sábado, 26 de novembro de 2016

“Cogito ergo sun” cartesiano como busca da autoconsciência

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… somente o “eu” pode gerar o “eu” e situar-se no “eu” sem deixar de ser “eu”.
… afirmar que um ente não existe, não significa afirmar que esse ente não é.


Quando Descartes diz: “penso, logo, existo”. Isso significa, antes de mais, uma tomada de consciência do “eu” pelo próprio, “eu”. Sendo que o pensamento, as palavras e a matéria não podem tomar consciência de si mesmos, sua existência, ou inexistência, somente pode ser imputada de fora de si mesmo. Assim, o pensamento não pode ser auto-existente; as palavras não podem ser auto existentes e a matéria também não pode ser auto existente; ou seja, pensamento não gera pensamento, o que gera o pensamento é o “eu cogito”; palavras não geram palavras, as palavras são geradas pelo pensamento; a matéria não gera matéria, ela é gerada pela palavra, pelo logos. Porquê? Porque nenhuma dessas “coisas”, isto é, nem o pensamento, nem a palavra e nem a matéria são o “eu”, sendo somente afirmações muito ténues da presença desse “eu” que é o único que pode ser auto-existente, ou seja, somente o, “eu” pode gerar o “eu” e situar-se no “eu” sem deixar de ser “eu”. Ou seja, a existência do “eu” é independente da presença do pensamento do “eu”, isto é, é independente da consciência do “eu” porque ontologicamente para essa consciência ser, o eu tem que ser antes dessa consciência do eu ser.

Considerado do ponto de vista da máxima cartesiana, a existência é posterior ao ser do “eu cogito”, i.e., do eu pensante. Assim, o ser do “eu” é independente da sua existência ou não, mas a existência não pode ser tomada sem o ser do “eu cogito”. Em outras palavras, afirmar que um ente não existe, não significa afirmar que esse ente não é.

O, “eu cogito” é formalmente um antecedente do consequente da existência materialmente considerado. Para esse “eu” cogitar, pensar ou seja, travar um diálogo silencioso consigo mesmo como dizia Hannah Arendt, ele tem que ser é estar presente. Ora, onde podemos situar a presença do “eu” uma vez que ele só existe depois de autocogitar-se, i.e, depois de estar consciente de si mesmo? Ora, só podemos situá-lo em si mesmo e não fora de si, ou seja, situámo-lo na sua forma arquetípica para usar o vocabulário de Platão e por assim dizer, o “eu” tem que ser necessariamente um ser “ad eterno”.

Portanto, o, “eu”, antes de existir, ou seja, antes de situar-se fora de si, isto é, antes de situar-se na esfera dos acidentes, ele situa-se primeiro dentro de si, isto é, na sua quididade, porém, essa situação, gnosiologicamente, somente pode ser conhecida depois de se conhecer a sua situação fora de si, mas ontologicamente ela tem prioridade ou primazia sobre o situar-se fora de si.

Usamos repetidas vezes neste artigo a palavra “existência”, mas afinal, o que é existir? Ora, considerado desde o ponto de vista etimológico, a palavra “existir” é formada pelas palavras latinas seguintes: “ex” que significa “fora” e “sistere” que significa “situar-se”, ou seja, segundo o seu étimo latino, a palavra “existir” significa “situar-se fora de si”. Contudo, para algo ou alguém situar-se fora de si, o “si” tem que ser. By the way, não pode haver um situar-se fora de si, sem que haja um situar-se dentro de si.

Situar-se fora de si implica, por assim dizer exteriorização da interioridade. Ou seja, só é possível conhecer o interior mediante sua exteriorização, mas isso parece uma auto contraditório porque se algo ou alguém pode exteriorizar o seu interior, então, o interior e o exterior passam a ser indistintamente a mesma realidade, resultando daqui que a exteriorização da interioridade só pode acontecer enquanto signo da interioridade.

Por assim dizer, o pensamento tem mais interioridade que as palavras e as palavras têm mais interioridade que a matéria. Em outras palavras, a matéria tem mais exterioridade que as palavras e as palavras tem mais exterioridade que o pensamento. Nestes moldes, o que tem mais exterioridade só pode se interiorizar mediante o que tem menos exterioridade e o que tem mais interioridade só pode se exteriorizar mediante o que tem menos interioridade. Por conseguinte, daqui resulta que as palavras são a exteriorização do pensamento, elas não são o pensamento em si, mas a superfície de contraste através da qual o pensamento se reconhece no mundo externo ou dos fenómenos/aparências. A matéria é a exteriorização das palavras, ou seja, ela não é palavra mas a superfície externa de contraste por meio da qual essas palavras se reconhecem no mundo das aparências e assim por diante.

Por outras palavras, um pensamento que somente se situa em si mesmo, isto é, no mundo dos pensamentos não existe, ou seja, não está situado fora de si mesmo. Uma palavra que somente está presente no mundo das palavras, não existe, ou seja, não está situado fora de si. A matéria situada somente em si mesma, também não existe porque não está igualmente situada fora de si. Assim, o que seria a existência do pensamento senão sua situação fora de si? Situar-se fora de si, neste caso, seria situar-se no mundo das palavras. O que seria a existência das palavras senão sua situação no mundo da matéria? Isso significa situar-se no mundo dos pensamentos.

Deste modo, negar a realidade da matéria seria afirmar a negação da existência das palavras. Negar a realidade das palavras, seria negar a existência do pensamento. Negar a realidade do pensamento seria, por sua vez, negar a existência do “eu” e, por fim, negar a realidade do eu seria negar a existência do ser negar o que equivale a negar o fundamento mesmo da realidade e afirmar o nada, o que é flagrantemente auto contraditório pelo que deve ser rejeitado in limine como niilismo barato.

Maputo, 19/10/2015

ESCRITO POR | XADEQUE SOUSA | shathreksousa@gmail.com


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