Fonte: jornaldomingo.co.mz
Se bem entendi, Ragendra quer nos fazer acreditar que se as pessoas que contraíram essa dívida tivessem informado a população que iriam contraí-la, a dívida seria mais palatável. Como se um estuprador informasse a sua vítima que iria estuprá-la, o acto do estupro se transformasse pelo poder mágico da informação numa maravilhosa noite de núpcias de causar inveja a Afrodite e a Eros, os deuses gregos do sexo. Ragendra pretende reduzir todo esse debate acerca da dívida num debate meramente económico que pode ser resolvido com duas ou três equações econométricas, olvidando o facto incontestável de que se trata de uma dívida ilegal.
Ragendra de Sousa, o actual vice-ministro da Indústria e Comércio disse numa palestra dirigida a estudantes da Universidade Técnica de Moçambique (UDM), em Maputo,sobre o estágio actual da economia moçambicana que “no que toca a actual crise da dívida que o país atravessa, a questão
mais grave foi o facto de o crédito ter sido contratado sem ser declarado, e
não propriamente o valor envolvido…”.
Se eu bem
entendi, Ragendra quer nos fazer acreditar que se as pessoas que contraíram essa
dívida tivessem informado a população que iriam contraí-la, a dívida seria mais
palatável e não haveria a contestação popular que está acontecendo. A questão que
eu me coloco é a seguinte: Que diferença faz se um estuprador informa ou não a
sua vítima que vai estupra-la? Porventura a eficiência do serviço de informação
do estuprador irá transformar o acto de estupro numa maravilhosa noite de núpcias
de causar inveja a Afrodite e Eros, os deuses gregos do sexo? O que interessa
aqui é objectivamente a acção praticada e não a subjectividade das intenções
dos autores da dívida.
O que o Sr. Vice-ministro
ignora é que as pessoas que contraíram essa dívida não quiseram dar ciência disso
ao país porque elas sabiam perfeitamente qual seria a reacção da população que
é exactamente essa que ela está exibindo agora. A questão da informação é
apenas um rótulo da embalagem, um pormenor que agora está sendo usado como um
manto de invisibilidade para tornar invisível o centro da questão que é a
ilegalidade da dívida e suas consequências nominais e reais na economia e no
bolso do cidadão comum.
Ragendra também disse que “… pelos cálculos por si feitos, é possível pagar toda a dívida pública com as receitas de exportação do gás da Bacia do Rovuma”.
Em primeiro
lugar, o vice-ministro diz que essa dívida é uma dívida pública? Que dívida
pública: interna ou externa? A
Lei n.º 9/2002, de 12 de Fevereiro, que cria o Sistema de Administração
Financeira do Estado (SISTAFE) - define a Dívida Pública Externa como “aquela que é contraída pelo Estado com
outros Estados, organismos internacionais ou outras entidades de direito
público ou privado, com residência ou domicílio fora do País, e cujo pagamento
é exigível fora do território nacional”. A mesma lei define a Dívida
Pública Interna como “aquela que é
contraída pelo Estado com entidades de direito público ou privado, com
residência ou domiciliadas no País, e cujo pagamento é exigível dentro do
território nacional.”
Vocês que são mais inteligentes do que eu e
que nunca cabularam nas provas, digam-me onde nessa lei do SISTAFE se pode
encaixar a dívida de que tanto se fala. Em lado nenhum. Logo, a hipótese científica
de que ela seja uma dívida pública é nula e deve ser rejeitada in limine.
Em segundo lugar, Ragendra diz que é possível
pagar toda a dívida com as receitas de exportação do gás da Bacia do Rovuma. O mundo
da possibilidade é um e o mundo da realidade, i.e., dos factos mesmos é outro. Há
um princípio básico da economia cuja paternalidade é erroneamente atribuída ao
economista Milton Friedemann, um dos poucos economistas que merecem todo o meu
respeito que é o seguinte: “Não há almoços grátis”. Pois bem, pegar nas
receitas do gás do Rovuma para pagar a dívida é uma alternativa mas será que
essa é a melhor alternativa? Ou seja, qual é o custo de oportunidade de fazer
isso?
Ragendra pretende reduzir todo esse debate
acerca da dívida num debate meramente económico que pode ser resolvido com recurso
a duas ou três equações econométricas, olvidando o facto incontestável de que
se trata de uma dívida ilegal.
Marx dizia que a sociedade é composta de uma
infra-estrutura que ele dizia que era a base económica ou material da sociedade
e de uma superestrutura que é a lei, a cultura, a ideologia, etc. Quer dizer, numa
disputa entre o aspecto jurídico e o aspecto económico de uma questão, é claro
que o aspecto jurídico prevalece sempre porque toda manifestação económica é
determinada pelo quadro legal do país sempre.
Se
quisermos ter a imagem total e completa do que está acontecendo temos que olhar
a coisa de todos os ângulos e não apenas do ângulo de que mais gostamos como se
se tratasse de uma disputa de reacções somáticas, sem, no entanto, perdermos o
senso de hierarquia enquanto princípio sagrado ordenador da própria estrutura
da realidade.
Escrito por Xadreque Sousa | E-mail:
shathreksousa@gmail.com
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