sábado, 24 de dezembro de 2016

O fim da política

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Disputa política não é o mesmo que troca de acusações sobre corrupção ou má administração. Se o objectivo da política é a conquista e conservação do poder, a mera disputa de cargo administrativo não pode ser política no verdadeiro sentido do termo.
Sendo a política parte da superestrutura ideológica da sociedade, somente uma disputa ideológica, uma disputa de ideologia é que é a verdadeira disputa política e não a disputa de cargo que é já em si mesmo um jogo de cartas marcadas.

Enquanto a Frelimo acusa a Renamo de estar a desestabilizar o país por meio de suas incursões militares, a Renamo acusa a Frelimo de praticar a corrupção. O MDM, por seu turno, vem com um discurso de distanciamento quer das acções militares da Renamo, quer da má administração da Frelimo. Por mais incrível que pareça, isso é que significa fazer política em Moçambique. Porca miséria! Mas como diz reiteradamente David Horowitz no seu livro a arte da guerra política: “é a política, estúpido”!

De Aristóteles até Maquiavel, o objectivo da política era a busca do bem-comum mas, daí para diante, ou seja, de Maquiavel até Carl Schmidt, a política deixou de visar o bem-comum para focar-se no alcance do poder como muito bem expôs Bertrand Russel, se bem que a explicação que ele deu para os tipos de poder está errada.

Disputa política não é o mesmo que troca de acusações sobre corrupção ou má administração. Infelizmente, neste país, as pessoas confundem política com disputa de cargos no tempo das eleições e, é por isso que, as campanhas eleitorais para as presidenciais se resumem a promessas de construção de poços de água, hospitais, salas de aula e estradas, o que é absolutamente justificável em se tratando de uma eleição municipal mas, numa eleição para o governo central ou federal, dependendo do país, isso é impingir aos eleitores gato por lebre. E que lebre?!

Se o objectivo da política é a conquista e conservação do poder, a mera disputa de cargo administrativo não pode ser política no verdadeiro sentido do termo. Um exemplo disso são os globalistas, ou seja, a elite bancária ocidental, os quais não ocupam cargo algum em nenhum governo mas tem mais poder que todos os presidentes e primeiros-ministros do mundo inteiro somados. Por outras palavras, a questão central não é quem é o fantoche, mas quem é que está puxando os cordelinhos e, é esse último que importa. É esse último que tem poder, sendo os outros apenas bonecos de ventríloquos.

Certa vez perguntaram a Napoleão: “o que é preciso para fazer uma guerra”? Ao que Napoleão respondeu: “três coisas. Primeiro, dinheiro. Segundo, dinheiro. Terceiro, dinheiro”. Napoleão era um génio militar e aqui ele dá a pista para sabermos quem é que manda, i.e., se quisermos saber quem é que manda, temos que fazer a seguinte pergunta: “de onde vem o dinheiro?” E não: “quem é que está ocupando o cargo tal” pela simples obviedade milenar de que poder não é cargo político ou administrativo mas sim quantas pessoas te obedecem e estão dispostas a morrer por ti ou como disse o filósofo Olavo de Carvalho: “poder é possibilidade concreta de acção” ou seja, a capacidade de você influenciar ou determinar a acção alheia e não o tamanho da sua conta bancária, o seu cargo, etc.

Na verdade, um dos grandes erros neste país é confundir dinheiro com poder. O Moçambicano é muito dinheirista. Ele acredita muito no dinheiro. Mas o dinheiro não é poder. Com qualquer assalto de rua vê-se claramente que um pobre coitado armado é mais poderoso do que o rico desarmado.

Na mitologia hindu, os três aspectos de deus são: 1) Brahma, o criador; 2) Vishnu, o preservador; 3) Shiva, o destruidor. Na verdade, isso corresponde a divisão do poder em três tipos, a saber: (1) poder de gerar, que é o poder económico; (2) poder de conservar, que é o poder religioso; (3) poder de matar que corresponde ao poder militar.

Mas, no final das contas, o poder militar abarca e subordina todos os demais poderes com a mesma facilidade com que se tira um doce a uma criança. As revoluções que sacudiram o mundo no século XX são, disso, amostra insofismável.

Quando olhamos para a actual estrutura geopolítica do mundo, vemos que o poder no mundo é, globalmente, exercido por três agentes: 1) o bloco russo-chinês ou eurasiano, que é o poder militar; 2) o califado islâmico, que é o poder religioso e 3) a elite bancária ocidental, que é o poder económico. Ora, desses 3 agentes, somente o bloco russo-chinês corresponde a um espaço geográfico definido.

Marx diz que a estrutura de uma sociedade se divide em infra-estrutura e superestrutura. Qualquer leitor de Marx sabe que a política, assim como a moral, a cultura, as leis fazem parte da superestrutura que Marx definiu como sendo ideologia que para o próprio Marx se tratava de “um vestido de ideias” que visava encobrir um esquema de poder. Enquanto isso, a infra-estrutura era, para Marx, a base material ou económica da sociedade.

Essa dialéctica de Marx não está errada, o que está errada é a ordem causal que Marx estabelece entre infra-estrutura e superestrutura, pois que Marx afirma que, em última instância, a infra-estrutura determina a superestrutura, o que é falso como amplamente demonstrado por Benedetto Croce, Olavo de Carvalho e outros. Mas, em todo caso, fica, aqui, claro que sendo a política parte da superestrutura ideológica da sociedade somente uma disputa ideológica, uma disputa de ideologia é que é a verdadeira disputa política e não a disputa de cargo que é já em si mesmo um jogo de cartas marcadas.

Em Moçambique não há nenhuma disputa real de poder, não há uma verdadeira disputa de poder mas apenas disputa de cargo. Se colocarmos um partidário da Frelimo, da Renamo e do MDM a debater veremos como, aliás, temos visto nos assim ditos debates televisivos e radiofónicos que tudo resume-se a meras acusações de má administração absolutamente teatral e kitsch no final das contas. Qual é a ideologia da Frelimo? Ninguém sabe. Qual é a ideologia da Renamo? Ninguém sabe. Qual é a ideologia do MDM? Ninguém sabe. Ninguém sabe? Não é bem assim.

Na verdade, quando analisamos os discursos de cada um dos partidos deste país encontramos uma zona de intersecção enorme. Ou seja, todos eles partidos tem a mesma ideologia e não o sabem. O facto de os três partidos com assento na assembleia da república terem aprovado a lei a favor do aborto já mostra qual é a ideologia de todos eles. Na verdade, quando a disputa entre os partidos se resume apenas a mera disputa de cargo, isso é um sinal de que todos eles têm a mesma ideologia o que não é normal porque em qualquer sistema democrático normal, o normal é haver sempre uma direita e uma esquerda e não o contrário.

No seu quarto congresso, a Frelimo declarou-se um partido de orientação ideológica marxista-leninista. Hoje em dia, as pessoas dizem que a Frelimo mudou. Dizem que a Frelimo já não é um partido comunista. A Renamo, por sua vez, diz que é um partido de direita. O MDM “parece” que não tem ideologia nenhuma. Quer dizer, há um espectro de confusão generalizada pairando sobre a nossa arena política nacional. Isso não admira diante da maciça revolução cultural levada a cabo pelo governo da Frelimo desde a proclamação da independência até hoje. Resultado: aconteceu exactamente o que Gramsci já havia vaticinado nos cadernos do cárcere de que todo mundo se tornaria comunista sem saber.

Em Moçambique, todo mundo é comunista sem saber e mesmo a classe empresarial, os homens de negócio que, por natureza, deviam se opor a essa ideologia parecem não se dar conta do que está acontecendo alegadamente porque a nacionalização da propriedade privada acabou, o que mostra que nunca leram uma linha sequer de Lenine que disse que a coisa devia ser feita lentamente por meio da taxação progressiva.

Num país onde a fronteira entre a direita e a esquerda não existe, é caso para dizer que estamos perante o fim da política. Dizia Aristóteles que a economia (infra-estrutura) começa quando a política (superestrutura) termina. Isso espelha o que está a acontecer em Moçambique, ou seja, só se discute economia e nada mais, quer sob a forma de má administração, quer sob a forma de corrupção, quer sob a forma de programas de combate a pobreza, etc., o que mostra que a política, neste país, acabou faz tempo pelo que, o que temos hoje é, sem dúvida alguma, uma ténue caricatura de política, uma espécie de política de segundo grau ou mais radicalmente, uma pseudopolítica.

Aristóteles acreditava que “o homem é um animal político”. Quanto a mim, já começo a duvidar se o homem é, sempre e em toda parte, um animal político. Parece que, em Moçambique, os homens se tornaram apolíticos e até temos políticos apolíticos porque eles acham que não fica bem atacar a ideologia do partido adversário, eles não querem fazer luta política. Com uma capitulação dessa, nada mais nos resta senão estudar o que está acontecendo no país, procurar compreender a situação para, pelo menos, sabermos nos orientar no meio da confusão geral e não sermos pegos de calça na mão.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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