segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Música e Entendimento

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Infelizmente, muitas pessoas, sobretudo jovens, escutam música com a finalidade se conseguir um pouco de entretenimento com isso. Porém, o que elas não sabem é que a música molda a personalidade de que a escuta porque ela afecta o nosso entendimento. Assim, uma música pode torná-lo mais inteligente ou mais idiota dependendo se a música que você escuta tem mais ou menos proporcionalidade formal intrínseca.


Quando se escutam as músicas, hoje em dia, é impossível não perceber que todas elas tratam de uma temática idêntica. Todas elas falam de mulher. Pode ser que haja duas ou três que falem de um outro tema mas a maioria fala sobre a mulher. E é a isso que chamam de música romântica e, infelizmente, os compositores desses temas e os músicos em geral que os cantam estão enganados.

Quando olhamos para a música, nós a inserimos dentro das artes rítmicas e as artes rítmicas são um departamento da arte e a arte, por seu turno, é um departamento da estética. Portanto, em última instância, a música é estética.

A palavra estética vem de aisthesis que significa sensação. Então, a musica, como um departamento da arte e um sub-departamento da estética, lida directamente com a sensação, com o sensório-motriz. Neste artigo, nós vamos definir a sensação como uma impressão que nós temos diante de um objecto.

A sensação é bastante importante para que haja conhecimento. Dizia Aristóteles que nada está no intelecto que não tivesse estado primeiro no intelecto. Por outras palavras, o conhecimento começa pelos sentidos, pelos dados dos sentidos. Não é exagerado dizer que o homem tem cinco sentidos e um sentido comum. Então, o homem tem seis sentidos. Os sentidos próprios são cinco: a visão, a audição, o olfacto, o paladar e o tacto. A música ou qualquer outro som é captado não por todos esses sentidos mas pela audição.

Cada um dos cinco sentidos próprios está directamente ligado as potências cognitivas do homem. Não faremos menção de todos os cinco sentidos mas apenas dos mais importantes que são dois, a saber: a visão e a audição e podemos ainda acrescentar o sentido comum que muitos pensaram estar no cérebro mas que eu digo que está no coração do homem. Porém, não nos esqueçamos que o coração está aqui sendo tomado no sentido simbólico como a alma do homem ou se preferirem no sentido de psique ou mente.

Continuando o nosso raciocínio vamos dizer que a visão está ligada a percepção. Quando nós vemos um objecto nós percebemos aquele objecto. Também podemos perceber um objecto pelo tacto e pelo paladar, porém, já não teremos uma percepção tão rica como aquela que podemos ter por meio da visão. A audição está ligada ao entendimento e o coração está ligado a compreensão.

Geralmente, tem havido muita confusão no uso desses termos os quais têm sido usados como se fossem sinónimos quando, na verdade, não são sinónimos mas apenasmente potências cognitivas do nous do ser humano. Não há aqui nenhuma contradição do que estamos dizendo em relação as potências cognitivas aristotélicas de imaginação, razão e inteligência.

Então, pela audição captamos o entendimento. O tema do entendimento humano foi objecto de grande controvérsia no século XVII entre John Locke e Leibnitz e continua sendo até hoje mas não mais com aquele vigor que marcou aquela época. John Locke, na sua obra “Ensaio sobre o entendimento humano”, avançou com a tese de que quando o homem nasce, a sua mente era uma espécie de tabula rasa. Leibnitz, para mostrar a improcedência dessa tese, escreveu “Novo ensaio sobre o entendimento humano” que ele não publicou em vida porque não julgava digno refutar a tese de um defunto porque Locke havia morrido antes de Leibnitz terminar essa obra. A tese de Leibnitz era oposta a de Locke. Leibnitz defendia a tese das ideias inatas que nascem com o homem e permanecem nele virtualizadas até ao ponto de serem actualizadas pela experiência.

Hoje em dia, com tudo que foi escrito posteriormente em torno desse tema, não acrescentaríamos valor nenhum ao debate dizendo isto ou aquilo. Ademais este não é o nosso propósito neste artigo.

Já vimos que a audição liga-se ao nosso entendimento e a música afecta a nossa audição. O que estamos dizendo é que a música afecta o nosso entendimento, a maneira como nós entendemos as coisas. Um exemplo para isso é um estudo feito por um médico vietnamita de uma equipe de patinagem em que ele foi notando que de tempo em tempo o desempenho da sua equipa ia se tornando cada vez mais fraco. Tendo feito alguns estudos, ele acabou descobrindo que a quebra do rendimento da sua equipe estava associada ao estilo de música que ela estava escutando.

A música pode afectar positiva ou negativamente o nosso entendimento. O mundo do entendimento é o mundo das palavras, mas não palavra no seu sentido vulgar mas palavra no seu étimo grego de logos e na sua acepcao latina de ratio, razão, que é a lei de proporcionalidade formal intrínseca e foi por isso que eu disse que a nossa colocação sobre as potências da cognição era tensionalmente coerente com o aristotelismo.

Então, a música afecta o nosso entendimento, a nossa razão, a nossa capacidade de construir raciocínios lógicos coerentes e é claro que se não sabemos raciocinar coerentemente as nossas conclusões serão falseadas e as decisões que nós tomarmos em cima dessas conclusões também serão erradas. Portanto, a inteligência, essa capacidade de inteligir, de escolher entre…só será robusta se ela for construída por cima de uma razão coerente consigo mesma e com a realidade.

Na música, temos o ritmo, a harmonia e a melodia. Uma vez que a música afecta a nossa audição e, por via disso, afecta o nosso entendimento, a nossa razão, sucede que para que uma música tenha um efeito positivo sobre o nosso entendimento, quer o ritmo, quer a harmonia, quer a melodia, devem obedecer a uma lei de proporcionalidade formal intrínseca. Se não houver no ritmo uma proporcionalidade emergente ele será um ritmo nefasto. Se não houver essa lei da proporcionalidade intrínseca na harmonia ela será nefasta e se ela também não houver na melodia, esta será nefasta.

Sem dúvida alguma que o ritmo, a harmonia e a melodia, expressam o estado de espírito ou do músico ou da sociedade em que ele se encontra ou da época em que ele vive. Um ritmo mais frenético, mais convulsivo, pode expressar o estado de agitação psicológica do músico ou da época ou sociedade em que ele vive. Um ritmo mais suave, idem.

Não é de admirar que uma pessoa que escuta melodias mais  melancólicas tende a ser um individuo com um humor mais baixo e o seu contrário um humor mais acentuado podendo se tornar um tipo nervoso e até mesmo um maníaco. Não admira que um homem que só escuta músicas que falam de mulheres seja mais propenso a ser um indivíduo infiel a sua parceira ou um indivíduo que troca sempre de parceiras e assim por diante porque tudo aquilo que nós ouvimos vai para o nosso entendimento, a nossa razão e daí sobe para a nossa inteligência e acaba determinando as nossas escolhas na vida.

Nenhuma escolha é casuística. Escolher é, sem dúvida alguma, seguir uma determinada conexão de sentido. Portanto, não há nenhuma escolha desprovida de sentido. Porém, o grande problema é o que está por detrás dessa conexão de sentido que pode fazer com que essa conexão de sentido seja uma falsa conexão de sentido.

Há pessoas que compreendem a realidade de maneira totalmente confusa. Por que é que isso acontece? Porque o entendimento que essas pessoas têm da realidade também é confuso. E por que elas têm um entendimento confuso da realidade? Porque a percepção que elas têm da realidade também é confusa. Se você percebe a realidade de maneira confusa é claro que você vai começar a pensar que Zico é um músico da estatura de um Mário Lanza, que Paulina Chiziane é uma romancista da dimensão de um Dostoeivisky, que Craveirinha é um poeta da dimensão de um Baudelaire, que Severino Ngoenha é um filósofo da dimensão de um Mário Ferreira dos Santos. Quando você chega a esse ponto, é claro que para você Marrabenta passará a ser o maior estilo musical do mundo. É claro que para você Beyoncé, Rihana e Nick Minaj passam a ser maiores que Katryn Grayson.

O remédio para você escapar dessas influências nefastas é você saber distinguir o que é valoroso do que não é valoroso culturalmente e para isso você tem que começar educando a sua percepção. Educar a sua percepção é educar a sua imaginação. Como é que você faz isso? Na área da música, você consegue isso escutando música de verdade e não esses ruídos que são tocados por aí e que atendem pelo nome de música popular.

Em Moçambique só existe música popular. Só há cantores de música popular. Não ninguém que cantem música clássica. É, por isso que a nossa cultura musical é apenas popular e não temos uma cultura superior na música. Esta é a razão pela qual a nossa música é apenas provinciana e não acrescenta nada ao património universal da música. Não adianta tentar transformar a marrabenta em património cultural da humanidade. Nada pertence ao património cultural da humanidade por decreto ou por convenção. É preciso que haja naquilo que se pretenda património cultural da humanidade uma superação daquilo que é provinciano e que tenha uma linguagem universal que não pertence a nenhum povo e a nenhuma era em particular mas a todos os povos e a todas as eras.

***

Se tomarmos a imaginação não apenas como imaginação aplicada a música mas a cultura tomada em toda a sua intenção e extensão, não há como enriquecermos a nossa imaginação de modo mais eficaz do que lendo literatura de ficção ou de imaginação mesmo até quando se trata de música. Mas não qualquer livro, tem que ser os grandes clássicos da humanidade como Dostoievisky, Dante, Camões, Homero, a Bíblia, o Al corão, Vedas, etc. Se você não souber ler peça para alguém ler para você. A leitura dos clássicos serve para por em ordem a confusão mental do homem e abrir a sua imaginação.

A leitura dos clássicos não vai fazer de você um Camões, um Flaubert, um Baudelaire ou dar a você o poder para mudar o mundo mas vai abrir para você uma matriz de possibilidades para além de ter sobre você um efeito catártico de grande valia. Portanto, ela vai lhe permitir conhecer a psique humana e servir de guiamento para um lugar de segurança quando o mundo ao redor de você estiver desabando. É claro que é bastante difícil você não desabar quando o mundo todo está desabando como diz aquele verso do poeta espanhol António Machado:

“cuam difícil est

quando todo baja

não bajar tambien”.

Porém, se é difícil, não significa que é impossível. A história de vida de muitos sobreviventes dos campos de concentração nazi na Alemanha, como constatou o psicólogo Viktor Frankl, ele mesmo um prisioneiro da Gestapo, mostra que é possível sobreviver a decadência em redor, não apenas a degradação física mas também a degradação moral e intelectual. Mas para isso é preciso, vamos dizer, encontrar um sentido para a vida. E um sentido para a vida seria aquilo que devolveria a vida do indivíduo que se encontra em frangalhos, em pedacinhos soltos, uma conexão, uma unidade, uma coerência tensional. E a única coisa que pode fazer isso é o próprio ser. Quando você decide ser, então, aí você encontrou o sentido da vida. Agora, se você não quer ser, ou vai protelando ad infinito a actualização do seu ser, para viver apenas de simulação, então, a sua vida não tem mais nenhum sentido e quando isso acontece você perdeu consistência como ser humano e a única coisa a fazer é que você acabará seguindo o caminho de Jean Paul Sartre e dando um tiro na própria cabeça porque se você não tem um sentido para a sua vida, então, você vai cair no desesperismo e no nihilismo, acabando por aniquilar a si próprio não apenas existencialmente mas também fisicamente.

Muitos imaginam que o sentido de suas vidas é o seu emprego, seus filhos, a sua namorada. E elas apegam-se tenazmente a isso como a uma bóia de salvação. O problema é que quando você se apega a coisas tão exteriores quanto essas você vive de forma insegura, você não tem paz. E a sua insegurança vai fazer você achar que para assegurar a posse efectiva dessa bóia de salvação você tem que tem controla-la. Então, quando isso acontece você acaba fazendo da vida daquelas pessoas a quem você jurou amor eterno um inferno ao alcance de todos.

Mas quando o sentido da sua vida é apenasmente ser, então, aí você será apto a existir. Você vai sair do seu casulo. Sem nenhuma inibição. Você vai expressar a si mesmo, afirmar a si mesmo. Mas não afirmar a si mesmo para se auto-exibir mas em benefício dos outros. Ou seja, quando você é, você também quer que os outros sejam. Isso é que é amor. Esse desejo de eternidade do outro de que falava Santo Agostinho.

Mas quando você não descobriu o sentido da vida, o qual é ser, você se torna num indivíduo inibido no sentido de que você quer que todo mundo morra por você mas você não está disposto a fazer o mesmo. Então, você se torna um indivíduo covarde. É por isso que o filósofo Olavo de Carvalho num hangout que ele teve sobre o tema do amor ele disse que a única receita para o indivíduo vencer a covardia é o amor ao próximo. Mas você só pode ter amor ao próximo quando você descobre que o sentido da vida é ser e aí você vai querer que os outros sejam, mas não ser apenas por um momento, por um ano, por 1000 anos, mas por toda a eternidade e essa é que a definição de amor.

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