Ora, para Sócrates e Mandela serem comparáveis eles
deveriam ter feito a mesma coisa e acontece que eles enveredaram por caminhos
totalmente diferentes. Eles não se tratam de espécies do mesmo género.
A diferença entre esses dois personagens está dada na 12a
tese de Marx contra Feuerbach em que Marx diz que os filósofos trataram de
compreender a realidade e que eles iriam transformá-la.
Ora, Sócrates era um homem de estudos sem nenhuma ambição
de poder. Mandela nunca teve essa preocupação. Ele era um revolucionário tout court, um indivíduo cuja única
missão e meta de vida era concentrar poder nas mãos do partido em nome de um
futuro hipotético.
Em 2015 escrevi um artigo intitulado “Mandela,o filósofo africano”, tentando examinar muito por alto alguns pontos que me
pareceram importantes, na altura, do livro do professor Ronguane com o mesmo
título, a partir da apresentação feita pelo jornalista Jeremias Langa na Assembleia
da República, quando da cerimónia do lançamento do referido livro, cujo texto
poder ser lido na íntegra no site www.opais.com
O professor Ronguane compara, no seu livro,
Mandela com Sócrates, chegando a exaltar aquele primeiro à estatura do segundo.
Ora, para Sócrates e Mandela serem comparáveis eles deveriam ter feito a mesma
coisa e acontece que eles enveredaram por caminhos totalmente diferentes. Porém,
o professor Ronguane não atinou com isso e, o mais chocante ainda é que nenhum
dos participantes do lançamento da obra ou algum leitor da mesma viu o absurdo
da tese central do livro. Digo absurdo, ab
surdum, porque, primeiro, ela contém contradição lógica interna e, segunda,
essa tese é desmentida in limine
pelos factos historicamente registados.
Sempre disse aos indivíduos do meu círculo interno
de convivência que a inteligência não se mede pelo número de diplomas que um
indivíduo possui, ou seja, não se mede pelo seu nível académico e muito menos
pelas notas que um indivíduo tira na escola ou na faculdade. Não sou nem contra
e nem a favor de tirar notas altas ou baixas mas, usar isso como padrão de
medida da inteligência humana, já, é, de per
si, sintoma de uma burrice mastodôntica. Eu mesmo tive professores que
fizeram seus cursos com a nota mais alta do seu grupo e que, no entanto, não
passam de analfabetos funcionais e, a prova disso é que não conseguem seguir
duas linhas de raciocínio ao mesmo tempo. By
the way, nem se quer conseguem perceber a constante por detrás de um fluxo
de acontecimentos. É só ligar a TV e o rádio para ver o show de inépcia que isso é. Mas não é absolutamente um caso para
mim, mas seria um caso interessante para o psicólogo israelita, o Dr. Feuerestein
que tem uma técnica muito boa para transformar meninos mentalmente atrasados em
génios.
Ora, a palavra inteligência vem do latim intellectus, de intelligere que significa, em última instância,
nada mais, nada menos que “capacidade de encontrar a verdade” como diz o filósofo
Olavo de Carvalho. E a verdade deve ser buscada onde quer que ela esteja, ou
seja, não importa a época ou a cultura como dizia Al Kindi, um dos maiores
filósofos islâmicos da história, se bem que os mussulmanos modernos julguem que
a verdade somente está no texto corânico e que tudo o mais deve se submeter ao
islam que é para eles a chave da abóbada e Muhammad o selo da profecia como
pode-se ler no “The transcendental unity of religions” do Sheik Fritjof Schuon.
Mas sendo a verdade universal, ela não pode pertencer, por definição, a um povo
específico ou a uma época específica. Ela pertence a todo o mundo e a todas as
épocas. O historiador Leopold Von Rankee estava certíssimo quando disse que
“todas as épocas são iguais diante de Deus”. E, a verdade, a aletheia, tem esse carácter de
simultaneidade. Ela é ad aeternum, tota
simul. Deste modo, um poeta de verdade é aquele que condensa nos seus
escritos toda tradição poética como dizia T.S. Eliot. Todo verdadeiro escritor
faz isso. Todo verdadeiro filósofo e todo verdadeiro cientista faz isso. Não
somente adquire a ideia dos sábios mas as transcende. Portanto, o que foi conhecido
antes de nós não é uma erudição que temos que colocar em cima, um pedantismo,
mas sim, cultura que é o que nos dá o senso de orientação no meio da confusão
geral para não sermos pegos de calça na mão.
Agora, que um indivíduo tire notas altíssimas
na faculdade ou que seja Phd, catedrático,
jubilado, não significa coisa nenhuma, ou seja, não significa que ele seja
inteligente, significa apenas que ele tem uma capacidade operacional alta mas
não que ele seja mais inteligente que os outros. O mesmo acontece com os testes
de Q.I que também só medem a capacidade operacional do indivíduo e não a sua inteligência.
Uma das provas disso são os Richard Dawkins, Daniel Dennet, Bertrand Russel,
Krugman e tutti quanti. Aliás, escrevi
um artigo neste blog acerca da
cantora Madonna que pelos testes de Q.I está próximo de um Einstein. Nesse
artigo intitulado “Madonna apoia Hillary Clinton”, faço um comentário acerca da
declaração da cantora que disse que estava abrindo seu coração e não sei mas
que, não quero conjecturar, para apoiar a candidatura da Sra. Clinton, por
sinal, uma das pessoas mais mentirosas, mais depravadas e perigosas dos EUA.
Isso é inteligência? Faz favor, porra!
É claro que alguns inocentes úteis repetirão
aquele tópoi que, de tanto passar de
boca em boca, já adquiriu mau hálito e que diz que “gostos não se discutem”.
Como não?! A filósofa Hannah Arendt, no seu livro, a vida do espírito, diz que
a actividade do espírito se divide em três, nomeadamente: pensar, querer e
julgar. Ora, gostar e não gostar não são apenas reacções somáticas da psique
humana, elas expressam o estado cognitivo mais profundo do espírito humano. Não
é possível que eu esteja certo no pensar e errado no querer e no julgar. Antes
pelo contrário, o pensar abarca e subordina todas as demais actividades do
espírito em Arendt, o que corrobora a visão aristotélico-tomista sobre essa
matéria e, encarando a coisa gnosiologicamente, i.e., segundo a ordem do
conhecer, não há como negar isso sem cair no relativismo, irracionalismo, niilismo,
desesperismo e, por fim, no gnosticismo barato dos últimos dias encarnado na
revolta contra o homem e contra Deus, o fundamento mesmo da realidade como
dizia Aristóteles.
Se você julgou errado é porque o seu querer
estava errado e o seu querer estava errado porque o seu pensar, a actividade
pensamental do seu espírito estava errada. Na verdade, “poucas pessoas pensam
no verdadeiro sentido de pensar” que para os gregos como Sócrates, Platão e tutti quanti, significava travar um
diálogo silencioso consigo mesmo. Resultado: desumanizam-se, tendo perdido
totalmente a capacidade de fazer julgamento moral, de distinguir entre o bem e
o mal, tornando-se nada mais que uma peça dispensável no enorme maquinismo do
sistema totalitário cujo espectro adeja sobre todas as nações debaixo do sol.
No final das contas, somente quem tem uma vida
interior verdadeira pode ter uma vida do espírito ou do pensar, aliás, isso
chega até a ser uma redundância porque uma vida interior é uma vida do espírito
ou do pensar e vice-versa, cujo grau
mais alto dessa vida contemplativa é a oração que surge espontaneamente da
interioridade da alma humana em busca da sua autoconsciência e não um monte de
ladainhas que não passam de “seca olaia do seco cantor da Primavera” como diria
Eça de Queirós. E isso corrobora o que foi dito por Sto Agostinho quando diz
que Deus habita na interioridade da alma humana. É por isso que a medida do
homem que tem profundidade é sempre e em toda a parte a eternidade. Isso
esclarece para nós alguns pontos do diálogo Fédon que Sócrates vai travando com
seus discípulos acerca da morte e da imortalidade da alma depois de ter sido
condenado a beber a cicuta e quando ele diz o seguinte: “ninguém pode matar
Sócrates”. Aí estava o seu espelho, a sua medida que é a de todo homem que tem
profundidade, a saber, a eternidade da alma humana que somente almeja uma única
coisa, ser eterna no seu amado.
A inteligência começa com uma coisa chamada
busca da verdade, o indivíduo querer saber quid
es, o que é que as coisas são, mesmo que não saiba explicar isso para
ninguém. Mas acontece que cá, por estas bandas, os intelectualóides não querem
isso, eles querem sim aparecer em tudo quanto é televisão, jornal, rádio
pontificando acerca de coisas que não estudaram e isso não é exercer apostolado
na ciência, isso é charlatanice. E, se essas pessoas não tem honestidade
intelectual para dizer que não sabem o que não sabem e dizer que sabem o que
sabem como é que elas vão buscar a verdade, uma vez que a busca da verdade pressupõe
a sinceridade de facto, você querer saber a verdade acima de qualquer outro
interesse que você tenha mesmo que isso seja contrário a tudo quanto você
acreditou em toda sua porca vida.
Quantos em Moçambique têm isso? Se calhar eu
mais uns dois ou três indivíduos porque o resto ou só pensa com a cabeça do
partido, ou com a cabeça da sua igreja, ou com a cabeça do establishment universitário, do beautifull
people da midia, da intelligentsia universitária e assim por
diante e tertium non datur como
diziam os escolásticos. Ninguém quer a verdade mas todos fingem que são seu
senhor e possuidor e que são seu porte
parole. Quer dizer, é um jogo de cena que se ensinado, até o macaco faz.
Tudo isso acontece porque as pessoas querem dar boa impressão e nem conseguem
se dar conta de que o lambebotismo embaça a lente da inteligência e oxida todo
senso crítico de tal modo que o indivíduo chega a não distinguir entre uma
salsicha e um porco vivo. É o fim da inteligência e a apoteose de uma crise de
dimensão antropológica.
Na verdade, a mentira reiterada, longe de se
tornar em verdade como pretendia Joseph Goebells, o chefe de propaganda nazi,
ela se transmuta em neurose. Já dizia o psicólogo Juan César Muller que
“neurose é uma mentira esquecida na qual você ainda acredita” (sic). E o que
tem de neurótico neste país é uma grandeza, quer dizer, indivíduos que não
conseguem descrever o que os seus olhos estão vendo, suas impressões autênticas
como dizia Saul Bellow mas, falam tudo em termos de imaginação e de conjecturas
ao invés de ir estudar o assunto para posteriormente dar um parecer técnico,
sério, aprofundado sobre o assunto, ou seja, “dar um sentido mais puro as
palavras da tribo” como em Mallarmé. Aliás, a mera sugestão de ir estudar já
soa como uma ofensa ominosa, o escândalo dos escândalos, aos ouvidos do
moçambicano como escrevi outro dia num artigo em que eu dizia que o que o
moçambicano mais odeia é o conhecimento. Eles decoram duas, três fórmulas de
física ou química e pensam que isso é amor ao saber. Decoram duas, três páginas
de Marx, Deleuze, Althusser, Foucault, Chomsky e tutti quanti e acham que isso é amor ao conhecimento. Isso é o
supra-sumo da loucura, isso sim. Se bem que por detrás dessa loucura haja um
método como em Otelo de Shakespeare.
Meu Deus do céu, será que ninguém neste país
percebe o que lê?! Será que ninguém tem cultura literária suficiente para se
orientar no meio da confusão em torno? Tudo não passa de conversa de comadres,
uma disputatio entre o amém e o sim
senhor. Ora, quando você ama a sabedoria, você não se torna num decorador de
frases sábias, antes pelo contrário você se torna num sábio. É claro que você
começa como um filósofo, mas depois você acaba como um sábio que é a sabedoria
encarnada. Quando você ama a física, a química, etc., você não se torna num
decorador das fórmulas de física e de química, antes pelo contrário, você se
torna num físico ou num químico que é o mesmo que física e química encarnada. É
claro que, como disse Aristóteles, tudo começa com a aquisição das ideias dos
sábios mas a coisa não pára por aí, antes pelo contrário recordemos aquele
célebre verso de Camões que diz o seguinte: “Transforma-se o amado na coisa
amada” (sic). Mas, neste país, a finalidade última de ir a escola é conseguir
um diploma e não adquirir cultura e, é por isso que temos tantos diplomados
semi-analfabetos e outros tantos que são analfabetos funcionais, o famoso lumpen proletariat de Karl Marx para
manter acesa a chama da revolução, que por sinal é eterna como dizia Proudhon
e, lerdo como só eu, somente agora entendi porquê é que “a luta continua”.
Voltando ao livro do professor Ronguane,
diga-se em abono da verdade que não é preciso ser um Giovani Reale, um Eric
Weil, um Paul Friedlander para ver que Sócrates e Mandela não se tratam de
espécies do mesmo género. Curiosamente, a diferença entre esses dois
personagens está dada na 12a tese de Marx contra Feuerbach. Nessa
tese, Marx diz que os filósofos trataram de compreender a realidade e que eles
iriam transformá-la. Quem são esses que querem transformar a realidade? A
resposta não tarda: os revolucionários. Qualquer um que tenha lido Eric
Voeglin, Hannah Arendt, Olavo de Carvalho e tutti
quanti sabe disso.
Sócrates era um homem de estudos. Um homem que
somente queria compreender as coisas para encontrar o que, no século XX, o
psicólogo Viktor Frankl chamou de sentido da vida. São de Sócrates as palavras:
“uma vida sem ser examinada não merece a pena ser vivida” (sic). Mandela nunca
teve essa preocupação. Mandela era um revolucionário tout court. Ora, o que significa ser um revolucionário? Significa ser
um indivíduo cuja única missão e meta de vida é concentrar poder nas mãos do
partido em nome de um futuro hipotético que ele nunca irá realizar mas que
serve de véu para ocultar seu esquema de poder, um discurso pré-textual para
contentar a massa de militantes ou de idiotas úteis como bem apropriadamente dizia
Lenine. Por outras palavras, o esquema revolucionário é um amontoado de engodo puro
e simples do princípio ao fim o que é flagrantemente contraditório com a
condição de um filósofo, um indivíduo que ama e busca a sabedoria sem ambição
de poder.
Certa vez, Leonardo Da Vinci disse que “a
sabedoria é uma mercadoria que Deus vende aos homens mediante o pagamento de um
preço chamado esforço” (sic). Você pode encontrar esse trecho no livro la vie intelectuelle de A.D.
Sertillange. É evidente que Da Vinci não estava falando de esforço físico ou
mecânico até porque a sabedoria não é uma coisa física e o mecanicismo só viria
a ser criado mais tarde com o aparecimento de Newton. Esforço, aqui, é
ascetismo. É você subir da matéria para o espírito. E só há uma maneira de
fazer isso. Qual? Através de Cristo. Ele disse: “ninguém vem ao pai a não ser
através de mim”. Mas antes disso, ele disse que Deus é Espírito e disse também
que ele, Cristo, era a verdade. Ou seja, fazemos esse trajecto da subida da
matéria ao espírito através da verdade, aletheia,
pelo que não compreendo como é que um revolucionário mentiroso que só pensa em
acumular poder e mais poder seja elevado e equiparado a um filósofo da dimensão
de um Sócrates cujo mote de vida foi a permanente busca contemplativa da
verdade pura e simples sem nenhum desejo de poder. Isso é auto-contraditório
para dizer o mínimo e deve ser rejeitado in
limine.
Quem busca o poder não é nenhum filósofo. O filósofo
busca a sabedoria sem nenhuma pretensão de poder. Pelo contrário, sua pretensão
é alcançar a sabedoria cujo fim é uma vida santificada, separada para o ofício
da verdade como ensinavam os pitagóricos. A fábula do rei filósofo nada mais é
que isso mesmo, uma fábula. O primeiro filósofo que tentou encarná-la, estou
falando de Platão, acabou vendido como escravo, tendo sido comprado por um dos
seus discípulos. Portanto, sejamos realistas, longe de imperar na política os
filósofos, sábios e santos, nela imperam os loucos e os perversos como Nero,
Hitler, Estaline, Mussolini, Pol pot, Mao Dzedong et caterva. Quando um filósofo tenta se aventurar na política ele
se transforma no seu inverso, ou seja, ele deixa de ser um filósofo autêntico e
se torna num sofista, um pervertedor da juventude como aquele pessoal da Escola
de Frankfurt, Gyorgy Lukács, Theodoro Adorno, Herbert Marcuse e tutti quanti que eram até indivíduos muito bem treinados, altamente capazes de cumprir sua
tarefa mas que não passavam de vigaristas e loucos, gente perigosíssima, no
final das contas. Porquê? Porque queriam o poder acima de tudo, o poder pelo
poder e nessa ânsia de omnipotência e desejo de transcendência se tornaram no
abominável homem das neves de fazer inveja a seus antigos mestres, Maquiavel e
Marx que diante da monstruosidade desses seus discípulos assemelham-se a uma
vaga caricatura absolutamente inofensiva.
Em Moçambique, há mentes que pensam assim?
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