Ora, o facto de continuarmos a dizer que a base da nossa
economia é a agricultura leva-nos a dois corolários: ou a nossa economia
continua sendo uma economia comunista e por isso faz todo sentido continuarmos
a afirmar que a agricultura é a base da nossa economia ou a nossa economia é
uma economia capitalista, uma economia de mercado e a agricultura não é a base
da nossa economia e tudo não passa de um jogo de cena.
O
Artigo 103 da Constituição da República de Moçambique (CRM) de 2004 referente a
Agricultura diz no seu número um que “
Na República de Moçambique a agricultura é a base do desenvolvimento
nacional”.
Esse
artigo da CRM não é novo e muito menos verdadeiro considerando a veracidade
tomada desde o ponto de vista do núcleo axiológico mesmo da filosofia
especulativa. Na verdade, ele é um plágio do discurso proferido por Samora
Machel por ocasião da proclamação da independência nacional. Esse dado é
importante para percebermos o que está acontecendo com a nossa agricultura.
Veja, quando Samora Machel disse que “a agricultura é a base da nossa economia e a indústria o seu factor
dinamizador”, a primeira pergunta que qualquer indivíduo inteligente deveria
fazer é: de que economia é que Samora estava falando? Da economia de mercado ou
da economia centralmente planificada? Temos que voltar para o contexto daquela
época. Feito isso, estamos cônscios que não havia economia de mercado na
primeira república de Moçambique. É arqui-sabido de todos que na primeira década
da nossa independência, a nossa economia era centralmente planificada.
Portanto,
quado Samora apregoava que a agricultura era a base da nossa economia, salvarguardados
os devidos rigores, ele estava dizendo que a agricultura era a base da economia
planificada em vigor no país naquela época. Aliás, todos sabemos que Moçambique
era um país de operários e camponeses. Mais de camponeses do que de operários.
Ora, se a agricultura é a base da economia, a mensagem que isso quer transmitir
é fundamentalmente duas: primeiro, impedir que aqueles que estão no campo
venham para as cidades e segundo, mobilizar para o campo todos aqueles com
potencial de alargar a tal base da economia, tais como os famosos “vagabundos”.
Ou seja, no fundo, a malfadada operação produção nada foi mais do que uma tentativa
de conseguir uma terrestrealização do discurso ideológico de transformar a
agricultura na base da nossa economia.
Volvidos
que foram trinta anos desde que se descomunizou a economia, ainda faz sentido
dizer que a agricultura é a base da nossa economia? Até que ponto esse slogan
continua actual para comunicar alguma mensagem economicamente útil? Ora, o
facto de continuarmos a dizer que a base da nossa economia é a agricultura
leva-nos a dois corolários: ou a nossa economia continua sendo uma economia comunista
e por isso faz todo sentido continuarmos a afirmar que a agricultura é a base
da nossa economia ou a nossa economia é uma economia capitalista, uma economia de
mercado e a agricultura não é a base da nossa economia e tudo não passa de um
jogo de cena.
O
leitor poderá dizer que a economia de Moçambique não é nem comunista e muito
menos capitalista, que ela é uma economia mista, malgrado, eu seja daqueles
poucos que acham como eu que uma economia baseada no consenso de Washington,
uma economia neo-liberal seja apenas para salvar as aparências e neste caso, eu
opto por ser um conservador. Mas seja como for, sendo que a agricultura era a
base da nossa antiga economia comunista, a sua perenialidade mostra que,
salvaguardados os devidos rigores, no mínimo, a nossa hodierna economia mista
tem a mesma base da nossa antiga economia comunista. O que importa, a base ou o
que está colocado por cima dela? Ja dizia Marx que a base material ou económica
da sociedade é o determinante de última instância da superestrutura ideológica.
Nestes moldes, sou tentado a dizer que a
base importa mais do que aquilo que se edifica sobre ela. Ou seja, se de facto,
a base da nossa economia é agricultura, sucede que toda ideologia que orienta
as actividades económicas no país, é a mesma da década de 70, isto é,
centralizar tudo nas mãos daquilo que Gramsci chamou de “o novo príncipe”,
i.e., o partido.
Digo
mais, sendo a agricultura a base da nossa economia, sucede que, em última instância,
a nossa economia é determinada pelo que acontece na agricultura. Ou seja, toda
economia de Moçambique terá que ser explicada pela agricultura. Neste caso,
temos que explicar o sector financeiro, industrial, de serviços, etc., pelas
“contradições internas” da agricultura até a sua superação. E, isso é simplesmente
impossível, até porque se a economia é mista, por definição, sua base não pode
ser nem a base da economia de mercado e muito menos a base da economia centralmente
planificada, mas uma base mista, o que pressupõe, apoditicamente, uma base
diversificada.
No
texto da constituição que estamos a analisar, diz-se que “a agricultura é a
base do nosso desenvolvimento”. Quer dizer, a constituição fala “nosso
desenvolvimento” como se isso fosse um dado adquirido. Se calhar, eu sou o
único moçambicano que ainda não se deu conta de que Moçambique é um país
desenvolvido. Mas qual desenvolvimento? Porventura ser um dos países com um dos
rendimentos per capita mais baixos do
planeta e tudo que isso possa significar no que tange ao acesso aos bens e
serviços susceptíveis de conferir dignidade a vida humana significa
desenvolvimento? Já dizia Amartya Sen que “desenvolvimento é liberdade de escolha”,
e sucede que, por definição, liberdade é possibilidade e acontece que a única
possibilidade que a maior parte dos moçambicanos tem é de não escolher a saúde,
a educação, a habitação, etc., que convém ao seu gosto e preferência. Na
verdade, eu arrisco-me a dizer que, ao invés de ser a base do “nosso
desenvolvimento”, a agricultura é a base do nosso subdesenvolvimento.
Explico-me:
se a agricultura fosse a base do “nosso desenvolvimento”, as “grandes fortunas”
no nosso país, se é que assim podemos chamar, teriam sido forjadas na
agricultura como de facto aconteceu em economias feudais. Contudo, em
Moçambique, forjar riqueza a partir da fisiocracia está mais para um conto de
fadas da Alice no país das maravilhas. E como já passamos da primeira infância
da história da humanidade, a crua realidade é que a vida no campo é difícil e
dura como diria o escritor brasileiro Jorge Amado. Por outras palavras, o facto
da maior parte daquelas populações que sobrevivem da agricultura viverem numa
miséria franciscana é prova inexorável de que se existe, em Moçambique, algo a
que se possa chamar “nosso desenvolvimento”, este, certamente, não tem sua base
na agricultura.
Só
há um tipo de economia cuja base é a agricultura. Trata-se da economia feudal.
Nestes termos, seria até um eufemismo dizer que, se a nossa economia se basea na agricultura, sucede que, historicamente, Moçambique ainda se encontra atolado
nas trevas da idade média porque é lá que a economia tinha sua base na agricultura.
Quer dizer, estamos a quase mil anos de termos uma economia moderna, uma
economia que já superou a economia medieval há muito. Nietzsche já dizia que só
se supera o que se substitui. Quer dizer, se de facto a agricultura é a base da
nossa economia, só será possível superar nossa economia medieval mediante a
substituição da agricultura como base da nossa economia por um sector
industrial moderno e competitivo.
Não
tenhamos ilusões fáceis. Uma economia baseada na agricultura não gera capitalista,
gera latifundiários. E, em Moçambique, o Estado é o latifundiário absoluto. Ou
seja, se a agricultura como base da economia interessa a alguém, esse alguém é
apenas o Estado. Na verdade, tudo isso prova mais uma vez que dizer que a
agricultura é a base da nossa economia ou a base do nosso desenvolvimento é uma
farsa. Toda ideologia é uma farsa. Marx dizia que ideologia é um vestido de idéias.
Ora, todo vestido de idéias serve para encobrir um esquema de poder. Na
verdade, todo discurso em torno da agricultura é, por assim dizer, um discurso
exotérico pregado às massas no intuito de obter uma adesão “consciente” à causa
defendida, mas os que fazem parte do ciclo interno, ou esotérico das lides do
poder, sabem perfeitamente que a agricultura não é senão uma bandeira ideológica
para encobrir o seu esquema de poder, o qual já foi exposto no terceiro
parágrafo e não há necessidade de repetir, mas dar apenas uma noticia e esta é
que, sendo que a economia começa quando a política termina como disse
Aristóteles, neste país, só começaremos a ter uma verdadeira economia agrária,
quando a política agrária no geral terminar e deixar a livre iniciativa do
mercado fazer o que melhor sabe fazer, isto é, gerar a riqueza das nações, como
diria Adam Smith.
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