sábado, 26 de novembro de 2016

Agricultura, base do desenvolvimento?

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Ora, o facto de continuarmos a dizer que a base da nossa economia é a agricultura leva-nos a dois corolários: ou a nossa economia continua sendo uma economia comunista e por isso faz todo sentido continuarmos a afirmar que a agricultura é a base da nossa economia ou a nossa economia é uma economia capitalista, uma economia de mercado e a agricultura não é a base da nossa economia e tudo não passa de um jogo de cena.



O Artigo 103 da Constituição da República de Moçambique (CRM) de 2004 referente a Agricultura diz no seu número um que Na República de Moçambique a agricultura é a base do desenvolvimento nacional”.

Esse artigo da CRM não é novo e muito menos verdadeiro considerando a veracidade tomada desde o ponto de vista do núcleo axiológico mesmo da filosofia especulativa. Na verdade, ele é um plágio do discurso proferido por Samora Machel por ocasião da proclamação da independência nacional. Esse dado é importante para percebermos o que está acontecendo com a nossa agricultura. Veja, quando Samora Machel disse que “a agricultura é a base  da nossa economia e a indústria o seu factor dinamizador”, a primeira pergunta que qualquer indivíduo inteligente deveria fazer é: de que economia é que Samora estava falando? Da economia de mercado ou da economia centralmente planificada? Temos que voltar para o contexto daquela época. Feito isso, estamos cônscios que não havia economia de mercado na primeira república de Moçambique. É arqui-sabido de todos que na primeira década da nossa independência, a nossa economia era centralmente planificada.

Portanto, quado Samora apregoava que a agricultura era a base da nossa economia, salvarguardados os devidos rigores, ele estava dizendo que a agricultura era a base da economia planificada em vigor no país naquela época. Aliás, todos sabemos que Moçambique era um país de operários e camponeses. Mais de camponeses do que de operários. Ora, se a agricultura é a base da economia, a mensagem que isso quer transmitir é fundamentalmente duas: primeiro, impedir que aqueles que estão no campo venham para as cidades e segundo, mobilizar para o campo todos aqueles com potencial de alargar a tal base da economia, tais como os famosos “vagabundos”. Ou seja, no fundo, a malfadada operação produção nada foi mais do que uma tentativa de conseguir uma terrestrealização do discurso ideológico de transformar a agricultura na base da nossa economia.

Volvidos que foram trinta anos desde que se descomunizou a economia, ainda faz sentido dizer que a agricultura é a base da nossa economia? Até que ponto esse slogan continua actual para comunicar alguma mensagem economicamente útil? Ora, o facto de continuarmos a dizer que a base da nossa economia é a agricultura leva-nos a dois corolários: ou a nossa economia continua sendo uma economia comunista e por isso faz todo sentido continuarmos a afirmar que a agricultura é a base da nossa economia ou a nossa economia é uma economia capitalista, uma economia de mercado e a agricultura não é a base da nossa economia e tudo não passa de um jogo de cena.

O leitor poderá dizer que a economia de Moçambique não é nem comunista e muito menos capitalista, que ela é uma economia mista, malgrado, eu seja daqueles poucos que acham como eu que uma economia baseada no consenso de Washington, uma economia neo-liberal seja apenas para salvar as aparências e neste caso, eu opto por ser um conservador. Mas seja como for, sendo que a agricultura era a base da nossa antiga economia comunista, a sua perenialidade mostra que, salvaguardados os devidos rigores, no mínimo, a nossa hodierna economia mista tem a mesma base da nossa antiga economia comunista. O que importa, a base ou o que está colocado por cima dela? Ja dizia Marx que a base material ou económica da sociedade é o determinante de última instância da superestrutura ideológica. Nestes moldes, sou tentado a  dizer que a base importa mais do que aquilo que se edifica sobre ela. Ou seja, se de facto, a base da nossa economia é agricultura, sucede que toda ideologia que orienta as actividades económicas no país, é a mesma da década de 70, isto é, centralizar tudo nas mãos daquilo que Gramsci chamou de “o novo príncipe”, i.e., o partido.

Digo mais, sendo a agricultura a base da nossa economia, sucede que, em última instância, a nossa economia é determinada pelo que acontece na agricultura. Ou seja, toda economia de Moçambique terá que ser explicada pela agricultura. Neste caso, temos que explicar o sector financeiro, industrial, de serviços, etc., pelas “contradições internas” da agricultura até a sua superação. E, isso é simplesmente impossível, até porque se a economia é mista, por definição, sua base não pode ser nem a base da economia de mercado e muito menos a base da economia centralmente planificada, mas uma base mista, o que pressupõe, apoditicamente, uma base diversificada.

No texto da constituição que estamos a analisar, diz-se que “a agricultura é a base do nosso desenvolvimento”. Quer dizer, a constituição fala “nosso desenvolvimento” como se isso fosse um dado adquirido. Se calhar, eu sou o único moçambicano que ainda não se deu conta de que Moçambique é um país desenvolvido. Mas qual desenvolvimento? Porventura ser um dos países com um dos rendimentos per capita mais baixos do planeta e tudo que isso possa significar no que tange ao acesso aos bens e serviços susceptíveis de conferir dignidade a vida humana significa desenvolvimento? Já dizia Amartya Sen que “desenvolvimento é liberdade de escolha”, e sucede que, por definição, liberdade é possibilidade e acontece que a única possibilidade que a maior parte dos moçambicanos tem é de não escolher a saúde, a educação, a habitação, etc., que convém ao seu gosto e preferência. Na verdade, eu arrisco-me a dizer que, ao invés de ser a base do “nosso desenvolvimento”, a agricultura é a base do nosso subdesenvolvimento.

Explico-me: se a agricultura fosse a base do “nosso desenvolvimento”, as “grandes fortunas” no nosso país, se é que assim podemos chamar, teriam sido forjadas na agricultura como de facto aconteceu em economias feudais. Contudo, em Moçambique, forjar riqueza a partir da fisiocracia está mais para um conto de fadas da Alice no país das maravilhas. E como já passamos da primeira infância da história da humanidade, a crua realidade é que a vida no campo é difícil e dura como diria o escritor brasileiro Jorge Amado. Por outras palavras, o facto da maior parte daquelas populações que sobrevivem da agricultura viverem numa miséria franciscana é prova inexorável de que se existe, em Moçambique, algo a que se possa chamar “nosso desenvolvimento”, este, certamente, não tem sua base na agricultura.

Só há um tipo de economia cuja base é a agricultura. Trata-se da economia feudal. Nestes termos, seria até um eufemismo dizer que, se a nossa economia se basea na agricultura, sucede que, historicamente, Moçambique ainda se encontra atolado nas trevas da idade média porque é lá que a economia tinha sua base na agricultura. Quer dizer, estamos a quase mil anos de termos uma economia moderna, uma economia que já superou a economia medieval há muito. Nietzsche já dizia que só se supera o que se substitui. Quer dizer, se de facto a agricultura é a base da nossa economia, só será possível superar nossa economia medieval mediante a substituição da agricultura como base da nossa economia por um sector industrial moderno e competitivo.

Não tenhamos ilusões fáceis. Uma economia baseada na agricultura não gera capitalista, gera latifundiários. E, em Moçambique, o Estado é o latifundiário absoluto. Ou seja, se a agricultura como base da economia interessa a alguém, esse alguém é apenas o Estado. Na verdade, tudo isso prova mais uma vez que dizer que a agricultura é a base da nossa economia ou a base do nosso desenvolvimento é uma farsa. Toda ideologia é uma farsa. Marx dizia que ideologia é um vestido de idéias. Ora, todo vestido de idéias serve para encobrir um esquema de poder. Na verdade, todo discurso em torno da agricultura é, por assim dizer, um discurso exotérico pregado às massas no intuito de obter uma adesão “consciente” à causa defendida, mas os que fazem parte do ciclo interno, ou esotérico das lides do poder, sabem perfeitamente que a agricultura não é senão uma bandeira ideológica para encobrir o seu esquema de poder, o qual já foi exposto no terceiro parágrafo e não há necessidade de repetir, mas dar apenas uma noticia e esta é que, sendo que a economia começa quando a política termina como disse Aristóteles, neste país, só começaremos a ter uma verdadeira economia agrária, quando a política agrária no geral terminar e deixar a livre iniciativa do mercado fazer o que melhor sabe fazer, isto é, gerar a riqueza das nações, como diria Adam Smith.


ESCRITO POR | XADREQUE SOUSA | shathreksousa@gmail.com 

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