domingo, 27 de novembro de 2016

De Regresso a Barbárie

Resultado de imagem para barbaros
O grande problema, nesse conflito, é que, quer a RENAMO, quer o governo, tem agido histericamente do princípio até o fim. O que significa ser um histérico? Um histérico é aquele indivíduo que não acredita no que vê, mas apenas no que ele fala, como um esforço de autopersuasão hipnótica. E isso tem acontecido de parte a parte. Porque? Porque o governo, ao invés de perseguir o seu objectivo natural de bem-comum, entrou na camisa de força da RENAMO, servindo-se de meios que mais servem para aumentar a sensação de poder do partido FRELIMO do que para ajudar no alcance do bem-comum do país como um todo.


É ilustrativo da atmosfera cultural do país os debates e todo o tipo de pronunciamento em torno do conflito entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO conforme tem aparecido na mídia porque neles ouve-se de tudo, um pouco, desde argumentos de natureza económica, apelo a paz, apelo a unidade nacional, puxões de orelha, ora ao governo, ora a RENAMO, condenação de um e a justificação do outro e vice-versa e outrossim, todo o blá, blá, blá próprio dos lambe-botas e puxa-sacos acéfalos e oportunistas que vêem nessa situação uma oportunidade de ouro para subir na vida, mostrando assim a sua verdadeira face desprezível porque um indivíduo que pretende ganhar visibilidade e subir na vida à custa de explorar a desgraça alheia não merece respeito nenhum, pelo contrário, merece ser expulso da vida pública com um ponta-pé no traseiro e uma cusparada no olho direito.

Dizer que “o teatro ou o circo” aparelhado pela RENAMO e o governo da FRELIMO é bom ou mau, é irrelevante e não ajuda a elucidar o problema. O que os nossos analistas, vamos chamá-los assim, falham em perceber é que estamos a falar de política ou como diz David Horowitz: “É a política, estúpido! ”. Este é o primeiro dado. O segundo dado é que a política não tem a ver com o que é moral ou imoral, com o bom ou mau, com o que atrapalha ou favorece a unidade nacional, ou a paz, ou qualquer daquelas frases feitas que andam de boca em boca e de hálito em hálito que já cheira mal.

Há uma ideia errada na cabeça das pessoas que só conhecem a obra de Aristóteles de ouvir falar e nunca leram uma linha se quer de sua vasta obra. A confusão consiste em atribuir ao governo o objectivo da política e à política o objectivo do governo. Quer dizer, muitas pessoas pensam, erradamente, que o objectivo da política é o bem comum, mas acontece que é preciso ser bastante pueril para crer numa coisa dessas. O objetivo da política, como bem disse o filósofo Bertrand Russel, é o poder e não o bem-comum que, por sua vez, é o fim ao qual o governo tende.

Sendo assim, se consideramos a paz, a unidade nacional, etc. como sendo um bem-comum, segue-se que quem deve porfiar por alcança-lo não é a RENAMO, mas sim o governo da FRELIMO. A RENAMO é um partido político e, como todo partido político no mundo inteiro porfia por alcançar o poder e suponho que a RENAMO não é exceção malgrado certos factos mostrarem, algumas vezes, que se este partido parece que não perspectiva de poder.

Ora, se a RENAMO visa o alcance do poder, a questão acerca do meio que ela deve ou vai usar para alcança-lo é o que menos interessa. Pelo menos essa é a visão do “realismo político” que Maquiavel pretende estabelecer ao apregoar que na política “os fins justificam os meios” (sic). Ou seja, os meios usados por quem busca o poder só podem ser julgados à luz do objectivo da conquista do poder e, como dizia Nietzsche, somente é bom aquilo que ajuda a aumentar a percepção do poder e ou que ajuda a ampliar esse mesmo poder e que tudo que faz reduzir a sensação de poder ou o próprio poder é mau.

Sob essa perspectiva desenhada por Nietzsche, se o uso da força por parte da RENAMO ajudar a aumentar o poder ou a sensação de poder da RENAMO, é claro que a RENAMO vai considerar isso como sendo bom, não moralmente bom mas politicamente bom, e vai perseverar no uso da força até que isso não mais lhe dê nenhuma sensação de poder. Portanto, não se trata de destruir antigas bases militares, ou de capturar ou matar este ou aquele “bandido-armado” como pejorativamente os homens da RENAMO são tratados, mas de reduzir ou eliminar a sensação de poder da RENAMO. Como? Mais uma vez refugio-me em Nietzsche: “você somente supera aquilo que você substitui”.

Poder, conforme definido pelo filósofo Olavo de Carvalho, é a “possibilidade concreta de ação”. Mas para você ter essa possibilidade concreta de ação, você tem que ter meios que lhe possibilitem agir. Quando a RENAMO começou a fazer as primeiras ameaças, os nossos analistas de mídia, como lhes é característico, voltaram a errar o alvo. Todos eles, sem exceção, juraram de pés junto e mãos postas que não havia nenhum perigo à vista alegadamente porque a RENAMO só fala e nunca faz. E outros, a arrotar “estupidez [mais] criminosa” que os primeiros como diria Eric Voeglin, diziam até que um confronto armado nem mesmo seria possível porque o apartheid acabou e porque a guerra fria era coisa do passado – só mesmo na cabeça desses idiotas - e que a RENAMO não tinha homens em prontidão combativa e que estes não passavam de meia dúzia de gatos pingados e que, portanto, a RENAMO estava sem retaguarda ideológica, financeira, militar, etc., para poder agir. Resultado: deixaram o país despreparado para uma crise que já nos custou milhares de vidas humanas.

Quer dizer, em Moçambique já se tornou moda um indivíduo ficar 5 anos numa universidade de fundo de quintal e depois sair por aí arrotando superioridade e opiniões que não passam de lixo ideológico que simplesmente revela a decrepitude e a barbárie desses homens do pântano, desses sacripantas e chamá-los assim chega até a ser um eufemismo e um acto de bondade e caridade paternal.

Enquanto não percebermos que poder é possibilidade concreta de ação, nunca compreenderemos coisa alguma. O moçambicano é muito dinheirista. Ele só acredita no dinheiro e, por isso, confunde dinheiro com poder. Dinheiro não é poder, nunca foi e isso é fácil demonstrar. Quando Hitler tomou o poder na Alemanha, quem é que representava o dinheiro? Os judeus. Mas veja o que Hitler fez com eles. Você pode ter todo dinheiro do mundo, mas quando um pobre “pé rapado” como dizem os brasileiros lhe encosta na cabeça uma AK47, nesse mesmo dia você verá o que é poder e quem o tem. O caso do sequestro de Bashir Sulemane e tutti quanti é disso exemplo emblemático.

Não digo que o dinheiro não seja importante, muito pelo contrário, Napoleão Bonaparte, um dos maiores gênios militares da história da humanidade quando perguntado sobre o que era necessário para fazer uma guerra, ele respondeu: 3 coisas. Em primeiro lugar: dinheiro. Em segundo lugar: dinheiro. Em terceiro lugar: dinheiro. O facto da RENAMO “não ter dinheiro” como pretendem os nossos analistas pode impedir a RENAMO de fazer guerra, isso é facto! Mas não pode impedi-la de agir. Para um partido ou qualquer outra organização agir somente precisa de uma coisa chamada “unidade de intenção”. A sua organização pode ter dinheiro à rodo, mas se não tiver unidade de intenção, não será capaz de agir nem sequer por um minuto.

A unidade de intenção pressupõe a existência de um estado maior general, ou seja, pressupõe a existência de um comando estratégico. Pode haver divergência ideológica no seio de uma organização. Isso é o que menos importa. No final das contas, o que conta é os integrantes daquela organização estarem juntos na estratégia. E neste ponto, ninguém pode negar que a RENAMO tem um comando estratégico no seu líder que junta esse papel ao de símbolo aglutinador não somente dos membros da RENAMO, mas de muitos outros moçambicanos pertencentes a outras formações políticas.

Então, por um lado temos uma RENAMO que busca aumentar seu poder ou sua sensação de poder, mas por outro lado, temos o governo que tem por obrigação natural buscar o bem-comum. O grande problema, nesse conflito é que, quer a RENAMO, quer o governo, tem agido histericamente do princípio até o fim. O que significa ser um histérico? Um histérico é aquele indivíduo que não acredita no que vê, mas apenas no que ele fala, como um esforço de autopersuasão hipnótica. E isso tem acontecido de parte a parte. Porque? Porque o governo, ao invés de perseguir o seu objectivo natural de bem-comum, entrou na camisa de força da RENAMO, servindo-se de meios que mais servem para aumentar a sensação de poder do partido FRELIMO do que para ajudar no alcance do bem-comum do país como um todo.

Quando é assim, não há moral que sobreviva enquanto prática do certo e do errado. Quando é assim não há busca de bem-comum que subsista por causa mesmo da natureza da política. Carl Schmidt dizia que política é ajudar os amigos e prejudicar os inimigos. Quer dizer, por um lado temos a RENAMO que procura beneficiar os seus e prejudicar os que não são seus e, por outro lado, temos o governo fazendo exactamente a mesma coisa. E onde é que fica o povo? No entre-meio, como um cego em tiroteio e levando pancada dos dois lados sem saber o que está acontecendo.

O povo está precisando de um guia que sabe o que está acontecendo e que possa conduzir o povo para onde este tenha segurança. Não creio que esse guia seja a RENAMO e muito menos o governo. A única coisa que poderia servir de guiamento para o povo seria a cultura. Nao a cultura popular, mas a cultura superior. Só que, como eu disse, num outro artigo, a cultura superior em Moçambique está morta e bem enterrada nas tumbas da banalidade, da inautenticidade e da propaganda ideológica.

Só se pode mudar a política através da literatura. Essa é a minha convicção. E eu tenho feito referências sucessivas ao poeta Hugo Von Hofmansthal que dizia que nada está na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura. Infelizmente, nossa literatura, é uma literatura inautêntica, uma literatura de propaganda ideológica e de divulgação de banalidades absolutamente formidáveis. Resultado: nossa realidade política é uma absoluta “banalidade do mal” como diria Hannah Arendt. Aliás, o filósofo Olavo de Carvalho diz que o diabo é o maior banalizador do universo e a nossa literatura que deveria ser a face da nossa alta cultura já diabolizou, ou seja, já incorporou o próprio diabo tanto é que tratam de temas estereotipados ao invés de registar as experiências directas, reais e profundas do povo afim de lhe servir de guiamento no meio da confusão em torno mas acontece que neste país ninguém pode orientar-se com base na literatura antes ela carece de senso de orientação e de realidade.

Ps: Não creio que a RENAMO vá conseguir substituir a FRELIMO no poder com base no uso da força das armas até porque as guerrilhas nunca são feitas para se chegar ao poder mas para servir de navio quebra-gelo da revolução cultural por meio da ocupação de espaços enquanto o governo vai histericamente se entretendo com a guerrilha ao invés de fazer guerra político-ideológica. Também não sou leviano ao ponto de crer que a RENAMO vá conseguir destronar a FRELIMO por meio do sufrágio universal. Já dizia Stáline que mais importante não é quem vota mas quem controla os votos. Sendo a FRELIMO um partido de orientação marxista-leninista, somente uma das 3 coisas poderão tirá-lo do poder: primeiro, intervenção divina; segundo, mudança da ordem política internacional; terceiro, revolução cultural através da ocupação de espaço nas universidades e nos órgãos de mídia.

Sem uma dessas coisas, esqueçam. Não importa quanto barulho as armas da RENAMO façam, disso nada resultará, senão o aumento do poder partido no poder porque toda sorte de desordem social é revolucionária. E não há nenhum partido neste país que está em melhores condições de usar essa instabilidade político-militar em proveito próprio, para ir aumentando o seu poder do que a FRELIMO.


ESCRITO POR | XADREQUE SOUSA | shathreksousa@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário