quinta-feira, 1 de março de 2018

Religião como fundamento in re da Cultura

Resultado de imagem para religião e cultura

…Cultura leiga ou profana é um quadrado redondo…Se queremos …ser um país culto é urgente voltar aos clássicos…


Resumo

A base da cultura é a religião. Cultura leiga ou profana é um quadrado redondo. Assim, um povo cuja literatura, música, ciência, não fazem referência ao ser supremo, é um povo sem cultura, é um povo inculto, ou como diziam os romanos, é um povo bárbaro. Não obstante, se queremos que Moçambique seja um país culto é urgente voltar aos clássicos, assimilá-los e acomodá-los. Não há outra saída.


Introdução

Para os propósitos deste artigo vamos tomar como base para a nossa meditação sobre a cultura e religião o anuário estatístico (AE) 2016 do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Nesses AE’s, são apresentados os seguintes indicadores da cultura:

1-  Bibliotecas (número de bibliotecas por província);

2-  Rádio e Televisão (programas versus tempo de transmissão);

3-  Museus (número de visitantes por nacionalidade e por sexo).

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Logo a partida já vemos que essa estatística é problemática porque por demais metonímica, ou seja, ela “confunde comida com cardápio”. Diz o filósofo Olavo de Carvalho que Cultura é “um sistema de valores em torno do qual um povo constrói seu imaginário colectivo”. A biblioteca, a rádio, a televisão e os museus não são nem sistemas (1) e muito menos valores (2).

É muito bom saber qual o número de bibliotecas que tem cada província do país; quantas horas de antena se dá a cada programa nas rádios e televisões pública, privada e comunitária e quais são os museus mais visitados do país e quem mais os visita, i.e., se são homens ou mulheres, se são nacionais ou estrangeiros. Isso é bom porque vai, de certa maneira, ajudar na gestão dos órgãos de comunicação social e na gestão das bibliotecas e museus, porém, isso não pode dizer se os moçambicanos ficaram mais ou menos cultos pelo facto de de um ano para o outro termos tido um aumento no número de museus, bibliotecas ou tempo de antena de certos programas na rádio ou televisão.

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A Atenas (polis grega) já foi o centro cultural do mundo. Na idade média, Paris era o centro cultural do mundo, mas eles não tinham nem rádio, nem televisão. Eles não tinham museus e muito menos uma grande biblioteca (a maior biblioteca do mundo estava em Alexandria, Egipto).

Podemos falar acerca de objectos culturais ou objectos criados pela cultura, mas a cultura, ela mesma não é nenhum objecto em particular e não pode ser medida por nenhum objecto porque a cultura é eminentemente uma criação do espírito humano e qualquer tentativa de objectivar isso é uma prática idolátrica porque procura substituir o simbolizado pelo seu símbolo imaginário.

Confundir objectos culturais com cultura é o mesmo que dizer que o indivíduo que tenha lido cinco livros na vida seja menos culto que o individuo que tenha uma biblioteca com 30 mil livros dos quais ele não leu nenhum. Quer dizer, o moçambicano pensa que vai ser culto por construir mais bibliotecas, mais museus, dar mais tempo de antena a certos programas radiofónicos e televisivos, quando, na verdade, o caminho é outro. Ou seja, o moçambicano vai se tornar mais culto quando começar a absorver a cultura superior.

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Para isso, é urgente fazer um recuo retrospectivo no tempo e procurar identificar a era de maior desenvolvimento cultural no tempo. Quando fizermos isso, veremos que no período dito clássico da história europeia é que houve um verdadeiro desenvolvimento cultural. O que veio depois foi uma brincadeira de criança com a excepção de dois ou três gigantes que surgiram aqui e ali, os quais foram o que foram porque souberam voltar as suas raízes clássicas. Assim, se queremos que Moçambique seja um país culto é urgente voltar aos clássicos, assimilá-los e acomodá-los. Não há outra saída.

Depois que surgiram homens como Sócrates, Platão e Aristóteles (Filosofia); homens como Homero, Virgílio, Dante e Camões (Poesia); homens como Ésquiles, Demóstenes, Sófocles, Shakespeare (Teatro); homens como Dostoieviski e Wassermann (Romance); homens como Beetoven, Paganini, Bach, Wagner (Música); homens como Miguel Ângelo, Da Vinci, Velasquez

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 (Pintura); homens como Rafael Di Santi (Escultura), etc., já não dá para você fazer cultura ex-nihil e ignorar que esses homens não existiram e ignorar suas obras monumentais. Pelo contrário, no círculo da alta cultura - que é a verdadeira cultura porque a cultura dita popular é uma imitação barata, uma sombra mal projectada, da alta cultura - o que você fizer será julgado à luz do que aqueles homens fizeram.

Neste artigo, não perderemos tempo com os indicadores da cultura como bibliotecas e museus mas vamos focar-nos no tempo dispendido pelas televisões e rádios público-privadas e comunitárias na transmissão dos seus programas, esclarecendo de antemão que nossa intenção é ver o impacto ou o valor que é dado a religião por esses meios de comunicação, uma vez que não se pode dissociar a cultura da religião.

Apresentação dos resultados estatísticos do INE e breves comentários

No que tange aos programas de Rádio difusão pública, dá-se mais tempo de antena para a transmissão da música

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moçambicana (23 415 horas em 2016) e menos tempo para programas religiosos (1 847 horas em 2016). Quer dizer, uma diferença proporcional de 1 hora de programa religioso para 12 horas de música moçambicana.

O que chamamos de música moçambicana é puro entretenimento. A crença de que toda música é igual, não passa de um relativismo pueril que deve ser rejeitado in limine. As músicas afectam a nossa alma, que Arthur Shaker também chamou de psique, mente (cf. Cristianismo versus Budhismo), enfim, a seele de Freud.

Há um médico vietnamita de uma equipe de patinagem que fez um estudo bastante interessante nessa área e chegou a conclusão de que o tipo de música que você escuta afecta o seu desempenho. Ele chegou a essa conclusão ao ver cair o desempenho da sua equipa e suas pesquisas acabaram lhe mostrando que isso tinha a ver com o tipo de música que seus patinadores passaram a escutar, de modo que tendo sido mudada a música as coisas voltaram a melhorar.

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Assim, o tipo de música que você escuta pode contribuir para aumentar ou diminuir seu Q.I., não Q.I. enquanto capacidade operacional mas enquanto inteligência mesmo (3). Não tenho nada contra a música moçambicana mas se musica moçambicana é aquilo que vemos na TV, ouvimos no autocarro, etc., que tem mais barulho e nudez do que música é claro que o impacto que isso tem na inteligência é colossal, ou seja, você vai ficando cada vez mais imbecil. Por outras palavras, você vai continuar fazendo maravilhosamente seus cálculos matemáticos mas a sua habilidade para descobrir a verdade vai decaindo, de tal modo que vai chegar a um ponto em que para você tanto faz a mentira ou a verdade. Pior ainda, você passa a ter ódio da verdade como se fosse uma doutrina de conspiração contra sua igreja, seu partido, seu clube de amigos, etc.

Hoje em dia, fala-se bastante de democracia. Porém, você há-de convir que não se pode falar de democracia sem se falar dos Estados Unidos (cf.Alexis de Tocqueville, Democracia na América).

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Queiramos ou não, é nos EUA que a democracia atingiu a sua máxima realização. A democracia é a própria constituição Americana.

John Adam, o segundo presidente dos EUA, disse que a constituição dos EUA, ou seja, a democracia, só funciona para um povo como o povo americano. O que tem o povo americano de diferente de outros povos? O povo americano é um povo religioso. É claro que há outros povos religiosos no mundo se você tomar a religião no seu sentido amplo e não no sentido restrito de Tertuliano. Porém, o povo americano tem a religião cristã como sua religião e é guiada pela moral tradicional judaico-cristã.

Isso é tão verdadeiro que a tentativa de implantar a democracia em qualquer outra parte do mundo em que o povo não tem nenhuma moral tradicional do tipo religiosa é impossível, de modo que você não tem democracia em países sob regime comunista ou semi-comunista (socialista).

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As pessoas, mormente em países do terceiro mundo, imaginam que a democracia significa eleições. Ora, as eleições não significam coisa nenhuma. Já dizia Stalin que o mais importante não é quem vota mas quem controla os votos. Aqui está a palavra-chave. Ou seja, democracia é liberdade. Não apenas liberdade de mercado, mas também liberdade religiosa, liberdade de imprensa, enfim, os direitos humanos da primeira geração porque os direitos humanos da segunda geração tendem mais a libertinagem e ao irreligioso.
Isso não quer dizer que eu esteja de pleno acordo com Claude Lefort quando ele diz que “a democracia é uma criação de direitos”. De modo nenhum. Direito sem dever é uma anarquia (4). Tem que haver dever mas esse dever procede da consciência moral da própria população religiosa porque se provier do Estado, a liberdade será perdida sob pretexto de mais segurança ou o que quer que seja (5).

Com o advento da independência nacional, o governo da época fez a vez de Zaratustra e saiu por aí pregando que “Deus está morto”. Resultado: acabou criando no

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 povo um espírito de aversão a religião, a qual o governo do dia imputava todo o mal do colonialismo. Tendo varrido a religião para fora da vida das pessoas, o governo tratou de colocar o entretenimento no seu lugar e isso, pelos vistos, continua até hoje, porque os programas religiosos são os que merecem menos divulgação da rádio pública e depois nos admiramos de porquê há uma crise valores neste país.

Como não haverá crise de valores se a rádio pública está mais preocupada em colocar os ouvintes a escutar música que só falam de sexo, álcool e dinheiro ao invés de colocar os ouvintes a escutar aquilo que os irá religar com o ser supremo, que é a expressão exacta da felicidade humana, a qual consiste no apaziguamento da sua alma, da sua mente neste mundo turbulento? Assim, a rádio pública é a menos aconselhável de se escutar para quem quiser manter a sua moral tradicional religiosa e elevar-se ao seu ideal supremo.

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Em relação as rádios privadas e comunitárias, em 2016, deu-se mais tempo de antena para a música moçambicana (39336horas) e o tempo mais baixo foi para programa de divulgação (5 201 horas). Quer dizer, a semelhança da rádio pública, as rádios privadas também estão mais comprometidas em difundir a música moçambicana do que quaisquer outros conteúdos.

No século passado, o reverendo W.M.Branham dizia que o único meio de comunicação ainda não contaminado com a imoralidade secular era a rádio, porém, se isso é verdade para os EUA não o é para Moçambique. Deus foi expulso das rádios moçambicanas pública e ou privada.

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 No que diz respeito as televisões públicas, o maior tempo de antena vai para programas recreativos (4784horas) e o tempo mais reduzido vai para programas de mulher (107horas). No que tange a origem, os programas nacionais tem mais tempo de antena na televisão pública (10 983horas) quando comparado com programas estrangeiros (3 234 horas).

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Aqui também não há muita diferença com o que vimos anteriormente porque tudo trata-se de entretenimento, diversão, com a excepção de que as mulheres têm menos tempo de antena na televisão pública.


As televisões privadas gastam a maior parte do seu tempo de antena com programas de índole religioso (4831 horas) e menos tempo com divulgação científica (385horas). Isso acontece assim porque as televisões privadas que transmitem esses conteúdos são propriedades das igrejas tal como é o caso da TV



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MANÁ e da TV MIRAMAR e isso sem falar da TV Islâmica. Algumas igrejas também pagam horário em algumas televisões para transmitir seus conteúdos como acontece com a TV GUNGU e ECO TV, de modo que essas televisões não transmitem esses programas porque têm compromisso com a religião ou pelo menos com a moral tradicional religiosa mas sim por questões comerciais.


Discussão dos resultados

Dissemos, na introdução, que cultura é um sistema de

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valores em torno do qual um povo constrói seu imaginário colectivo (cf.O.de.Carvalho). O sistema de valores de um povo, de qualquer povo, tem sempre uma origem tradicional ou remota e sempre é de carácter religioso. É por isso que esses valores se expressam por meio de ritos e símbolos que, como disse Seyed Hosein Nasr, nos dão toda uma cosmovisão de um povo, de modo que a base de qualquer cultura é a religião e só depois a narração poética oral e escrita dos mitos.

Roger Scruton define a alta cultura como literatura, poesia e erudição filosófica. Porém, sem religião não há mito; sem mito não há poesia; sem poesia não há retórica (política e jurisprudência); sem retórica não há dialéctica (filosofia) e sem dialéctica não há lógica ou analítica (geometria, matemática e ciência) (6).

Conclusão

Em Atenas, a vida dos deuses se misturava com a vida dos homens. Na Universidade de Paris (séc.XIII), a filosofia estava misturada com a teologia. Em



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 Alexandria, a mesma coisa, a ciência antiga estava

misturada com o cabalismo (tradição religiosa judaica) e ritos religiosos e iniciáticos. Portanto, a base da cultura é a religião. Cultura leiga ou profana é um quadrado redondo. Assim, um povo cuja literatura, música, ciência, não fazem referência ao ser supremo, é um povo sem cultura, é um povo inculto, ou como diziam os romanos, é um povo bárbaro (7).

Notas:

(1)                     Sistema é um todo unificado (cf.João César das Neves, Introdução a economia). O termo “sistema” pressupõe algo fechado em si mesmo. Porém, sabemos que as bibliotecas, rádios, televisões e museus estão sempre sendo alimentados, seja com novos livros, seja com novas ondas para o caso da rádio e TV, seja com novos artefactos, novos fósseis, etc., para o caso dos museus. Portanto, diríamos, forçosamente que eles são sistemas abertos, o que





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seria apenas uma tautologia, para não dizer uma contradição porque o termo sistema já quer dizer fechado e não aberto o que nos remeteria para o assistemático.

(2)                     O termo “valor” vem do grego axios. Daqui temos axiologia que é aquele ramo da filosofia que estuda o “dever ser”. O estudo do valor divide-se em ética (habitus = costume) e estética (aisthesis = sensação).

(3)                     Inteligência está ligada ao intelecto (inter lec) que quer dizer escolher (lec) entre (inter), de modo que a inteligência é capacidade de escolher a essência no meio dos acidentes, ou como diz O.de.Carvalho, a capacidade de encontrar a verdade.

(4)                     Não devemos confundir essa anarquia com a verdadeira anarquia proposta originalmente por Proudhon. Por outras palavras, estou usando anarquia no seu sentido pejorativo que é aquele que esse termo tomou na boca de Karl Marx e seus discípulos.



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(5)                     Numa sociedade dominada por um povo ateu, i.e., sem moral tradicional religiosa, o estado somente pode garantir a segurança de si mesmo e das pessoas com recurso a políticas de maior controlo. Numa sociedade onde predomina a moral tradicional religiosa não há necessidade disso porque as pessoas se comportam de acordo com essa moral.

(6)                     Podíamos acrescentar a gramática nessa lista. Com efeito, não se pode nem mesmo falar uma língua sem o conhecimento (mesmo que deficiente) da sua sintaxe (códigos e regras) e semântica (sentido das palavras).

(7)                     Bárbaro quer dizer aquele que não fala. Os romanos usavam esse termo para se referir aos não romanos, ou seja, aqueles que não eram civilizados, que não tinham uma civitas. Enfim, um provinciano.



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Índice Remissivo

ADAM, John, p.8

BRANHAM, William Marrion, p.11

CARVALHO, Olavo de, p.2, p.15

ESTATÍSTICA, Instituto Nacional de, p.1

FREUD, Sigmund, p.6

LEFORT, Claude, p.9

NASR, Seyed Hosein, p.15

NEVES, João César das, p.16

SCRUTON, Roger, p.15

SHAKER, Arthur, p. 6

TERTULIANO, p.8

TOCQUEVILLE, Alexis de, p.7

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