segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Violência doméstica

O mal não tem uma causa eficiente, apenas uma causa deficiente. O mal físico e psicológico são consequências do mal moral. Essa incapacidade de escolher entre o bem e o mal deve-se ao facto do homem ter rejeitado todas notas que o integram e definem como pessoa. Uma dessas notas é sua capacidade de pensar. O homem deixou de pensar com o fim da “era do individuo” e o advento da era da ideologia de classes. A solução para isso é fazer uma contra-revolução cultural de modo a devolver ao país a sua autoconsciência.

 Muito se fala a respeito da violência doméstica neste país que, nos últimos tempos, tem merecido uma grande publicidade por parte dos órgãos de mídia. Muitas causas têm sido pressupostas para explicar esse recrudescimento do crime, como sejam:

     1-  Inoperância da polícia;
     2-  Falta de leis adequadas e mais rígidas;
     3-  Perda dos valores morais;
     4-  Patriarcalismo.

Não sabemos se esse recrudescimento do crime é real ou nominal. Para tal, teríamos que isolar o efeito mídia e ver o que sobra. Será que, por estatística, num país com cerca de 25 000 000 de habitantes, 2 ou 3 casos de homicídios é representativo para dizermos que esse recrudescimento do crime é significativo?

A violência doméstica como qualquer outra violência é um mal físico ou psicológico. Qual é a causa do mal? Sto. Agostinho diz que o mal não tem causa eficiente mas apenas uma causa deficiente. Portanto, essa causa deficiente tem que ser um outro mal. E esse mal, Sto. Agostinho o chama de mal moral. O que é o mal moral? É essa incapacidade de fazer escolhas morais, essa incapacidade de escolher entre o bem e o mal, entre o bom e o mau.
Como é que o ser humano, sendo um ser dotado de razão pode escolher o mal ao bem? Sócrates diz que é por um erro de cálculo. Porém, Sócrates estava errado porque ele pensava que a razão e a vontade eram a mesma coisa. Na verdade, isso não está totalmente errado do ponto de vista ontológico da coisa, porém, gnosiologicamente isso não se sustenta: a razão e a vontade são distintas.

No seu livro, “a vida do espírito”, Hannah Arendt diz que a actividade do espírito divide-se em 3, a saber: pensar, querer e julgar. Essa é uma visão aristotélica da coisa e aquela que tem preeminência do ponto de vista gnosiológico. Porém, ontologicamente, o querer está acima da razão. Ele representa a omnipotência. Ele é aquilo que no vocabulário da mística cristã se chama “Deus-pai”.

Ora, nós temos uma razão mas também temos uma vontade. Gnosiologicamente parece que as nossas acções são regidas pela razão, porém, ontologicamente, elas são regidas pela vontade, caso, contrário, nenhuma liberdade seria possível, mas tudo estaria pré-determinado pela razão.

O que isso quer dizer? Quer dizer que malgrado ter uma razão, eu posso fazer o que eu quiser sem que para tal a minha razão seja consultada. Isso é que é liberdade, como disse Sto. Agostinho: “a possibilidade de fazer o bem e a possibilidade de não fazer o mal” (sic). A impossibilidade de não fazer o mal só Deus a tem, nós não temos. Porém, podemos escolher não fazer o mal, se bem que a maior parte das vezes essa possibilidade não se actualize. Isso não significa que houve, aqui, um erro de cálculo porque, neste caso, teríamos que atribuir o mal a própria razão que falhou, porém, sendo a razão o senso das proporções, isso seria auto-contraditório.

Aristóteles disse que o homem tende ao conhecimento. E, Fritjoch Schuon foi mais longe ainda ao dizer que “to be man is to know” (sic). Num mundo do puro ser teríamos que viver de acordo, apenas, com a vontade e num mundo do puro conhecer teríamos que viver apenas da razão. Porém, nós não estamos num mundo de puro ser e nem de puro conhecer. Aristóteles disse que a nossa situação é metase, ou seja, entre-meio. Então, a nossa condição é de participação na realidade, a qual não é apenas puro ser, nem puro conhecer. Então, temos aqui uma tensão dialéctica e a sabedoria não consiste em viver apenas da vontade como que num mundo de puro ser e nem de viver da razão como que num mundo do puro conhecer mas sim em compreender a tensão entre vontade e razão e saber se orientar no meio delas.

Mas para você ter sabedoria, você deve buscá-la. Agora, hoje em dia as pessoas não têm sabedoria. Elas não conseguem se quer resolver um conflito doméstico, uma briga de cachorros e vão resolver o problema do país? Isso a mim me parece um pouco ficcional.

Quando se fala em filosofia as pessoas estão logo a pensar em polaridades aristotélicas, epistemologia, gnosiologia, ontologia, lógica, existencialismo, etc., porém, filosofia não é isso. Isso é uma filosofia de segundo grau. A filosofia é a busca da sabedoria. Mas antes de você buscar a sabedoria acerca das verdades últimas e supremas, você deve aprender a buscar a verdade sobre você mesmo. Infelizmente, nós sabemos tudo acerca de economia, física quântica, biologia, informática, integrais múltiplas, etc., mas não sabemos nada acerca de nós mesmos. Na verdade, nós nos conhecemos muito mal como demonstrou o David McKraman no seu livro “You are not too smart”. Porquê é que isso acontece?

Analisando o caso de Eischman, Hannah Arendt chegou a conclusão de que isso acontece porque a semelhança de Eischman, nós nos recusamos a possuir qualquer nota que nos integra e define como humanos. Isso é um fenómeno não apenas da primeira metade do século XX mas também um fenómeno deste século em que nos encontramos. O século XXI pôs um ponto final a “Era do indivíduo” como dizia Alan Renaut. Já não há indivíduos. Agora só existem abortistas, feministas, gaysistas, democratas, conservadores, liberais, aquecimentistas, etc. O indivíduo foi abolido. O homem perdeu todo e qualquer traço que o define como pessoa. Karl Mannheim estava montado na razão quando disso que isso funciona, digo, você tratar os indivíduos não como indivíduos mas como classe. E aí, se você quiser destruir o indivíduo é só isolá-lo da sua classe que ele morre como um peixe fora da água.

Uma das principais notas que integram e definem o conceito homem é sua capacidade de pensar. Quando um individuo pertence a uma classe, ele deixa de pensar. Ou seja, ele passa a ser apenas um porta-estandarte da sua classe. Ele fala como alguém da classe, ele age como alguém da classe, etc., e nem sabe que isso tudo é puro fingimento, que aquilo não é o seu eu autêntico, que ele está vivendo de plágio como diria o romancista Óscar Wilde.

As pessoas imaginam que pensar é juntar frases. Ora, isso até um papagaio, se ensinado, faz; um computador também faz. Hannah Arendt diz que “De Sócrates até Platão, pensar significava travar um diálogo silencioso consigo mesmo” (sic). Infelizmente, hoje em dia, temos tempo para falar com todo mundo, gastamos horas e horas no celular, no whatsap, no tweeter, e-mail, etc., e nunca paramos para falar connosco mesmos. O que é isso? Estamos vivendo de simulação, de impressões evanescentes do momento como se fossemos bichinhos. Não é fortuitamente que nos conhecemos muito mal.

É por abdicarmos do privilégio de pensar que nos tornamos incapazes de desejar o supremo bem, a suprema beleza e a suprema unidade, ou como diz Duns Scotus: uno, bonum, veru; e porque somos incapazes de pensar e de desejar o supremo bem, também nos tornamos incapazes de julgar, incapazes de fazer julgamento moral, de escolher o bem e rejeitar o mal, de escolher o que é bom e rejeitar o que é mau.

Um dos lugares onde as pessoas tinham a oportunidade de ir pensar, ir dialogar consigo mesmas é na igreja porque a expressão mais alta do pensar, do dialogar consigo mesmo é a oração. Porém, hoje em dia, a igreja católica encontra-se capturada pelas forças globalistas e só pensa em implantar uma novus ordo seclorum conforme documentado no livro de Pascal Bernadin “Le crucifiement de Saint Pierre: le passion de l’eglise”, nos livros de Malachi Martin “The wind swept house” e “the key of this blood” e nos documentos do Concílio Vaticano II. Os protestantes, por seu turno, só estão preocupados com a teologia da prosperidade e com enriquecer a custo das ovelhas que o SENHOR resgatou com seu próprio sangue. Na literatura nacional também é impossível travar esse diálogo porque a nossa poesia é feita por pessoas que nunca tiveram nenhuma vivência interior profunda digna de registo, as nossas obras de ficção ou são propagandas feministas, comunistas, globalistas, etc., ou são registos inautênticos de experiências que o escritor não teve e que nem poderia ter nem mesmo que tivesse uma imaginação dantesca. É tudo cópia de cópia, material de segunda mão, colcha de retalhos.

Se pode-se fazer alguma coisa? É claro que se pode. Mas temos que saber que criticar a polícia, criticar a moral, criticar as leis, o patriarcado e o raio que o parta, tem lá seu valor táctico. Agora, é preciso juntar tudo isso num fronte único, unificar todas essas tácticas numa estratégica e desferir um golpe certeiro no sistema nervoso central do problema. O que as pessoas não perceberam é que toda essa onda de violência é consequência de uma revolução cultural que tem acontecido neste país desde a segunda metade da década de 70. E no mundo, isso já vem desde a década de 30 com Gyorgy Lukács e a malfadada escola de Frankfurt.

Pertence a Lukács a seguinte frase: “a política é o meio, o fim é a cultura”(sic). Ora, escrevi há meses atrás neste blog um artigo em que eu dizia “não façam política, façam meta-política”. Meta-política é cultura. Houve e está havendo uma revolução cultural no mundo levado a cabo por aqueles a quem Marx chamava de Lumpen Proletariat, a saber: os gays, as feministas, os aquecimentistas, etc.

É certo que o país precisa que se faça uma contra-revolução cultural, uma reacção cultural, de modo a resgatar os valores que permitam ao país remoldar sua imaginação colectiva no sentido de um resgate da sua autoconsciência. Somente aí é que seremos homens novamente. Leibniz dizia que a diferença entre o homem e o animal é que o homem tem autoconsciência. Somente sabendo quem somos nós de verdade é que voltaremos a ter consistência como seres humanos aptos a fazer passar nossos actos pelo filtro da razão e não agirmos como que por reflexo condicionado a moda dos cães de Pavlov.

Contudo, como dizia Goethe: “é urgente ter paciência”. Quer dizer, a situação não está boa, há pessoas morrendo, contudo, não devemos ceder a tentação de esboçar ante essas situações reacções de desespero, de pânico como dizia outro sábio, o Espinoza: “não rir, nem chorar, mas compreender” (sic). Então, a primeira coisa que temos que fazer é procurar compreender o que está acontecendo antes de nos arrogarmos ao delírio prometeico de tentar transformar o que quer que seja.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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