“Em Moçambique confunde-se educação com
diploma e confunde-se cultura com entretenimento”
No
pretérito mês de Abril, comentando um artigo que um amigo meu escreveu e
partilhou comigo no watsap, escrevi
que “em Moçambique confunde-se educação com diploma e confunde-se cultura com
entretenimento” e nada disso é hiperbólico.
Quando
estudamos a história da educação, principalmente onde ela teve seu maior
florescimento como no ensino do Vedanta na Índia, o instituto de Pitágoras, a academia
de Platão, o liceu de Aristóteles, não se dava diploma aos alunos mas sim
conhecimento. Havia nessas escolas como que uma espécie de iniciação (1) e, na
verdade, era uma iniciação ou seja a transmissão de alguma influência
espiritual ou intelectual, se quisermos, através dos vários graus que o aluno
ia percorrendo até alcançar o grau de teleiote
pitagórico que era o grau de perfeição ou maturidade.
Quando as várias áreas do saber se
profissionalizaram, ali a educação passou a ser “útil”, ou seja, passou a ter
um valor económico e começou a vendagem dos diplomas. Porém, assim como “o hábito
não faz o monge”, o diploma também não faz o doutor. Neste país, temos milhares
de pessoas com diplomas mas doutores (2), se calhar temos dois ou três.
O
que acontece no nosso país é que as pessoas não vão a escola porque querem
aprender mas porque querem um papel que lhes dê o direito de ter um emprego
melhor e um salário melhor. A prova de que as pessoas não querem o conhecimento
é a cábula, os subornos aos professores, as famosas gazetas as aulas, etc.
Quando
estive na sétima classe, a minha professora de geografia disse que a escola não
dava educação mas sim instrução. Porém, no fundo é a mesma coisa porque educação,
instrução e didactismo são termos que procedem da mesma raiz. O problema não é
que a escola apenas dá instrução. O problema é que a escola se tornou um meio
de formalizar a burrice das pessoas. Tenho visto muitas crianças já na sétima
classe que não sabem ler, o que era impensável na década de 70, 80 e 90. Mesmo
ao nível das universidades encontramos esse cenário. Quer dizer, hoje em dia, a
diferença entre ir a escola e não ir a escola é que antes de ir a escola você é
um analfabeto sem diploma mas depois de ir a escola você se torna um analfabeto
diplomado.
O
termo educação vem de ex ducere que
quer dizer conduzir para fora. Isso nos lembra o mito da caverna de Platão (cf.
A República). Aquele prisioneiro que conseguiu escapar da caverna e foi para
fora e viu a realidade, percebeu a realidade. Assim, somente ele pode voltar
para contar isso aos outros que ainda estão presos na caverna admirando as
sombras, o espectáculo das aparências. O problema em Moçambique é que todos os
professores estão acorrentados na caverna com a excepção de dois ou três.
Agora,
voltar a caverna para alertar os outros não é uma missão fácil. Isso pode
custar a vida de quem tão ousadamente tentar fazê-lo tal como aconteceu com Sócrates.
A prova disso é que temos professores, engenheiros, doutores, etc., que não dominam
a gramática da língua oficial. Falam mal e escrevem mal. Você não os pode
criticar que eles ficam chateados e tratam de armar-lhe a cama de gato. Porquê?
Porque querem permanecer na caverna.
Para
o moçambicano, ter um emprego, beber uma cerveja e comer carne de porco todos
os sábados, ocupar cargo de chefia, ter um diploma, dá mais prestígio do que
ter conhecimento. Há aquela famosa querela que diz: “conhecimento não enche
barriga”. As pessoas dizem isso porque tem aquele espírito utilitário do tipo
humano mais baixo na escala psicológica e espiritual pelo que pensam com seus
estômagos. Para eles tudo tem que ter valor económico. Tudo tem que ser um meio
através do qual eu vou conseguir este ou aquele fim. O que acontece, porém é
que o conhecimento não é para você fazer algo com ele mas é para ele fazer algo
consigo.
As
pessoas precisam compreender de uma vez por todas aquela frase de Cristo: “a
vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui”. Portanto,
a vida não é economia. A vida é conhecimento mas não qualquer conhecimento mas
sim o conhecimento da vontade, da inteligência e do amor do Ser Supremo. Porém,
se você não conhece nem sequer a lógica de Aristóteles como é que você quer
conhecer o que está acima disso?
O
termo cultura tem suscitado muita confusão, razão pela qual ele tem sido
confundido com entretenimento. Há uma cultura popular mas há também uma alta
cultura, o que deixa claro que a cultura popular é uma baixa cultura. A música
popular moçambicana, a marrabenta, pandza, etc., faz parte da cultura popular.
Infelizmente, no que diz respeito a alta cultura musical não temos nenhum
representante em Moçambique.
De
um modo geral, a cultura tem sido definida como os hábitos e costumes de um
povo, porém essa cultura é apenas uma cultura popular. A cultura superior ou
alta cultura não pode ser isso. Roger Scruton definiu a alta cultura como a
literatura, a poesia e a erudição filosófica. Ou seja, alta cultura tem a ver
com o intelecto e não com o despertar das sensações corporais. Portanto, a
baixa cultura, que é a cultura popular, tem a ver com o nosso corpo: comida,
bebida, vestimenta, habitação, sexo, etc. A alta cultura tem a ver com o
intelecto: literatura, filosofia, música clássica, etc.
Em
Moçambique precisamos de uma verdadeira edução e de uma verdadeira cultura. Para
termos uma verdadeira educação, aqueles que conduzem os outros, i.e., os
educadores devem conhecer bem o caminho pelo qual vão conduzir os outros e o
caminho se refere aqui não apenas ao método mas também e mormente a verdade que
é o fim de toda educação. Uma educação que se preocupa apenas em transmitir uma
profissão não é educação. É um arremedo. A verdadeira educação tem como fim a
verdade.
Não
podemos distinguir a educação da cultura porque a educação e a cultura são uma e
mesma coisa. O.de.Carvalho diz que “cultura é um sistema de valores em torno do
qual um povo constrói seu imaginário colectivo”. Ora, esses valores são transmitidos
pela educação, quer aquela educação tradicional através de símbolos e mitos
transmitidos pela palavra falada de geração para geração quer a educação
moderna através da palavra escrita.
Então,
a educação tem como finalidade tirar o homem da caverna e conduzi-lo a contemplação
do mundo real. Por outras palavras, a educação tem como finalidade fazer com
que o homem deixe de ser um amante do espectáculo das aparências para ser um
amante do espectáculo da verdade. É por isso que dissemos que o fim da educação
é a verdade embora os cépticos e agnósticos digam que não há verdade. Porém,
como tivemos ocasião de demonstrar em vários artigos postados neste blog eles estão errados. Enquanto isso,
a cultura tem como finalidade servir de base para a civilização tal como o
provaram Toynbee e Spengler e não há civilização sem filosofia, moral
tradicional e direito.
De
modo que fica evidente para todos nós que nenhum diploma pode dar a verdade a
quem quer que seja. Somente pode chegar a verdade o homem que não cauterizou a
sua própria inteligência porque inteligência é essa faculdade que nos permite distinguir
a substância dos seus acidentes. O mesmo se aplica ao entretenimento que se
chama cultura em Moçambique, o qual não tem nada a ver com transmissão de
valores.
Notas:
(1)
As várias
classes ou anos escolares correspondem aos diversos graus de iniciação das
antigas tradições. Porém, essa correspondência não é exacta, ela é apenas analógica
somente no seu aspecto exotérico mas no seu aspecto esotérico ela não tem nada
que se lhe assemelhe.
(2)
O termo doutor
vem de douto que se refere a aquele
que sabe, que tem conhecimento. Infelizmente, hoje em dia, nessa nossa “era de confusão”
como dizia Guenón, o termo doutor se refere a aquele que tirou o diploma de
curso superior mesmo que seja o indivíduo mais burro e presunçoso do planeta.
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