Disputa política não é
o mesmo que troca de acusações sobre corrupção ou má administração. Se o
objectivo da política é a conquista e conservação do poder, a mera disputa de
cargo administrativo não pode ser política no verdadeiro sentido do termo.
Sendo a política parte
da superestrutura ideológica da sociedade, somente uma disputa ideológica, uma
disputa de ideologia é que é a verdadeira disputa política e não a disputa de
cargo que é já em si mesmo um jogo de cartas marcadas.
Enquanto a Frelimo acusa a Renamo de estar a
desestabilizar o país por meio de suas incursões militares, a Renamo acusa a
Frelimo de praticar a corrupção. O MDM, por seu turno, vem com um discurso de
distanciamento quer das acções militares da Renamo, quer da má administração da
Frelimo. Por mais incrível que pareça, isso é que significa fazer política em
Moçambique. Porca miséria! Mas como diz reiteradamente David Horowitz no seu
livro a arte da guerra política: “é a política, estúpido”!
De Aristóteles até Maquiavel, o objectivo da política era
a busca do bem-comum mas, daí para diante, ou seja, de Maquiavel até Carl Schmidt,
a política deixou de visar o bem-comum para focar-se no alcance do poder como
muito bem expôs Bertrand Russel, se bem que a explicação que ele deu para os tipos
de poder está errada.
Disputa política não é o mesmo que troca de acusações sobre
corrupção ou má administração. Infelizmente, neste país, as pessoas confundem
política com disputa de cargos no tempo das eleições e, é por isso que, as
campanhas eleitorais para as presidenciais se resumem a promessas de construção
de poços de água, hospitais, salas de aula e estradas, o que é absolutamente justificável
em se tratando de uma eleição municipal mas, numa eleição para o governo
central ou federal, dependendo do país, isso é impingir aos eleitores gato por
lebre. E que lebre?!
Se o objectivo da política é a conquista e conservação do
poder, a mera disputa de cargo administrativo não pode ser política no
verdadeiro sentido do termo. Um exemplo disso são os globalistas, ou seja, a
elite bancária ocidental, os quais não ocupam cargo algum em nenhum governo mas
tem mais poder que todos os presidentes e primeiros-ministros do mundo inteiro somados.
Por outras palavras, a questão central não é quem é o fantoche, mas quem é que
está puxando os cordelinhos e, é esse último que importa. É esse último que tem
poder, sendo os outros apenas bonecos de ventríloquos.
Certa vez perguntaram a Napoleão: “o que é preciso para
fazer uma guerra”? Ao que Napoleão respondeu: “três coisas. Primeiro, dinheiro.
Segundo, dinheiro. Terceiro, dinheiro”. Napoleão era um génio militar e aqui
ele dá a pista para sabermos quem é que manda, i.e., se quisermos saber quem é que
manda, temos que fazer a seguinte pergunta: “de onde vem o dinheiro?” E não: “quem
é que está ocupando o cargo tal” pela simples obviedade milenar de que poder não
é cargo político ou administrativo mas sim quantas pessoas te obedecem e estão dispostas
a morrer por ti ou como disse o filósofo Olavo de Carvalho: “poder é
possibilidade concreta de acção” ou seja, a capacidade de você influenciar ou
determinar a acção alheia e não o tamanho da sua conta bancária, o seu cargo,
etc.
Na verdade, um dos grandes erros neste país é confundir
dinheiro com poder. O Moçambicano é muito dinheirista. Ele acredita muito no dinheiro.
Mas o dinheiro não é poder. Com qualquer assalto de rua vê-se claramente que um
pobre coitado armado é mais poderoso do que o rico desarmado.
Na mitologia hindu, os três aspectos de deus são: 1) Brahma,
o criador; 2) Vishnu, o preservador; 3) Shiva, o destruidor. Na verdade, isso
corresponde a divisão do poder em três tipos, a saber: (1) poder de gerar, que
é o poder económico; (2) poder de conservar, que é o poder religioso; (3) poder de
matar que corresponde ao poder militar.
Mas, no final das contas, o poder militar abarca e
subordina todos os demais poderes com a mesma facilidade com que se tira um
doce a uma criança. As revoluções que sacudiram o mundo no século XX são, disso,
amostra insofismável.
Quando olhamos para a actual estrutura geopolítica do
mundo, vemos que o poder no mundo é, globalmente, exercido por três agentes: 1)
o bloco russo-chinês ou eurasiano, que é o poder militar; 2) o califado
islâmico, que é o poder religioso e 3) a elite bancária ocidental, que é o
poder económico. Ora, desses 3 agentes, somente o bloco russo-chinês corresponde
a um espaço geográfico definido.
Marx diz que a estrutura de uma sociedade se divide em infra-estrutura
e superestrutura. Qualquer leitor de Marx sabe que a política, assim como a
moral, a cultura, as leis fazem parte da superestrutura que Marx definiu como
sendo ideologia que para o próprio Marx se tratava de “um vestido de ideias”
que visava encobrir um esquema de poder. Enquanto isso, a infra-estrutura era,
para Marx, a base material ou económica da sociedade.
Essa dialéctica de Marx não está errada, o que está errada
é a ordem causal que Marx estabelece entre infra-estrutura e superestrutura,
pois que Marx afirma que, em última instância, a infra-estrutura determina a
superestrutura, o que é falso como amplamente demonstrado por Benedetto Croce,
Olavo de Carvalho e outros. Mas, em todo caso, fica, aqui, claro que sendo a
política parte da superestrutura ideológica da sociedade somente uma disputa ideológica,
uma disputa de ideologia é que é a verdadeira disputa política e não a disputa
de cargo que é já em si mesmo um jogo de cartas marcadas.
Em Moçambique não há nenhuma disputa real de poder, não há
uma verdadeira disputa de poder mas apenas disputa de cargo. Se colocarmos um partidário
da Frelimo, da Renamo e do MDM a debater veremos como, aliás, temos visto nos
assim ditos debates televisivos e radiofónicos que tudo resume-se a meras acusações
de má administração absolutamente teatral e kitsch
no final das contas. Qual é a ideologia da Frelimo? Ninguém sabe. Qual é a
ideologia da Renamo? Ninguém sabe. Qual é a ideologia do MDM? Ninguém sabe. Ninguém
sabe? Não é bem assim.
Na verdade, quando analisamos os discursos de cada um dos
partidos deste país encontramos uma zona de intersecção enorme. Ou seja, todos
eles partidos tem a mesma ideologia e não o sabem. O facto de os três partidos
com assento na assembleia da república terem aprovado a lei a favor do aborto
já mostra qual é a ideologia de todos eles. Na verdade, quando a disputa entre
os partidos se resume apenas a mera disputa de cargo, isso é um sinal de que todos
eles têm a mesma ideologia o que não é normal porque em qualquer sistema democrático
normal, o normal é haver sempre uma direita e uma esquerda e não o contrário.
No seu quarto congresso, a Frelimo declarou-se um partido
de orientação ideológica marxista-leninista. Hoje em dia, as pessoas dizem que
a Frelimo mudou. Dizem que a Frelimo já não é um partido comunista. A Renamo,
por sua vez, diz que é um partido de direita. O MDM “parece” que não tem
ideologia nenhuma. Quer dizer, há um espectro de confusão generalizada pairando
sobre a nossa arena política nacional. Isso não admira diante da maciça revolução
cultural levada a cabo pelo governo da Frelimo desde a proclamação da
independência até hoje. Resultado: aconteceu exactamente o que Gramsci já havia
vaticinado nos cadernos do cárcere de que todo mundo se tornaria comunista sem
saber.
Em Moçambique, todo mundo é comunista sem saber e mesmo a
classe empresarial, os homens de negócio que, por natureza, deviam se opor a
essa ideologia parecem não se dar conta do que está acontecendo alegadamente
porque a nacionalização da propriedade privada acabou, o que mostra que nunca
leram uma linha sequer de Lenine que disse que a coisa devia ser feita
lentamente por meio da taxação progressiva.
Num país onde a fronteira entre a direita e a esquerda não
existe, é caso para dizer que estamos perante o fim da política. Dizia Aristóteles
que a economia (infra-estrutura) começa quando a política (superestrutura)
termina. Isso espelha o que está a acontecer em Moçambique, ou seja, só se
discute economia e nada mais, quer sob a forma de má administração, quer sob a
forma de corrupção, quer sob a forma de programas de combate a pobreza, etc., o
que mostra que a política, neste país, acabou faz tempo pelo que, o que temos
hoje é, sem dúvida alguma, uma ténue caricatura de política, uma espécie de
política de segundo grau ou mais radicalmente, uma pseudopolítica.
Aristóteles acreditava que “o homem é um animal político”.
Quanto a mim, já começo a duvidar se o homem é, sempre e em toda parte, um
animal político. Parece que, em Moçambique, os homens se tornaram apolíticos e
até temos políticos apolíticos porque eles acham que não fica bem atacar a
ideologia do partido adversário, eles não querem fazer luta política. Com uma capitulação
dessa, nada mais nos resta senão estudar o que está acontecendo no país, procurar
compreender a situação para, pelo menos, sabermos nos orientar no meio da confusão
geral e não sermos pegos de calça na mão.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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