem-se
à Zambézia e aos Montes Namuli como o berço da humanidade e, por conseguinte,
como o ponto de referência da sua identidade. Parece-me que ainda não têm uma
noção da “moçambicanidade”, de uma possível identidade nacional moçambicana, só
de uma identidade regional, zambeziana. Acha que hoje em dia há uma identidade
cultural moçambicana?
Eu acho que existe. Nós estamos num
espaço geográfico desenhado artificialmente e temos um elo comum, a história da
escravatura, a colonização feita pelos portugueses, falamos a mesma língua
nacional, estamos comunicados. E essas guerras que houve, tanto a guerra da
libertação nacional como a guerra civil, tiveram coisas muito más, mas também
coisas muito boas, como esta mistura entre as culturas. Houve sempre um
movimento de norte a sul e hoje a gente vai a qualquer canto do País e encontramos
gente de todas as origens. As pessoas começam a conviver juntas. E isso para
mim é o início do processo de construção de uma identidade que levará talvez
mil anos, ou menos. É um processo muito longo.
MEUS
COMENTÁRIOS
É muito forçado falarmos em identidade nacional em Moçambique. Territorialmente,
as regiões do país não são idênticas, as línguas não são idênticas, as culturas
não são idênticas. Se percorrermos o país de norte a sul e vice-versa, a
impressão com que ficaremos é de que percorremos três países distintos e não
três regiões de um mesmo país.
Neste sentido é que eu digo que falar em identidade nacional moçambicana é
muito forçado se quisermos olhar a coisa sob a perspectiva territorial,
linguística, cultural, etc. Ora, se não podemos falar em identidade nacional
dos moçambicanos nesse sentido, em que sentido é que podemos fazê-lo? Podemos
fazê-lo no sentido normativo ou legal por meio da constituição da república. Ou
seja, num país com a diversidade territorial, linguística, cultural, etc., de
moçambique, a constituição da república deveria ser um elemento unificador e
portanto ter um carácter sagrado como acontece, por exemplo, com a constituição
norte americana. Mas o que acontece por aqui é que trocamos de constituição com
a mesma frequência com que trocamos de cueca, aliás, trocamos mais de
constituição do que trocamos de cueca. Porque? Porque a nossa constituição não
se baseia em princípios universais e eternos mas sim na moda do momento.
Explico-me: quando o comunismo marxista-leninista estava na moda, a nossa
constituição era comunista. Quando o comunismo saiu de moda e a democracia
entrou na moda, jogamos na lata de lixo a antiga constituição comunista e
fizemos uma outra mais democrática (?)
É claro que fazer da constituição da república o símbolo aglutinador da
nação não significa jogar os elementos culturais no lixo e ficar apenas com o
aspecto normativo da coisa como se quiséssemos fazer um purismo identitário
como na pretensão de Hans Kelsen de fazer uma teoria pura do direito. De modo
nenhum. Eu me refiro antes pelo contrário a necessidade de, partindo da
perspectiva de Miguel Real da tridimensionalidade do direito, arbitrar
dialecticamente os aspectos normativos, culturais e naturais do povo
moçambicano de modo a se extrair disso princípios universais e auto-probantes
que sirvam de fundamento para a dedução da racionalidade moçambicana.
Então as guerras tiveram o efeito positivo
de os moçambicanos se ficarem a conhecer por causa das migrações forçadas…
Exatamente.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Isso nem merece comentário, somente desprezo!...
Em Niketche apercebe-se
muito bem que o Sul de Moçambique é marcado por estruturas patriarcais e o
Norte por matriarcais. Em que medida as estruturas patriarcais, que são muito
mais poderosas a nível global, se sobrepõem às matriarcais?
A cultura patriarcal mais forte é o
islamismo e por isso está muito presente no Norte de Moçambique. Ali o
matriarcado não sobrevive. Depois, o Estado tem leis patriarcais herdadas de um
sistema europeu judaico-cristão. Outro fator é que em Moçambique as grandes
lideranças vêm do Sul que é tradicionalmente patriarcal por excelência. Estas
pequenas comunidades matriarcais estão a correr risco de desaparecimento. Ainda
se encontra o modelo perfeito do matriarcado, mas é raro. Todos eles estão a
ser penetrados pelo islamismo, pelo Estado, pelo cristianismo e pelas culturas
do Sul. Como se trata de poder, os homens seguram-se a isso e dominam.
MEUS
COMENTÁRIOS:
O que? A cultura patriarcal está muito presente no Norte de Moçambique? O
matriarcado não sobrevive no norte de Moçambique? Faz favor, porra! Eu não
acredito que estou comentando isso, meu Deus do céu!
Outra coisa, só o patriarcado é que se trata de poder e o matriarcado não?
Que brincadeira é essa? Veja, segundo o filósofo Olavo de Carvalho, poder é
possibilidade concreta de acção. No patriarcado, os patriarcas tem mais
possibilidade concreta de acção que qualquer outro fulano porque eles é que tem
os meios de acção. No matriarcado, idem.
Historicamente, pelo menos no que concerne ao caso de Moçambique, quer no
norte, quer no sul do país, essa relação de autoridade e subordinação não é
natural mas sim resultado de factores económicos. Por outras palavras, o papel
provedor da mulher no norte deu-lhe esse papel de destaque sobre o homem e no
sul o papel de provedor do homem deu-lhe esse destaque. Aparentemente é isso!
Todavia, volvidos muitos séculos e até milénios, temos hoje, não somente
nas europas mas também cá por estas bandas pelo menos ao nível das cidades uma
situação em que as mulheres conseguem prover por si próprias as suas
necessidades e os homens, idem, entretanto, ao invés da materialização da tão sonhada
igualdade de género, o homem continua tendo autoridade sobre a mulher e sobre
os filhos. Por que será? Primeiro, a explicação da origem do patriarcado com
base na hipótese de que nessas regiões onde o patriarcado se impôs o homem era
o provedor está errada porque até mesmo nas regiões onde impera o matriarcado
os homens nunca perderam a sua autoridade malgrado as mulheres serem
provedoras.
O que eu quero dizer é que a autoridade do homem não deriva do facto dele
ser provedor, mas sim do facto dele ser o protector. Em qualquer situação de
guerra você vê quem tem autoridade sobre o outro, se é a população civil ou se
são os militares. É claro que são os militares. E no nosso dia-a-dia, a nossa
relação com os policiais atesta isso. Quer dizer, qualquer pessoa que vai
protegê-lo tem que ter autoridade sobre você.
Não se trata de machismo. Não se trata de opressão, caso contrário
autoridade não seria autoridade. Veja, autoridade quer dizer poder delegado e
não poder usurpado ou poder tomado à força. E hoje em dia com o feminismo está
acontecendo um fenómeno muito estranho o qual foi descrito por G.K. Chesterton,
i.e., o fenómeno das mulheres preterirem a autoridade dos maridos para estarem
sob a autoridade do Estado. Agora, o que é o Estado? O estado é um grupo de
pessoas anónimas e mal-intencionadas. Quer dizer, é aquilo que se diz no
nordeste brasileiro: saída de leão e chegada de cão.
Na
semana passada falei, em Pemba, com um homem de negócios do Quénia.
Ele viaja regularmente entre o Quénia e Moçambique e disse-me: “As mulheres
macua são muito agressivas.” Tive a impressão de que ele se sentia de certa
forma ameaçado pelas estruturas matriarcais.
Os homens não estão preparados. Uma
mulher macua, quando não está satisfeita na cama, ela reage. E a comunidade à
volta dá-lhe razão porque ela tem direito ao amor e ao sexo. Toda esta gente do
patriarcado não entende isto. Essa para mim foi a marca mais forte. O desejo
mais profundo de uma mulher do matriarcado é respeitado, por exemplo quando ela
diz: “Eu gosto de ti, eu quero casar contigo.” A mulher vai à guerra, vai
buscar um homem, enquanto que no patriarcado a mulher tem de esperar que
apareça um qualquer.
Eu sou do Sul. A educação que tive aqui
é esta: uma mulher não pode dizer o que pensa ou o que sente, tem de obedecer a
tudo o que o homem faz. As macuas não. Elas existem, elas reivindicam. Deve ser
esta questão que o queniano sentiu.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Eu comento essa questão do amor mais adiante pelo que não vou me repetir
aqui. Mas quero deixar uma nota: pelo que vejo, o tipo ideal de mulher para
Paulina, ou o que uma mulher tem que ser para Paulina é aquilo que o poeta
francês Charles Baudelaire chamou de mulher fálica. Esse tipo de mulher está
muito bem retratado no romance de Charles Flaubert, com o título “Madame
Bouvarie”, um clássico da literatura francesa e universal.
Não há nenhum fenómeno social que não esteja retratado na literatura. Na
verdade, a literatura é isso, uma matriz de vidas possíveis. Para quem leu o
romance de Flaubert sabe como é que Emma Bouvarie, a madame Bouvarie terminou.
Você pode dizer: mas isso é só ficção e nunca vai acontecer. Veja, a função da
literatura é educar o nosso imaginário mas não educar por educar, mas sim
educar o nosso imaginário para ampliar nossa possibilidade de vida. Já dizia o
filósofo judeu Moisés Maimónides que tudo que nós imaginamos é possível.
Quando Flaubert escreveu Madame Bauvarie foi um escândalo. Aquele tipo de
mulher não existia na europa do seculo XIX, mas agora, volvidos três seculos,
com o advento do movimento feminista internacional você encontra uma Emma
Bouvarie em cada esquina. Quer dizer, o que ontem era ficção, se tornou a
realidade mais banal dos nossos dias.
Em
certo sentido a cultura macua é muito moderna. No meu país, na Alemanha, as
mulheres hoje têm pleno direito a exigir o seu prazer sexual, mas isto só
aconteceu depois de muitos anos de luta feminista…
A outra questão importante é o próprio
processo de colonização. A colonização portuguesa considerou os povos africanos
sem cultura. Quiseram impor a sua própria cultura julgando-a superior. Mas
entre os povos africanos já havia estes casos muito avançados.
MEUS
COMENTÁRIOS
Existe uma cultura superior a outra? Sem dúvida alguma. Uma cultura fundada
em valores universais e eternos é superior a todas as culturas fundadas em
valores particulares e transitórios. Por exemplo, pode-se dizer, neste sentido,
que a cultura dos judeus é superior a cultura dos Mayas e dos Aztecas e a prova
é que uma permanece até aos nossos dias, a dos judeus porque fundada em valores
universais e outras, a dos mayas e aztecas desapareceram porque fundada em
valores particulares e efémeros.
A outra face da questão é que Paulina nega a superioridade da cultura
europeia sobre a cultura africana sob o pretexto de que em África já existiam
mulheres que reivindicavam seus direitos sexuais como acontece na europa pós-moderna
com o advento do movimento feminista. Mas não é o feminismo que torna a cultura
europeia superior a cultura africana, muito pelo contrário, o feminismo é um
elemento estranho à cultura europeia e somente contribui para a destruição
dessa mesma cultura conforme amplamente defendido por Marx e Engels. É só ir
ler o manifesto comunista que está tudo lá.
Mais uma vez, o que é cultura europeia? É um sistema que combina os valores
morais tradicionais judaico-cristãos com a liberdade de mercado. Agora, Paulina
e essa sua entrevistadora confundem tudo, se por inépcia ou por pura maldade
não sei, mas você dizer que o feminismo é cultura é o cúmulo de inépcia
intelectual, quer dizer, você não sabe distinguir um valor de um anti-valor.
Não obstante, chega a ser um delito de opinião você confundir a cultura
europeia com feminismo porque se a cultura europeia se respalda nos valores
tradicionais judaico-cristãos, segue-se que o feminismo não passa de joio no
meio do trigo.
Às vezes digo: nós abraçámos o
cristianismo e muitos valores do colonialismo cegamente. Hoje estamos em busca
de um paraíso que já tínhamos e perdemos. Por exemplo, mesmo na nossa região
bantu do Sul, onde o homem é muito poderoso, uma mulher quando se casa vai
viver para casa do marido, mas nunca perde o seu nome e a sua identidade. No
cristianismo não, a mulher casa e tem de adotar o nome do marido. E a
justificação é que ela, como entidade individual, traz uma história e a
proteção dos seus antepassados. Se ela perder o nome da sua própria família,
vai perder a proteção dos antepassados e a família não será feliz.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Quer dizer, por um lado, Paulina critica as formas tradicionais de família
porque são patriarcais e opressivas. Por outro lado, quando se trata de atacar
a cultura ocidental ela toma partido desses mesmos sistemas patriarcais e
opressores. Ora, assim não dá, ou você é a favor ou você é contra. Agora ficar
fazendo esse jogo duplo, ora, quem não sabe que isso a bilingue maledictus é
coisa do diabo, o pai da mentira sistematizada, que é o que Paulina faz, se
calhar, na vã esperança de que alguma dessas mentiras se tornem verdade como
naquela famigerada técnica de Goebells da mentira repetida que se torna
verdade, mas acontece que a mentira nunca se torna verdade, o mínimo que pode
vir a acontecer aí é você se tornar num neurótico.
Paulina acusa o cristianismo de irracionalismo e, no entanto, volta e meia
pretende ela que se uma mulher receber ou adoptar o nome do marido ela vai
perder a protecção dos antepassados e a família não será feliz. Não obstante
essa inépcia intelectual, ela pretende que os africanos já tinham Deus antes
dos europeus desembarcarem nesse baixo mundo. Por ventura, pretende Paulina que
Deus seja os espíritos dos antepassados? Não saberá ela que um deus que tem
antepassado por definição não pode ser Deus? Por ventura, não percebe ela que
apelar para a protecção dos antepassados é prática de feitiçaria e que não é
próprio de pessoas cultas, as quais são guiadas pela razão iluminante e não
pelos poderes pseudo-divinos de um demiurgo mefistofélico travestido de
ancestralidade?
Se Paulina não sabe, eu, pois, digo-lhe o que é cultura: “cultura é um
sistema de valores em torno do qual se constrói o imaginário colectivo de um
povo”(sic). Então, cultura está para valorizar o homem, para elevá-lo. Neste sentido,
nem todo hábito ou costumes elevam o homem. Nem todo o hábito ou costume cultivam
o homem, o tornam culto. Por outras palavras, o conceito antropológico de
cultura é muito limitado.
O curandeirismo ou a feitiçaria longe de elevar o homem aos patamares mais
altos da intelectualidade, da espiritualidade, o fazem descer as profundezas,
aos abismos mais escuros da ignorância, da animalidade, tornando o homem um
parente próximo dos demónios ao invés de parente próximo das consciências angélicas
e imagem e semelhança do criador.
De acordo com a nossa tradição bantu,
uma mulher deve ser tratada pelo nome dos seus antepassados. Vieram os
portugueses e disseram que isso era atrasado. E os assimilados absorveram este
pensamento religioso como valor. Hoje as mulheres moçambicanas exigem direitos
de coisas que já tinham e perderam por receber um sistema sem analisar em
profundidade as coisas. Claro, tratando-se de uma situação colonial não
tínhamos muita chance.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Essa exigência de igualdade de direitos entre homens e mulheres não é
somente coisa de mulheres moçambicanas, mas se trata de um fenómeno global, o
que deixa claro para quem quiser ver que isso vem de fora e não é invenção cá
da banda.
O feminismo, o gaysismo, o abortismo, etc., é tudo farinha do mesmo saco. É
tudo peças da engrenagem da grande máquina global. Por outras palavras, é tudo
parte de uma estratégia capciosa para implantar o governo global e as loucas dessas
feministas nem se apercebem disso porque não passam de idiotas úteis para usar
o vocabulário de Lénine.
As mulheres não vão ganhar nada com essas reivindicações. Elas só vão se
prejudicar cada vez mais como temos visto acontecer porque numa sociedade em
que as mulheres têm direitos iguais aos dos homens o sustento dos filhos acaba
incumbindo aos dois. Ademais, o governo pode convocar as mulheres para irem
para guerra. Quantas mães solteiras esse movimento feminista não produziu?
Quantos filhos sem lar? Quantos filhos de Karl Radek isso não gerou? E vocês
ainda acham que isso é vantagem?! Ora, façam-me favor, isso é empulhação.
Mas as culturas africanas têm muito a
dar ainda para o desenvolvimento do mundo.
MEUS COMENTÁRIOS:
Se é somente cultura africana, então não
tem nada a dar ao mundo. Você somente pode dar ao mundo aquilo que tem valor
universal e não aquilo que tem valor particular, local. A cultura europeia
assenta-se nos valores judaico-cristãos e esses valores são universais e não
particulares. Quando a moral judaico-cristã diz: não matarás, não cometerás
adultério, não dirás falso testemunho, ama ao teu próximo como a ti mesmo,
etc., isto não são valores particulares mas universais.
Para mim que vivi entre as macuas,
quando olho para as lutas feministas do mundo, eu digo-me “Mas nós tínhamos
isso”. E os movimentos feministas, mesmo em Moçambique, quando lutam pelos
direitos da mulher usam o modelo europeu, e não vão buscar experiencias
práticas provenientes da nossa própria cultura. Não diria que nós temos
feminismo, mas temos uma tradição, várias tradições. Mesmo no patriarcado mais
severo a mulher tem alguns direitos. Na Europa a mulher não era nada. O
cristianismo deles chegou aqui e derrubou tudo, não reconhece a mulher como
coisa nenhuma.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Mais uma vez, Paulina mostra que não conhece a história universal. É uma
mentira histriónica dizer que na Europa cristã a mulher não era nada antes do
advento do movimento feminista. Quer dizer, Paulina nunca ouviu falar da Rainha
Victória, nunca ouviu falar de Maria Teresa da Aústria, nunca ouviu falar de
Isabel de Castela, nunca ouviu falar da Rainha Elisabeth I, nunca ouviu falar
de Catarina II da Rússia, só para citar os nomes mais poderosos.
Portanto, dizer que o cristianismo não reconhece a mulher como coisa
nenhuma é uma mentira histriónica. É somente você olhar em redor e ver como é
que as mulheres são tratadas no mundo não cristão e comparar com a forma como
elas são tratadas no mundo cristão. O que Paulina diz é uma empulhação rasteira
própria de vigaristas!
Já
falamos do fato de a guerra civil contribuir para a formação de uma identidade
nacional. Pensemos em Ventos do Apocalipse. As
mencionadas migrações, as pessoas que fugiram e abandonaram a terra com a qual
mantêm ligações ancestrais, não levaram a problemas a nível espiritual? Ou
seja, nas crenças africanas os espíritos habitam a terra em que nasceram. E
neste sentido as migrações não causaram certo distúrbio espiritual?
É muito
interessante esta pergunta. Não vou dar uma resposta muito certa. Esta é uma
outra área de estudo. Voltemos um pouco atrás, ao tempo das guerras tribais.
Houve muitas lutas entre os zulus, os ndaus, os rongas, os changanas.2 Hoje
em dia, as pessoas um pouco mais velhas que eu que dizem que têm espíritos,
quando entram em transe, falam zulu que é do Sul, e falam ndau que é do Centro,
e falam outras línguas. Quando entram em transe, falam as línguas das pessoas
que morreram durante as guerras tribais. Há uma dinâmica que se criou por causa
das guerras antigas. Hoje, com estas guerras e estas migrações, começam a
existir fenómenos também interessantes. Segundo me parece, este mundo também é
dinâmico. A entrada de uns e outros cria conflitos mas depois estabelece-se uma
relação de harmonia.
MEUS COMENTÁRIOS:
Quando Paulina diz: “… as
pessoas um pouco mais velhas que nós que dizem que têm espíritos,” está a
pressupor que há pessoas que tem espíritos e que há pessoas que não tem espírito,
o que é um absurdo. Ela não especifica de que espírito está falando. Se ela
estiver falando do espírito desprovido de qualquer acidentalidade, ou seja, do
espírito em si, segue-se que o que ela diz é um absurdo. Agora, se ela está
falando dos espíritos que incorporam nas pessoas nos terreiros de curandeirismo,
a minha questão é por que ela diz somente espíritos.
Há dias
ouvi falar de um senhor português que entrou em transe e falou maconde do Norte
de Moçambique. É um homem que participou na guerra, e sempre viveu com o
sentimento de remorso de ter feito alguma coisa que não devia ter feito durante
a guerra. E de repente ele enlouquece e começa a falar maconde como um maconde
de Cabo Delgado. Os médicos dão uma explicação, os próprios macondes dão outra.
Para o médico há todo um clima que favoreceu aquela situação, mas para os
macondes é o regresso de gente do passado, dos espíritos. Mesmo neste mundo
existe dinâmica. Uma conhecida minha que já faleceu, quando entrava em transe
falava todas estas línguas, nguni, zulu, e era daqui. Portanto há ruturas, mas
mais tarde isso vai criar uma dinâmica, uma nova compreensão da vida.
MEUS COMENTÁRIOS:
Ora, se
eu falo em línguas estranhas, ela me é estranha porque nunca a ouvi e nunca a
aprendi de ninguém, ou seja, ela não passa pelo filtro do meu entendimento
porque se eu a entendo ela deixa de ser estranha pelo que não se pode tratar de
um fenómeno psicológico malgrado ter implicações psicofísicas. Outro ponto
ainda, uma vez que essa aprendizagem é imediata e não mediata porque não é
mediada pelo entendimento, mas é um conhecimento directo, logo estamos perante
uma intuição e a intuição é sempre um acto do espírito e não um acto da psíque
e muito menos dos órgãos dos sentidos.
Isso não
significa que eu esteja anuindo a tese da Paulina dos espíritos de gente do
passado que está regressando. De modo nenhum, até porque essa colocação é muito
ambígua. O que ela quer dizer com espíritos dos antepassados? Se ela quer se
referir aos próprios antepassados ipsis literis, então, estamos perante a
hipótese da reencarnação, o que é um absurdo. Se ela quiser com isso se referir
apenas a natureza da alma dos antepassados conforme a definição de espírito
dada por Webster, ainda pode ser possíel, mas neste caso, essas tais pessoas
teriam que fazer o que as pessoas que tinham aquela essência de alma fizeram e não
simplesmente falar a língua que os antepassados falaram, ou uma língua
desconhecida qualquer porque isso não prova nada senão apenas que aquela pessoa
teve uma intuição que pode ser verdadeira ou falsa, dependendo se essa intuição
vem de cima, das esferas celestes do espírito humano ou se vem de baixo, dos
degraus mais inferiores da animalidade humana como uma mímese contra-feita
daquilo que é autêntico, superior e verdadeiro.
Já ouvi
falar várias vezes que curandeiros ou curandeiras quando entram em transe conse
guem falar outras línguas e pergunto-me se são línguas que ouviam, por exemplo
na infância, mas nunca aprenderam a falar ativamente, e, portanto o cérebro tem
um tipo de memória destas línguas que num estado sóbrio e acordado não é
acessível para a pessoa, mas em estado de transe sim. Não sei se esta
explicação dá conta deste fenómeno.
Acho que não. Eu entendo as coisas da
seguinte maneira. Todo o trabalho científico, as descobertas científicas que se
fizeram até hoje, segundo os próprios cientistas, fazem parte de dez por cento
da capacidade cerebral. O mundo é um infinito e o ser humano com estes dez por
cento ainda não alcançou a dimensão do infinito.
MEUS COMENTÁRIOS:
Para você afirmar que usamos apenas dez
por cento da nossa capacidade cerebral você teria que conhecer toda capacidade
cerebral do homem e sem deixar de levar em conta que a capacidade cerebral dos
homens não é espécie do mesmo género. Agora, como você faria para conhecer toda
capacidade cerebral do ser humano sem ter toda capacidade cerebral? É a isso que
se chama um problema kantiano. Isso é uma pegadinha. Isso é o velho Zenão de
Eléia de novo, e de novo e de novo.
Não obstante, para tal ventura de
conhecer a capacidade do cérebro humano, essa capacidade cerebral teria que ser
um sistema fechado que permitisse ao investigador abarcá-la e subordiná-la, mas
acontece que nada em nós é um sistema fechado e até mesmo uma célula não é um
sistema fechado visto que recebe toneladas de energia vinda de fora. Já dizia
Jean Baptista Vico que nós somente conhecemos aquilo que nós mesmos fazemos e
uma vez que não fomos nós que fizemos o cérebro, o conhecimento da sua
capacidade sempre será analógico e nunca rigoroso. Quer dizer, só Deus conhece
a capacidade do cérebro humano porque foi ele quem fez o cérebro humano.
Agora, dizer que “o mundo é um infinito”
é um absurdo tão grande porque o próprio mundo já é um pontinho perdido no
infinito e a existência de dois infinitos é uma absurdidade lógica pura e
simples.
Há muita coisa ainda que tem de se
descobrir. O meu ponto de vista é que é preciso haver uma abertura maior para
fazer uma pesquisa mais profunda sobre estes fenómenos porque afetam muitas
pessoas. Por exemplo, aqui em Moçambique, quando este tipo de coisas acontece,
o primeiro recurso é a psiquiatria que funciona num modelo racional e europeu.
As pessoas são tratadas com remédios que são bons, mas há casos em que o
remédio não resolve e é preciso uma outra terapia. O conhecimento ocidental nem
sempre resulta. Durante a guerra civil a minha mãe teve um trastorno
psicológico sério, causado pela morte violenta de um irmão, e levámo-la à
psiquiatria, ela fez o tratamento psiquiátrico, mas o fenómeno não passou. Uma
médica urbana tomava conta dela. A minha mãe melhorou, mas não ficou bem. A
psicoterapia que se tentou fazer também não resultou e fomos transferidos para
um psiquiatra zambiano. O psiquiatra começou a fazer perguntas sobre as origens
e as crenças da minha mãe. Fomos explicando que ela vem de uma tradição forte.
O médico disse: “Para a vossa mãe ficar melhor, é preciso leva-la de novo às
raízes da sua tradição. Porque é uma linguagem que ela entende e a partir daí a
reação dela vai ser diferente.” Agora um psicólogo, que normalmente é uma
menina muito bem vestida, que fala português, que usa sapatos de salto alto, ou
um homem bem vestido, não vai ao subconsciente dela. Tem de ser um curandeiro,
igual àquele que ela conheceu na infância, e tem de fazer um ritual que está
muito mais próximo dela do que aquilo que nós fazemos. O meu pai não queria,
mas acabou aceitando. Trouxe o curandeiro a casa. A minha mãe olhou para o
curandeiro que começou a falar, a fazer uma e outra coisa. Foi surpreendente a
reação dela. Ela disse sim, reconheço, é o espírito da mãe da minha mãe e
começa a comunicar com o espírito. A curandeira, que lida com estes assuntos e
sabe perfeitamente como fazer o seu trabalho, fez o papel da mãe da mãe dela
que lhe trazia paz, tranquilidade, a bênção, todas estas coisas boas. Uma
semana depois a minha mãe estava muito bem.
Então, analisando racionalmente o papel
da curandeira, ela não fez nada mais, nada menos do que situar a pessoa no seu
mundo com os sinais que ela compreende e que a ajudaram tranquilamente a
ultrapassar o problema. Quando os europeus chegaram com a supremacia do seu
saber cultural, para eles a medicina era uma questão mecânica: ele está doente,
tira o dente ou põe um dente postiço e já está. Quando começam a ver que a
máquina e o mecânico falham, então vão buscar uma figura chamada psicólogo. O
psicólogo é aquele que estuda segundo os padrões de Europa, sem reconhecer que
há uma série de outros fenómenos do ambiente que fazem com que o africano seja
o que ele é. Com isso eu quero dizer que para um desenvolvimento harmonioso de
uma cultura tanto africana como europeia, há uma série de saberes que precisam
de ser resgatados e estudados. O que hoje se considera irracional, quem sabe se
amanhã será considerado racional. O importante é caminhar ao encontro da verdade
das coisas.
Outra questão interessantíssima é a
seguinte: quando os europeus chegam com a sua grandeza, dizem logo, os
africanos não conhecem Deus, não têm igreja. Têm de ter uma Igreja grande para
Deus vir e rezar. Eles fazem cultos rudimentares e primitivos em baixo das
árvores, aquela caricatura que se faz. Mas um bom oficiante tradicional vai
explicar onde é que se faz a melhor oração para Deus: não pode haver paredes. É
preciso um lugar aberto porque Deus é invisível. Está em todas as forças do
cosmos, lua, estrela, mar, água, árvore, tudo.
COMENTÁRIOS:
Quando os europeus diziam que os
africanos não conheciam a Deus, isso não é uma mentira. Qualquer historiador de
religião sabe que o monoteísmo começou com Abrãao e que somente o judaísmo, o
cristianismo e o islamismo são religiões monoteístas. Os africanos tinham
deuses e não Deus. O que são os deuses senão divinização das forças da natureza
e dos resquícios subconscientes da psique humana?
Dizer que Deus “está em todas as forças
do cosmos, lua, estrela, mar, água, árvore, tudo”já é fazer apologia do
panteísmo. Se Deus está em tudo, então, você pode até canonizar um cão, um
porco, uma serpente, um rato, etc., o que já é, de per si, bastante ofensivo
para dizer o mínimo.
Um deus que está num lugar não é Deus
porque neste caso o lugar teria que ser maior que o próprio Deus para abarcá-lo
e subordiná-lo. Quando se diz que Deus está na igreja isso não é literal, é
apenas uma figura de linguagem. Por outras palavras, Deus não está na igreja
sob a mesma modalidade em que nós estamos quando estamos na igreja porque como
disse São Paulo, o Apóstolo: nele somos, existimos e nos movemos. Quer dizer,
Deus abarca e subordina todo o existente e não o contrário.
Agora, a melhor oração não se faz num
lugar específico porque Deus não está num lugar. Onde é que Deus está? Sto
Agostinho dizia que Deus habita na interioridade da alma humana. É aí onde se
faz a verdadeira oração. É claro que se referir a interioridade da alma humana
que é o seu espírito como um lugar também é uma figura de linguagem porque o
espírito humano não é um lugar mas uma presença que sustenta o eu.
Então, a verdadeira oração para
chegar a Deus tem de ser fora, não pode ser dentro da igreja.
MEUS COMENTÁRIOS:
Paulina mente com quantos dentes tem na
boca, o que também prova que ela nunca orou e portanto não sabe do que está a
falar e comete o pecado de soberba porque sendo uma ignorante do assunto
pretende se auto constituir rabi do mesmo.
Deus não responde dentro da igreja? Em
primeiro lugar, Paulina confunde igreja com lugar de culto. Essa é uma
colocação pueril da questão porque a palavra igreja vem do grego eclesia que
significa chamados para fora, portanto, falando de pessoas e não de lugar como
disse Cristo: “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, eu estarei no
meio deles”.
O que Paulina queria dizer, se calhar, é
que a verdadeira oração para chegar a Deus não pode ser feita dentro de um
templo. Isso também é confuso e irrelavnte porque sendo Deus Espírito, ele não
está nem dentro, nem fora do templo senão apenas como figura de linguagem.
Não é o lugar que diz que a oração é
verdadeira ou falsa até porque, sendo a oração uma praticidade humana, ela só
pode se fundar no axio-antropológico do certo e do errado, portanto, não pode
ser verdadeira ou falsa como se a oração fosse uma actividade meramente
especulativa quando, na verdade, ela é uma actividade contemplativa e também prática.
Por outras palavras, a oração é uma actividade concreta. Mas não o conceito
comum que fazemos do concreto, mas concreto tomado no sentido específice,
especifico de com crescior que é crescer junto.
São Paulo, o apóstolo diz que nós não
sabemos orar como convém o que corrobora o que eu expus no parágrafo anterior
acerca da praticidade humana da oração fundada no axio-antropológico do certo e
do errado ou do conveniente e do incoveniente. Portanto, é lamentável que
pessoas afectando superioridade abram a sua boca para falar de coisas que não
estudaram simplesmente porque tem ódio pueril a coisa como se a expressão desse
sentimento inferior fosse um argumento e não uma prova insofismável de “caracter
assassination” como diria Hannah Arendt.
Hoje, uma coisa que ainda precisa de ser
debatida e aprofundada é esta crença que a religiosidade tem de ser feita em
catedrais e que os africanos, de uma maneira geral, recusam porque para eles
Deus é a expressão de todo o cosmos.
COMENTÁRIOS:
Primeiro dizer que a religiosidade tem
de ser feita em catedrais é no mínimo uma má colocação da questão porque para
começo de conversa a religiosidade é um ente de razão e só pode ser tratada
incomutavelmente, portanto, ela é eterna e uma coisa eterna, uma coisa que é
tota simul, que é desde todo o sempre não pode ser feita nem desfeita como
pretende a Sra. Paulina.
COMENTÁRIOS:
Segundo, é uma tolice você dizer que
Deus é a expressão de todo o cosmos porque isso faz com que o cosmos seja maior
que o próprio Deus, fazendo de Deus apenas um recorte, um pedacinho da
totalidade do cosmos. O mais razoável seria dizer que o cosmos é a expressão de
Deus e não o contrário. O que é o cosmos? O cosmos é a beleza e a ordem que
existem no universo. Entretanto, nem toda essa beleza ou ordem é a expressão do
divino mas apenas a sua unidade, por isso eu disse que seria mais razoável e
não fiz nenhum apelo ao princípio de identidade, o que seria fazer apologia do
panteísmo, o que não passaria de uma tentativa herética de ressurreição de
cultos primitivos.
Quando se está dentro de uma igreja só
se vêem paredes. E onde está a união das forças cósmicas?
COMENTÁRIOS:
Eu já expliquei que igreja são pessoas e
não um topos. Mas tudo bem, suponhamos, embora erradamente, que a igreja seja
um topos, um lugar. Ora, que diferença faria entre você estar dentro ou estar
fora desse lugar? Por ventura a igreja, considerada desde o ponto de vista topográfico
está fora do cosmos para que nela não se dêem a união das forças cósmicas?
Outra coisa, não se vai a igreja (ir a
igreja é uma figura de linguagem, uma metonímia) a busca da união das forças
cósmicas porque isso transformaria a igreja em mais uma seita das religiões primitivas
da Grécia pagã. As religiões pagãs são cosmocêntricas, mas o cristianismo é
diferente, ele é a religião do homem como diria o filósofo Mário Ferreira dos
Santos.
O cristianismo não está em busca do
cosmos, não está em busca da beleza e da ordem existente no universo, mas sim
em busca de algo que abarca e subordina todo cosmos. E o que é isso?
Aristóteles diz que é o fundamento último da realidade, o qual é o próprio
Deus. E onde Deus habita? Sto. Agostinho disse que Deus habita na interioridade
da alma humana e não no cosmos.
O que Paulina quer é fazer um
sincretismo, uma nova união do cristianismo com o paganismo e nem se dá conta
da absurdidade patética desse empreendimento que tanto mal causou ao
cristianismo jogando-o nas trevas exteriores milenares da idade média.
E hoje cada dia mais as pessoas começam
a reconhecer que acreditar em Deus, se ele existe, pode ser na igreja, pode ser
na rua, e pode ser em qualquer lugar. Então, esta liberdade dos africanos faz
com que eles sejam indivíduos mais crentes porque para eles em qualquer lugar,
a qualquer momento pode estar em comunicação com Deus, enquanto que na igreja
só se vai quando o padre está, às 8 horas no domingo quando a
missa começar.
COMENTÁRIOS:
Em primeiro Paulina lança uma dúvida sobre a existência de Deus ao usar a
expressão: “…se ele existe..”. Em segundo, ela diz : “…Então, esta liberdade
dos africanos faz com que eles sejam indivíduos mais crentes porque para eles
em qualquer lugar, a qualquer momento pode estar em comunicação com Deus”. E
ela nem percebe que isso é uma contradição e se o princípio de identidade é o
próprio Deus como disse Edmund Husserl, então, o seu contrário é o próprio
diabo.
Mais uma vez, não é o lugar que define se a pessoa é crente ou não e também
não é verdade que Deus está em certos lugares e não em outros porque isso
colocaria em causa o próprio conceito de Deus como ser omnipresente. Não
obstante, não é verdade que os cristãos só invocam a Deus no domingo às 8 horas
na igreja. Se Paulina tivesse lido a bíblia como deve ser teria descoberto que
Deus disse por meio de São Paulo, o apóstolo, o seguinte: “orai sem cessar”.
Tenho
observado – e isto parece ir ao encontro do que a Paulina acaba de dizer – que
as culturas bantu têm uma enorme capacidade de absorver outras crenças, outras
culturas, sem sentir um conflito ou uma contradição. Por exemplo, falei com
dois curandeiros (em Nampula e em Maputo) e ambos me disseram que trabalham
juntamente com o hospital, com a medicina moderna. Dizem que às vezes eles
precisam primeiro do diagnóstico do hospital para depois poderem tratar o
paciente. As culturas bantu também absorveram o islamismo e o cristianismo sem
sentir conflitos com a religiosidade espiritista local. Parece-me que as
culturas europeias são mais rígidas neste sentido. Acha que esta observação
é correta?
É certa. Eu acho que os europeus têm uma
rigidez que não tem razão de ser. Os europeus apropriaram-se das grandes
tradições, sem pesquisar quais eram as origens, e construíram dogmas. Aqui o
conhecimento da história do cristianismo e do islamismo é importante.
MEUS COMENTÁRIOS:
Como diz o filósofo Olavo de Carvalho: “as
religiões não são espécies do mesmo género”. Cada religião responde a questões
totalmente diferentes das outras. O judaísmo tem como foco uma sociedade
nacional sacra. O budismo nem chega a ser uma religião mas simplesmente um
conjunto de regras para orientar a sua alma no caminho do bem. Uma prática
ascética, apenas. O cristianismo tem o seu foco na salvação da alma individual.
O islamismo tem como foco uma sociedade mundial sacra.
Fritjof Schuon diz que a diferença entre
as religiões é apenas exotérica mas que esotericamente você tem aquilo que ele
chamou de unidade transcendental das religiões. Madame Blavaski diz que o
elemento esotérico das religiões é a verdade e que apesar das diferenças
exotéricas entre as religiões, esotericamente elas são iguais por causa disso
que ela chamou religião verdade que está subjacente em todas as religiões.
É exactamente aqui onde reside o nó de
estrangulamento. O que é a verdade?
Se transcendentalmente, esotericamente,
as religiões são iguais por que é que as religiões brigam tanto? Essa pergunta
deveria surgir quase que instintivamente, mas quase nunca surge. Então, alguma
coisa está mal explicada aqui. Por isso eu concordo com Olavo quando ele diz
que as religiões não são espécies do mesmo género e digo mais, ou seja, elas
não são espécies do mesmo género não apenas exotericamente mas também e
principalmente esotericamente.
Negar a existência de conflitos entre as
religiões orientais entre si e entre essas e as religiões africanas que para
mim não são religiões coisa nenhuma porque não religião sem Deus como dizia
Tertuliano é não conhecer a história não apenas de Moçambique, mas também e
principalmente a história universal das religiões.
Sigmund Freud resumiu toda motivação
humana naquilo que ele chamou de complexo de Édipo baseado no mito do Rei Édipo
de Sófocles. Por outras palavras, os conflitos acontecem por causa dos desejos
sexuais reprimidos das pessoas. Ora, isso é uma autêntica fraude. Na verdade,
quem deu a explicação correcta sobre a motivação humana e a origem dos
conflitos foi um outro psicólogo, o dr. Lipôt Szondi com aquilo que ele chamou
de complexo de Caim. Quer dizer, os conflitos são sempre motivados por questão
de religião que é o único elemento fundador das civilizações. Nunca existiu
outro e nunca existirá.
Se olharmos para a história da Bíblia
sagrada, é muito bonita. Eu gosto de ler a Bíblia no sentido da busca de
diferenças. Quando abrimos o Génesis e o Êxodo, a primeira referência
territorial é em África: Egito. Depois vêm Abraão e Moisés. São as três grandes
figuras de que eu gosto. Abraão chega com a sua mulher, que era estéril, no
Egito e recebe como prenda do faraó uma escrava egípcia com quem vai ter o
filho Ismael, que é considerado o pai da nação árabe. Então a história do mundo
árabe começa em África. Depois Moisés, que é criado como um príncipe pela filha
do faraó, aprende tudo sobre conhecimento, leitura, escrita, etc., e tem a
grande revelação divina no monte Sinai que fica no Egito, escreve os Dez
Mandamentos no Egito e parte para a terra prometida. Os Dez Mandamentos da lei
de Deus foram escritos em solo africano por um indivíduo nascido e criado em
África.
MEUS COMENTÁRIOS:
Aqui está uma mentira sórdida. Moisés não
escreveu os dez mandamentos, quer na sua primeira edição, quer na sua segunda.
Os dez mandamentos foram escritos pelo próprio dedo de Deus. Isso é o que as
escrituras relatam. A única coisa que Moisés fez foi lavrar a pedra onde seriam
registados os dez mandamentos.
O cristianismo e o islamismo têm África
como berço. Mas, quando o europeu pega na história, inventa outra para apagar
as origens desta grande coisa que eles consideram religião e que depois deu
origem a tantos outros desenvolvimentos. Querem excluir África quando não se
pode excluir. África faz parte da história. O tempo foi andando, aconteceram
tantas coisas e estamos aqui como povo de novo a sermos colonizados com uma
doutrina considerada europeia quando na verdade começou aqui. É sobre este lado
que eu acho que os próprios africanos devem começar a dialogar.
MEUS COMENTÁRIOS:
Não é verdade que África é o berço do
Cristianismo e do Islamismo. Israel é que é o berço do Cristianismo assim como
a Arábia é o berço do Islamismo. Para começo de conversa, Cristo não tinha
sangue africano porque ele é descendente de Isaque e não de Ismael o que já não
se pode dizer de Maomé. Porém, ainda assim, isso não faz do Egipto o berço do
islamismo. Por exemplo, sabe-se que Hitler era austríaco, mas somente um louco
diria que o Nazismo nasceu na Áustria pelo simples facto do Führer ser
austríaco.
A Bíblia sagrada é outra escola de
irracionalismo [risos], mas é a base a partir da qual se afirmam os grandes
poderes. Sim, tivemos que criar a capacidade de conviver com as outras culturas
por sermos oprimidos, por querermos sobreviver, por necessidade de resistência.
E definitivamente não pode haver conflitos de saberes porque África tem alguma
coisa para dar. É uma questão de respeitar e pesquisar.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Escarnecer da bíblia pode, o que não pode é escarnecer dos curandeiros
africanos porque senão a Sra. Paulina fica um puto da vida. Se Paulina tivesse
um pouco de cultura filosófica saberia que o que ela está dizendo é tão absurdo
que nenhum homem ou antes uma mulher medieval se dignaria acreditar numa coisa
dessa.
A bíblia não é uma escola de irracionalismo, muito pelo contrário, ela tem
mais racionalidade do que muita coisa chamada ciência que anda por aí. O
racionalismo é demonstração, demonstração silogística, o qual é um raciocínio
em três etapas. Se Paulina tivesse lido um pouco sobre a filosofia da chamada
patrística e a filosofia escolástica, teria visto - quero acreditar que sim
porque julgo que ela não é tão tonta quanto parece – que todo esforço daqueles
grandes filósofos medievais desde Sto Agostinho até Sto Tomás de Aquino,
passando por Sto Anselmo, São Bernardo, Sto Alberto Magno, etc., foi um esforço
de demonstração das intuições registadas na bíblia.
Quer dizer, Paulina pretende mesmo que foi a bíblia que mergulhou o mundo
no irracionalismo? As feministas, os gays, os drogados, os anarquistas, os
doentes mentais, os pseudo-cientistas, etc., tudo isso surgiu porque eles leram
a bíblia?! Que merda é essa? Quem é que não sabe que Josef Stalin, o homem que
foi responsável pela morte de cerca de 60 milhões de russos somente fez isso
depois de trocar a sua bíblia pelo livro de Charles Darwin, a origem das
espécies? Eu poderia citar aqui uma lista enorme de exemplos de homens que se
tornaram irracionais depois de terem lido Karl Marx e que depois levaram a
humanidade a desgraça jamais vista mas eu recomendo aos interessados que leiam
o livro negro do comunismo de Stefan Courtois e o livro do psicólogo Andrew Lobaczewski intitulado “ponerologia,
psicopatas no poder” e vocês vão chegar a conclusão de que quando você se
afasta de Deus você perde sua centralidade psíquica, você simplesmente enlouquece
como aconteceu com todos os nihilistas como Nietzsche, Jean Paul Satre e tutti
quanti.
Acha
que a FRELIMO conseguiu dar conta das tradições africanas? Como convivem a
política e a tradição? Que tipo de diálogo há, por exemplo, entre a Associação
dos Médicos Tradicionais e a FRELIMO?
Em 1975, a Declaração de Independência
foi feita numa linguagem colonial: “Abaixo o obscurantismo, abaixo o
curandeiro, abaixo os ritos de iniciação! Viva o mundo novo, viva o socialismo
científico!” Mas o que é que o socialismo científico está a fazer aqui numa
terra cheia de uma cultura? A FRELIMO viu que isso não ia dar certo, porque
aumentou outros conflitos. Agora estamos numa altura de tentar serenar de uma
forma muito lenta, fazer de conta que se está a respeitar a tradição e a
cultura, quando por vezes no fundo é só aparência. Porque o verdadeiro trabalho
ainda está por ser feito, ainda não se fez.
MEUS
COMENTÁRIOS:
A declaração de independência não foi feita numa linguagem colonial porque
a língua portuguesa existia antes do colonialismo e ela sobreviveu ao
colonialismo e o socialismo científico também não é uma linguagem científica,
senão pseudo-científica. Se fizermos um inventário de todos os países que
estiveram envolvidos no processo de colonização veremos que nenhum deles veio
sob a bandeira do socialismo seja ele utópico ou científico.
O socialismo foi adotado pelos países da europa do leste no século XX,
enquanto a colonização começou oficialmente um século antes com a realização da
Conferência de Berlim (1884-1885). Portanto, atribuir a destruição da cultura
moçambicana ao colono é fazer uma acusação leviana, é cometer um delito de
opinião pelo simples facto de que a agenda dos colonos nunca foi a construção
de uma sociedade nova.
O que destruiu nossa cultura foi o marxismo cultural levado até as últimas
consequências pelo partido FRELIMO ao longo dos últimos 50 anos no delírio
auto-hipnótico de querer implantar um paraíso em terras moçambicanas. Em que
consiste esse projecto de um homem novo ou do maravilhoso mundo novo para usar
o vocabulário de Aldous Haxley? Consistia, como dizia Gramsci, em todo mundo se
tornar comunista sem saber. Ou seja, fazer um mundo novo significa fazer um
mundo comunista, fazer um futuro melhor significa fazer um futuro comunista,
fazer um homem novo significa fazer um homem comunista que é comunista sem
saber que é comunista, o que é exactamente aquilo que Lénine chamava de idiotas
úteis, que sãos aquelas pessoas que são comunistas sem saber que o são.
Que
dificuldade constitui para si o uso do português para contar estórias que, se
contadas em línguas locais, seriam provavelmente mais verosímeis? Qual é a sua
relação enquanto escritora com a língua portuguesa?
A minha
relação é de conflito. Não há dúvida que eu aprendi a ler e a escrever em
português, socializei-me com a literatura de língua portuguesa. Mas existem
alguns aspetos culturais que a língua portuguesa não tem capacidade para
cobrir.
MEUS COMENTÁRIOS:
Mas isso
não acontece apenas com a língua portuguesa mas com todas as línguas. De facto,
quando tentamos traduzir algo de um idioma para outro, há muita coisa que se
perde, perde-se o sentido filosófico, o sentido teológico, etc., do que foi
dito ou escrito porque há coisas que não são traduzíveis, correndo-se até mesmo
de no acto da tradução a coisa se tornar ininteligível porque numa palavra não
temos apenas um código linguístico mas temos aí a encarnação de um ser, toda
uma presença humana, ou seja, cada palavra que falamos ou escrevemos é em certo
sentido uma encarnação, por assim, daquilo que somos segundo a nossa
constituição mais íntima e muitas vezes isso é intraduzível.
Para além
de que, sendo uma língua de dominação, a língua portuguesa é também uma língua
de segregação.
MEUS COMENTÁRIOS:
Dizer que
a língua portuguesa é uma língua de dominação e de segregação é apenas uma
figura de linguagem, uma metonímia e não um conceito rigoroso porque quem
domina são pessoas e o máximo que pode acontecer com a língua é ela ser
instrumento desse domínio e não propriamente o agente. Como disse Eric Voeglin,
essa linguagem ferozmente metonímica do mundo moderno é o que está na origem de
todo extremismo. E esse extremismo está patente em toda essa entrevista
concedida pela Paulina Chiziane.
Na nossa
constituição da república, português é a língua da unidade nacional, mas
Paulina diz que a língua portuguesa é uma língua de segregação. Quer dizer, ela
nem se quer leu a constituição da república e sai por aí a fazer discursos
contra o plasmado na constituição da república. Quer dizer, nesse ínterim, de
acordo com Chiziane se abolíssemos a língua portuguesa e cada tribo falasse a
sua própria língua, única e exclusivamente, os moçambicanos estariam mais
unidos. É disso que se pode deduzir do que Paulina disse. Agora, veja se pode
uma coisa dessas?!
Quando
escrevo e vou pegando das palavras, de vez em quando fico chocada: os
curandeiros são o centro do saber africano. Mas o que é um curandeiro na língua
portuguesa? Vai ver no dicionário e a explicação que vai achar é redutora e
simplista e serve simplesmente para colocar o curandeiro de lado. Para eles, é
um indivíduo que deve ser banido e eliminado.3
COMENTÁRIOS:
Na europa, os cientistas tem hoje o mesmo peso de autoridade que tinha o
clero católico na idade média. Em África não é diferente, os médicos e os
“cientistas” também tem hoje o mesmo peso de autoridade que tinham os
curandeiros, os “skquiros”, antes das independências africanas.
Agora, dizer que os curandeiros são o centro do saber africano é apenas uma
metonímia, mais uma vez, conforme já demonstrei em comentários mais acima. O
saber não pode ter o seu centro num papel social como os curandeiros. O centro
do saber de um povo é a sua autoconsciência. Neste ínterim, o centro do saber
africano seria a autoconsciência africana que é o que Roger Scruton chama de
alta-cultura, a qual se expressa por meio do que de mais elevado um povo
conseguiu produzir e que se encontra expresso na sua literatura, poesia e
erudição filosófica. Portanto, a tese de que o curandeiro é o centro do saber
africano deve ser rejeitada in limine como uma empulhação.
Outra coisa, a língua é um produto
colectivo. No caso específico da língua portuguesa ela é um produto colectivo
do povo português e não produto colectivo do povo africano. Agora, se essa
língua não expressa a realidade africana de Moçambique, Guiné-Bissau, Angola,
etc., isso não é o problema da língua em si, pelo que cabe a cada um desses
países individualmente amoldá-la a seus interesses expressivos individuais de
modo que ela expresse o que cada país está vendo, sua experiência directa, e
isso é válido mesmo no caso de escritores individuais os quais devem procurar amoldar
a língua a seus interesses expressivos individuais. Isso é uma coisa tão
elementar no mundo da escrita que Paulina como escritora teria a obrigação de
saber, se ainda houvesse literatura em Moçambique.
Há alguma
diferença. Não é grande, mas há. Em geral, os dicionários brasileiros são mais
avançados. Os dicionários da língua portuguesa são livros da cultura do branco.
Portanto, o curandeiro é considerado charlatão.
MEUS COMENTÁRIOS:
Aqui há
duas coisas: primeiro, Paulina deixa exalar o cheiro nauseabundo do seu racismo
anti-branco ao mesmo tempo que manifesta sua solidariedade grupal terceiro-mundista
para com o Brasil. É o velho amor masoquista para com o inferior e o desprezo
para com tudo que lhe é superior, inabarcável, inatingível.
Segundo,
Paulina conclui da “superioridade” do dicionário brasileiro em relação ao
dicionário português que para o português o curandeiro é um charlatão e nem se
apercebe que ao recorrer a um raciocínio erístico como esse ela mesma está
praticando charlatanice. Das premissas que ela coloca não se pode concluir o
que ela conclui. Ela comete aqui um non sequitur e nem se dá conta disso. Por
que? Porque não tem uma mente ordenadora.
As vezes
a pessoa pode ser uma grande erudita como Otto Maria Carpeaux, Nietzesche, etc.,
e ainda assim não ter uma mente ordenadora que lhe permita unificar todo seu
saber. Agora, por que isso é tão difícil para muitas pessoas? É difícil porque
elas não têm compromisso nenhum com a verdade na sua própria vida. Então, para
elas o que importa é o que elas estão dizendo hoje e nunca fazem aquele recuo
no tempo, aquele exame de consciência - condição básica inicial para quem quer
pensar - para encontrar uma linha de coerência que unifique o que ele está
dizendo hoje com o que ele disse ontem porque em suas consciências essa unidade
também não existe, está totalmente ausente. Então, como dizia José Ortega y
Gasset, elas não passam de diletantes. Elas só estão se divertindo com as
palavras, mas não querem nenhum compromisso com aquilo porque aquilo ainda não
penetrou fundo nelas como problema verdadeiramente importante para elas.
O meu
dicionário da Porto Editora é de 2002, não sei se melhoraram. Se você procura a
palavra “palhota”5, que é aquela casinha feita de palha e palmeira, encontra: “habitação
rústica caraterística da raça negra.” Mas porque isso? Hoje é reconhecido que
aquele tipo de construção é a mais ecológica. É fresca, quando faz calor
arrefece, quando está frio aquece.
MEUS COMENTÁRIOS:
Paulina,
mostrando-se incapaz de refutar o conceito de palhota do dicionário da Porto
Editora, escora-se no discurso ecológico dos mesmos brancos e racistas que ela
tanto odeia. Mas esse argumento ecológico da Paulina é estereotipado e copiado
todo ele da televisão para dizer o mínimo, para além de ser um discurso
dissimulado de falso africanismo tardio uma vez que Paulina não vive numa
palhota.
Como
aliar a pobreza a uma raça? Encontro vários aspetos de supremacia de uma
cultura sobre a outra. As palavras no dicionário são alguns.
MEUS COMENTÁRIOS:
Por
ventura morar numa palhota já foi, alguma vez, sinónimo de riqueza? Nem é
preciso ser economista para entender isso, é só ter um pouco de senso de
proporções.
Agora,
supremacia cultural?! É claro que há supremacia cultural, caso contrário você
teria que admitir que todas as culturas são iguais o que é desmentido, na base,
pelos factos. Toda cultura baseada em valores universais é superior a toda e
qualquer cultura baseada em valores particulares, efémeros e passageiros.
Há
culturas cujos valores em torno do qual eles constroem seu imaginário colectivo
ao invés de elevar os homens para alturas do que de mais belo e verdadeiro
existe, o fazem descer as profundezas abissais do inferno. A Paulina não me vai
convencer de que hábitos como canibalismo, incesto, pedofilia, sacrifícios
humanos, escravatura, etc., existentes em certos povos sejam culturalmente
iguais aos valores como perdão, o amor ao próximo, a caridade, etc. Isso é não
ter senso de proporção que é o próprio logos divino. Tudo isso por que? Pela
mera vaidade narcisística de afagar seu próprio ego contra toda a razão
científica, filosófica e metafísica do mundo.
Algumas vezes que eu quero retratar uma
realidade (eu falo do Sul), quero escrever um ditado e uma forma de pensar, mas
tenho de fazer uma tradução e uma aproximação de significado. O que vai
resultar não é propriamente a identidade deste povo, mas é uma construção, e as
coisas não chegam a ser realmente como deviam ser.
MEUS COMENTÁRIOS:
Eu já
disse em comentário anterior que a língua é um produto colectivo e ela não vem
amoldada a nossa necessidade expressiva individual, mas nós mesmos temos de
tratar de fazer com que a língua expresse aquilo que nós estamos percebendo.
Escrever
numa língua estrangeira não é problema nenhum até porque quando você
personaliza a língua para que ela se adeqúe as suas necessidades expressivas
individuais, ela já não é uma língua estrangeira. Ela é a sua língua. Ademais,
muitos grandes escritores escreveram numa língua estrangeira. Sabe-se, por exemplo
que na idade média e mesmo na renascença, o latim era a língua culta e todo
indivíduo que se arrogasse a tarefa de escrever tinha que fazê-lo em latim que
na maior parte dos casos nem era sua primeira língua, mas nem por isso eles
foram incapazes de expressar a riqueza cultural dos seus países de origem.
Se os
livros tivessem que ser escritos apenas na língua original do autor, isso
obrigaria todo mundo a falar a língua de todo mundo o que nunca ninguém
conseguiu. Foi para contornar esse obstáculo que se inventou a linguagem
matemática e outros artifícios tem sido criado como por exemplo uma língua
universal chamada esperanto. Para Mário Ferreira dos Santos, o ecumenismo só
pode ser alcançado por meio da simbólica e da Mathese. Se isso serve para as
religiões por que não haveria de servir para fins de civilização uma vez que as
religiões são o único elemento fundador da civilização?
Mas os
próprios escritores atuais ainda não fizeram muito exercício cultural. Eu penso
que talvez com tempo vamos dar um espaço àquilo que é a nossa própria cultura.
É lógico que vamos servir-nos da língua portuguesa por muito tempo, porque é a
língua através da qual comunicamos.
MEUS COMENTÁRIOS:
Max Weber dizia que a história é a soma
das consequências imprevistas das acções impremeditadas do ser humano. Isso é
importante para entender a questão que a Paulina coloca aqui, ou seja, a
cultura não é produto de laboratório. Esta é minha tese. Por outras palavras,
você não pode colocar um conjunto de hábitos e costumes num tubo de ensaio e
produzir uma cultura por meio de indução de processos sociais. Nenhuma cultura
surgiu assim e neste ponto eu concordo com Weber uma vez que todo projecto de
sociedade produzido em laboratório acabou em genocídio como o demonstram os
estudos de Paul Johnson e Morgentein.
O trabalho do escritor não é dar mais ou
mesmo espaço a sua cultura. Isso é convidar os escritores a fazer uma
literatura provinciana. É preciso perceber que Moçambique está jogado no
universo e que só tem interesse para o universo aquilo que é universal. Não é
por acaso que se lêem Homero, Virgílio, Dante Alighieri, Camões, Dostoievisk,
etc., até hoje como se tivessem sido escritos hoje, ao passo que os escritores
moçambicanos mortos, se calhar, somente o Craveirinha está resistindo a prova
do tempo.
Pessoalmente,
como pessoa que estuda a cultura e a literatura moçambicana, gostaria muito que
no futuro as línguas locais alcançassem o estatuto de línguas oficiais, mas o
problema é que são muitas. Seria possível escolher uma língua como padrão para
o Sul, outra para o Centro e outra para o Norte, e agrupar as outras línguas
como dialetos relacionados com uma destas três principais?
Não sei
se isso seria uma grande solução. Eu estou a escutar esta pergunta com muito
desgosto porque nós, africanos, como povos tínhamos a nossa estrutura. Por
exemplo, a língua changana é grande. Há changanas na província de Gaza em
Moçambique, em Gazankulu na África do Sul e no Zimbábue. O território changana é enorme.
Chegaram os brancos e dividiram tudo. E agora querem que a gente invente uma
nova língua. É muito difícil. Outro exemplo é o macua: o macua abarca quatro
províncias: Nampula, Cabo Delgado, o Niassa e a Zambézia. Tem uma enorme
extensão territorial e era um Estado.
MEUS COMENTÁRIOS:
Mas afinal, quem é que quer que
vocês inventem uma nova língua? Paulina acabou de acusar a língua portuguesa de
racismo, o que não passa de metonímia mesmo que ela não o saiba, saltando logo
dos tamancos com dedo em riste acusando “os brancos” como ela gosta de se
referir aos europeus de terem dividido a África.
Os europeus dividiram a
África? Sim, Senhor. E, no caso de Moçambique, eles juntaram três etnias
diferentes num único território? Sim, Senhor. Nunca ninguém negou isso. Então,
por que apelar de forma recorrente a esse expediente? Por que esse apego ao
passado como alguém que tivesse nascido velho e já com saudade do seu passado
como naquele filme de Bred Peter, o curioso caso de Benjamim? Não estará
Paulina, com esse apelo ao passado se fazendo de morta para assaltar o coveiro?
Se um dia os europeus entraram
em África e exploraram os nossos recursos e escravizaram a população africana,
não foi sem o precioso colaboracionismo dos reis africanos, sem o qual isso não
teria acontecido. Já dizia Samora Machel que o feiticeiro não entra em casa de
ninguém sem que alguém de dentro de casa lhe abra a porta. Portanto, jogar a
culpa somente sobre um grupo e ignorar a participação do outro grupo é
falsificar a história.
O passado já se foi. Não
devemos ter nostalgia do passado, mas não devemos ignorá-lo. Aliás, uma vez alguém
disse: “quem ignora o passado arrisca-se a repetí-lo” (sic). Por que? Por causa
daquilo que disse George Orwell, a saber: “quem controla o passado, controla o
futuro e quem controla o presente controla o passado”.
Vou falar de outro aspeto da nossa
realidade para chegar à questão da identidade nacional. Quando saio daqui e vou
a Nampula sinto-me estrangeira porque a cultura é muito diferente. E quando vou
para a Cidade do Cabo na África do Sul sinto-me em casa. Porque eu sou chope,
um grupo que vive no meio dos changana. As nossas tradições todas são muito
próximas do changana e do zulu da África do Sul. Quando falam zulu na África do
Sul, eu entendo. Quando a colonização chegou, nós éramos um grande povo, e hoje
somos obrigados a reconstruir. O futuro dirá, mas hoje é muito difícil
recuperar as fronteiras antigas. Mas há grandes línguas, o Norte tem macua, o
Sul changana, o Centro chona. A partir destas línguas pode-se criar
alguma coisa.
COMENTÁRIOS:
Paulina fala em unidade nacional, mas ao
mesmo tempo faz apologia do regionalismo e do tribalismo e nem se dá conta de
que está se contradizendo, o que mostra que o problema dela com os “brancos” e
com a língua portuguesa não é representativo, ou seja, ela não fala em nome dos
moçambicanos, ou da cultura moçambicana se é que existe uma coisa chamada
cultura moçambicana, mas sim, ela fala em nome dos chopes.
Como a Paulina e a sua família viveram o
tempo da guerra civil? Onde estavam e em que sentido sofreram com a guerra?
Estou a pensar também no seu romance Ventos do Apocalipse.
A guerra foi feita no país inteiro e não há uma família que não tenha
sofrido, salvo raríssimas exceções. De forma direta ou indireta sofremos a
guerra. Eu vivia na Matola com os meus pais e os meus filhos. Várias vezes a
rua era o maior hospital, porque no hospital tiravam os remédios, capturavam os
enfermeiros, raptavam pessoas. Foi um cenário que vivemos nos últimos anos da
guerra civil. Eu era trabalhadora da Cruz Vermelha na altura. Era jovem e quase
inconsciente. Percorri o país todo em plena guerra. Vi tanta coisa, chorei e
disse: “Guerra nunca mais!” Vivi a guerra civil em direto, vi massacres em
direto, vi gente a cair e morrer, fuzilamentos em direto, vítimas de minas em
direto. Vi pessoas a correr de um lugar para outro. A Cruz Vermelha dava
assistência aos grupos de deslocados que fugiram de uma comunidade para outra
em busca de paz. Trabalhei também nos campos de refugiados moçambicanos no
Zimbábue a partir da Cruz Vermelha de Moçambique.
MEUS COMENTÁRIOS:
Ao longo de toda a entrevista, Paulina
nunca deixou de expressar seu ódio visceral para com “os brancos” como ela
gosta de dizer e para com o cristianismo e a cultura ocidental. Entretanto,
enquanto os moçambicanos se matavam uns aos outros, quem prestou ajuda
humanitária as vítimas da guerra? A cruz vermelha. Até onde eu sei, primeiro, a
cruz vermelha é uma organização humanitária europeia e não africana. Segundo, a
cruz é o símbolo do cristianismo. Terceiro, o vermelho da cruz é o símbolo do
sangue de Cristo.
Você acreditar naquilo que você fala ao
invés de acreditar naquilo que seus olhos estão vendo é histeria. E Paulina dá
repetidas mostras de histeria em toda a entrevista. Que diferença em relação a
Hannah Arendt, uma filósofa judia que viu os judeus irem para os campos de
concentração de Auschwitz, irem as câmaras de gás, irem ao holocausto, etc., mas
mesmo assim, no seu livro Eichman em Jerusalém, fruto de um julgamento de um
burocrata nazista chamado Eichman, que ela mesma assistiu como enviada da New
Yorker, ao invés de manifestar qualquer ódio contra Eichaman no seu livro, ela se
limitou a dizer: “minha tarefa é compreender e não julgar”. Agora, Paulina,
não. A tarefa dela é julgar e não compreender.
Hannah Arendt, no seu último livro
publicado postumamente com o título “a vida do espírito”, mostra que as
actividades do espírito são três: pensar, querer e julgar. E, neste ponto
podemos dizer que Arendt era aristotélica-tomista. Nesse sistema
aristotélico-tomista de Arendt, o pensar é, hierarquicamente falando, a
actividade mais elevada do espírito e o julgar, a mais baixa e que somente pode
ser realizada correctamente com o auxílio das duas primeiras: o pensar e o
querer. Mas Paulina abdica da sua capacidade de pensar, da sua capacidade de
compreender e não sabe que com isso ela também está amputando sua capacidade de
distinguir o bem do mal e sua capacidade de querer com clareza de espírito e que
fazendo isso ela está justificando os tais colonizadores destruidores da
cultura africana, cometendo o mesmo mal que esses colonizadores cometeram e até
pior e tornando esse mal em algo banal pela sua negação a suprema actividade do
espírito, que é entregar-se a contemplatio sapientiae, a contemplação
sapiencial da verdade.
A
guerra civil deve ter causado um trauma muito grande no povo. Pelo que pude
observar, o povo não fala muito da guerra, ainda uma história recente. Suponho
também que a política neste momento não permitiria que o povo exigisse algum
tipo de reparação, por exemplos para as antigas crianças soldado que hoje já
são adultos. Que tipo de memória da guerra civil pode cultivar-se hoje
em dia?
Infelizmente, para além da memória
amarga do tempo da guerra civil, vem essa dor profunda de ainda ir remexer nas
armas da mesma guerra. Pelo menos o que tenho ouvido do povo – não dos
políticos – é que o povo não quer ouvir falar da guerra. Mas as lideranças
insistem… Mas o quadro é este: quando a dor é profunda, as pessoas não falam.
Acho que de certa maneira tem falta de energia para se falar de coisas tão
amargas. As pessoas que foram vítimas na primeira pessoa sofrem de uma dor tão
profunda que não conseguem expressar. A sociedade que viveu a guerra de uma
forma indireta, devia ajudar essas pessoas a reabilitar-se, a exigir os seus
direitos. Mas estamos absorvidos em tantos problemas… Há associações, por
exemplo, que falam dos direitos das crianças, mas não há acompanhamento. A
criança vem, ajuda-se, e depois vai, não se sabe para onde. Talvez um dia estas
crianças sofridas vão criar uma consciência que vai levar à reivindicação. Mas,
por outro lado, as marcas também estão sendo apagadas.
MEUS
COMENTÁRIOS:
Veja, Paulina diz: “A sociedade que viveu a guerra de uma forma indirecta,
devia ajudar essas pessoas a reabilitar-se, a exigir os seus direitos. “Em
primeiro, as pessoas não podem dar ou sonegar o que não tem. Se uma pessoa
nunca teve uma experiência directa da guerra ou pelo menos uma experiência da
guerra em versão imaginativa por meio da literatura de imaginação ela não terá
linguagem para expressar o que uma vítima da guerra experimentou e que, no
entanto, não consegue expressar. Qual é o problema com isso? O problema é que
toda sua modalidade de ajuda será estereotipada e falhará em prover para as vítimas
um senso de orientação eficaz dentro da própria realidade, uma vez que, para princípio
de conversa, toda descrição que ele tente fazer da situação estará totalmente
deslocada da situação real.
Em segundo lugar, ajudar as vítimas da guerra a exigir os seus direitos só
criará mais conflitos. Não sei por que carga de água as pessoas tem uma
obsessão doentia pela palavra direito que nalguns casos a coisa até já passou
de uma mera obsessão a possessão demoníaca. Se você quer ajudar alguém comece
por ajudá-la a compreender a situação dentro da qual ela se encontra e nunca
ajudá-la a armar-se para uma outra guerra porque ela vai perder de novo, e de
novo e de novo e a Alemanha é disso um exemplo insofismável. Nunca comece uma
guerra, principalmente se você está com raiva ou com medo. São Tomás de Aquino
dizia que a raiva e o medo são a mesma emoção. Ou seja, se o seu inimigo é mais
forte que você, então você fica com medo e se ele é menos forte, você fica com
raiva. Mas de qualquer das formas, essas duas emoções são um sinal de fraqueza
de espírito e como disse Donald Rumsfeld: “a fraqueza atrai a agressividade”. Então,
é preciso ter paciência. “É urgente ter paciência” - já dizia o bom e velho
Goethe.
A literatura, sim, fala da crueldade da
guerra civil, por exemplo Ventos
do Apocalipse,
ou Os Sobreviventes da Noite, de Ungulani Ba Ka Khosa. A literatura
pode desempenhar uma função terapêutica para o povo? Dar um tipo
de consolo?
Eu acho que sim. Infelizmente somos
poucos a escrever. É preciso escrever mais. Eu não falaria do povo, mas falaria
de mim mesma. Ventos do Apocalipse foi o primeiro
livro que escrevi, mas infelizmente não havia recursos nesse momento para
publicá-lo. Fui escrevendo outro, e quando chegou a hora de conseguir algum
recurso, a Associação dos Escritores Moçambicanos optou por publicar
primeiro Balada de Amor ao Vento. Mas Ventos do Apocalipse foi uma história que mexeu
muito comigo.
Como trabalhadora da Cruz Vermelha,
eu fui para a província de Gaza, para Manjacaze, onde havia um centro de
pessoas que vinham porque acabava de haver um massacre. Cheguei lá toda jovial,
pronta a correr de um lugar para outro, fazer o trabalho que tinha. Nós
prestávamos assistência alimentar, ajudávamos a organizar os grupos sociais,
juntar as crianças num lado, organizávamos pessoas que depois iam tirar a
identificação das crianças para a reedificação familiar. Eu e outras colegas
coordenávamos estas atividades a nível da comunidade: descobrir quem sabe ler,
quem tem mais energia, etc. e colocar as pessoas a funcionar juntamente com o
governo, para fazer a gestão da vida.
Encontrei uma mulher já de uma certa
idade, ela olhou para mim e eu vi que ela se assustou e desapareceu da minha
frente. Como eu estava com muito trabalho, vi mas não prestei muita atenção.
Dando voltas no campo volto a cruzar com ela num outra ocasião e ela foge.
Então dei-me conta que aquela mulher fugia de mim. Comecei a persegui-la. Ela
estava numa tenda sozinha e fui lá e entrei. Quando ela olha para mim, começa a
chorar. Ela só diz: “Minha Uxeme” (Uxeme é o nome da filha), “quando eu te vi
chegar, parecia que era a minha filha a regressar da morte. Ela foi assassinada
ontem. Vocês têm a mesma maneira de falar, a mesma maneira de andar. Tudo o que
tu tens, ela também era assim. Quando eu te vi, vi a imagem da minha filha, mas
depois disse não, não é ela. É esta dor que eu levo.” Sentei-me, fiquei com ela
a conversar e tentei consolar a mulher. Saí dali com a sensação de uma revolta,
porque comecei a compreender o grande dilema: a filha dela estava grávida,
acabou na vala comum, a mulher nem viu o funeral da filha. Teve de abandonar
tudo para vir e ficar no centro e lá encontra alguém que lhe faz lembrar a
filha. Durante muitos meses eu viajei com isto na cabeça. Quando dei por mim já
estava a escrever as memórias.
MEUS COMENTÁRIOS:
O
problema nem é tanto escrever mais, até porque isso acaba desvalorizando a
própria escrita ou acabando por fazer o que disse o crítico literário
brasileiro, Rodrigo Grugel: “muita retórica e pouca literatura”. O que
precisamos é de escrever coisas de altíssima qualidade e isso só acontece
quando o escritor tem profundidade, aí sim, as palavras saem com força
deslumbrante, mas para adquirir essa profundidade é preciso ter uma vida interior
pautada na busca da verdade de facto. Somente quando a pessoa se dedica a uma
verdadeira vida de estudos, as pessoas em torno se reconhecem naquilo que você
tiver escrito, você terá destravado suas línguas, você terá dado voz as suas
impressões autênticas que elas não conseguiam expressar por falta de linguagem
e isso é, indubitavelmente, bastante reconfortante.
Ventos do Apocalipse funcionou para mim como uma cura, porque eu sempre sonhava com aquela
mulher, ouvia o choro da mulher e incomodava muito. A partir do momento que
escrevi senti uma espécie de alívio, como se tivesse tirado um peso muito
grande de dentro de mim. A literatura pode funcionar como catarse coletiva e
também como registo da memória. A nova geração tem de saber o que se passou ontem,
mas infelizmente há muito poucos relatos. Espero que um dia venham a surgir
porque há coisas terríveis.
MEUS COMENTÁRIOS:
De facto,
a literatura pode ser um meio de libertação, mas para isso o escritor tem que
fazer aquilo que Saul Bellow chamava de “expressão das impressões autênticas”
porque se forem meramente impressões estereotipadas também não adianta nada,
mas se as impressões expressas forem directas, forem autênticas, se a pessoa
não conseguir se libertar realmente do drama da guerra e outros, pelo menos
literariamente ela conseguirá e nunca mais vai ser escrava daquela situação.
Porém, mais uma vez, não é o simples facto de contar ou expressar que vai
produzir a tal libertação, mas a dose de sinceridade que a pessoa coloca nesse
acto, ou seja, a escrita, quando escrevemos, isso tem que ser uma espécie de confissão
porque somente a confissão, o exame de consciência é capaz de produzir na alma
aquela paz interior que já não é um privilégio exclusivo dos místicos.
Não sei
se conhece os textos da Lina Magaia [1940-2011]. São histórias trágicas. Um
chama-seDuplo
Massacre, outro chama-se Dumba Nengue. Ela tem uma coisa que eu gosto: ela não respeita nenhuma das regras de
escrita, seja jornalística, seja de outro tipo. Ela simplesmente colocou o
sentimento no papel. Escreve de uma forma crua e violenta.
MEUS COMENTÁRIOS:
Escrever “… de uma forma crua e
violenta” não significa escrever sem regra. Esta é mais uma confusão que as
pessoas fazem. Na verdade, ninguém escreve sem regras, o que pode acontecer é você
não seguir regras fixas e pôr um pouco de discricionariedade no que você
escreve e fazer assim uma escrita livre. Mas uma escrita livre não significa
escrever sem regra porque toda liberdade de escrita é dada dentro de regras pré-determinadas
pelo género no qual você está escrevendo.
Se a linguagem empregue por Lina Magaia
nos seus textos é crua e violenta e não polida ou politicamente correcta, longe
dela estar a escrever sem regras, ela, antes pelo contrário, encontrou a
verdadeira regra da escrita a qual subjaz não na forma do género literário mas
na alma do próprio escritor que é a sinceridade de facto que é o que faz com
que o escritor escreva o que ele está vendo e não o que a atmosfera em torno
feita de chavões, topoi, slogans diz.
Já
falámos bastante de tradições africanas. Ainda gostava de fazer uma pergunta em
relação à convivência entre o sistema poligâmico das famílias africanas e o
sistema monogâmico das famílias cristãs. Acha que a poligamia vai desaparecer
com o tempo?
O sistema poligâmico não vai
desaparecer. Só vai usar outras roupagens. Aqui tudo é monogâmico, mas tudo é
ao mesmo tempo poligâmico. Este conflito entre os dois sistemas é, no fundo, a
sociedade a ficar desestruturada.
MEUS COMENTÁRIOS:
Ora, que tudo aqui seja poligâmico e monogâmico não tenho dúvidas, mas não
sob o mesmo aspecto. Ou seja, há um aspecto monogâmico e um aspecto poligâmico
da mesma relação conjugal. Mas quando Paulina diz que existe “… conflito entre
os dois sistemas”, este conflito também é sob um aspecto diferente daquele sob
o qual a poligamia e a monogamia coexistem. Por outras palavras, a poligamia e
a monogamia podem ser objectivamente conflituantes mas subjectivamente
pacíficos.
Não é verdade que o conflito entre poligamia e monogamia está a
desestruturar a sociedade porque, neste caso, você nem se quer conseguiria
identificar a sociedade. Você identifica uma sociedade pela sua estrutura que é
o que nos dá uma visão de conjunto da própria sociedade. Portanto, não é a
poligamia ou a monogamia ou a forma de vestir ou de comer, etc., que vão
desestruturar ou estruturar a sociedade. Essas coisas somente têm um efeito
epidérmico sobre a estrutura da sociedade mas não são capazes de afectar ou
seja de abalar os fundamentos mais profundos da estrutura social.
Agora, a sociedade se estrutura em torno de algo mais permanente como a
cultura entendida aqui como um sistema de valores em torno do qual se constrói
o imaginário colectivo de um povo como disse Olavo de Carvalho. Se você mudar o
sistema de valores de uma sociedade por meio de uma lenta e progressiva revolução
cultural que vai afectar a imaginação das pessoas, aí sim você conseguirá mudar
a estrutura dessa sociedade.
A
poligamia tem vantagens no que diz respeito à estrutura da sociedade, mas tem
desvantagens no que diz respeito aos direitos da mulher. Por outro lado, a
poligamia é uma questão económica. Uma mulher que diz hoje “Abaixo a
poligamia!”, se encontrar um homem muito rico casado, esquece os princípios e
vive com ele. Eu já vi isso muitas vezes. Raparigas que estão na universidade
com uma formação muito boa, de repente estão perante um homem cheio de
propriedades e lojas e carros e contas bancárias, e elas esquecem tudo e
juntam-se ao homem. E fazem o que consideram um contrato de casamento que não é
um casamento oficial, porque a lei só permite o casamento com uma mulher.
MEUS COMENTÁRIOS:
As questões económicas resumem-se a
análise custo-benefício. Por outras palavras, minimização de custos e maximização
de benefícios. Este comportamento mini-max é próprio das sociedades
capitalistas, mas a poligamia é pré-capitalista. O capitalismo é um ismo que
surgiu no século XVIII, enquanto nós temos a prática da poligamia já presente em
sociedades muito mais antigas, muito anteriores até mesmo ao advento do
cristianismo o que impugna na base a tese de que a poligamia nada mais é que uma
questão económica.
Conheço uma senhora com formação
universitária em Economia que foi trabalhar numa província e conheceu um homem
que tem duas mulheres. Era tão rico que no dia do aniversário dela ofereceu-lhe
um trator agrícola de um preço muito superior a um Mercedes Benz. A menina
olhou para a esquerda e para a direita e disse: “O que eu ganho como economista
não vale nada. Tenho aqui este mar então deixa-me mergulhar.” Aceitou a prenda.
Passado pouco tempo, o homem abriu um supermercado para ela, e depois deu-lhe
uma frota de camiões. E ela diz: “Se fiz economia foi para poder dormir, se
estou a trabalhar aqui é porque preciso de dinheiro. Apareceu-me aqui este
homem que me dá tudo.” Esqueceu tudo e ficou com as coisas dela. Têm agora três
filhos. Vive já numa relação de harmonia com as outras mulheres. Mas a harmonia
entre eles é uma harmonia de interesse financeiro. Cada uma delas sabe que, se
se zanga com este marido que fornece todas as soluções, vai perder. Então é
mais fácil ficar amiga das outras mulheres. O inverso também existe: homens que
ficam com três ou quatro mulheres para pô-las a trabalhar para ele. Existem os
dois lados.
MEUS COMENTÁRIOS:
Na verdade, poligamia não é o casamento
de um homem com muitas mulheres, ou de uma mulher com muitos homens, no caso da
poliandria. O que acontece na poligamia é que são vários casamentos com um só
homem. Agora, ao nível das cidades o que se verifica é um homem casado com uma
mulher porém com uma, duas, ou mais mulheres, mas essas mulheres não são suas
esposas mas sim suas amantes. Quer dizer, aqui temos um caso claro de adultério
ou infidelidade conjugal. Na poligamia é diferente: um homem tem muitas
mulheres e todas elas são suas esposas, portanto, aqui, a questão do adultério
não se aplica.
Agora, esse caso que a Paulina conta não
podemos negar que acontece mas não é representativo porque primeiro, a
poligamia abunda no campo e não nas cidades. Segundo, em Moçambique, há muita
poligamia no campo entre pessoas que possuem apenas uma machamba e alguns
animais e, às vezes nem isso, o que deixa evidente que não pode ser que aquelas
pobres mulheres do campo se casem por questões económicas.
E dentro deste sistema o que é
o amor? Eu falei aqui em Maputo com uma mulher e ela disse-me que amor
significa cuidar. Quando tentei explicar-lhe o que é o amor para mim partindo
da minha cultura, ela sublinhou muito que aqui o amor não é exclusivo. Acha que
o amor é diferente dependendo da cultura ou é universal?
É um
grande debate. Eu acho que não chegaremos a conclusão nenhuma. Mas eu diria que
o amor como sentimento é universal, mas cada cultura fez a construção da sua
ideologia sobre o amor.
MEUS COMENTÁRIOS:
Não é
verdade que se debatermos, vamos dizer assim, acerca do amor não vamos chegar a
conclusão nenhuma. Na verdade, o problema nem chega a ser a conclusão mas sim a
má colocação do problema e uso de premissas que não foram submetidas a uma
arbitragem dialéctica a mais rigorosa possível, ou pela preparação deficiente
no maneio da técnica dialéctica ou pela falta de domínio daquilo que
Aristóteles chamou de “opinião dos sábios”, requisito indispensável para a
formulação do status questionae.
A
percepção de que o amor é um sentimento é uma falsa percepção. Na verdade, não
é a percepção que está errada mas sim a interpretação dessa percepção. Você
está tomando o acidente pela coisa em si. Isso é uma metonímia. Na verdade, o
sentimento é apenas um dos muitos acidentes do amor mas não a sua essência.
Então, é preciso cavar a coisa e ir retirando as sucessivas camadas que encobrem
a verdadeira essência do amor e o sentimento é uma dessas camadas que devem ser
removidas até que se encontre a verdadeira substância do amor, aquilo que sub
esta.
Sto.
Tomás de Aquino definia o amor como o desejo de eternidade do ser amado. Quer
dizer, o amor é o próprio Deus. Não se trata de uma discussão de perspectivas,
mas da apresentação da única perspectiva válida. O amor não tem várias
perspectivas, o amor não tem vários pontos de fuga, ele tem somente um ponto de
fuga que é o próprio Deus que é o fundamento mesmo da realidade só para usar o
vocabulário de Aristóteles. Portanto, não importa o que você sente. O que
importa são as suas acções reais.
Eu gosto
muito de ler algo sobre a poligamia e há elementos comuns. Falemos por exemplo
de um dos maiores polígamos do mundo, o rei Salomão. Dizem que tinha cerca de
oitocentas amantes e cerca de setecentas e cinquenta esposas [risos]. Mas para
este homem das mil e quinhentas mulheres existia apenas uma: Sabá. Significa
que dentro deste sistema, as outras são um número, mas há uma que é eleita.
MEU COMENTÁRIO:
Essa
história do Rei Salomão não está bem contada. Em nenhum lugar nas escrituras
temos o registo desse pretenso romance entre Salomão e a Rainha de Sabá. De
onde é que veio isso? Isso veio do ocultismo, especialmente da Cabalá judáica.
Aqui em
Moçambique tínhamos o rei Mataca, que, segundo uns livros, tinha cerca de
seiscentas esposas e, segundo outros, cerca de trezentas e cinquenta. Mas só
uma sobressai, Achivanjila.6 Está
enterrada no Niassa no distrito de Majune. Portanto, as outras todas eram
um número.
O
anterior rei da Suazilândia, o Sobhuza, tinha também umas duzentas e cinquenta mulheres, mas havia uma que era a
eleição dele. Mesmo nesse sistema, o amor é universal e manifesta-se. Ele
acabou amando alguma, ele vai dizer que ama as outras também, porque o amor é
tudo, a gente tem de amar as crianças, até os bois e as galinhas, então aquelas
mulheres eram um pouco como os bois e as galinhas.
Existem
outras histórias de príncipes dos países árabes. Outro exemplo é o Taj Mahal. O homem, quando construiu aquele palácio tinha muitas mulheres, mas
dedicou aquele palácio a uma só. Aquela relação de exclusividade que todos
queremos e nem todos conseguimos encontrar. A própria história da humanidade
faz esta revelação, que o homem pode ter muitas mulheres, mas ama uma.
MEU COMENTÁRIO:
Essa imagem que Paulina usa,
comparando as mulheres com bois e galinhas é horrível mas também falsa, ou
seja, não é verdade que na poligamia somente uma mulher é amada pelo marido
como pessoa e outras são amadas a mesmo título que se amam os animais. É
possível um homem amar mais de uma mulher e vice-versa? Na verdade, a questão
nem deveria ser essa, mas sim, a seguinte: “é possível uma pessoa amar mais de
uma pessoa?” Os factos da realidade mostram que sim, logo é possível porque
daquilo que é real postula-se a sua possibilidade e daquilo que é possível
postula-se a sua necessidade. Mas o amor têm vários graus e mesmo dentro de sua
própria família os pais não amam todos os filhos com o mesmo grau de
intensidade. Na verdade, somente Deus é capaz de amar a todos sem diferença de
graus porque graus são apenas acidentes e isso não existe no amor divino senão
esse seria apenas contigente e não necessário.
Só que na nossa cultura
o amor é um direito masculino e não feminino. O homem pode amar, mas a mulher
não. A mulher tem de amar de acordo com os valores culturais e daí que amar
seja cuidar. Mas o amor é o mesmo.
MEU
COMENTÁRIO:
O amor não é um direito, nem masculino, nem feminino. Já dizia Simone Weil
que direito é obrigação de outrem. Ou seja, se alguém tem o direito de ser
amado, isso significa que alguém tem a obrigação de amá-lo. Agora, não há uma obrigação sem uma lei que
me imponha essa obrigação. Eis aqui uma outra questão: o que é lei? Montesquieu,
no seu livro, o espírito das leis define lei como uma “relação necessária que
surge da natureza das coisas”, quer dizer, dos factos mesmos. Agora, quais são
os factos? Existem muitos, mas há um que não podemos olvidar que é que o
homem é mau por natureza, diferentemente do que dizia Russeau. Ora, sendo o
homem mau, a única relação necessária que resulta disso é o puro ódio
entre os homens transformando cada homem no lobo do outro homem para usar o
vocabulário de Hobbes e não o seu contrário. E, numa sociedade como essa, o amor não pode ser uma
obrigação mas sim uma concessão. Na verdade, quando se obriga as pessoas a
amarem, disso não resulta o amor genuíno mas o seu contrário. Portanto, somente
por um acto da graça divina é que o amor é possível. Como diz São João, o apóstolo: "nós amamos porque Ele [Deus] nos amou primeiro".
O seu livro mais recente, Por Quem Vibram os Tambores do Além?, que escreveu juntamente com o curandeiro
Rasta Pita, não foi publicado em Portugal.
Foi interessante. Ninguém comentou o livro até hoje. Regressei do Brasil há
uma semana. O livro está a ser recebido maravilhosamente no Brasil. O público
brasileiro acha o livro muito interessante. Encontrei curandeiros brasileiros
que me confirmaram que o processo de desenvolvimento do curandeirismo é
exatamente aquele. Havia pessoas lá de vários países, por exemplo da Colômbia,
que me perguntavam se esse curandeiro não teria disponibilidade para viajar
para uma troca de experiências, porque tudo o que ele relata é muito semelhante
àquilo que eles têm. E encontrei uma pajé que também tinha lido o livro e me
disse: “O meu processo de formação foi assim.”
Mais uma vez, eu tenho sorte, porque
faço uma coisa que no primeiro momento todos acham estranha e acham que não se
deve publicar, mas vem um mundo de fora que diz que é isso que deve ser
escrito. Passou-se também com Niketche. Porque a nossa
realidade ficou escondida durante muitos anos. O mundo considerado irracional,
que por exemplo os psiquiatras e psicólogos consideram uma alucinação, afinal
tem uma outra explicação. A compreensão deste mundo pode ajudar.
MEUS COMENTÁRIOS:
Já dizia Hugo
Von Hofmansthal que nada está na política de um país que não esteja primeiro na
sua literatura. Essa exaltação do irracional, essa exaltação do ocultismo,
etc., feita pela Paulina, um dia vai se reflectir na política. Mais cedo ou
mais tarde veremos neste país a política do curandeirismo ou o curandeirismo da
política, ou seja, um casamento entre política e ocultismo como aconteceu na
Alemanha nazista, em que os políticos ao invés de pôr seus lerdos cérebros para
funcionar vão tomar suas decisões baseadas em oráculos de bruxos e as
consequências disso são desastrosas.
Não vejo
nenhuma diferença entre Paulina Chiziane, Helena Petrovna Blavatsky, Alice
Bailey, Alan Kardec, senão apenas uma diferença de grau. O esforço dessa turma toda
é e sempre foi lançar uma cortina de fumaça sobre a verdadeira religião pela
exaltação histérica de forças demoníacas sob o pretexto de estar a resgatar a
tradição, quando na verdade, estão trazendo a tona velhas mentiras, velhos
erros que já foram a muito refutados. Essas falsas luzes são muito atractivas
mas elas somente semeiam niilismo e todo o tipo de negatividade que as reforçam
até a exaustão como num ritual autofágico de deuses inferiores.
Sim,
parece-me que neste campo espiritual e mágico ainda há muita pesquisa por
fazer. Também considero que seria muito enriquecedor recolher os mitos das
tradições orais em Moçambique, porque as pessoas estão a perder a costume se
contar histórias às crianças. Por exemplo, aqueles mitos matriarcais que
aparecem em O Alegre Canto da Perdiz e
em que o mundo originalmente era dominado pelas mulheres, realmente existem ou
são invenção sua?
Existem. Eu fui apanhar aquilo na zona
mais, mais, mais tradicional. Nas cidades nunca ninguém ouviu falar daquilo. Só
conhecem Adão e Eva. Mas este trabalho já começou de certa maneira. Já se
publicaram alguns livrinhos, mas tem de continuar. Há mitos extraordinários. Os
mitos da região Sul, por exemplo, já quase desapareceram porque não houve
recolha. Para mim, o importante é esta ousadia de provocar e, a partir dali, as
pessoas vão perceber que é uma riqueza que precisa de ser explorada.
MEUS COMENTÁRIOS:
Aristóteles definia o mito como a
narrativa da estória dos deuses. Ora, se o pressuposto de que originalmente o
mundo era dominado é um mito, logo torna-se falso exibir isso como um facto
histórico porque neste caso já não seria mais mito. A palavra facto vêm do
latim “factum” que quer dizer aquilo que foi feito e um mito nunca foi feito,
nunca aconteceu. Paulina volta mais uma vez a dar seu show de inépcia no que
tange a simbólica.
Um mito nunca pode ser interpretado de
forma literal mas sim de forma simbólica, por isso é que a linguagem mítica é
sempre do nível poético-retórica. Por exemplo, quando você lê ou ouve um mito
que diz que o mundo originalmente foi dominado pelas mulheres, você não pode em
nenhum momento entender isso literalmente como se o mundo mesmo lá no início
tivesse sido dominado pelas mulheres porque historicamente isso não se sustenta.
Na simbólica a mulher simboliza o
princípio passivo e o homem o princípio activo como o yin e o yang chinês. Este
é o beabá da simbólica e se você nem sabe isso, então você não tem o direito de
abrir a boca para dizer um ai sobre essas coisas. Portanto, simbolicamente,
longe de você dizer que originalmente o mundo foi dominado literalmente pelas
mulheres o certo é você dizer que originalmente o mundo foi dominado pelo
princípio passivo da psique humana, o que Jung chamava de anima e nunca dizer
que as mulheres dominaram o mundo o que é coisa de analfabeto, palpiteiro
metido à besta.
PS: Leia toda entrevista [aqui].
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