O grande problema, nesse conflito, é que, quer a
RENAMO, quer o governo, tem agido histericamente do princípio até o fim. O que
significa ser um histérico? Um histérico é aquele indivíduo que não acredita no
que vê, mas apenas no que ele fala, como um esforço de autopersuasão hipnótica.
E isso tem acontecido de parte a parte. Porque? Porque o governo, ao invés de
perseguir o seu objectivo natural de bem-comum, entrou na camisa de força da
RENAMO, servindo-se de meios que mais servem para aumentar a sensação de poder
do partido FRELIMO do que para ajudar no alcance do bem-comum do país como um
todo.
É ilustrativo da atmosfera cultural do país os debates
e todo o tipo de pronunciamento em torno do conflito entre a RENAMO e o Governo
da FRELIMO conforme tem aparecido na mídia porque neles ouve-se de tudo, um
pouco, desde argumentos de natureza económica, apelo a paz, apelo a unidade
nacional, puxões de orelha, ora ao governo, ora a RENAMO, condenação de um e a
justificação do outro e vice-versa e outrossim,
todo o blá, blá, blá próprio dos
lambe-botas e puxa-sacos acéfalos e oportunistas que vêem nessa situação uma
oportunidade de ouro para subir na vida, mostrando assim a sua verdadeira face
desprezível porque um indivíduo que pretende ganhar visibilidade e subir na
vida à custa de explorar a desgraça alheia não merece respeito nenhum, pelo
contrário, merece ser expulso da vida pública com um ponta-pé no traseiro e uma
cusparada no olho direito.
Dizer que “o teatro ou o circo” aparelhado pela RENAMO
e o governo da FRELIMO é bom ou mau, é irrelevante e não ajuda a elucidar o
problema. O que os nossos analistas, vamos chamá-los assim, falham em perceber
é que estamos a falar de política ou como diz David Horowitz: “É a política, estúpido!
”. Este é o primeiro dado. O segundo dado é que a política não tem a ver com o
que é moral ou imoral, com o bom ou mau, com o que atrapalha ou favorece a
unidade nacional, ou a paz, ou qualquer daquelas frases feitas que andam de
boca em boca e de hálito em hálito que já cheira mal.
Há uma ideia errada na cabeça das pessoas que só
conhecem a obra de Aristóteles de ouvir falar e nunca leram uma linha se quer de
sua vasta obra. A confusão consiste em atribuir ao governo o objectivo da
política e à política o objectivo do governo. Quer dizer, muitas pessoas pensam,
erradamente, que o objectivo da política é o bem comum, mas acontece que é
preciso ser bastante pueril para crer numa coisa dessas. O objetivo da
política, como bem disse o filósofo Bertrand Russel, é o poder e não o
bem-comum que, por sua vez, é o fim ao qual o governo tende.
Sendo assim, se consideramos a paz, a unidade
nacional, etc. como sendo um bem-comum, segue-se que quem deve porfiar por
alcança-lo não é a RENAMO, mas sim o governo da FRELIMO. A RENAMO é um partido
político e, como todo partido político no mundo inteiro porfia por alcançar o
poder e suponho que a RENAMO não é exceção malgrado certos factos mostrarem,
algumas vezes, que se este partido parece que não perspectiva de poder.
Ora, se a RENAMO visa o alcance do poder, a questão
acerca do meio que ela deve ou vai usar para alcança-lo é o que menos interessa.
Pelo menos essa é a visão do “realismo político” que Maquiavel pretende estabelecer
ao apregoar que na política “os fins justificam os meios” (sic). Ou seja, os
meios usados por quem busca o poder só podem ser julgados à luz do objectivo da
conquista do poder e, como dizia Nietzsche, somente é bom aquilo que ajuda a
aumentar a percepção do poder e ou que ajuda a ampliar esse mesmo poder e que
tudo que faz reduzir a sensação de poder ou o próprio poder é mau.
Sob essa perspectiva desenhada por Nietzsche, se o uso
da força por parte da RENAMO ajudar a aumentar o poder ou a sensação de poder
da RENAMO, é claro que a RENAMO vai considerar isso como sendo bom, não
moralmente bom mas politicamente bom, e vai perseverar no uso da força até que
isso não mais lhe dê nenhuma sensação de poder. Portanto, não se trata de
destruir antigas bases militares, ou de capturar ou matar este ou aquele
“bandido-armado” como pejorativamente os homens da RENAMO são tratados, mas de
reduzir ou eliminar a sensação de poder da RENAMO. Como? Mais uma vez
refugio-me em Nietzsche: “você somente supera aquilo que você substitui”.
Poder, conforme definido pelo filósofo Olavo de
Carvalho, é a “possibilidade concreta de ação”. Mas para você ter essa
possibilidade concreta de ação, você tem que ter meios que lhe possibilitem
agir. Quando a RENAMO começou a fazer as primeiras ameaças, os nossos analistas
de mídia, como lhes é característico, voltaram a errar o alvo. Todos eles, sem
exceção, juraram de pés junto e mãos postas que não havia nenhum perigo à vista
alegadamente porque a RENAMO só fala e nunca faz. E outros, a arrotar “estupidez
[mais] criminosa” que os primeiros como diria Eric Voeglin, diziam até que um
confronto armado nem mesmo seria possível porque o apartheid acabou e porque a guerra fria era coisa do passado – só
mesmo na cabeça desses idiotas - e que a RENAMO não tinha homens em prontidão
combativa e que estes não passavam de meia dúzia de gatos pingados e que,
portanto, a RENAMO estava sem retaguarda ideológica, financeira, militar, etc.,
para poder agir. Resultado: deixaram o país despreparado para uma crise que já
nos custou milhares de vidas humanas.
Quer dizer, em Moçambique já se tornou moda um indivíduo
ficar 5 anos numa universidade de fundo de quintal e depois sair por aí arrotando
superioridade e opiniões que não passam de lixo ideológico que simplesmente
revela a decrepitude e a barbárie desses homens do pântano, desses sacripantas
e chamá-los assim chega até a ser um eufemismo e um acto de bondade e caridade
paternal.
Enquanto não percebermos que poder é possibilidade concreta
de ação, nunca compreenderemos coisa alguma. O moçambicano é muito dinheirista.
Ele só acredita no dinheiro e, por isso, confunde dinheiro com poder. Dinheiro
não é poder, nunca foi e isso é fácil demonstrar. Quando Hitler tomou o poder
na Alemanha, quem é que representava o dinheiro? Os judeus. Mas veja o que
Hitler fez com eles. Você pode ter todo dinheiro do mundo, mas quando um pobre “pé
rapado” como dizem os brasileiros lhe encosta na cabeça uma AK47, nesse mesmo
dia você verá o que é poder e quem o tem. O caso do sequestro de Bashir
Sulemane e tutti quanti é disso exemplo
emblemático.
Não digo que o dinheiro não seja importante, muito
pelo contrário, Napoleão Bonaparte, um dos maiores gênios militares da história
da humanidade quando perguntado sobre o que era necessário para fazer uma guerra,
ele respondeu: 3 coisas. Em primeiro lugar: dinheiro. Em segundo lugar:
dinheiro. Em terceiro lugar: dinheiro. O facto da RENAMO “não ter dinheiro”
como pretendem os nossos analistas pode impedir a RENAMO de fazer guerra, isso
é facto! Mas não pode impedi-la de agir. Para um partido ou qualquer outra organização
agir somente precisa de uma coisa chamada “unidade de intenção”. A sua
organização pode ter dinheiro à rodo, mas se não tiver unidade de intenção, não
será capaz de agir nem sequer por um minuto.
A unidade de intenção pressupõe a existência de um estado
maior general, ou seja, pressupõe a existência de um comando estratégico. Pode
haver divergência ideológica no seio de uma organização. Isso é o que menos
importa. No final das contas, o que conta é os integrantes daquela organização
estarem juntos na estratégia. E neste ponto, ninguém pode negar que a RENAMO
tem um comando estratégico no seu líder que junta esse papel ao de símbolo
aglutinador não somente dos membros da RENAMO, mas de muitos outros moçambicanos
pertencentes a outras formações políticas.
Então, por um lado temos uma RENAMO que busca aumentar
seu poder ou sua sensação de poder, mas por outro lado, temos o governo que tem
por obrigação natural buscar o bem-comum. O grande problema, nesse conflito é
que, quer a RENAMO, quer o governo, tem agido histericamente do princípio até o
fim. O que significa ser um histérico? Um histérico é aquele indivíduo que não
acredita no que vê, mas apenas no que ele fala, como um esforço de autopersuasão
hipnótica. E isso tem acontecido de parte a parte. Porque? Porque o governo, ao
invés de perseguir o seu objectivo natural de bem-comum, entrou na camisa de
força da RENAMO, servindo-se de meios que mais servem para aumentar a sensação
de poder do partido FRELIMO do que para ajudar no alcance do bem-comum do país
como um todo.
Quando é assim, não há moral que sobreviva enquanto
prática do certo e do errado. Quando é assim não há busca de bem-comum que
subsista por causa mesmo da natureza da política. Carl Schmidt dizia que política
é ajudar os amigos e prejudicar os inimigos. Quer dizer, por um lado temos a
RENAMO que procura beneficiar os seus e prejudicar os que não são seus e, por
outro lado, temos o governo fazendo exactamente a mesma coisa. E onde é que
fica o povo? No entre-meio, como um cego em tiroteio e levando pancada dos dois
lados sem saber o que está acontecendo.
O povo está precisando de um guia que sabe o que está
acontecendo e que possa conduzir o povo para onde este tenha segurança. Não
creio que esse guia seja a RENAMO e muito menos o governo. A única coisa que
poderia servir de guiamento para o povo seria a cultura. Nao a cultura popular,
mas a cultura superior. Só que, como eu disse, num outro artigo, a cultura
superior em Moçambique está morta e bem enterrada nas tumbas da banalidade, da
inautenticidade e da propaganda ideológica.
Só se pode mudar a política através da literatura.
Essa é a minha convicção. E eu tenho feito referências sucessivas ao poeta Hugo
Von Hofmansthal que dizia que nada está na política de um país que não esteja
primeiro na sua literatura. Infelizmente, nossa literatura, é uma literatura
inautêntica, uma literatura de propaganda ideológica e de divulgação de banalidades
absolutamente formidáveis. Resultado: nossa realidade política é uma absoluta
“banalidade do mal” como diria Hannah Arendt. Aliás, o filósofo Olavo de
Carvalho diz que o diabo é o maior banalizador do universo e a nossa literatura
que deveria ser a face da nossa alta cultura já diabolizou, ou seja, já
incorporou o próprio diabo tanto é que tratam de temas estereotipados ao invés
de registar as experiências directas, reais e profundas do povo afim de lhe
servir de guiamento no meio da confusão em torno mas acontece que neste país
ninguém pode orientar-se com base na literatura antes ela carece de senso de
orientação e de realidade.
Ps: Não creio que a RENAMO vá conseguir substituir a
FRELIMO no poder com base no uso da força das armas até porque as guerrilhas
nunca são feitas para se chegar ao poder mas para servir de navio quebra-gelo
da revolução cultural por meio da ocupação de espaços enquanto o governo vai
histericamente se entretendo com a guerrilha ao invés de fazer guerra
político-ideológica. Também não sou leviano ao ponto de crer que a RENAMO vá
conseguir destronar a FRELIMO por meio do sufrágio universal. Já dizia Stáline
que mais importante não é quem vota mas quem controla os votos. Sendo a FRELIMO
um partido de orientação marxista-leninista, somente uma das 3 coisas poderão
tirá-lo do poder: primeiro, intervenção divina; segundo, mudança da ordem política
internacional; terceiro, revolução cultural através da ocupação de espaço nas
universidades e nos órgãos de mídia.
Sem uma dessas coisas, esqueçam. Não importa quanto
barulho as armas da RENAMO façam, disso nada resultará, senão o aumento do
poder partido no poder porque toda sorte de desordem social é revolucionária. E
não há nenhum partido neste país que está em melhores condições de usar essa
instabilidade político-militar em proveito próprio, para ir aumentando o seu
poder do que a FRELIMO.
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