quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Mandela, Filósofo africano – Parte II

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Ora, para Sócrates e Mandela serem comparáveis eles deveriam ter feito a mesma coisa e acontece que eles enveredaram por caminhos totalmente diferentes. Eles não se tratam de espécies do mesmo género.
A diferença entre esses dois personagens está dada na 12a tese de Marx contra Feuerbach em que Marx diz que os filósofos trataram de compreender a realidade e que eles iriam transformá-la.
Ora, Sócrates era um homem de estudos sem nenhuma ambição de poder. Mandela nunca teve essa preocupação. Ele era um revolucionário tout court, um indivíduo cuja única missão e meta de vida era concentrar poder nas mãos do partido em nome de um futuro hipotético.

Em 2015 escrevi um artigo intitulado “Mandela,o filósofo africano”, tentando examinar muito por alto alguns pontos que me pareceram importantes, na altura, do livro do professor Ronguane com o mesmo título, a partir da apresentação feita pelo jornalista Jeremias Langa na Assembleia da República, quando da cerimónia do lançamento do referido livro, cujo texto poder ser lido na íntegra no site www.opais.com

O professor Ronguane compara, no seu livro, Mandela com Sócrates, chegando a exaltar aquele primeiro à estatura do segundo. Ora, para Sócrates e Mandela serem comparáveis eles deveriam ter feito a mesma coisa e acontece que eles enveredaram por caminhos totalmente diferentes. Porém, o professor Ronguane não atinou com isso e, o mais chocante ainda é que nenhum dos participantes do lançamento da obra ou algum leitor da mesma viu o absurdo da tese central do livro. Digo absurdo, ab surdum, porque, primeiro, ela contém contradição lógica interna e, segunda, essa tese é desmentida in limine pelos factos historicamente registados.

Sempre disse aos indivíduos do meu círculo interno de convivência que a inteligência não se mede pelo número de diplomas que um indivíduo possui, ou seja, não se mede pelo seu nível académico e muito menos pelas notas que um indivíduo tira na escola ou na faculdade. Não sou nem contra e nem a favor de tirar notas altas ou baixas mas, usar isso como padrão de medida da inteligência humana, já, é, de per si, sintoma de uma burrice mastodôntica. Eu mesmo tive professores que fizeram seus cursos com a nota mais alta do seu grupo e que, no entanto, não passam de analfabetos funcionais e, a prova disso é que não conseguem seguir duas linhas de raciocínio ao mesmo tempo. By the way, nem se quer conseguem perceber a constante por detrás de um fluxo de acontecimentos. É só ligar a TV e o rádio para ver o show de inépcia que isso é. Mas não é absolutamente um caso para mim, mas seria um caso interessante para o psicólogo israelita, o Dr. Feuerestein que tem uma técnica muito boa para transformar meninos mentalmente atrasados em génios.

Ora, a palavra inteligência vem do latim intellectus, de intelligere que significa, em última instância, nada mais, nada menos que “capacidade de encontrar a verdade” como diz o filósofo Olavo de Carvalho. E a verdade deve ser buscada onde quer que ela esteja, ou seja, não importa a época ou a cultura como dizia Al Kindi, um dos maiores filósofos islâmicos da história, se bem que os mussulmanos modernos julguem que a verdade somente está no texto corânico e que tudo o mais deve se submeter ao islam que é para eles a chave da abóbada e Muhammad o selo da profecia como pode-se ler no “The transcendental unity of religions” do Sheik Fritjof Schuon. Mas sendo a verdade universal, ela não pode pertencer, por definição, a um povo específico ou a uma época específica. Ela pertence a todo o mundo e a todas as épocas. O historiador Leopold Von Rankee estava certíssimo quando disse que “todas as épocas são iguais diante de Deus”. E, a verdade, a aletheia, tem esse carácter de simultaneidade. Ela é ad aeternum, tota simul. Deste modo, um poeta de verdade é aquele que condensa nos seus escritos toda tradição poética como dizia T.S. Eliot. Todo verdadeiro escritor faz isso. Todo verdadeiro filósofo e todo verdadeiro cientista faz isso. Não somente adquire a ideia dos sábios mas as transcende. Portanto, o que foi conhecido antes de nós não é uma erudição que temos que colocar em cima, um pedantismo, mas sim, cultura que é o que nos dá o senso de orientação no meio da confusão geral para não sermos pegos de calça na mão.

Agora, que um indivíduo tire notas altíssimas na faculdade ou que seja Phd, catedrático, jubilado, não significa coisa nenhuma, ou seja, não significa que ele seja inteligente, significa apenas que ele tem uma capacidade operacional alta mas não que ele seja mais inteligente que os outros. O mesmo acontece com os testes de Q.I que também só medem a capacidade operacional do indivíduo e não a sua inteligência. Uma das provas disso são os Richard Dawkins, Daniel Dennet, Bertrand Russel, Krugman e tutti quanti. Aliás, escrevi um artigo neste blog acerca da cantora Madonna que pelos testes de Q.I está próximo de um Einstein. Nesse artigo intitulado “Madonna apoia Hillary Clinton”, faço um comentário acerca da declaração da cantora que disse que estava abrindo seu coração e não sei mas que, não quero conjecturar, para apoiar a candidatura da Sra. Clinton, por sinal, uma das pessoas mais mentirosas, mais depravadas e perigosas dos EUA. Isso é inteligência? Faz favor, porra!

É claro que alguns inocentes úteis repetirão aquele tópoi que, de tanto passar de boca em boca, já adquiriu mau hálito e que diz que “gostos não se discutem”. Como não?! A filósofa Hannah Arendt, no seu livro, a vida do espírito, diz que a actividade do espírito se divide em três, nomeadamente: pensar, querer e julgar. Ora, gostar e não gostar não são apenas reacções somáticas da psique humana, elas expressam o estado cognitivo mais profundo do espírito humano. Não é possível que eu esteja certo no pensar e errado no querer e no julgar. Antes pelo contrário, o pensar abarca e subordina todas as demais actividades do espírito em Arendt, o que corrobora a visão aristotélico-tomista sobre essa matéria e, encarando a coisa gnosiologicamente, i.e., segundo a ordem do conhecer, não há como negar isso sem cair no relativismo, irracionalismo, niilismo, desesperismo e, por fim, no gnosticismo barato dos últimos dias encarnado na revolta contra o homem e contra Deus, o fundamento mesmo da realidade como dizia Aristóteles.

Se você julgou errado é porque o seu querer estava errado e o seu querer estava errado porque o seu pensar, a actividade pensamental do seu espírito estava errada. Na verdade, “poucas pessoas pensam no verdadeiro sentido de pensar” que para os gregos como Sócrates, Platão e tutti quanti, significava travar um diálogo silencioso consigo mesmo. Resultado: desumanizam-se, tendo perdido totalmente a capacidade de fazer julgamento moral, de distinguir entre o bem e o mal, tornando-se nada mais que uma peça dispensável no enorme maquinismo do sistema totalitário cujo espectro adeja sobre todas as nações debaixo do sol.

No final das contas, somente quem tem uma vida interior verdadeira pode ter uma vida do espírito ou do pensar, aliás, isso chega até a ser uma redundância porque uma vida interior é uma vida do espírito ou do pensar e vice-versa, cujo grau mais alto dessa vida contemplativa é a oração que surge espontaneamente da interioridade da alma humana em busca da sua autoconsciência e não um monte de ladainhas que não passam de “seca olaia do seco cantor da Primavera” como diria Eça de Queirós. E isso corrobora o que foi dito por Sto Agostinho quando diz que Deus habita na interioridade da alma humana. É por isso que a medida do homem que tem profundidade é sempre e em toda a parte a eternidade. Isso esclarece para nós alguns pontos do diálogo Fédon que Sócrates vai travando com seus discípulos acerca da morte e da imortalidade da alma depois de ter sido condenado a beber a cicuta e quando ele diz o seguinte: “ninguém pode matar Sócrates”. Aí estava o seu espelho, a sua medida que é a de todo homem que tem profundidade, a saber, a eternidade da alma humana que somente almeja uma única coisa, ser eterna no seu amado.

A inteligência começa com uma coisa chamada busca da verdade, o indivíduo querer saber quid es, o que é que as coisas são, mesmo que não saiba explicar isso para ninguém. Mas acontece que cá, por estas bandas, os intelectualóides não querem isso, eles querem sim aparecer em tudo quanto é televisão, jornal, rádio pontificando acerca de coisas que não estudaram e isso não é exercer apostolado na ciência, isso é charlatanice. E, se essas pessoas não tem honestidade intelectual para dizer que não sabem o que não sabem e dizer que sabem o que sabem como é que elas vão buscar a verdade, uma vez que a busca da verdade pressupõe a sinceridade de facto, você querer saber a verdade acima de qualquer outro interesse que você tenha mesmo que isso seja contrário a tudo quanto você acreditou em toda sua porca vida.

Quantos em Moçambique têm isso? Se calhar eu mais uns dois ou três indivíduos porque o resto ou só pensa com a cabeça do partido, ou com a cabeça da sua igreja, ou com a cabeça do establishment universitário, do beautifull people da midia, da intelligentsia universitária e assim por diante e tertium non datur como diziam os escolásticos. Ninguém quer a verdade mas todos fingem que são seu senhor e possuidor e que são seu porte parole. Quer dizer, é um jogo de cena que se ensinado, até o macaco faz. Tudo isso acontece porque as pessoas querem dar boa impressão e nem conseguem se dar conta de que o lambebotismo embaça a lente da inteligência e oxida todo senso crítico de tal modo que o indivíduo chega a não distinguir entre uma salsicha e um porco vivo. É o fim da inteligência e a apoteose de uma crise de dimensão antropológica.

Na verdade, a mentira reiterada, longe de se tornar em verdade como pretendia Joseph Goebells, o chefe de propaganda nazi, ela se transmuta em neurose. Já dizia o psicólogo Juan César Muller que “neurose é uma mentira esquecida na qual você ainda acredita” (sic). E o que tem de neurótico neste país é uma grandeza, quer dizer, indivíduos que não conseguem descrever o que os seus olhos estão vendo, suas impressões autênticas como dizia Saul Bellow mas, falam tudo em termos de imaginação e de conjecturas ao invés de ir estudar o assunto para posteriormente dar um parecer técnico, sério, aprofundado sobre o assunto, ou seja, “dar um sentido mais puro as palavras da tribo” como em Mallarmé. Aliás, a mera sugestão de ir estudar já soa como uma ofensa ominosa, o escândalo dos escândalos, aos ouvidos do moçambicano como escrevi outro dia num artigo em que eu dizia que o que o moçambicano mais odeia é o conhecimento. Eles decoram duas, três fórmulas de física ou química e pensam que isso é amor ao saber. Decoram duas, três páginas de Marx, Deleuze, Althusser, Foucault, Chomsky e tutti quanti e acham que isso é amor ao conhecimento. Isso é o supra-sumo da loucura, isso sim. Se bem que por detrás dessa loucura haja um método como em Otelo de Shakespeare.

Meu Deus do céu, será que ninguém neste país percebe o que lê?! Será que ninguém tem cultura literária suficiente para se orientar no meio da confusão em torno? Tudo não passa de conversa de comadres, uma disputatio entre o amém e o sim senhor. Ora, quando você ama a sabedoria, você não se torna num decorador de frases sábias, antes pelo contrário você se torna num sábio. É claro que você começa como um filósofo, mas depois você acaba como um sábio que é a sabedoria encarnada. Quando você ama a física, a química, etc., você não se torna num decorador das fórmulas de física e de química, antes pelo contrário, você se torna num físico ou num químico que é o mesmo que física e química encarnada. É claro que, como disse Aristóteles, tudo começa com a aquisição das ideias dos sábios mas a coisa não pára por aí, antes pelo contrário recordemos aquele célebre verso de Camões que diz o seguinte: “Transforma-se o amado na coisa amada” (sic). Mas, neste país, a finalidade última de ir a escola é conseguir um diploma e não adquirir cultura e, é por isso que temos tantos diplomados semi-analfabetos e outros tantos que são analfabetos funcionais, o famoso lumpen proletariat de Karl Marx para manter acesa a chama da revolução, que por sinal é eterna como dizia Proudhon e, lerdo como só eu, somente agora entendi porquê é que “a luta continua”.

Voltando ao livro do professor Ronguane, diga-se em abono da verdade que não é preciso ser um Giovani Reale, um Eric Weil, um Paul Friedlander para ver que Sócrates e Mandela não se tratam de espécies do mesmo género. Curiosamente, a diferença entre esses dois personagens está dada na 12a tese de Marx contra Feuerbach. Nessa tese, Marx diz que os filósofos trataram de compreender a realidade e que eles iriam transformá-la. Quem são esses que querem transformar a realidade? A resposta não tarda: os revolucionários. Qualquer um que tenha lido Eric Voeglin, Hannah Arendt, Olavo de Carvalho e tutti quanti sabe disso.

Sócrates era um homem de estudos. Um homem que somente queria compreender as coisas para encontrar o que, no século XX, o psicólogo Viktor Frankl chamou de sentido da vida. São de Sócrates as palavras: “uma vida sem ser examinada não merece a pena ser vivida” (sic). Mandela nunca teve essa preocupação. Mandela era um revolucionário tout court. Ora, o que significa ser um revolucionário? Significa ser um indivíduo cuja única missão e meta de vida é concentrar poder nas mãos do partido em nome de um futuro hipotético que ele nunca irá realizar mas que serve de véu para ocultar seu esquema de poder, um discurso pré-textual para contentar a massa de militantes ou de idiotas úteis como bem apropriadamente dizia Lenine. Por outras palavras, o esquema revolucionário é um amontoado de engodo puro e simples do princípio ao fim o que é flagrantemente contraditório com a condição de um filósofo, um indivíduo que ama e busca a sabedoria sem ambição de poder.

Certa vez, Leonardo Da Vinci disse que “a sabedoria é uma mercadoria que Deus vende aos homens mediante o pagamento de um preço chamado esforço” (sic). Você pode encontrar esse trecho no livro la vie intelectuelle de A.D. Sertillange. É evidente que Da Vinci não estava falando de esforço físico ou mecânico até porque a sabedoria não é uma coisa física e o mecanicismo só viria a ser criado mais tarde com o aparecimento de Newton. Esforço, aqui, é ascetismo. É você subir da matéria para o espírito. E só há uma maneira de fazer isso. Qual? Através de Cristo. Ele disse: “ninguém vem ao pai a não ser através de mim”. Mas antes disso, ele disse que Deus é Espírito e disse também que ele, Cristo, era a verdade. Ou seja, fazemos esse trajecto da subida da matéria ao espírito através da verdade, aletheia, pelo que não compreendo como é que um revolucionário mentiroso que só pensa em acumular poder e mais poder seja elevado e equiparado a um filósofo da dimensão de um Sócrates cujo mote de vida foi a permanente busca contemplativa da verdade pura e simples sem nenhum desejo de poder. Isso é auto-contraditório para dizer o mínimo e deve ser rejeitado in limine.

Quem busca o poder não é nenhum filósofo. O filósofo busca a sabedoria sem nenhuma pretensão de poder. Pelo contrário, sua pretensão é alcançar a sabedoria cujo fim é uma vida santificada, separada para o ofício da verdade como ensinavam os pitagóricos. A fábula do rei filósofo nada mais é que isso mesmo, uma fábula. O primeiro filósofo que tentou encarná-la, estou falando de Platão, acabou vendido como escravo, tendo sido comprado por um dos seus discípulos. Portanto, sejamos realistas, longe de imperar na política os filósofos, sábios e santos, nela imperam os loucos e os perversos como Nero, Hitler, Estaline, Mussolini, Pol pot, Mao Dzedong et caterva. Quando um filósofo tenta se aventurar na política ele se transforma no seu inverso, ou seja, ele deixa de ser um filósofo autêntico e se torna num sofista, um pervertedor da juventude como aquele pessoal da Escola de Frankfurt, Gyorgy Lukács, Theodoro Adorno, Herbert Marcuse e tutti quanti que eram até indivíduos muito bem treinados, altamente capazes de cumprir sua tarefa mas que não passavam de vigaristas e loucos, gente perigosíssima, no final das contas. Porquê? Porque queriam o poder acima de tudo, o poder pelo poder e nessa ânsia de omnipotência e desejo de transcendência se tornaram no abominável homem das neves de fazer inveja a seus antigos mestres, Maquiavel e Marx que diante da monstruosidade desses seus discípulos assemelham-se a uma vaga caricatura absolutamente inofensiva.

ESCRITO POR | XADREQUE SOUSA | shathreksousa@gmail.com

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