Se o saber tiver um centro, certamente
que esse não será a universidade e muito menos as universidades moçambicanas e
a profusão de génios fora das universidades é, disso, prova incontestável.
… a
unidade do saber grupal só pode ser alcançada por meio do consenso e isso nada
mais significa que fazer do saber matéria de votação e não a síntese cartesiana
do confronto do eu com o seu dilema existencial através do pensamento. É nesse
sentido que … me referi as universidades como centro de politização do saber e
não centro do saber em si.
“A universidade é o centro de produção
do saber”. Qual é o aluno das universidades que nunca ouviu tal coisa e eu
mesmo até repeti esse cacoete mental sem me dar a devida ocasião de reflectir
em torno do seu significado e da sua validade, quer pela análise da sua
consistência lógica interna, quer pelo confronto titânico com os factos da
realidade tais e quais eles se me apresentavam no dia-a-dia. Contudo, algo sempre
me inquietava, ou seja, como podia a universidade ser o centro de produção do
saber uma vez que a existência do saber pré-existe a existência da própria
universidade e por outro lado, como se explicava que, numa época em que
assiste-se a redução das universidades em centros de propaganda político-ideológica
e, na melhor das hipóteses, em centros de formação técnico-profissional que,
por definição é função natural dos institutos politécnicos e não das
universidades, continuasse a haver um florescimento vigoroso do saber em meio a
esse ambiente de decadência geral das universidades?
Dizer que a universidade é o centro do
saber, não significa somente tornar o saber extra-universitário num saber periférico
e portanto acidental ao invés de essencial, mas significa também, em última
instância, a politização do saber. Ou seja, as universidades passam a decidir o
que as pessoas devem saber, como elas devem adquirir o saber e para que fins.
Ora, isso não significa senão a ditadura da consciência colectiva sobre a liberdade
da consciência individual e ipso facto
uma camisa de força contra a liberdade de criação e contra uma verdadeira vida
de estudos porque instalou-se um ambiente tal em que o que importa não são mais
as convicções pessoais autênticas mas sim a repetição mecânica dos slogans e chavões colectivos que mais
não fazem senão falsificar a percepção directa ou autêntica da realidade.
Quando se pega num trabalho “científico”
produzido pelos alunos e até mesmo docentes de uma universidade moçambicana,
nota-se várias coisas. Em primeiro lugar, os trabalhos não passam de uma
revisão de literatura, sendo assim nada acrescentam ao debate já existente
porque a atmosfera geral das nossas universidades é contra a inteligência,
havendo espaço apenas para o desenvolvimento da capacidade operacional que é
coisa de ensino primário e que o aluno ao entrar para a universidade já devia
ter superado no ensino básico ou médio na pior das hipóteses por isso é que nos
deparamos com indivíduos que malgrado terem “decorado” todas as regras da
gramática falam e escrevem como semi-analfabetos.
O conhecimento da literatura é
importantíssimo mas quando ele se transforma num fim em si mesmo ele se
converte no seu contrário, ou seja, ele acaba se tornando em pedantismo, uma
erudição que o indivíduo colocou em cima da sua personalidade, se tornando
inexoravelmente num indivíduo intelectualmente feio, desproporcionado. É fácil
identificar esse tipo de indíviduos porque eles quase que com devoção religiosa
de um novo prosélito acabam se reportando sempre a eixos teóricos que são in limine desmentidos pelo afastamento
abismal desse em relação ao seu eixo existencial, fazendo incorrer a grande
massa de intelocratas deste país naquilo que o filósofo Olavo de Carvalho
chamou de “paralaxe cognitiva” que é uma das grandes patologias cognitivas do
hodierno mundo académico.
Em segundo lugar, quando se frequenta
as referências bibliográficas dos “trabalhos científicos” produzidos pêlos
alunos das universidades, facto curioso é notar que as obras referenciadas na
sua quase totalidade são produzidas fora das universidades como os anuários
estatísticos do Instituto Nacional de Estatística (INE), relatórios dos vários ministérios
ou ainda os artigos dos centros de pesquisa e organizações da sociedade civil,
sem contar com a massa de informação extraídas das dissertações de alunos de
universidades brasileiras e reproduzida quase que ipsis literis e sem citação. Porém, o mais irónico, não se vê nos
trabalhos dessas entidades qualquer alusão aos ensaios, monografias,
dissertação ou teses universitárias com a excepção do IESE que cita os
trabalhos de final do curso de seus colaboradores.
Ora, se as universidades moçambicanas
não estão produzindo o tão prometido saber, então, o que é elas estão fazendo?
De duas, uma: ou a universidade não é o centro de produção do saber e,
portanto, o que está a acontecer nas universidades é um fenómeno absolutamente
normal; ou então, a universidade é o centro de produção do saber, mas as nossas
universidades se colocaram na periferia do saber que já não conseguem
distinguir entre produção do saber e produção do seu inverso e a mera repetição
de cacoetes mentais colectivos o que pode estar acontecendo de forma consciente
ou de forma inconsciente. Se estiver a acontecer de forma inconsciente, então,
os nossos professores universitários deveriam ser internados urgentemente no
hospital psiquiátrico mais próximo e sem direito a visitas, porém, se o fazem
de forma consciente, então, eles são charlatães e deveriam ser conduzidos a
esquadra mais próxima e sem direito a advogado de defesa porque isso é torrar
debalde o dinheiro público.
Se o saber tiver um centro, certamente
que esse não será a universidade e muito menos as universidades moçambicanas e
a profusão de génios fora das universidades é, disso, prova incontestável.
Disso são exemplos todos os filosófos pré-socráticos, incluindo o próprio Sócrates.
Mutatis Mutandis, as investigações de
Galileu Galilei, Thomas Edison, Gotfried Leibniz, Leonard Euler, Isaac Newton, Nicolas
Tesla, Albert Einstein e tutti quanti,
se deram fora das universidades. Ou seja, o saber não tem um centro fora de si
mesmo, ele é autocentrado e, sendo assim, a aquisição do saber pressupõe
unidade o que me faz pensar que o saber está para um indivíduo assim como a perversão
do saber está para um grupo porque uma vez que a ideia mesma de unidade está
por definição e por demonstração ausente de tudo aquilo que se subentende como
grupo, a unidade do saber grupal só pode ser alcançada por meio do consenso e
isso nada mais significa senão fazer do saber matéria de votação e não a síntese
cartesiana do confronto do eu com o seu dilema existencial através do
pensamento. É nesse sentido que no começo desse artigo me referi as
universidades como centro de politização do saber e não o centro do saber em
si.
A politização do saber pelas
universidades acaba conduzindo a rejeição de todo saber individual e
independente, pelo simples facto de que este não se reveste da pontifícia
autoridade professoral dos srs. professores doutores, mesmo que ela seja a mais
pura expressão daquilo que Saul Bellow chamou de “impressões autênticas”.
Porquê? Porque não está catalogado.
A tendência geral de conferir as
universidades o salvo-conduto para produzir o saber faz-me lembrar o papel dos
sacerdotes católicos medievais que reservavam para si o monopólio da interpretação
das escrituras sagradas por tais e quais pretextos como apenas eles tivessem
acesso a iluminação divina, rotulando como heréticas todas as demais interpretações
livres dos textos sagrados. Hoje em dia, os professores universitários fazem as
vezes dos sacerdotes medievais. Na verdade, somente os srs. professores
doutores são os porta-vozes da razão e dar-lhes ouvidos é ter acesso ao oráculo
dos deuses da ciência, podendo excomungar todos os hereges intelectuais do
templo sagrado das universidades e das ordens profissionais até que o
recalcitrante, humilhado e resignado consinta em ser o boneco de ventríloquo do
establishment académico mas não antes
de ser submetido a uma execração pública “paternal”.
Na verdade, a única coisa que a
universidade faz é organizar e divulgar o saber na melhor das hipóteses.
Contudo, nessa tentativa de organizar o saber, ela o torna inócuo, mecânico,
deslocado da realidade específica e concreta dos alunos e da sociedade em que
vivem. O saber universitário, sendo um saber organizado separa o homem de si
mesmo, das suas experiências e mundividências directas, autênticas e mais
profundas. Contudo, com o advento da tecnologia de informação e comunicação, um
indivíduo que nunca pôs os pés numa universidade pode saber tanto quanto os que
lá puseram os pés e acredito piamente que uma reforma universitária profunda vem
a caminho num futuro breve, quando as pessoas se conscientizarem de que não
estão aprendendo coisa alguma nas universidades e começarem a buscar por si mesmas
o saber sem a intermediação das universidades ou dos professores nominais como
diria Ivan Ilich. Aliás, somente o esforço individual pode conduzir o ser
humano ao saber no verdadeiro sentido da palavra. Já dizia Leonardo da Vinci
que “a sabedoria é uma mercadoria que Deus vende aos homens mediante um preço
chamado esforço” (sic). E sendo esforço nada mais que ascetismo, daqui resulta
que a busca do saber e a sua concomitante aquisição somente pode ser fruto de
uma experiência individual e única, porque, quanto a mim, o saber não é nada
mais do que a condensação em linguagem verbal das nossas experiências mais
profundas que depois acabam servindo como uma espécie de auto-guiamento para
nós mesmos e para outras pessoas no meio da confusão em torno.
ESCRITO POR | XADREQUE SOUSA | shathreksousa@gmail.com
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