Ora, sendo assim, o julgamento dos meios que se usam em política nos leva para fora do realismo político... Assim, julgar Dhlakama pelos meios que ele usou para conseguir seus objectivos políticos é estar fora da realidade política.
Quando se fala de Afonso Dhlakama, a primeira coisa
que aparece na cabeça de qualquer um é a guerra dos 16 anos. Tomando esse
capítulo da nossa história como ponto arquimédico para reflexão, a Frelimo olha
para Dhlakama como alguém que desestabilizou o país, como lacaio dos regimes minoritários do apartheid e da Rodhesia.
Enquanto isso, os partidários da Renamo não olham
para Dhlakama como um homem que desestabilizou o país numa guerra de quase duas
décadas mas como um homem que forçou a mudança do sistema político do país de
um sistema comunista para um sistema democrático.
Por outras palavras, temos aqui uma síntese e uma
antítese e portanto, o cenário para a discussão dialéctica está montado.
Maquiavel no “Príncipe” diz que o fim justifica os
meios. Portanto, o filósofo italiano apregoa, aqui, a neutralidade moral dos
meios. Por outras palavras, em política não há meios morais nem imorais mas
apenas meios. E, por mais incrível que pareça Maquiavel está montado na razão
porque somente o sujeito, neste caso, o homem, pode ser moral ou imoral e não
os meios que ele usa para lograr seus intentos.
Agora, todo cientista político, com a excepção de um
ou dois, olha para Maquiavel como o pai do realismo político. Ora, sendo assim,
o julgamento dos meios que se usam em política nos leva para fora do realismo político
e acabamos caindo no idealismo político. Assim, julgar Dhlakama pelos meios que
ele usou para conseguir seus objectivos políticos é estar fora da realidade
política.
Há analistas que procuram estabelecer a dicotomia
entre política e guerra, ou entre um político e um militar. Porém, acontece que
essa dicotomia não existe. Já dizia o estratega militar prussiano Clausewitz
que “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Por outras
palavras, guerra é política feita com recurso a violência e não com recurso a
palavra falada.
Podemos também entender as declarações dos
partidários da Frelimo do ponto de vista da ideologia em torno da qual este
partido constrói seu imaginário colectivo. Essa ideologia é o comunismo
marxista-leninista. Pertence a Lenine a seguinte frase: “acusem-nos dos crimes
que nós cometemos e insulte-nos do que nós mesmos somos”. Essa rotulação
inversa do comunismo é seguida com devoção religiosa até hoje. Quando um
comunista diz que você é um assassino, ele está querendo dizer que ele é um
assassino ou está planeando cometer um assassinato. Portanto, quando os
partidários da Frelimo dizem que Dhlakama desestabilizou o país, eles querem
dizer que eles é que desestabilizaram o país. Aliás, qualquer guerra sempre tem
dois lados.
Podemos também olhar para Dhlakama do ponto de vista
dos objectivos que ele queria atingir ou que atingiu com seu movimento de
guerrilha e fazer assim uma análise teleológica ou seja, uma análise do fim
buscado ou alcançado. Se o fim justifica os meios e o fim desejado foi obtido, então,
do ponto de vista do realismo político, o meio usado está justificado.
Agora, podemos, se quisermos, levar a questão para o
lado moral da coisa e discutir se o meio usado foi bom ou mau. Contudo, ao
fazer isso, saímos do campo da política e entramos no campo da axiologia, da
ética e mais propriamente no campo da moral. Porém, qual é a moral que é válida
na política? A moral militar, a económica ou a religiosa?
Se calhar, a pessoa que deu a melhor resposta para
essa questão foi o filósofo alemão F.Nietzsche (cf. Anticristo) que escreveu
que, na política, somente é bom aquilo que ajuda a aumentar o poder ou a sensação
de poder e que é mau aquilo que tem o efeito contrário.
B.Russel disse que a política tem como objectivo
final o poder. Ele estava montado na razão. O.d.Carvalho define poder como
“possibilidade concreta de acção”. Ora, ninguém pode negar que com a guerra dos
16 anos, a possibilidade concreta de acção da Renamo aumentou bastante. Uma
possibilidade concreta é aquela que aglutina todos os aspectos dessa
possibilidade. Se no princípio a Renamo somente tinha uma possibilidade
militar, ela acabou adicionando a essa possibilidade outras como a
possibilidade económica e cultural.
Dhlakama é alguém que divide opiniões. Porém,
opinião é exactamente isso, uma opinião. Portanto, ela está abaixo da certeza.
Geralmente, as pessoas que reprovam as acções do Dhlakama fazem isso por
motivos passionais. Por outras palavras, “a Renamo matou um familiar meu, ou
destruiu minhas propriedades. Portanto, não gosto do Dhlakama”. Ninguém é
obrigado a gostar do Dhlakama. Porém, quando você diz que gosta ou que não
gosta você não está tomando conhecimento do objecto que está diante de si, você
está apenas entrando dentro de si e projectando naquele objecto aquilo que você
está sentindo. Portanto, a imagem que você tem daquele objecto não corresponde
a imagem objectiva daquele objecto mas a sua imagem subjectiva.
Não é correcto julgar e condenar alguém por aquilo
que nós sentimos a respeito dele mas por aquilo que aquela pessoa fez e nenhum
ser humano faz apenas o mal ou apenas o bem. Se fizéssemos apenas o mal, então,
seriamos o mal metafísico, seriamos o próprio diabo. E se fizéssemos apenas o
bem seriamos o bem metafísico, seriamos o próprio Deus. O ser humano, tomado existencialmente,
enfrenta oposição do bem e do mal no seu ser.
Agora, há um aproveitamento político nisso tudo que
procura apenas ressaltar a guerra que Dhlakama liderou e escamotear a ordem que
emergiu do caos da guerra. É preciso saber distinguir o que é um facto do que é
apenas propaganda político-partidária. Um facto é aquilo que aconteceu enquanto
propaganda é aquilo que o partido quer que as pessoas pensem que aconteceu. Um
exemplo é o que tem sido imposto pela elite globalista de que temos que aceitar
como mulher um homem que mudou de sexo e que se veste de mulher. Porém, isso é
apenas propaganda porque aquele homem continua sendo homem porque isso está na
sua base genética e não há como mudar isso mesmo mudando o sexo, a vestimenta,
etc.
Isso não significa que temos duas histórias do
Dhlakama. De modo nenhum. Temos apenas uma história. Porém, temos várias interpretações
ou pelo menos duas interpretações dessa mesma história. Podemos até falar de
duas ou mais narrativas dessa mesma história. Então, a disputa aqui é de interpretações
que se fazem ao sabor dos interesses de uma e de outra parte. Isso, contudo,
não significa que todas as interpretações são válidas. Isso seria cair no
relativismo e negar, assim, a existência de um fundo de realidade sobre o qual
apoiamos essas interpretações.
Cientificamente, para sabermos que uma interpretação
é válida ou não, temos que fazer duas coisas. Primeiro: temos que verificar a consistência
lógica interna dessa interpretação. Segundo: temos que confrontar essa interpretação
com a realidade. Porém, como a discussão sobre a guerra dos 16 anos é feita
apenas no nível das emoções, não há aqui nenhuma honestidade intelectual e uma
vez que não é possível resolver essa questão no campo do mero debate filosófico
ou no campo da análise científica tudo o que resta é cada um exprimir as suas emoções
mais baixas pensando que está a fazer a análise mais objectiva do mundo, quando
as condições para tal nem ao menos estão criadas.
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