…Cultura
leiga ou profana é um quadrado redondo…Se queremos …ser um país culto é urgente
voltar aos clássicos…
Resumo
A base da
cultura é a religião. Cultura leiga ou profana é um quadrado redondo. Assim, um
povo cuja literatura, música, ciência, não fazem referência ao ser supremo, é
um povo sem cultura, é um povo inculto, ou como diziam os romanos, é um povo
bárbaro. Não obstante, se queremos que Moçambique seja um país culto é urgente
voltar aos clássicos, assimilá-los e acomodá-los. Não há outra saída.
Para
os propósitos deste artigo vamos tomar como base para a nossa meditação sobre a
cultura e religião o anuário estatístico (AE) 2016 do Instituto Nacional de
Estatística (INE).
Nesses
AE’s, são apresentados os seguintes indicadores da cultura:
1- Bibliotecas
(número de bibliotecas por província);
2- Rádio
e Televisão (programas versus tempo
de transmissão);
3- Museus
(número de visitantes por nacionalidade e por sexo).
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Logo
a partida já vemos que essa estatística é problemática porque por demais
metonímica, ou seja, ela “confunde comida com cardápio”. Diz o filósofo Olavo
de Carvalho que Cultura é “um sistema de valores em torno do qual um povo
constrói seu imaginário colectivo”. A biblioteca, a rádio, a televisão e os
museus não são nem sistemas (1) e muito menos valores (2).
É
muito bom saber qual o número de bibliotecas que tem cada província do país;
quantas horas de antena se dá a cada programa nas rádios e televisões pública,
privada e comunitária e quais são os museus mais visitados do país e quem mais
os visita, i.e., se são homens ou mulheres, se são nacionais ou estrangeiros.
Isso é bom porque vai, de certa maneira, ajudar na gestão dos órgãos de
comunicação social e na gestão das bibliotecas e museus, porém, isso não pode
dizer se os moçambicanos ficaram mais ou menos cultos pelo facto de de um ano
para o outro termos tido um aumento no número de museus, bibliotecas ou tempo
de antena de certos programas na rádio ou televisão.
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A
Atenas (polis grega) já foi o centro
cultural do mundo. Na idade média, Paris era o centro cultural do mundo, mas
eles não tinham nem rádio, nem televisão. Eles não tinham museus e muito menos
uma grande biblioteca (a maior biblioteca do mundo estava em Alexandria,
Egipto).
Podemos
falar acerca de objectos culturais ou objectos criados pela cultura, mas a
cultura, ela mesma não é nenhum objecto em particular e não pode ser medida por
nenhum objecto porque a cultura é eminentemente uma criação do espírito humano
e qualquer tentativa de objectivar isso é uma prática idolátrica porque procura
substituir o simbolizado pelo seu símbolo imaginário.
Confundir
objectos culturais com cultura é o mesmo que dizer que o indivíduo que tenha
lido cinco livros na vida seja menos culto que o individuo que tenha uma
biblioteca com 30 mil livros dos quais ele não leu nenhum. Quer dizer, o
moçambicano pensa que vai ser culto por construir mais bibliotecas, mais
museus, dar mais tempo de antena a certos programas radiofónicos e televisivos,
quando, na verdade, o caminho é outro. Ou seja, o moçambicano vai se tornar mais culto quando começar a absorver a cultura superior.
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3 -
Para
isso, é urgente fazer um recuo retrospectivo no tempo e procurar identificar a
era de maior desenvolvimento cultural no tempo. Quando fizermos isso, veremos
que no período dito clássico da história europeia é que houve um verdadeiro
desenvolvimento cultural. O que veio depois foi uma brincadeira de criança com
a excepção de dois ou três gigantes que surgiram aqui e ali, os quais foram o
que foram porque souberam voltar as suas raízes clássicas. Assim, se queremos
que Moçambique seja um país culto é urgente voltar aos clássicos, assimilá-los
e acomodá-los. Não há outra saída.
Depois
que surgiram homens como Sócrates, Platão e Aristóteles (Filosofia); homens
como Homero, Virgílio, Dante e Camões (Poesia); homens como Ésquiles,
Demóstenes, Sófocles, Shakespeare (Teatro); homens como Dostoieviski e
Wassermann (Romance); homens como Beetoven, Paganini, Bach, Wagner (Música);
homens como Miguel Ângelo, Da Vinci, Velasquez
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(Pintura); homens como Rafael Di Santi
(Escultura), etc., já não dá para você fazer cultura ex-nihil e ignorar que esses homens não existiram e ignorar suas
obras monumentais. Pelo contrário, no círculo da alta cultura - que é a
verdadeira cultura porque a cultura dita popular é uma imitação barata, uma
sombra mal projectada, da alta cultura - o que você fizer será julgado à luz do
que aqueles homens fizeram.
Neste
artigo, não perderemos tempo com os indicadores da cultura como bibliotecas e
museus mas vamos focar-nos no tempo dispendido pelas televisões e rádios público-privadas
e comunitárias na transmissão dos seus programas, esclarecendo de antemão que
nossa intenção é ver o impacto ou o valor que é dado a religião por esses meios
de comunicação, uma vez que não se pode dissociar a cultura da religião.
Apresentação dos resultados
estatísticos do INE e breves comentários
No
que tange aos programas de Rádio difusão pública, dá-se mais tempo de antena
para a transmissão da música
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moçambicana
(23 415 horas em 2016) e menos tempo para programas religiosos (1 847
horas em 2016). Quer dizer, uma diferença proporcional de 1 hora de programa
religioso para 12 horas de música moçambicana.
O
que chamamos de música moçambicana é puro entretenimento. A crença de que toda
música é igual, não passa de um relativismo pueril que deve ser rejeitado in limine. As músicas afectam a nossa
alma, que Arthur Shaker também chamou de psique, mente (cf. Cristianismo versus Budhismo), enfim, a seele de Freud.
Há
um médico vietnamita de uma equipe de patinagem que fez um estudo bastante
interessante nessa área e chegou a conclusão de que o tipo de música que você
escuta afecta o seu desempenho. Ele chegou a essa conclusão ao ver cair o
desempenho da sua equipa e suas pesquisas acabaram lhe mostrando que isso tinha
a ver com o tipo de música que seus patinadores passaram a escutar, de modo que
tendo sido mudada a música as coisas voltaram a melhorar.
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Assim,
o tipo de música que você escuta pode contribuir para aumentar ou diminuir seu
Q.I., não Q.I. enquanto capacidade operacional mas enquanto inteligência mesmo
(3). Não tenho nada contra a música moçambicana mas se musica moçambicana é
aquilo que vemos na TV, ouvimos no autocarro, etc., que tem mais barulho e
nudez do que música é claro que o impacto que isso tem na inteligência é
colossal, ou seja, você vai ficando cada vez mais imbecil. Por outras palavras,
você vai continuar fazendo maravilhosamente seus cálculos matemáticos mas a sua
habilidade para descobrir a verdade vai decaindo, de tal modo que vai chegar a
um ponto em que para você tanto faz a mentira ou a verdade. Pior ainda, você
passa a ter ódio da verdade como se fosse uma doutrina de conspiração contra
sua igreja, seu partido, seu clube de amigos, etc.
Hoje
em dia, fala-se bastante de democracia. Porém, você há-de convir que não se
pode falar de democracia sem se falar dos Estados Unidos (cf.Alexis de
Tocqueville, Democracia na América).
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Queiramos
ou não, é nos EUA que a democracia atingiu a sua máxima realização. A
democracia é a própria constituição Americana.
John
Adam, o segundo presidente dos EUA, disse que a constituição dos EUA, ou seja,
a democracia, só funciona para um povo como o povo americano. O que tem o povo
americano de diferente de outros povos? O povo americano é um povo religioso. É
claro que há outros povos religiosos no mundo se você tomar a religião no seu
sentido amplo e não no sentido restrito de Tertuliano. Porém, o povo americano
tem a religião cristã como sua religião e é guiada pela moral tradicional
judaico-cristã.
Isso
é tão verdadeiro que a tentativa de implantar a democracia em qualquer outra
parte do mundo em que o povo não tem nenhuma moral tradicional do tipo
religiosa é impossível, de modo que você não tem democracia em países sob
regime comunista ou semi-comunista (socialista).
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As pessoas, mormente em países do terceiro mundo, imaginam
que a democracia significa eleições. Ora, as eleições não significam coisa
nenhuma. Já dizia Stalin que o mais importante não é quem vota mas quem
controla os votos. Aqui está a palavra-chave. Ou seja, democracia é liberdade.
Não apenas liberdade de mercado, mas também liberdade religiosa, liberdade de
imprensa, enfim, os direitos humanos da primeira geração porque os direitos
humanos da segunda geração tendem mais a libertinagem e ao irreligioso.
Isso
não quer dizer que eu esteja de pleno acordo com Claude Lefort quando ele diz
que “a democracia é uma criação de direitos”. De modo nenhum. Direito sem dever
é uma anarquia (4). Tem que haver dever mas esse dever procede da consciência
moral da própria população religiosa porque se provier do Estado, a liberdade
será perdida sob pretexto de mais segurança ou o que quer que seja (5).
Com
o advento da independência nacional, o governo da época fez a vez de Zaratustra
e saiu por aí pregando que “Deus está morto”. Resultado: acabou criando no
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povo um espírito de aversão a religião, a qual
o governo do dia imputava todo o mal do colonialismo. Tendo varrido a religião
para fora da vida das pessoas, o governo tratou de colocar o entretenimento no seu
lugar e isso, pelos vistos, continua até hoje, porque os programas religiosos
são os que merecem menos divulgação da rádio pública e depois nos admiramos de
porquê há uma crise valores neste país.
Como
não haverá crise de valores se a rádio pública está mais preocupada em colocar
os ouvintes a escutar música que só falam de sexo, álcool e dinheiro ao invés
de colocar os ouvintes a escutar aquilo que os irá religar com o ser supremo,
que é a expressão exacta da felicidade humana, a qual consiste no apaziguamento
da sua alma, da sua mente neste mundo turbulento? Assim, a rádio pública é a
menos aconselhável de se escutar para quem quiser manter a sua moral
tradicional religiosa e elevar-se ao seu ideal supremo.
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Em
relação as rádios privadas e comunitárias, em 2016, deu-se mais tempo de antena
para a música moçambicana (39336horas) e o tempo mais baixo foi para programa
de divulgação (5 201 horas). Quer dizer, a semelhança da rádio pública, as
rádios privadas também estão mais comprometidas em difundir a música
moçambicana do que quaisquer outros conteúdos.
No
século passado, o reverendo W.M.Branham dizia que o único meio de comunicação
ainda não contaminado com a imoralidade secular era a rádio, porém, se isso é verdade para os EUA não o é para Moçambique. Deus foi expulso das rádios moçambicanas pública e ou privada.
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No
que diz respeito as televisões públicas, o maior tempo de antena vai para
programas recreativos (4784horas) e o tempo mais reduzido vai para programas de
mulher (107horas). No que tange a origem, os programas nacionais tem mais tempo
de antena na televisão pública (10 983horas) quando comparado com programas
estrangeiros (3 234 horas).
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Aqui
também não há muita diferença com o que vimos anteriormente porque tudo trata-se
de entretenimento, diversão, com a excepção de que as mulheres têm menos tempo
de antena na televisão pública.
As
televisões privadas gastam a maior parte do seu tempo de antena com programas
de índole religioso (4831 horas) e menos tempo com divulgação científica
(385horas). Isso acontece assim porque as televisões privadas que transmitem
esses conteúdos são propriedades das igrejas tal como é o caso da TV
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MANÁ
e da TV MIRAMAR e isso sem falar da TV Islâmica. Algumas igrejas também pagam
horário em algumas televisões para transmitir seus conteúdos como acontece com
a TV GUNGU e ECO TV, de modo que essas televisões não transmitem esses
programas porque têm compromisso com a religião ou pelo menos com a moral
tradicional religiosa mas sim por questões comerciais.
Discussão dos
resultados
Dissemos,
na introdução, que cultura é um sistema de
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valores
em torno do qual um povo constrói seu imaginário colectivo (cf.O.de.Carvalho). O
sistema de valores de um povo, de qualquer povo, tem sempre uma origem
tradicional ou remota e sempre é de carácter religioso. É por isso que esses
valores se expressam por meio de ritos e símbolos que, como disse Seyed Hosein
Nasr, nos dão toda uma cosmovisão de um povo, de modo que a base de qualquer
cultura é a religião e só depois a narração poética oral e escrita dos mitos.
Roger
Scruton define a alta cultura como literatura, poesia e erudição filosófica. Porém,
sem religião não há mito; sem mito não há poesia; sem poesia não há retórica (política
e jurisprudência); sem retórica não há dialéctica (filosofia) e sem dialéctica
não há lógica ou analítica (geometria, matemática e ciência) (6).
Conclusão
Em
Atenas, a vida dos deuses se misturava com a vida dos homens. Na Universidade
de Paris (séc.XIII), a filosofia estava misturada com a teologia. Em
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Alexandria, a mesma coisa, a ciência antiga
estava
misturada
com o cabalismo (tradição religiosa judaica) e ritos religiosos e iniciáticos.
Portanto, a base da cultura é a religião. Cultura leiga ou profana é um
quadrado redondo. Assim, um povo cuja literatura, música, ciência, não fazem
referência ao ser supremo, é um povo sem cultura, é um povo inculto, ou como
diziam os romanos, é um povo bárbaro (7).
Notas:
(1)
Sistema
é um todo unificado (cf.João César das Neves, Introdução a economia). O termo
“sistema” pressupõe algo fechado em si mesmo. Porém, sabemos que as
bibliotecas, rádios, televisões e museus estão sempre sendo alimentados, seja
com novos livros, seja com novas ondas para o caso da rádio e TV, seja com
novos artefactos, novos fósseis, etc., para o caso dos museus. Portanto,
diríamos, forçosamente que eles são sistemas abertos, o que
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seria apenas uma
tautologia, para não dizer uma contradição porque o termo sistema já quer dizer
fechado e não aberto o que nos remeteria para o assistemático.
(2)
O
termo “valor” vem do grego axios.
Daqui temos axiologia que é aquele ramo da filosofia que estuda o “dever ser”.
O estudo do valor divide-se em ética (habitus
= costume) e estética (aisthesis = sensação).
(3)
Inteligência
está ligada ao intelecto (inter lec)
que quer dizer escolher (lec) entre
(inter), de modo que a inteligência
é capacidade de escolher a essência no meio dos acidentes, ou como diz
O.de.Carvalho, a capacidade de encontrar a verdade.
(4)
Não
devemos confundir essa anarquia com a verdadeira anarquia proposta originalmente
por Proudhon. Por outras palavras, estou usando anarquia no seu sentido
pejorativo que é aquele que esse termo tomou na boca de Karl Marx e seus
discípulos.
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(5)
Numa
sociedade dominada por um povo ateu, i.e., sem moral tradicional religiosa, o
estado somente pode garantir a segurança de si mesmo e das pessoas com recurso
a políticas de maior controlo. Numa sociedade onde predomina a moral
tradicional religiosa não há necessidade disso porque as pessoas se comportam
de acordo com essa moral.
(6)
Podíamos
acrescentar a gramática nessa lista. Com efeito, não se pode nem mesmo falar
uma língua sem o conhecimento (mesmo que deficiente) da sua sintaxe (códigos e
regras) e semântica (sentido das palavras).
(7)
Bárbaro
quer dizer aquele que não fala. Os romanos usavam esse termo para se referir
aos não romanos, ou seja, aqueles que não eram civilizados, que não tinham uma civitas. Enfim, um provinciano.
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Índice Remissivo
ADAM, John, p.8
BRANHAM, William Marrion, p.11
CARVALHO, Olavo de, p.2, p.15
ESTATÍSTICA,
Instituto Nacional de, p.1
FREUD, Sigmund, p.6
LEFORT, Claude, p.9
NASR, Seyed Hosein, p.15
NEVES, João César das, p.16
SCRUTON, Roger, p.15
SHAKER, Arthur, p. 6
TERTULIANO, p.8
TOCQUEVILLE, Alexis de, p.7
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