sábado, 10 de fevereiro de 2018

“GRITO NEGRO” DE JOSÉ CRAVEIRINHA

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 “Grito negro” também foi usada por Noémia de Sousa como título de um de seus poemas. Um grito negro pode ser uma impressão que se reporta a um sentimento de angústia expresso pelo poeta.


Eu sou carvão!

Aqui vemos que o poeta diz que ele é carvão. Tomada na sua acepção lógica, o EU é sujeito, SOU é cópula e CARVÃO é predicado. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que carvão, neste caso, apesar de ser um predicado que convêm ao EU do poeta, não o convêm analiticamente mas sinteticamente.

Esse juízo nos remete a um problema ontológico muito grande que é o problema do ser. Não o ser tomado junto com seus acidentes mas o ser tomado em si mesmo, ou seja, o ser enquanto SER.

O poeta não pode ser carvão. Isso é apenas uma impressão que ele teve e que ele está procurando expressar. Portanto, ele é carvão acidentalmente. Ele é carvão no sentido em que há alguma semelhança entre o seu EU  e o carvão. Seu EU imita (metexis) o carvão.

Qualquer estudante de psicologia sabe que o eu está no centro do psiquismo humano. Ter um EU é ter uma centralidade psíquica.

E tu arrancas-me brutalmente do chão

A expressão “arrancar” já subentende brutalidade. Por conseguinte, arrancar brutalmente já é uma redundância. E essa redundância não é debalde porque a violência é redundante. Ela se perpetua por meio de uma repetição compulsiva de si mesmo. Sem a repetição formal e universal da violência ela deixa de ser como um facto sociológico se fixando para sempre no instante histórico irrepetível.

O carvão é extraído do “chão”, do subsolo. O EU do poeta, a sua centralidade psíquica, também é arrancada do chão. O chão tomado no seu sentido esotérico se opõe, se ob põe, a aquilo que está acima. Sendo assim, ele nada mais é do que o psiquismo inferior. Porém, olhando as coisas por esta perspectiva daria a impressão dessa atitude ser ela positiva e não negativa o que não me parece que seja a intenção do poeta.

Há uma expressão popular que as pessoas usam bastante que é “ter os pés no chão”. Isso faria o chão ser símbolo daquilo que lhe dá firmeza, segurança. O carvão pertence ao chão. O EU também pertence ao seu chão que é, aqui, para o poeta, a sua pátria.

E fazes-me tua mina

Quer dizer, agora, a mina já não é uma simples mina mas agora tem um valor utilitário. Um valor utilitário é aquele que é perseguido pela economia.

O poeta, aqui, lamenta que agora ele tem apenas um valor económico de mera mercadoria, que é um valor bivalente: útil e inútil, e que exista somente para satisfazer as necessidades de produção.

Há vários tipos humanos, mormente quatro, segundo Mário Ferreira dos Santos, a saber: 1) o tipo teocrático, 2) o tipo aristocrático, 3) o tipo do empresário utilitário e 4) o tipo do servidor.

O patrão neste poema é o tipo humano do empresário utilitário e o poeta o tipo humano do servidor que é o tipo humano mais baixo.

Patrão!

II

Eu sou carvão

E tu acendes-me, patrão

Para te servir eternamente como força motriz

Mas eternamente não

Patrão!

O carvão tem que ser aceso para por a locomotiva em marcha. Ele tem que ser aceso na fundição do aço, etc. Acender pode ter vários sentidos. Fala-se em acender a ira.

O poeta fala que o patrão acende-lhe para que ele possa servi-lo…quer dizer, o carvão é aceso para servir como força motriz. O poeta, porém, nega que vai servir eternamente. Isso é como uma profecia auto-realizável. Ninguém serve a ninguém eternamente. Pode servir a vida inteira mas não eternamente porque pelo menos quando morre deixa de ser servo. Portanto, o que o poeta está falando é uma hipérbole monstruosa.



III

Eu sou carvão!

E tenho que arder, sim

E queimar tudo com a força da minha combustão.

Esse arder, aqui, não tem nada a ver com o arder que a que ele se refere na estrofe anterior. O queimar da estrofe anterior era o queimar de servidão mas o queimar aqui já é um queimar de revolta e de luta mas acaba sendo uma espécie de revolta irracional porque fala em “queimar tudo com a força da minha combustão”. Se vai queimar tudo, isso inclui a si próprio numa espécie de suicídio. É claro que queimar tudo, esse tudo não é um tudo lógico e ontológico mas um tudo gramático, é uma hipérbole, portanto, um queimar tomado como figura de linguagem, isto é como uma impressão tida pelo poeta.

IV

Eu sou carvão!

Tenho que arder na exploração

Isso é uma repetição do que já comentamos acima quando falamos do queimar como servidão e queimar como revolta e luta. O poeta arde quando é explorado. Ele também arde quando se revolta e luta.

Arder até as cinzas da maldição

Arder vivo como alcatrão, meu irmão

Até não ser mais tua mina

Patrão!

O poeta aqui encara a libertação da sua servidão e exploração apenas sob o ângulo da violência. Me recordo agora de uma frase de Donald Rumsfeld que diz: a fraqueza atrai a agressividade. Quer dizer, se você se faz de fraco diante dos seus inimigos eles vão se tornar mais poderosos sobre você. Se temos que nos fazer fracos como diz S.Paulo, apóstolo, temos que sê-lo para com os fracos e não para com os fortes.

V

Eu sou carvão!

Tenho que arder

E queimar tudo com o fogo da minha combustão.

VI

Sim!

Eu serei o teu carvão

Patrão!

Essa expressão, eu serei o teu carvão é irónica. É obvio que o poeta queria dizer o contrário do que ele disse, porém isso está subentendido nesse verso. O que ele quer dizer é que ele não será o carvão do seu patrão, ou seja, ele não aceitará mais a exploração mas que vai se revoltar.

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