segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Adão e conceitos

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A primeira coisa que Adão fez foi dar nome aos animais mostrando-se com isso que a actividade elementar da razão humana é a concepção de conceitos sem os quais nenhum juízo e raciocínio são possíveis, ou seja, do conceito depende todo edifício racional enquanto a parte páthica, a parte sensível do homem pode muito bem sobreviver sem os conceitos.

Qual foi a primeira coisa que Adão fez? Ele deu nome aos animais. Veja, ele não construiu uma casa. Ele não costurou uma roupa. Ele não produziu nenhum alimento, etc. ele apenas deu nome aos animais.

Nome, na gramática, refere a aquilo que em lógica chamamos de substância, de modo que nome também é conhecido como substantivo. Ele é substantivo porque contém uma substância, algo que sub está, que está por baixo do nome, sem o qual o nome seria apenas um flatus vocis, não querendo com isso cair no nominalismo.

Nenhum animal, tomado genericamente, pode dar nome ao que quer que seja. Na natureza, somente o homem pode fazer isso. Sabemos que o homem se diferencia especificamente dos animais pela posse de uma razão com a qual ele pode perscrutar, perquirir, penetrar. Com isso queremos dizer que a conceituação não é produto do pathos, da parte sensitiva do homem, mas da sua parte racional.

No mundo moderno, com o avanço da técnica, infelizmente, muitos homens tem substituído a luz natural da sua razão pelos instrumentos como já pode proceder a ciência. Ora, os instrumentos não são para substituir a razão mas para coadjuva-la. Por não perceber isso, muitos imaginam que por saber manejar um microscópio óptico, um computador, uma máquina qualquer, que isso substitui o domínio da lógica e da dialéctica.

 Sem a lógica nenhum homem pode pensar correctamente. Pensar, todo mundo pensa. Quer dizer, há alguns que abdicam do privilégio de pensar como dizia Hannah Arendt. Porém, pensar correctamente só poucas pessoas conseguem. Sem a dialéctica é impossível saber argumentar correctamente e descobrir as premissas que vão estabelecer o nosso raciocínio a não ser que você seja um génio de intuição.

O leão não se chama leão porque Deus disse que se chama leão. Nem se chama pato o pato porque a natureza ou porque o pato disse que era pato. O pato se chama pato porque o homem colocou esse nome naquele animal a que chamamos pato. O que era o pato antes de o homem chamá-lo pato? Ele não era pato. Ele era apenas uma espécie sem nome, uma espécie inominada.

O homem não criou o pato. Ele apenas deu um nome. Dar um nome significa reconhecer a substância que sub está no pato. O que não tem nenhuma substância não pode ser nominado, não tem nome. Não podemos confundir aquilo que não tem substância com os acidentes porque todo acidente é acidente de uma substância. Sem substância não há acidente. Porém, o recíproco não é verdadeiro. Não há acidente em si. Isso significaria declarar que o acidente é um ente subsistente o que seria fazer uma hipostasiação metafisicista.

Estamos dizendo que um nome é uma substância. Casa é um nome. Gramaticalmente ela é um nome. Ela é um substantivo. Porém, quando falamos do homem como um ente racional estamos entrando no campo da lógica. Não podemos confundir gramática com lógica. Uma leitura das “artes liberais” da irmã Miriam Joseph é suficiente para desfazer essa confusão. Ora, o que é nome na gramática é um conceito na lógica.

Infelizmente, com Descartes surgiu a confusão na lógica entre conceito e ideia. Ou seja, as pessoas confundem ideias com conceitos. Porém, nem Platão, nem Aristóteles, nem os escolásticos aceitariam uma coisa dessas. Uma ideia é a forma pura de um objecto, ou seja, é a proporcionalidade formal intrínseca de um objecto. Enquanto isso, um conceito é a representação mental de um objecto.

A ideia é o que torna o objecto possível. Enquanto isso, o conceito é o que torna o objecto reconhecível. Quando falamos acerca da certeza é preciso assinalar que ela está ligada ao conceito e a ideia está ligada a possibilidade.

Ao dar nome aos animais, a história de Adão mostra que a actividade elementar da razão é conceber conceitos. Há pessoas que querem estudar a matéria do seu interesse começando pelas grandes construções doutrinárias. Essas pessoas estão construindo um ídolo de pés de barro. Se você não conhece os conceitos com os quais trabalha a sua disciplina, então, você nem devia abrir a boca para dizer um “ai” acerca dessa disciplina.

Sem o domínio dos conceitos, o estudo dialéctico do que quer que seja é impossível. Na filosofia, Sócrates representa o conceito. Platão representa a dialéctica e Aristóteles representa a lógica. Sem o domínio dos conceitos você não tem ferramenta para manobrar as contradições da sua própria ciência e chegar a uma síntese. Sem o domínio da dialéctica a lógica fica impossível.

Somente exercitando a razão na representação mental dos objectos poderemos desenvolver o domínio dos conceitos e depois o domínio da dialéctica e finalmente o domínio da lógica. Agora, se você nem ao menos sabe que uma galinha é uma galinha e quer estudar lógica…tudo que você vai conseguir é construir sobre areia movediça. Primeiro você tem que aprender a reconhecer uma galinha, um pato, um livro, uma casa, um homem, uma mulher, etc.
Falando em reconhecer um homem, uma mulher, não estamos querendo ser irónicos. Porém, hoje em dia, com essas políticas de favorecimento de minorias sexuais ninguém mais sabe quem é quem no zoológico. Ora, se você não é mais capaz de olhar para um homem e dizer que ele é homem é porque a sua percepção se destruiu. Se eu não sou capaz de perceber um gato também não eu posso conceitua-lo. E se eu percebo bem o gato mas interpreto mal o percebido e digo que é um coelho, o conceito que eu estou fazendo desse percebido é inadequado quanto a perfeição com que representa aquele objecto.

Se eu não posso conceituar o gato porque não o percebi, segue-se que eu também não posso sequer defini-lo, i.e., declarar o lugar ontológico do objecto que eu não percebi. Não obstante, se eu não posso conceituar o gato porque não o percebi, eu também não posso formar nenhum juízo acerca do gato nas suas diversas classificações. E se eu não posso formar nenhum juízo acerca do dito gato eu também não posso sequer discorrer acerca do gato, formar um raciocínio acerca do gato.

 Portanto, todo edifício racional do homem depende de que ele domine o conceito das coisas. Sem essa actividade elementar da razão, as outras que lhe são subsequentes e que são as mais difíceis serão uma impossibilidade pura e simples porque o conceito é a matéria-prima (matéria ex qua) do juízo e o juízo do raciocínio. Contudo, embora o conceito seja uma actividade da nossa mente, ele parte dos dados da realidade sensível. Diz Aristóteles que o conhecimento começa com a percepção dos dados sensíveis. Ora, Adão não chamou leão a um leão fantástico mas a um leão real. Portanto, é preciso perceber a realidade e elaborá-la racionalmente transformando-a em conceitos lógicos com os quais vamos expressar juízos e construir raciocínios.

Xadreque Sousa

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