sábado, 8 de outubro de 2016

“Não volto a escrever. Basta!”

ESCRITO POR | Xadreque Sousa | shathreksousa@gmail.com
Paulina Chiziane disse adeus a escrita. Neste artigo, comento algumas declarações da escritora ao jornal “o país” no âmbito da sua despedida do mundo da literatura.
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Resumo: O que as pessoas dizem ou fazem pouco importa porque isso só afecta a parte externa do nosso ser, mas não o seu fundamento. Se o acto de escrever é também um acto político, eu digo que depende. Depende se você está escrevendo tendo como objectivo tomar e conservar o poder ou não. O papel do escritor é aquilo que disse Saul Bellow expressar impressões autênticas porque no dia em que você se deixar enredar pelo cliché, estará tudo acabado. 

MEUS COMENTÁRIOS EM ITÁLICO
Está a querer dizer que a crítica moçambicana não a compreende?
A raça e o sexo determina o estatuto de quem faz o que quer que seja. Sou mulher e sou preta, então, tudo que faço tem que ter erros. Se não tiver, arranjam. E eu, teimosa que sou, digo-lhes que a minha escrita não tem erro nenhum. E a minha opção vingou porque consegui trazer uma reflexão sobre determinados aspectos culturais que antes nunca tinham sido tocados. Os meus temas exigem coragem, trabalho e pesquisa, sem que ninguém me suporte financeiramente.
Chiziane diz que “a raça e o sexo determinam o estatuto de quem faz o que quer que seja”. Isso tem que ser escavado um pouco mais. Existem aspectos psicofísicos da nossa personalidade que nos são dados como por exemplo, a raça e o sexo, mas nós não podemos fazer a nossa vida somente com isso. Há uma série de escolhas, de decisões que temos que tomar que é o que, em última instância vai determinar o que seremos. Portanto, independentemente da nossa raça ou sexo, nós é que escolhemos o que vamos ser.
Agora, o que as pessoas dizem ou fazem pouco importa porque isso só afecta a parte externa do nosso ser, mas não o seu fundamento. Este continua intacto. Então, se um indivíduo se importa muito com o que as pessoas vão dizer dele é porque ele não tem vida interior porque se ele tivesse uma identidade espiritual bem definida não se deixaria abalar com isso, muito pelo contrário, se fortaleceria como disse Sun Tsu e depois corroborado por S. Paulo, o Apóstolo: “quando estou fraco, estou forte”.
As pessoas nunca vão parar de falar….Mas quando você começa a se importar muito com isso, quando você começa a pensar que isso que as pessoas dizem é que é a realidade você vai começar a querer se parecer mais com os seus detractores, aí você começa a viver de plágio como dizia Óscar Wilde e quando você faz isso, você está cultuando o mundo. É claro que esse culto do mundo é algo demoníaco por isso você começa a viver se acusando, se remordendo até a autodestruição etc.
Agrada-lhe a ideia de a sua escrita contribuir para denunciar as mazelas de Moçambique independente através das metáforas nela instaurada?
O meu objectivo maior não é apontar as mazelas. Não gosto de política, raras vezes faço pronunciamentos políticos, mas, o acto de escrever é também um acto político. A partir do momento em que descrevemos determinada realidade, pode ser que quem governe também acorde. É mais ou menos nesses termos que faço meu trabalho. Por exemplo, o meu recente livro, “Ngoma Yethu”, incomoda a todo o mundo, mas não digo nada de especial naquela obra. Quer dizer, digo.
Se o acto de escrever é também um acto político, eu digo que depende, se você está escrevendo tendo como objectivo a tomada do poder ou a manutenção do poder, aí sim, esse acto de escrever é, na sua essência, um acto político, porque como disse Bertrand Russel, a política tem a ver com poder.
Muitas vezes nós falamos de religião, mas não sabemos o que é. De um modo geral, a religião é o culto de preservação da vida humana, enquanto dualidade indivisível.
A palavra religião vem do latim “religare” que traduzido para portugês é religar, re-conectar e, em nenhum momento, significa culto. Agora, o culto é apenas um dos aspectos da religião, quiçá a sua parte mais fenoménica juntamente com as atitudes éticas as quais por definição se diferenciam das atitudes morais por se apoiarem em bases universais e eternas, mas isso é somente um pedacinho da coisa e não a sua esseidade. Agora, o culto não é feito para preservar a vida como pretende Chiziane, mas sim para preservar o mito. É aqui que reside seu carácter sagrado, no mito. Uma religião sem um mito fundador que a funde, dê seu fundamento mais profundo é uma não-religião, é uma irreligião. Agora, se isso vai, no final das contas, preservar ou não a vida humana é uma outra coisa porque, para começar, as religiões não são espécies do mesmo género.  
Então, quando falamos de religião, referimo-nos a dois aspectos: corpo e alma. Mas o que visualizamos no nosso país? Um tipo a abrir uma igreja numa garagem, a recolher o dízimo e a ir-se embora, deixando as pessoas mais pobres do que são. Essa é uma das chamadas de atenção que faço através da literatura.
Essa é uma visão muito pueril da religião. Leia “The Transcendental Unity of Religions” de Fritjof Schuon, a maior autoridade em estudo de religiões comparadas do seculo XX e você vai ver que os dois aspectos da religião não são corpo e alma, mas sim, um aspecto esotérico e outro exotérico. O aspecto exotérico é a forma da religião acessível as massas, aos catecúmenos, mas o aspecto esotérico, que é o aspecto interno da religião, as suas práticas espirituais, somente é acessível aos que fazem parte do ciclo interno daquela religião.
Agora, é claro que, faça você parte do ciclo esotérico ou exotérico da sua religião, você precisa estar, o mais inteiro que você possa. Quer dizer, não é somente o seu corpo que deve estar aí, ou apenas o seu corpo e a sua alma, mas também e mormente o seu espírito porque lembre-se do que disse Sto. Agostinho: “Deus habita na interioridade da alma humana”, quer dizer, no seu espirito ou intelecto.
Agora, abrir uma igreja numa garagem não é problema nenhum. Os primeiros cristãos, insultuosamente chamados de primitivos, celebravam cultos até mesmo nos cemitérios. Esse não é o problema. Recolher dízimos e ir embora também não é o problema. Os primeiros cristãos, eram cristãos itinerantes e faziam contribuições monetárias. Agora, dizer que as igrejas estão deixando as pessoas mais pobres é fazer uma acusação caluniosa e insultuosa muito grave que Chiziane não pode provar. É normal, em qualquer parte do mundo, as pessoas contribuírem para a causa em que elas acreditam e alguns chegam a dar sua própria vida. Quer dizer, contribuir para um partido político, não é problema nenhum. Contribuir para a associação dos homossexuais, etc., não é problema nenhum. Mas você contribuir para a sua igreja, não, não pode porque você vai ficar mais pobre.
Veja, quantas pessoas foram empobrecidas pela igreja? A igreja inventou os hospitais, inventou as universidades, inventou a educação pública, inventou a assistência as mães, etc., e ainda vem alguém dizer que a igreja está empobrecendo as pessoas. Por via desse raciocínio, Cuba, Coreia do Norte e os demais países anti-igreja deveriam ser países ricos mas são países pobres e curiosamente os EUA e os países da Europa Ocidental onde a igreja sempre teve uma presença massiça desmentem in limine a tese da Sra. Chiziane.
É da opinião que as religiões ou igrejas, se quisermos, colonizam as pessoas?
Não digo sim nem não. Mas contra factos não há argumentos. A evasão colonial foi feita com uma espada e com a bíblia. Ontem foi assim, por que é que hoje seria diferente?
A Chiziane é contra a influência da igreja e nem se dá conta de que a expressão “contra factos não há argumentos” que ela usa é uma expressão de Sto. Tomás de Aquino. Por isso, contra factos não há argumentos digo eu porque Paulina confunde evangelização com colonização. Ora, os povos do oriente médio e da África do norte foram os primeiros a pregar o evangelho pelo mundo muito antes do europeu chegar na África e os africanos já tinham contacto com a bíblia muito antes da Conferência de Berlim que é quando começa a colonização. O facto do processo colonizatório se ter seguido ao processo evangelizatório, disso não sucede que haja entre eles uma relação determinística de causa-efeito. Aliás, arrogar-se a essa pretensão é cometer falácia de post-hoc porque não existe nada no evangelho que diga que os cristãos têm a obrigação sagrada de colonizar, escravizar, oprimir, etc., até porque para isso você teria que ter controlo sobre aquilo que Althusser chama de aparelho ideológio e aparelho opressor do Estado e como o cristianismo não é um projecto de dominação política, ele nunca terá o controlo do Estado. Já dizia Cristo: “o meu Reino não é deste mundo” (S. João 18:36). Portanto, imputar a culpa da colonização a Bíblia e não aos interesses económicos, políticos e sociais das potências europeias já é em sim uma acusão demoníaca só para dizer o mínimo.
Jesus Cristo diz: conheça a tua verdade e a verdade te libertará. Mas as religiões, sobretudo as que aparecem nos últimos tempos, dizem: ignoraram a tua verdade e siga-me, que te vou dar a chave do paraíso. Logo à partida existe uma contradição entre o que Cristo diz e aqueles que se dizem cristãos.
Agora, Chiziane atribui a Cristo coisas que ele não disse e que nunca poderia ter dito. Jesus não disse: “conhecerás a tua verdade”, até porque isso daria a impressão de que há muitas verdades e que cada indivíduo, cada povo, cada tribo, etc., tem a sua verdade e isso não apenas implicaria cair no relativismo mas também implicaria entrar em contradição com o que Cristo disse numa outra ocasião, quando ele disse: “eu sou…a verdade…” (S. Joao 14:6). O que Cristo disse foi o seguinte: “…se permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sóis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (S. João 8:31,32). Se a Chiziane tivesse lido o versículo 34, do capítulo VIII do Evangelho segundo S. João teria percebido que Jesus não estava falando de qualquer liberdade mas exclusivamente da liberdade do poder do pecado que é a raíz-causa de todo mal que aflige o ser humano.
 Chiziane pretende que há uma contradição entre o que Cristo diz e “aqueles que se dizem cristãos”. Todavia, sendo aqueles que se dizem cristãos, o corpo místico de Cristo e estando unidos com Cristo por um mesmo Espírito Santo pelo baptismo, já é uma impossibilidade pura e simples dizer que há contradição entre Cristo e aqueles que se dizem Cristãos porque, neste caso, ou Cristo não é Cristo, ou aqueles que se dizem cristãos não são cristãos.
Agora, quando os cristãos dizem que tem as chaves do paraíso, eles não estão contradizendo Cristo. Se Cristo tem as chaves do paraíso, os cristãos também as tem porque eles são o seu corpo, eles e Cristo são um só. Foi Cristo que disse a São Pedro, o Apóstolo: “dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (S. Matheus 16:19). Você não encontra isso em nenhuma outra religião, seguindo-se daqui que não se trata de nenhuma arrogância os cristãos se gabarem de que tem as chaves do paraíso pelo simples facto de que eles as têm.

Porquê investir em personagens problemáticas, quase sempre em situação de desvantagem em relação aos factos?
A escrita é este lugar da negociação da identidade. Penso que é preciso dar voz às personagens enfraquecidas para que o leitor desperte para à realidade da sua existência e reflicta sobre a sua condição.
Isso que Chiziane está dizendo, em substância, é transformar a escrita num instrumento de luta política porque a tal negociação da identidade, na medida que em visa dar ou ampliar a possibilidade de acção das personagens enfraquecidas faz disso uma luta política sim. Isso até pode ser útil para criar um mínimo de equilíbrio necessário nessa alegada negociação da identidade, mas ao fazer isso, nesse momento isso já não é mais literatura, mas sim o seu inverso.
É certo que não podemos dissociar a literatura da política como dizia o poeta Hugo Von Hofmannsthal ao referir que nada está na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura. Mas em que momento se dá esse casamento entre politica e literatura, a-priori no acto mesmo da escrita ou a-posteriori na mente do leitor ao deixar aquele escrito afectar sua imaginaçãoÉ sempre no acto da interpretação do escrito e nunca antes. Portanto, um escritor não é ser o indivíduo que apenas escreve ou apenas que conhece a tradição literária, mas é, sobretudo, ser o indivíduo que consegue expressar suas impressões autênticas como dizia Saul Bellow porque no dia em que você se deixar enredar pelo cliché, estará tudo acabado.

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