O mal não tem uma
causa eficiente, apenas uma causa deficiente. O mal físico e psicológico são consequências
do mal moral. Essa incapacidade de escolher entre o bem e o mal deve-se ao facto
do homem ter rejeitado todas notas que o integram e definem como pessoa. Uma
dessas notas é sua capacidade de pensar. O homem deixou de pensar com o fim da “era
do individuo” e o advento da era da ideologia de classes. A solução para isso é
fazer uma contra-revolução cultural de modo a devolver ao país a sua autoconsciência.
Muito se fala a
respeito da violência doméstica neste país que, nos últimos tempos, tem
merecido uma grande publicidade por parte dos órgãos de mídia. Muitas causas
têm sido pressupostas para explicar esse recrudescimento do crime, como sejam:
1- Inoperância da polícia;
2- Falta de leis adequadas e mais rígidas;
3- Perda dos valores morais;
4- Patriarcalismo.
Não sabemos se esse recrudescimento do crime é real ou
nominal. Para tal, teríamos que isolar o efeito mídia e ver o que sobra. Será que,
por estatística, num país com cerca de 25 000 000 de habitantes, 2 ou
3 casos de homicídios é representativo para dizermos que esse recrudescimento
do crime é significativo?
A violência doméstica como qualquer outra violência é
um mal físico ou psicológico. Qual é a causa do mal? Sto. Agostinho diz que o
mal não tem causa eficiente mas apenas uma causa deficiente. Portanto, essa
causa deficiente tem que ser um outro mal. E esse mal, Sto. Agostinho o chama
de mal moral. O que é o mal moral? É essa incapacidade de fazer escolhas morais,
essa incapacidade de escolher entre o bem e o mal, entre o bom e o mau.
Como é que o ser humano, sendo um ser dotado de razão pode
escolher o mal ao bem? Sócrates diz que é por um erro de cálculo. Porém,
Sócrates estava errado porque ele pensava que a razão e a vontade eram a mesma
coisa. Na verdade, isso não está totalmente errado do ponto de vista ontológico
da coisa, porém, gnosiologicamente isso não se sustenta: a razão e a vontade
são distintas.
No seu livro, “a vida do espírito”, Hannah Arendt diz
que a actividade do espírito divide-se em 3, a saber: pensar, querer e julgar. Essa
é uma visão aristotélica da coisa e aquela que tem preeminência do ponto de
vista gnosiológico. Porém, ontologicamente, o querer está acima da razão. Ele representa
a omnipotência. Ele é aquilo que no vocabulário da mística cristã se chama “Deus-pai”.
Ora, nós temos uma razão mas também temos uma vontade.
Gnosiologicamente parece que as nossas acções são regidas pela razão, porém,
ontologicamente, elas são regidas pela vontade, caso, contrário, nenhuma
liberdade seria possível, mas tudo estaria pré-determinado pela razão.
O que isso quer dizer? Quer dizer que malgrado ter uma
razão, eu posso fazer o que eu quiser sem que para tal a minha razão seja
consultada. Isso é que é liberdade, como disse Sto. Agostinho: “a possibilidade
de fazer o bem e a possibilidade de não fazer o mal” (sic). A impossibilidade de
não fazer o mal só Deus a tem, nós não temos. Porém, podemos escolher não fazer
o mal, se bem que a maior parte das vezes essa possibilidade não se actualize. Isso
não significa que houve, aqui, um erro de cálculo porque, neste caso, teríamos que
atribuir o mal a própria razão que falhou, porém, sendo a razão o senso das proporções,
isso seria auto-contraditório.
Aristóteles disse que o homem tende ao conhecimento. E,
Fritjoch Schuon foi mais longe ainda ao dizer que “to be man is to know” (sic).
Num mundo do puro ser teríamos que
viver de acordo, apenas, com a vontade e num mundo do puro conhecer teríamos que
viver apenas da razão. Porém, nós não estamos num mundo de puro ser e nem de
puro conhecer. Aristóteles disse que a nossa situação é metase, ou seja, entre-meio. Então, a nossa condição é de participação
na realidade, a qual não é apenas puro ser, nem puro conhecer. Então, temos
aqui uma tensão dialéctica e a sabedoria não consiste em viver apenas da
vontade como que num mundo de puro ser e nem de viver da razão como que num
mundo do puro conhecer mas sim em compreender a tensão entre vontade e razão e
saber se orientar no meio delas.
Mas para você ter sabedoria, você deve buscá-la. Agora,
hoje em dia as pessoas não têm sabedoria. Elas não conseguem se quer resolver
um conflito doméstico, uma briga de cachorros e vão resolver o problema do
país? Isso a mim me parece um pouco ficcional.
Quando se fala em filosofia as pessoas estão logo a
pensar em polaridades aristotélicas, epistemologia, gnosiologia, ontologia,
lógica, existencialismo, etc., porém, filosofia não é isso. Isso é uma filosofia
de segundo grau. A filosofia é a busca da sabedoria. Mas antes de você buscar a
sabedoria acerca das verdades últimas e supremas, você deve aprender a buscar a
verdade sobre você mesmo. Infelizmente, nós sabemos tudo acerca de economia, física
quântica, biologia, informática, integrais múltiplas, etc., mas não sabemos
nada acerca de nós mesmos. Na verdade, nós nos conhecemos muito mal como
demonstrou o David McKraman no seu livro “You are not too smart”. Porquê é que
isso acontece?
Analisando o caso de Eischman, Hannah Arendt chegou a conclusão
de que isso acontece porque a semelhança de Eischman, nós nos recusamos a
possuir qualquer nota que nos integra e define como humanos. Isso é um fenómeno
não apenas da primeira metade do século XX mas também um fenómeno deste século
em que nos encontramos. O século XXI pôs um ponto final a “Era do indivíduo”
como dizia Alan Renaut. Já não há indivíduos. Agora só existem abortistas,
feministas, gaysistas, democratas, conservadores, liberais, aquecimentistas,
etc. O indivíduo foi abolido. O homem perdeu todo e qualquer traço que o define
como pessoa. Karl Mannheim estava montado na razão quando disso que isso
funciona, digo, você tratar os indivíduos não como indivíduos mas como classe. E
aí, se você quiser destruir o indivíduo é só isolá-lo da sua classe que ele
morre como um peixe fora da água.
Uma das principais notas que integram e definem o
conceito homem é sua capacidade de pensar. Quando um individuo pertence a uma
classe, ele deixa de pensar. Ou seja, ele passa a ser apenas um
porta-estandarte da sua classe. Ele fala como alguém da classe, ele age como alguém
da classe, etc., e nem sabe que isso tudo é puro fingimento, que aquilo não é o
seu eu autêntico, que ele está vivendo de plágio como diria o romancista Óscar
Wilde.
As pessoas imaginam que pensar é juntar frases. Ora,
isso até um papagaio, se ensinado, faz; um computador também faz. Hannah Arendt
diz que “De Sócrates até Platão, pensar significava travar um diálogo
silencioso consigo mesmo” (sic). Infelizmente, hoje em dia, temos tempo para
falar com todo mundo, gastamos horas e horas no celular, no whatsap, no tweeter, e-mail, etc., e
nunca paramos para falar connosco mesmos. O que é isso? Estamos vivendo de simulação,
de impressões evanescentes do momento como se fossemos bichinhos. Não é
fortuitamente que nos conhecemos muito mal.
É por abdicarmos do privilégio de pensar que nos
tornamos incapazes de desejar o supremo bem, a suprema beleza e a suprema
unidade, ou como diz Duns Scotus: uno,
bonum, veru; e porque somos incapazes de pensar e de desejar o supremo bem,
também nos tornamos incapazes de julgar, incapazes de fazer julgamento moral,
de escolher o bem e rejeitar o mal, de escolher o que é bom e rejeitar o que é
mau.
Um dos lugares onde as pessoas tinham a oportunidade
de ir pensar, ir dialogar consigo mesmas é na igreja porque a expressão mais
alta do pensar, do dialogar consigo mesmo é a oração. Porém, hoje em dia, a
igreja católica encontra-se capturada pelas forças globalistas e só pensa em
implantar uma novus ordo seclorum
conforme documentado no livro de Pascal Bernadin “Le crucifiement de Saint
Pierre: le passion de l’eglise”, nos
livros de Malachi Martin “The wind swept house” e “the key of this blood” e nos
documentos do Concílio Vaticano II. Os protestantes, por seu turno, só estão preocupados
com a teologia da prosperidade e com enriquecer a custo das ovelhas que o
SENHOR resgatou com seu próprio sangue. Na literatura nacional também é
impossível travar esse diálogo porque a nossa poesia é feita por pessoas que nunca
tiveram nenhuma vivência interior profunda digna de registo, as nossas obras de
ficção ou são propagandas feministas, comunistas, globalistas, etc., ou são registos
inautênticos de experiências que o escritor não teve e que nem poderia ter nem
mesmo que tivesse uma imaginação dantesca. É tudo cópia de cópia, material de
segunda mão, colcha de retalhos.
Se pode-se fazer alguma coisa? É claro que se pode. Mas
temos que saber que criticar a polícia, criticar a moral, criticar as leis, o
patriarcado e o raio que o parta, tem lá seu valor táctico. Agora, é preciso
juntar tudo isso num fronte único, unificar todas essas tácticas numa estratégica
e desferir um golpe certeiro no sistema nervoso central do problema. O que as
pessoas não perceberam é que toda essa onda de violência é consequência de uma revolução
cultural que tem acontecido neste país desde a segunda metade da década de 70. E
no mundo, isso já vem desde a década de 30 com Gyorgy Lukács e a malfadada
escola de Frankfurt.
Pertence a Lukács a seguinte frase: “a política é o
meio, o fim é a cultura”(sic). Ora, escrevi há meses atrás neste blog um artigo em que eu dizia “não façam
política, façam meta-política”. Meta-política é cultura. Houve e está havendo
uma revolução cultural no mundo levado a cabo por aqueles a quem Marx chamava
de Lumpen Proletariat, a saber: os
gays, as feministas, os aquecimentistas, etc.
É certo que o país precisa que se faça uma contra-revolução
cultural, uma reacção cultural, de modo a resgatar os valores que permitam ao
país remoldar sua imaginação colectiva no sentido de um resgate da sua autoconsciência.
Somente aí é que seremos homens novamente. Leibniz dizia que a diferença entre
o homem e o animal é que o homem tem autoconsciência. Somente sabendo quem
somos nós de verdade é que voltaremos a ter consistência como seres humanos
aptos a fazer passar nossos actos pelo filtro da razão e não agirmos como que
por reflexo condicionado a moda dos cães de Pavlov.
Contudo, como dizia Goethe: “é urgente ter paciência”.
Quer dizer, a situação não está boa, há pessoas morrendo, contudo, não devemos
ceder a tentação de esboçar ante essas situações reacções de desespero, de
pânico como dizia outro sábio, o Espinoza: “não rir, nem chorar, mas
compreender” (sic). Então, a primeira coisa que temos que fazer é procurar
compreender o que está acontecendo antes de nos arrogarmos ao delírio
prometeico de tentar transformar o que quer que seja.
ESCRITO POR|XADREQUE
SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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