“Dura
Lex Sed Lex”
Direito
romano
O
jusfilósofo brasileiro, Miguel Real, diz na sua obra “Filosofia do Direito” que
o estudo da filosofia se divide em 3 ramos, quais sejam:
1- Gnoseologia
ou Teoria do Conhecimento;
2- Axiologia
ou Teoria do Valor e;
3- Ontologia
ou Metafísica geral.
O
Direito, a Economia, a Política, etc., cabem no ramo axiológico da Filosofia
que é aquele ramo da filosofia que vai estudar ou teorizar acerca do valor, ou
seja, do dever ser. O valor tomado
enquanto especulativamente nos dá a Ética, a qual procura alcançar a juízos
lógicos do verdadeiro e do falso. Mas quando tomado enquanto praticamente como
objecto da dramaticidade humana temos a moral a qual procura alcançar a um
núcleo axiológico antropológico do certo e do errado.
Aparentemente
parece haver uma diferença entre ética e moral. Porém, essa diferença não é uma
diferença específica formal mas apenas material. O neo-kantista George D’el
Vecchio divide a ética em duas partes: a moral e o direito de modo que a ética
implica a moral e ela também implica o direito. É preciso ter bastante cuidado
para não confundir uma mera implicação lógica com o nexo lógico causal das
categorias lógicas à priori da nossa menta
porque, caso contrário, teríamos que proposicionar que a ética determina a
moral o que é um absurdo. Ninguém especula primeiro acerca do verdadeiro e do
falso para depois determinar moralmente a sua acção no tocante a aquilo que é
certo ou errado.
Nietzsche
dizia que a moral é fruto dos hábitos e costumes dos povos. Ou seja, a moral é
fruto da cultura no sentido antropológico do termo. Os minerais, os vegetais,
os animais, não tem cultura, então, o problema da moralidade não se lhes
coloca, ou seja, o problema do certo e do errado não lhes diz respeito. Por sua
vez, o filósofo de Koenigsberg, o crítico Immanuel Kant reduz a moral a
religião. Então, a religião seria, na visão de Kant, a filosofia moral.
Contudo, conforme amplamente, por mim apoditicamente, necessariamente,
demonstrado em outros artigos, o conceito, a ideia, ou seja, a representação
mental, da nossa mente, que se tem de religião é bastante pueril.
Nietzsche
Ora,
é possível um homem sem hábitos e costumes? De modo nenhum. Porém, Nietzsche
não fala de hábitos e costumes enquanto traços de personalidade que distinguem
um indivíduo da espécie humana de um outro indivíduo da mesma espécie mas sim
enquanto traços distintivos de uma colectividade humana em relação a uma outra
colectividade humana. Então, os hábitos e costumes culturais variam conforme a colectividade.
Se a moral emana dos hábitos e costumes culturais e estes são diferentes,
então, sucede que não existe uma única moral mas sim uma multiplicidade de
morais de modo que o que é uma acção moral numa colectividade A
pode ser uma acção obscenamente imoral numa colectividade B. Mas, então, como é que
essas duas acções podem ser morais? Para tal, teríamos que tomar a moral de
cada uma das colectividades abstraídas de todas as suas singularidades, da sua
propriedade, da sua matéria sensível, da sua extensão contínua e discreta e tomá-la
na sua universalidade. Isso nos daria o processo abstractivo do terceiro grau
que corresponde a metafísica que é propriamente a ontologia, o estudo do ser
enquanto ser, o que nos daria a metafísica geral.
Deste
modo, o fundamento último da moral não são os hábitos culturais, os costumes
mas sim o próprio ser. Como vimos supra,
a moral cabe no axio, no valor mesmo,
o qual é o dever ser e somente um ser
deve ser. Um não ser não deve ser. De modo que antes que sejamos agentes de
acções moralmente certas ou erradas, ou seja, antes de devermos ser temos que
ser.
Kant
Vimos
também supra que para Kant a filosofia moral é a religião. Na verdade, não se
pode separar totalmente a religião da moral ou seja a teologia propriamente da
axiologia porque as duas ciências são de natureza teleológica, i.e., elas lidam
com o ente na prossecução do seu fim último. Sabemos que o termo religião vem
de religio que significa religar,
reconectar, etc., de modo que a religião tende ao fim de reintegrar o ser
humano na realidade suprema e universal que é o próprio Deus. A moral também
procura a reintegração do humano mas não no divino mas sim na sua colectividade
humana ao apartá-lo daquilo que é inconveniente e aproximá-lo daquilo que é
conveniente.
Contudo,
dizer que a moral emana da religião não passa de psicologismo. No mundo existem
homens religiosos e irreligiosos, ateus e teístas. É claro que existe uma
confusão muito grande no emprego desses termos. Se você ler “God, a delusion”
de R.Dawkins, “deus não é Grande” de C.Hitchens, “God, a failed hipothesys” de
V. Stenger, você vai ver que eles confundem ateu com irreligioso e confundem
cristão, judeu, islamita com teísta e confundem teístas com religiosos.
É
possível uma religião sem DEUS? Tertuliano nega isso peremptoriamente. Para
aquele teólogo, religião é sempre a religião de Deus. Contudo, quando vemos os
nativos da África praticarem sua religião animista começamos a ficar confusos.
Ficamos mais confusos ainda quando os pagãos em todos os tempos e lugares praticavam
e praticam a sua religião em torno dos espíritos dos seus antepassados,
espíritos da floresta, etc. Eles chamam a isso de religião. Porém, Tertuliano
diz que isso não é religião porque esses entes que os pagãos cultuam não
passavam de espíritos de demónios. Então, de duas, uma: ou só existe a religião
do Deus verdadeiro e todas outras são pseudo-religiões ou então elas são
religiões de demónio ou então elas são tão religião quanto as religiões
monoteístas como Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, só para mencionar as
principais e as maiores.
São
Tiago, o apóstolo, diz que “a religião verdadeira e imaculada para com Deus é visitar
os órfãos e as viúvas na sua tribulação e fugir da corrupção do mundo”. Ora, o
que é visitar os órfãos e as viúvas na sua necessidade? Isso é aquilo que no
vocabulário da mística cristã se chama CARIDADE. O que é caridade? É Ágape, ou
seja, amor incondicional. Quando você sai a rua e encontra um mendigo e você dá
um pedaço de pão para ele, uma calça, uma camisa ou um dinheiro, você sabe que
o mendigo não pode fazer nada por você. Por outras palavras, você não espera
nenhuma recompensa vinda do mendigo a não ser que você seja um político e
esteja caçando voto. Então, o que é isso? Isso é ágape, amor incondicional. É a
famosa lição de Cristo sobre a caridade de novo e de novo e de novo.
Outro
ponto: a religião é fugir da corrupção que pela concupiscência há no mundo. O
que é isso? É você fazer o certo e evitar o errado. O que é isso? Isso é moral.
Então, quando você não rouba, não mata, evita a mentira, etc., não porque a lei
ordena que você faça isso mas “por princípio” como dizem muitos sem, no
entanto, estarem cônscios do que dizem, você está sendo religioso.
Deste
modo, você não precisa acreditar na existência de Deus para ser religioso. Crer
em Deus ou em deus ou em deuses não fará de você um religioso mas fará você
transcender seu senso religioso. Basta você ser bom para com seu próximo sem
expectativa de recompensa da parte dele e ser um indivíduo moralmente certo sem
ser por imposição da lei para você ser um religioso. De modo que quando os
R.Dawkins, V.Stenger, D.Dennet, C.Hitchens dizem que não são religiosos, isso
me faz rir. Eles não têm ideia do que estão dizendo. Se eles fossem
irreligiosos, eles seriam um Hitler, um Stálin, um Mao Dez Dong, um Pol Pot et caterva. Na verdade, não existe um
irreligioso completo a não ser que ele seja um psicopata de marca como os ilustres
senhores que eu acabei de mencionar ou seja um indivíduo totalmente desprovido
de sentimentos morais. Então, os ateístas podem dizer que não crêem na
existência de Deus assim como os teístas não crêem num Deus pessoal como os
cristãos mas crêem que deus é um força impessoal da natureza mas daí deduzir
que você é um irreligioso é coisa de maluco.
Tudo
isso que estamos dizendo é que a moral tem o seu fundamento no próprio ser. Os
hábitos e costumes, ou seja, a cultura, só servem para imanentizar essa moral
enquanto a religião serve para nos ajudar a transcendê-la.
Direito e Dever
Hoje
em dia fala-se muito do direito, jus.
Claude Le Fort chegou mesmo a dizer que “Democracia é criação de direito”.
Contudo, isso não é uma definição nominal de democracia mas apenas um dos fins
a que ela procura atender como estando sob a alçada da jurisprudência. Na
verdade, isso é tomar o conceito hegeliano de essência como aquilo em que a
coisa, a res, se torna no lugar de um
conceito rigoroso e não apenas análogo.
Existem
os direitos humanos. Fala-se da declaração universal dos direitos humanos.
Fala-se da carta africana dos direitos humanos, porém, ninguém quer falar em
deveres humanos. Então, o que seria um direito? Simone Weil diz que “direito é
dever de outrem”. Quando as pessoas dizem que todas as crianças têm direito a
educação, elas tomam dado como pressuposto que existe alguém cujo dever é educar
todas as crianças. Ora, existe neste país indivíduos em quantidade suficiente
com deveres de educar todas as crianças? De modo nenhum. Há zonas onde não há
escola. Há pais que não têm poderio económico mínimo para colocar seus filhos
na escola. Há crianças que não têm pais nem familiares próximos, etc. De modo
que dizer que todas as crianças têm direito a educação é você enunciar uma
premissa universal e abstracta tão rebuscada cuja mera pretensão de você coloca-la
em prática ipsis verbis é uma cenoura
de burro. Isso é um excesso de fundamentalismo laico dos estados modernos. Uma
coisa é uma premissa universal e abstracta. Outra coisa, completamente
diferente, é a situação particular e concreta de cada individuo humano e de
cada colectividade humana tomada monadicamente no sentido de Leibniz.
Vimos
que Georgio D’el Vecchio dividiu a ética em moral e direito. O direito é a
jurisprudência. A moral tomada praticamente como uma acção certa, o que nos
daria o conceito de virtude ou como uma acção errada, o que nos daria o vício,
tem a ver com o dever. Então, a divisão da ética em moral e direito poderia também
dizer-se uma divisão da ética em deontologia e jurisprudência.
Deontologia
vem do grego deon (conveniente) e logia (ciência) de modo que deontologia,
partindo do seu étimo grego, significa ciência do conveniente ou ciência do
dever. Essa ciência foi fundada pelo utilitarista inglês Jeremias Bentham como
a “teoria geral do dever” de modo que o direito requer o dever ou seja, a
jurisprudência requer a deontologia.
Hoje
em dia fala-se de ética e deontologia profissional, porém isso não me parece
correcto. Por quê? Porque a deontologia implica a ética. O que está havendo
aqui é apenas uma confusão entre um conceito universal e um conceito particular
subalternado. Agora, muito poucas pessoas sabem que a deontologia é uma teoria
que remonta a tradição utilitarista de modo que somente falam de deontologia
profissional e não sabem do que estão falando. Quando Bentham falava em
deontologia ele tinha em mente apenas os deveres que pudessem contribuir para
aumentar a soma da felicidade pública de modo que para tal os tais deveres
deviam ser úteis, deviam ter utilidade. O que é utilidade? É satisfação. É
claro que Bentham não fala aqui de satisfação no sentido do hedonismo grego de
prazer mas no sentido económico do termo.
Do Direito Justo
Santo
Tomás de Aquino fala de uma hierarquia no edifício das leis mas não lei tomada
apenas no seu sentido filosófico de direito positivo, ou seja, o sentido de norma jurídica mas no sentido mais
elástico do termo envolvendo mesmo as leis da natureza conforme estudadas
empiricamente pela física como nexo causal das nossas categorias pensamentais.
Diz
o doutor angélico que em primeiro lugar temos as leis divinas. Em segundo lugar
temos as leis cósmicas. Em terceiro lugar temos as leis naturais e em quarto
lugar temos as leis jurídicas. Partindo do princípio sagrado que é a hierarquia
propriamente dita de hiera (sagrado)
e arkhé (princípio), as leis divinas
abarcam e subordinam as leis cósmicas, naturais e jurídicas. As leis cósmicas
abarcam e subordinam as leis naturais e as leis jurídicas. As leis naturais
abarcam e subordinam as leis jurídicas. As leis jurídicas, a nenhum das leis
anteriores abarca e subordina mas é abarcada e subordinada por todas elas.
Igualmente, as leis divinas por nenhuma das leis que a sucedem são abarcadas e
subordinadas mas elas a todas abarca e subordina.
Deste
modo, uma insubordinação das leis jurídicas as leis naturais é uma violação das
leis naturais. Agora, deve-se especificar muito bem o sentido em que fazemos o
uso do termo natureza porque ele é um termo equívoco. Ele tem um duplo sentido.
Essa ambiguidade não é um erro de gramática mas expressa propriamente a tensão
que existe na natureza. Então, temos natureza como phisis que é o campo dos fenómenos acessíveis aos métodos de
observação e experimentação das ciências da natureza. Mas também existe
natureza como kstei, ou seja, natureza
entendida como natureza primordial ou natureza essencial. São Paulo, Apóstolo,
na sua epístola aos romanos, quando ele fala do homossexualismo, ele usa esses
dois sentidos da palavra natureza. Ele diz que os homossexuais foram para fora
da natureza e ao mesmo tempo diz que eles pecaram contra a natureza. Ora, isso
é uma ambiguidade mas uma ambiguidade proposital que resulta da natureza mesmo
das coisas. É por isso que o filósofo Olavo de Carvalho diz que São Paulo, o apóstolo,
é um dos grandes escritores da humanidade por ter sabido lidar com essas
contradições.
Então,
quando ele diz que o homossexualismo é antinatural não é no sentido da phisis como quem diz que os homossexuais
estão a violar a lei da gravitação universal de Newton ou as leis da termodinâmica,
etc., mas sim no sentido de kstei, ou
seja, das leis da natureza primordial porque o cú considerado desde o ponto de
vista anátomo-fisiológico não é nenhum órgão sexual e nem é preciso ser
sexólogo para saber que a função número um do sexo é a perpetuação da espécie e
não propriamente dar vasão as nossas fantasias eróticas. De modo que quando um
homem contrai matrimónio e ele descobre que sua mulher é estéril ele tem todo o
direito natural ao qual se subordina por implicação lógica o direito normativo
de entrar em tribunal com uma acção de divórcio. O mesmo também acontece com a
mulher se ela descobre que seu marido é impotente, ela não tem o dever natural
de permanecer casado com ele.
Então,
São Tomás de Aquino diz que se uma lei viola uma lei que lhe é superior ela é uma
lei injusta. Deste modo, se a lei jurídico-normativa violar a lei natural, ou a
lei cósmica ou a lei divina, ela é injusta e, diz São Tomás de Aquino, os
súbditos de qualquer país têm todo o direito de não obedecer uma lei injusta,
contanto que da sua desobediência resulte menos dano do que da sua obediência.
Essa
ideia de lei justa e de lei injusta de São Tomás de Aquino é deveras importante
porque ele inaugurou uma nova visão no campo do direito o que mais tarde levou
o neo-kantista Rudolf Stammler a falar em direito justo e direito injusto.
Quando se intenta uma acção em tribunal ninguém fá-lo questionando se a
jurisprudência ou seja, o direito positivo daquele país é justo ou injusto o
que torna essa questão muito mais importante ainda.
Ora,
o que seria um direito justo e um direito injusto? Para entendermos isso temos
que primeiramente saber o que é justiça. Então, vamos voltar para o império
romano porque é ali que o direito surge, pela primeira vez, como ciência. Então
temos o famoso “direito romano” que ao lado da moral tradicional judeo-cristã e
a filosofia grega, mormente Platão e Aristóteles, são os pilares da civilização
ocidental. Para os juristas romanos, a ideia de justiça se cristaliza na
seguinte máxima: “dura lex sed lex”. Ou seja, para os romanos, justiça é dar a
cada um o que é de cada um. Contudo, no seu sentido político, justiça é o
bem-comum. De modo que se um governante ao invés de buscar o bem comum está usando
os meios materiais, financeiros, militares e jurídicos do estado para perseguir
um bem-particular, sua governação é injusta.
***
No
Islam o mais importante não é seguir o bem-comum na política mas sim proibir o
que Alá proíbe e permitir o que Alá permite caso contrário se o governante
permitir o que Alá proíbe e proibir o que Alá permite ele é marcado com o
rótulo infamante de tirano e deve ser derrubado.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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