sábado, 26 de novembro de 2016

Universidade e a aquisição do saber


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Se o saber tiver um centro, certamente que esse não será a universidade e muito menos as universidades moçambicanas e a profusão de génios fora das universidades é, disso, prova incontestável.
… a unidade do saber grupal só pode ser alcançada por meio do consenso e isso nada mais significa que fazer do saber matéria de votação e não a síntese cartesiana do confronto do eu com o seu dilema existencial através do pensamento. É nesse sentido que … me referi as universidades como centro de politização do saber e não centro do saber em si.


“A universidade é o centro de produção do saber”. Qual é o aluno das universidades que nunca ouviu tal coisa e eu mesmo até repeti esse cacoete mental sem me dar a devida ocasião de reflectir em torno do seu significado e da sua validade, quer pela análise da sua consistência lógica interna, quer pelo confronto titânico com os factos da realidade tais e quais eles se me apresentavam no dia-a-dia. Contudo, algo sempre me inquietava, ou seja, como podia a universidade ser o centro de produção do saber uma vez que a existência do saber pré-existe a existência da própria universidade e por outro lado, como se explicava que, numa época em que assiste-se a redução das universidades em centros de propaganda político-ideológica e, na melhor das hipóteses, em centros de formação técnico-profissional que, por definição é função natural dos institutos politécnicos e não das universidades, continuasse a haver um florescimento vigoroso do saber em meio a esse ambiente de decadência geral das universidades?

Dizer que a universidade é o centro do saber, não significa somente tornar o saber extra-universitário num saber periférico e portanto acidental ao invés de essencial, mas significa também, em última instância, a politização do saber. Ou seja, as universidades passam a decidir o que as pessoas devem saber, como elas devem adquirir o saber e para que fins. Ora, isso não significa senão a ditadura da consciência colectiva sobre a liberdade da consciência individual e ipso facto uma camisa de força contra a liberdade de criação e contra uma verdadeira vida de estudos porque instalou-se um ambiente tal em que o que importa não são mais as convicções pessoais autênticas mas sim a repetição mecânica dos slogans e chavões colectivos que mais não fazem senão falsificar a percepção directa ou autêntica da realidade.

Quando se pega num trabalho “científico” produzido pelos alunos e até mesmo docentes de uma universidade moçambicana, nota-se várias coisas. Em primeiro lugar, os trabalhos não passam de uma revisão de literatura, sendo assim nada acrescentam ao debate já existente porque a atmosfera geral das nossas universidades é contra a inteligência, havendo espaço apenas para o desenvolvimento da capacidade operacional que é coisa de ensino primário e que o aluno ao entrar para a universidade já devia ter superado no ensino básico ou médio na pior das hipóteses por isso é que nos deparamos com indivíduos que malgrado terem “decorado” todas as regras da gramática falam e escrevem como semi-analfabetos.

O conhecimento da literatura é importantíssimo mas quando ele se transforma num fim em si mesmo ele se converte no seu contrário, ou seja, ele acaba se tornando em pedantismo, uma erudição que o indivíduo colocou em cima da sua personalidade, se tornando inexoravelmente num indivíduo intelectualmente feio, desproporcionado. É fácil identificar esse tipo de indíviduos porque eles quase que com devoção religiosa de um novo prosélito acabam se reportando sempre a eixos teóricos que são in limine desmentidos pelo afastamento abismal desse em relação ao seu eixo existencial, fazendo incorrer a grande massa de intelocratas deste país naquilo que o filósofo Olavo de Carvalho chamou de “paralaxe cognitiva” que é uma das grandes patologias cognitivas do hodierno mundo académico.

Em segundo lugar, quando se frequenta as referências bibliográficas dos “trabalhos científicos” produzidos pêlos alunos das universidades, facto curioso é notar que as obras referenciadas na sua quase totalidade são produzidas fora das universidades como os anuários estatísticos do Instituto Nacional de Estatística (INE), relatórios dos vários ministérios ou ainda os artigos dos centros de pesquisa e organizações da sociedade civil, sem contar com a massa de informação extraídas das dissertações de alunos de universidades brasileiras e reproduzida quase que ipsis literis e sem citação. Porém, o mais irónico, não se vê nos trabalhos dessas entidades qualquer alusão aos ensaios, monografias, dissertação ou teses universitárias com a excepção do IESE que cita os trabalhos de final do curso de seus colaboradores.

Ora, se as universidades moçambicanas não estão produzindo o tão prometido saber, então, o que é elas estão fazendo? De duas, uma: ou a universidade não é o centro de produção do saber e, portanto, o que está a acontecer nas universidades é um fenómeno absolutamente normal; ou então, a universidade é o centro de produção do saber, mas as nossas universidades se colocaram na periferia do saber que já não conseguem distinguir entre produção do saber e produção do seu inverso e a mera repetição de cacoetes mentais colectivos o que pode estar acontecendo de forma consciente ou de forma inconsciente. Se estiver a acontecer de forma inconsciente, então, os nossos professores universitários deveriam ser internados urgentemente no hospital psiquiátrico mais próximo e sem direito a visitas, porém, se o fazem de forma consciente, então, eles são charlatães e deveriam ser conduzidos a esquadra mais próxima e sem direito a advogado de defesa porque isso é torrar debalde o dinheiro público.

Se o saber tiver um centro, certamente que esse não será a universidade e muito menos as universidades moçambicanas e a profusão de génios fora das universidades é, disso, prova incontestável. Disso são exemplos todos os filosófos pré-socráticos, incluindo o próprio Sócrates. Mutatis Mutandis, as investigações de Galileu Galilei, Thomas Edison, Gotfried Leibniz, Leonard Euler, Isaac Newton, Nicolas Tesla, Albert Einstein e tutti quanti, se deram fora das universidades. Ou seja, o saber não tem um centro fora de si mesmo, ele é autocentrado e, sendo assim, a aquisição do saber pressupõe unidade o que me faz pensar que o saber está para um indivíduo assim como a perversão do saber está para um grupo porque uma vez que a ideia mesma de unidade está por definição e por demonstração ausente de tudo aquilo que se subentende como grupo, a unidade do saber grupal só pode ser alcançada por meio do consenso e isso nada mais significa senão fazer do saber matéria de votação e não a síntese cartesiana do confronto do eu com o seu dilema existencial através do pensamento. É nesse sentido que no começo desse artigo me referi as universidades como centro de politização do saber e não o centro do saber em si.

A politização do saber pelas universidades acaba conduzindo a rejeição de todo saber individual e independente, pelo simples facto de que este não se reveste da pontifícia autoridade professoral dos srs. professores doutores, mesmo que ela seja a mais pura expressão daquilo que Saul Bellow chamou de “impressões autênticas”. Porquê? Porque não está catalogado.

A tendência geral de conferir as universidades o salvo-conduto para produzir o saber faz-me lembrar o papel dos sacerdotes católicos medievais que reservavam para si o monopólio da interpretação das escrituras sagradas por tais e quais pretextos como apenas eles tivessem acesso a iluminação divina, rotulando como heréticas todas as demais interpretações livres dos textos sagrados. Hoje em dia, os professores universitários fazem as vezes dos sacerdotes medievais. Na verdade, somente os srs. professores doutores são os porta-vozes da razão e dar-lhes ouvidos é ter acesso ao oráculo dos deuses da ciência, podendo excomungar todos os hereges intelectuais do templo sagrado das universidades e das ordens profissionais até que o recalcitrante, humilhado e resignado consinta em ser o boneco de ventríloquo do establishment académico mas não antes de ser submetido a uma execração pública “paternal”.

Na verdade, a única coisa que a universidade faz é organizar e divulgar o saber na melhor das hipóteses. Contudo, nessa tentativa de organizar o saber, ela o torna inócuo, mecânico, deslocado da realidade específica e concreta dos alunos e da sociedade em que vivem. O saber universitário, sendo um saber organizado separa o homem de si mesmo, das suas experiências e mundividências directas, autênticas e mais profundas. Contudo, com o advento da tecnologia de informação e comunicação, um indivíduo que nunca pôs os pés numa universidade pode saber tanto quanto os que lá puseram os pés e acredito piamente que uma reforma universitária profunda vem a caminho num futuro breve, quando as pessoas se conscientizarem de que não estão aprendendo coisa alguma nas universidades e começarem a buscar por si mesmas o saber sem a intermediação das universidades ou dos professores nominais como diria Ivan Ilich. Aliás, somente o esforço individual pode conduzir o ser humano ao saber no verdadeiro sentido da palavra. Já dizia Leonardo da Vinci que “a sabedoria é uma mercadoria que Deus vende aos homens mediante um preço chamado esforço” (sic). E sendo esforço nada mais que ascetismo, daqui resulta que a busca do saber e a sua concomitante aquisição somente pode ser fruto de uma experiência individual e única, porque, quanto a mim, o saber não é nada mais do que a condensação em linguagem verbal das nossas experiências mais profundas que depois acabam servindo como uma espécie de auto-guiamento para nós mesmos e para outras pessoas no meio da confusão em torno.


ESCRITO POR | XADREQUE SOUSA | shathreksousa@gmail.com

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