O poder não está nas mãos
de quem controla a ciência mas sim de quem controla a cultura, o sistema de
valores da sociedade e, me parece que essas campanhas mundiais acerca da alimentação
sejam apenas uma espécie de laboratório de controlo social e não uma preocupação
genuína com a saúde das pessoas, principalmente quando financiadas pelos
governos ou pelos grandes think tanks cujo objectivo final, considerado do
ponto de vista teleológico, é acumular poder.
O cardiologista brasileiro Lair Ribeiro, um conferencista de renome
internacional que escreve livros de auto-ajuda na área de nutrição e outras
como gestão de negócios, às vezes, chega a lançar mão de artifícios
pseudo-lógicos que se não fossem erísticos, no mínimo, seriam pueris tal como tentar
persuadir as pessoas a não comer margarina alegadamente porque nem as baratas
comem-na (https://www.youtube.com/watch?v=iL-TcswloXQ)e tentar persuadí-las de que tomar leite faz mal à saúde porque o
homem é o único animal que toma leite na fase adulta (https://www.youtube.com/watch?v=eZZD4cuvfd8).
Ora, não sei se o Dr. Lair sabe que as galinhas quando ficam
velhas se tornam canibais. Sendo assim, porquê não dizer aos nossos avós que eles
devem praticar o canibalismo, uma vez que até as galinhas velhas praticam o
canibalismo?
Não sei se o Dr. Lair sabe que os macacos praticam
pedofilia. Por quê raios não promover a pedofilia no seio familiar, uma vez que
até os animais, vejam só, são pedófilos?
Os animais fazem sexo à vista de todo mundo, à vista dos
filhotes. Ora, porquê não aconselhar os pais a fazerem uma suruba diante dos seus
filhos na sala de jantar, no quintal da casa para os vizinhos verem? Oh, raios!
Porquê é que somente os animais têm que ter esse privilégio tão saudável? Quanta
opressão, meu Deus do céu, não é mesmo?
Há pessoas que estudam muito e, no entanto, são incapazes
de fazer esse raciocínio elementar e passam a vida toda querendo animalizar todo
o mundo. Quer dizer, agora, o exemplo que o ser humano tem que seguir são as
macaquices dos orangotangos, o grunhido do porco-espinho, o cacarejar das
galinhas d’Angola. O que é isso, afinal de contas? Quer dizer, perdeu-se
completamente o senso de hierarquia e partiu-se para a profanação do humano.
Todos sabemos que o primeiro reino a aparecer neste baixo
mundo é o reino mineral, depois vem o reino vegetal, depois o reino animal e
por fim o reino hominal como o chamam os teósofos que, por sua vez, é o reino
que abarca e subordina os demais reinos atrás mencionados. Ora, o primeiro equívoco que o Dr. Lair comete
é chamar o homem de animal. O homem não é um animal, ele é como um animal e,
isso faz toda diferença. De facto, há diferença entre o homem e o animal. Leibniz
dizia que a diferença entre o homem e o animal é que os animais têm consciência
enquanto o homem tem autoconsciência.
Consciência significa saber que sabe e autoconsciência significa
saber que sabe que sabe. É claro que o homem também tem consciência, ele também
tem sensibilidade, ele também tem instintos, etc., assim como os animais os têm,
porém, isso não significa que a diferença entre o homem e o animal seja específica,
reduzida apenas a aquilo que um tem e o outro não tem, antes pelo contrário,
como disse Xavier Zubir, a diferença entre o homem e o animal é total. Por outras
palavras, a corporalidade do homem não é animal, é humana. Seus instintos, sua consciência
etc., não são animais mas sim humanos.
Poderão alguns indivíduos versados em fisiologia humana
dizer que do ponto de vista anátomo-fisiológico o homem e o animal são indistintos.
Porém, se a essência de alguma coisa é aquilo em que ela se torna como dizia
Hegel, temos, aqui, um problema. Ou seja, se a essência do ser humano é sua
humanidade e esta só pode ser tomada incomutavelmente, vamos chegar a conclusão
de que essa indistinção é apenas analógica e não rigorosa.
By the way, se um determinado alimento faz bem ou se faz mal para a saúde,
desse facto não se pode deduzir nenhum dever que imponha sobre as pessoas a
obrigatoriedade legal de não consumi-los como está acontecendo com a campanha
mundial contra os riscos de consumo da coca-cola em que determinados países como
a Inglaterra chegaram mesmo a vetar o consumo da coca-cola para menores de
idade, incluindo maioneses, manteigas de amendoim, sorvetes e uma lista adiante
de coisas que o governo, sob a pontifícia autoridade científica, julga que faz
mal a saúde das pobres crianças tão mal cuidadas pelos seus pais. O que seria
das nossas crianças se o governo não interviesse, não é mesmo?
O que é tudo isso a não ser o bom e velho positivismo de
Augusto Comte? E, a cada dia fico mais impressionado com a sentença de
Hofmansthal de que “nada está na política de um país que não esteja primeiro na
sua literatura”. É claro que Comte era francês mas sabemos do peso da cultura francesa
na cultura universal com Descartes e, mormente desde a revolução jacobina de
1789. O que o Dr. Lair e o governo inglês e todos os positivistas do mundo ignoram
é que eles cometem um erro lógico primário, ou seja, eles não sabem que de um
facto não se deduz um dever. Ou seja, se comer manteiga faz mal a saúde, não se
pode deduzir disso que não se deve comer manteiga. De modo algum. Antes, pelo
contrário, o dever está vinculado a uma coisa chamada cultura, ou seja, está
vinculado a um sistema de valores em torno do qual uma determinada comunidade constrói
o seu imaginário colectivo. Por exemplo, o Dr. Lair diz que cozinhar os
alimentos com banha de porco, banha de cordeiro, enfim, cozinhar com gordura
animal é muito mais saudável do que cozinhar com óleo vegetal mas, desse facto,
não se pode obrigar as pessoas a cozinhar com gordura animal ou proibi-las de
cozinhar com óleo vegetal. Como é que você chegaria para um mussulmano e o
aconselharia a cozinhar com banha de porco? Isso seria um pecado mortal. Como você
chegaria para um judeu e o aconselharia a cozinhar com gordura de carneiro uma
vez que o consumo de gorduras lhes foi vetado pela Torah?
Não quero entrar nessa discussão de se há alimentos que
fazem mal e se há alimentos que fazem bem a saúde porque, na verdade, não há nada
que não faz mal, até a água faz mal. By
the way, estou inclinado a não crer que o mal e o bem estejam nos alimentos
por mais venenosos que eles sejam, aliás, se eles são venenosos é porque não são
alimentos mas uma outra coisa que tem uma outra utilidade, quiçá, no campo
medicinal e assim por diante.
Doença tomada comutavelmente como objecto da nossa
experiência é um mal físico e todo mal físico não é causa suis, antes pelo contrário é um mal causado por um outro mal,
de uma outra natureza porque somente um mal pode mover o mal, e, neste caso,
estou falando do mal moral, ou seja, o mal físico vem do mal moral como disse
Sto Agostinho e este, por seu turno, resulta da incapacidade do ser humano de
fazer julgamento moral, e essa dificuldade aparece quando as pessoas simplesmente
não querem pensar, se contentando em ser uma espécie de peça dispensável no
imenso maquinismo da sociedade onde elas são apenas uma espécie de demiurgo, um
executor material, cumprindo ordens sem que estas tenham previamente passado
pelo filtro da sua inteligência.
Alguns poderão dizer que isso é muito complicado porque o
certo e o errado são relativos. Ora, a ideia de que tudo é relativo é, no final
das contas, um flatus vocis. Quando Camões
diz que “o amor é fogo que arde sem se ver” (sic) e um especialista em bioquímica
diz que o amor é uma combinação das descargas de adrenalina, dopamina,
oxitocina, etc., significa isso que o amor é relativo ou significa apenas que
camões e o bioquímico estão a olhar para a mesma coisa só que sob perspectivas
diferentes? É claro que o relativismo está na perspectiva do observador e não no objecto em
si, de outro modo, o mesmo objecto teria que ser e não ser sob o mesmo aspecto o que seria contraditório com o principio de identidade. Ora, o relativismo sempre vai existir porque nenhuma perspectiva é completa
em si mesma. Uma visão conjunta e unificada da realidade, só Deus a tem, ao
passo que nós temos vários pontos de fuga enquanto Deus, como fundamento mesmo
da realidade como disse Aristóteles, tem um só.
Ora, o certo e o errado se ligam ao axio antropológico mesmo
da experiência humana e não do campo meramente especulativo que procura chegar
ao juízo do verdadeiro e do falso. Contudo, não é o axio antropológico do
verdadeiro e do falso que se subordina ao axio antropológico do certo e do
errado mas o contrário. Por outras apalavras, o axio antropológico do verdadeiro
e do falso abarca e subordina todo o axio antropológico do certo e do errado.
Se um acto é moralmente certo no nível prático ou experimental, ele tem que ser
moralmente verdadeiro no nível especulativo e assim por diante. Ou seja, roubar
não pode ser especulativamente um falso valor e ser praticamente ou experimentalmente
um acto certo. Por outras palavras, o que Kant chama de razão prática que é a
moral tem que estar alinhada com a razão teórica, com a moral especulativa que
é a ética pois que esta se funda em juízos mais rigorosos e permanentes.
Essa coisa de tentar inventar uma sociedade científica
onde todas as discussões de ordem religiosa, moral, cultural, civilizacional são
abolidas em nome da ciência, transformando todo mundo em burocrata do establishment, transformando todo mundo
em executor material das teses científicas como um demiurgo é e sempre foi o
pedestal de regimes ditatoriais e eles sempre acabam caindo porque se sustentam
em pés de barro e a ciência é um pé de barro.
Na verdade, o poder não está nas mãos de quem controla a ciência
mas sim de quem controla a cultura, o sistema de valores da sociedade e, me
parece que essas campanhas mundiais acerca da alimentação sejam apenas uma espécie
de laboratório de controlo social e não uma preocupação genuína com a saúde das
pessoas, principalmente quando financiadas pelos governos ou pelos grandes think tanks cujo objectivo final,
considerado do ponto de vista teleológico, é acumular poder.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário