ESCRITO POR | Xadreque Sousa | shathreksousa@gmail.com
Paulina
Chiziane disse adeus a escrita. Neste artigo, comento algumas declarações da escritora
ao jornal “o país” no âmbito da sua despedida do mundo da literatura.
Resumo: O que as pessoas dizem ou fazem pouco importa porque isso só afecta
a parte externa do nosso ser, mas não o seu fundamento. Se o acto de escrever é
também um acto político, eu digo que depende. Depende se você está escrevendo
tendo como objectivo tomar e conservar o poder ou não. O papel do escritor é aquilo que disse Saul Bellow expressar impressões autênticas
porque no dia em que você se deixar enredar pelo cliché, estará tudo acabado.
MEUS COMENTÁRIOS EM ITÁLICO
Está a querer dizer que a crítica
moçambicana não a compreende?
A raça e o sexo determina o estatuto de
quem faz o que quer que seja. Sou mulher e sou preta, então, tudo que faço tem
que ter erros. Se não tiver, arranjam. E eu, teimosa que sou, digo-lhes que a
minha escrita não tem erro nenhum. E a minha opção vingou porque consegui
trazer uma reflexão sobre determinados aspectos culturais que antes nunca
tinham sido tocados. Os meus temas exigem coragem, trabalho e pesquisa, sem que
ninguém me suporte financeiramente.
Chiziane diz que “a raça e o sexo determinam
o estatuto de quem faz o que quer que seja”. Isso tem que ser escavado um pouco
mais. Existem aspectos psicofísicos da nossa personalidade que nos são dados
como por exemplo, a raça e o sexo, mas nós não podemos fazer a nossa vida
somente com isso. Há uma série de escolhas, de decisões que temos que tomar que
é o que, em última instância vai determinar o que seremos. Portanto, independentemente
da nossa raça ou sexo, nós é que escolhemos o que vamos ser.
Agora, o que as pessoas dizem ou fazem pouco
importa porque isso só afecta a parte externa do nosso ser, mas não o seu
fundamento. Este continua intacto. Então, se um indivíduo se importa muito com
o que as pessoas vão dizer dele é porque ele não tem vida interior porque se
ele tivesse uma identidade espiritual bem definida não se deixaria abalar com
isso, muito pelo contrário, se fortaleceria como disse Sun Tsu e depois
corroborado por S. Paulo, o Apóstolo: “quando estou fraco, estou forte”.
As pessoas nunca vão parar de falar….Mas
quando você começa a se importar muito com isso, quando você começa a pensar
que isso que as pessoas dizem é que é a realidade você vai começar a querer se
parecer mais com os seus detractores, aí você começa a viver de plágio como
dizia Óscar Wilde e quando você faz isso, você está cultuando o mundo. É claro
que esse culto do mundo é algo demoníaco por isso você começa a viver se acusando,
se remordendo até a autodestruição etc.
Agrada-lhe a ideia de a sua escrita
contribuir para denunciar as mazelas de Moçambique independente através das
metáforas nela instaurada?
O meu objectivo maior não é apontar as
mazelas. Não gosto de política, raras vezes faço pronunciamentos políticos,
mas, o acto de escrever é também um acto político. A partir do momento em que
descrevemos determinada realidade, pode ser que quem governe também acorde. É
mais ou menos nesses termos que faço meu trabalho. Por exemplo, o meu recente
livro, “Ngoma Yethu”, incomoda a todo o mundo, mas não digo nada de especial
naquela obra. Quer dizer, digo.
Se o acto de escrever é também um acto
político, eu digo que depende, se você está escrevendo tendo como objectivo a
tomada do poder ou a manutenção do poder, aí sim, esse acto de escrever é, na
sua essência, um acto político, porque como disse Bertrand Russel, a política
tem a ver com poder.
Muitas vezes nós falamos de religião,
mas não sabemos o que é. De um modo geral, a religião é o culto de preservação
da vida humana, enquanto dualidade indivisível.
A palavra religião vem do latim “religare”
que traduzido para portugês é religar, re-conectar e, em nenhum momento,
significa culto. Agora, o culto é apenas um dos aspectos da religião, quiçá a
sua parte mais fenoménica juntamente com as atitudes éticas as quais por definição
se diferenciam das atitudes morais por se apoiarem em bases universais e
eternas, mas isso é somente um pedacinho da coisa e não a sua esseidade. Agora,
o culto não é feito para preservar a vida como pretende Chiziane, mas sim para
preservar o mito. É aqui que reside seu carácter sagrado, no mito. Uma religião
sem um mito fundador que a funde, dê seu fundamento mais profundo é uma
não-religião, é uma irreligião. Agora, se isso vai, no final das contas,
preservar ou não a vida humana é uma outra coisa porque, para começar, as
religiões não são espécies do mesmo género.
Então, quando falamos de religião,
referimo-nos a dois aspectos: corpo e alma. Mas o que visualizamos no nosso
país? Um tipo a abrir uma igreja numa garagem, a recolher o dízimo e a ir-se
embora, deixando as pessoas mais pobres do que são. Essa é uma das chamadas de
atenção que faço através da literatura.
Essa é uma visão muito pueril da religião.
Leia “The Transcendental Unity of Religions” de Fritjof Schuon, a maior
autoridade em estudo de religiões comparadas do seculo XX e você vai ver que os
dois aspectos da religião não são corpo e alma, mas sim, um aspecto esotérico e outro exotérico. O aspecto exotérico é a forma da religião acessível as massas, aos catecúmenos,
mas o aspecto esotérico, que é o aspecto interno da religião, as suas práticas
espirituais, somente é acessível aos que fazem parte do ciclo interno daquela religião.
Agora, é claro que, faça você parte do
ciclo esotérico ou exotérico da sua religião, você precisa estar, o mais
inteiro que você possa. Quer dizer, não é somente o seu corpo que deve estar aí,
ou apenas o seu corpo e a sua alma, mas também e mormente o seu espírito porque
lembre-se do que disse Sto. Agostinho: “Deus habita na interioridade da alma
humana”, quer dizer, no seu espirito ou intelecto.
Agora, abrir uma igreja numa garagem não
é problema nenhum. Os primeiros cristãos, insultuosamente chamados de
primitivos, celebravam cultos até mesmo nos cemitérios. Esse não é o problema.
Recolher dízimos e ir embora também não é o problema. Os primeiros cristãos,
eram cristãos itinerantes e faziam contribuições monetárias. Agora, dizer que
as igrejas estão deixando as pessoas mais pobres é fazer uma acusação caluniosa
e insultuosa muito grave que Chiziane não pode provar. É normal, em qualquer
parte do mundo, as pessoas contribuírem para a causa em que elas acreditam e
alguns chegam a dar sua própria vida. Quer dizer, contribuir para um partido político,
não é problema nenhum. Contribuir para a associação dos homossexuais, etc., não é problema nenhum. Mas você contribuir para a sua igreja,
não, não pode porque você vai ficar mais pobre.
Veja, quantas pessoas foram empobrecidas
pela igreja? A igreja inventou os hospitais, inventou as universidades, inventou
a educação pública, inventou a assistência as mães, etc., e ainda vem alguém
dizer que a igreja está empobrecendo as pessoas. Por via desse raciocínio, Cuba,
Coreia do Norte e os demais países anti-igreja deveriam ser países ricos mas
são países pobres e curiosamente os EUA e os países da Europa Ocidental onde a
igreja sempre teve uma presença massiça desmentem in limine a tese da Sra. Chiziane.
É da opinião que as religiões ou
igrejas, se quisermos, colonizam as pessoas?
Não digo sim nem não. Mas contra factos
não há argumentos. A evasão colonial foi feita com uma espada e com a bíblia.
Ontem foi assim, por que é que hoje seria diferente?
A Chiziane é contra a influência da igreja e nem se dá
conta de que a expressão “contra factos não há argumentos” que ela usa é uma
expressão de Sto. Tomás de Aquino. Por isso, contra factos não há argumentos
digo eu porque Paulina confunde evangelização com colonização. Ora, os povos do
oriente médio e da África do norte foram os primeiros a pregar o evangelho pelo
mundo muito antes do europeu chegar na África e os africanos já tinham contacto
com a bíblia muito antes da Conferência de Berlim que é quando começa a
colonização. O facto do processo colonizatório se ter seguido ao processo evangelizatório,
disso não sucede que haja entre eles uma relação determinística de
causa-efeito. Aliás, arrogar-se a essa pretensão é cometer falácia de post-hoc
porque não existe nada no evangelho que diga que os cristãos têm a obrigação
sagrada de colonizar, escravizar, oprimir, etc., até porque para isso você teria
que ter controlo sobre aquilo que Althusser chama de aparelho ideológio e
aparelho opressor do Estado e como o cristianismo não é um projecto de dominação
política, ele nunca terá o controlo do Estado. Já dizia Cristo: “o meu Reino
não é deste mundo” (S. João 18:36). Portanto, imputar a culpa da colonização a Bíblia
e não aos interesses económicos, políticos e sociais das potências europeias já
é em sim uma acusão demoníaca só para dizer o mínimo.
Jesus Cristo diz:
conheça a tua verdade e a verdade te libertará. Mas as religiões, sobretudo as
que aparecem nos últimos tempos, dizem: ignoraram a tua verdade e siga-me, que
te vou dar a chave do paraíso. Logo à partida existe uma contradição entre o
que Cristo diz e aqueles que se dizem cristãos.
Agora, Chiziane atribui a Cristo coisas que ele não
disse e que nunca poderia ter dito. Jesus não disse: “conhecerás a tua
verdade”, até porque isso daria a impressão de que há muitas verdades e que
cada indivíduo, cada povo, cada tribo, etc., tem a sua verdade e isso não
apenas implicaria cair no relativismo mas também implicaria entrar em
contradição com o que Cristo disse numa outra ocasião, quando ele disse: “eu sou…a
verdade…” (S. Joao 14:6). O que Cristo disse foi o seguinte: “…se permanecerdes na minha
palavra, verdadeiramente sóis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a
verdade vos libertará.” (S. João 8:31,32). Se a Chiziane tivesse lido o
versículo 34, do capítulo VIII do Evangelho segundo S. João teria percebido que
Jesus não estava falando de qualquer liberdade mas exclusivamente da liberdade do poder do pecado que é a raíz-causa de todo mal que aflige o ser humano.
Chiziane
pretende que há uma contradição entre o que Cristo diz e “aqueles que se dizem cristãos”. Todavia,
sendo aqueles que se dizem cristãos, o corpo místico de Cristo e estando unidos
com Cristo por um mesmo Espírito Santo pelo baptismo, já é uma impossibilidade
pura e simples dizer que há contradição entre Cristo e aqueles que se dizem Cristãos
porque, neste caso, ou Cristo não é Cristo, ou aqueles que se dizem cristãos
não são cristãos.
Agora, quando os cristãos dizem que tem as chaves do paraíso,
eles não estão contradizendo Cristo. Se Cristo tem as chaves do paraíso, os
cristãos também as tem porque eles são o seu corpo, eles e Cristo são um só.
Foi Cristo que disse a São Pedro, o Apóstolo: “dar-te-ei as chaves do reino dos
céus” (S. Matheus 16:19). Você não encontra isso em nenhuma outra religião,
seguindo-se daqui que não se trata de nenhuma arrogância os cristãos se gabarem
de que tem as chaves do paraíso pelo simples facto de que eles as têm.
Porquê investir em personagens
problemáticas, quase sempre em situação de desvantagem em relação aos factos?
A escrita é este lugar da negociação da
identidade. Penso que é preciso dar voz às personagens enfraquecidas para que o
leitor desperte para à realidade da sua existência e reflicta sobre a sua
condição.
Isso que Chiziane
está dizendo, em substância, é transformar a escrita num instrumento de luta política
porque a tal negociação da identidade, na medida que em visa dar ou ampliar a
possibilidade de acção das personagens enfraquecidas faz disso uma luta política
sim. Isso até pode ser útil para criar um mínimo de equilíbrio necessário nessa
alegada negociação da identidade, mas ao fazer isso, nesse momento isso já não
é mais literatura, mas sim o seu inverso.
É certo que
não podemos dissociar a literatura da política como dizia o poeta Hugo Von Hofmannsthal ao referir que nada está na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura. Mas em que momento se dá esse casamento entre politica e literatura, a-priori no acto mesmo da escrita ou a-posteriori na mente do leitor ao deixar aquele escrito afectar sua imaginação? É sempre no acto da interpretação do escrito e nunca antes. Portanto, um escritor não é ser o indivíduo que apenas escreve ou apenas que conhece a
tradição literária, mas é, sobretudo, ser o indivíduo que consegue expressar suas
impressões autênticas como dizia Saul Bellow porque no dia em que você se
deixar enredar pelo cliché, estará tudo acabado.
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