terça-feira, 21 de março de 2017

Breves Notas sobre a Filosofia do Direito

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                                “Dura Lex Sed Lex”
                                   Direito romano

O jusfilósofo brasileiro, Miguel Real, diz na sua obra “Filosofia do Direito” que o estudo da filosofia se divide em 3 ramos, quais sejam:

   1-  Gnoseologia ou Teoria do Conhecimento;
   2-  Axiologia ou Teoria do Valor e;
   3-  Ontologia ou Metafísica geral.

O Direito, a Economia, a Política, etc., cabem no ramo axiológico da Filosofia que é aquele ramo da filosofia que vai estudar ou teorizar acerca do valor, ou seja, do dever ser. O valor tomado enquanto especulativamente nos dá a Ética, a qual procura alcançar a juízos lógicos do verdadeiro e do falso. Mas quando tomado enquanto praticamente como objecto da dramaticidade humana temos a moral a qual procura alcançar a um núcleo axiológico antropológico do certo e do errado.

Aparentemente parece haver uma diferença entre ética e moral. Porém, essa diferença não é uma diferença específica formal mas apenas material. O neo-kantista George D’el Vecchio divide a ética em duas partes: a moral e o direito de modo que a ética implica a moral e ela também implica o direito. É preciso ter bastante cuidado para não confundir uma mera implicação lógica com o nexo lógico causal das categorias lógicas à priori da nossa menta porque, caso contrário, teríamos que proposicionar que a ética determina a moral o que é um absurdo. Ninguém especula primeiro acerca do verdadeiro e do falso para depois determinar moralmente a sua acção no tocante a aquilo que é certo ou errado.

Nietzsche dizia que a moral é fruto dos hábitos e costumes dos povos. Ou seja, a moral é fruto da cultura no sentido antropológico do termo. Os minerais, os vegetais, os animais, não tem cultura, então, o problema da moralidade não se lhes coloca, ou seja, o problema do certo e do errado não lhes diz respeito. Por sua vez, o filósofo de Koenigsberg, o crítico Immanuel Kant reduz a moral a religião. Então, a religião seria, na visão de Kant, a filosofia moral. Contudo, conforme amplamente, por mim apoditicamente, necessariamente, demonstrado em outros artigos, o conceito, a ideia, ou seja, a representação mental, da nossa mente, que se tem de religião é bastante pueril.

Nietzsche
        Ora, é possível um homem sem hábitos e costumes? De modo nenhum. Porém, Nietzsche não fala de hábitos e costumes enquanto traços de personalidade que distinguem um indivíduo da espécie humana de um outro indivíduo da mesma espécie mas sim enquanto traços distintivos de uma colectividade humana em relação a uma outra colectividade humana. Então, os hábitos e costumes culturais variam conforme a colectividade. Se a moral emana dos hábitos e costumes culturais e estes são diferentes, então, sucede que não existe uma única moral mas sim uma multiplicidade de morais de modo que o que é uma acção moral numa colectividade A pode ser uma acção obscenamente imoral numa colectividade B. Mas, então, como é que essas duas acções podem ser morais? Para tal, teríamos que tomar a moral de cada uma das colectividades abstraídas de todas as suas singularidades, da sua propriedade, da sua matéria sensível, da sua extensão contínua e discreta e tomá-la na sua universalidade. Isso nos daria o processo abstractivo do terceiro grau que corresponde a metafísica que é propriamente a ontologia, o estudo do ser enquanto ser, o que nos daria a metafísica geral.

Deste modo, o fundamento último da moral não são os hábitos culturais, os costumes mas sim o próprio ser. Como vimos supra, a moral cabe no axio, no valor mesmo, o qual é o dever ser e somente um ser deve ser. Um não ser não deve ser. De modo que antes que sejamos agentes de acções moralmente certas ou erradas, ou seja, antes de devermos ser temos que ser.

Kant
Vimos também supra que para Kant a filosofia moral é a religião. Na verdade, não se pode separar totalmente a religião da moral ou seja a teologia propriamente da axiologia porque as duas ciências são de natureza teleológica, i.e., elas lidam com o ente na prossecução do seu fim último. Sabemos que o termo religião vem de religio que significa religar, reconectar, etc., de modo que a religião tende ao fim de reintegrar o ser humano na realidade suprema e universal que é o próprio Deus. A moral também procura a reintegração do humano mas não no divino mas sim na sua colectividade humana ao apartá-lo daquilo que é inconveniente e aproximá-lo daquilo que é conveniente.

Contudo, dizer que a moral emana da religião não passa de psicologismo. No mundo existem homens religiosos e irreligiosos, ateus e teístas. É claro que existe uma confusão muito grande no emprego desses termos. Se você ler “God, a delusion” de R.Dawkins, “deus não é Grande” de C.Hitchens, “God, a failed hipothesys” de V. Stenger, você vai ver que eles confundem ateu com irreligioso e confundem cristão, judeu, islamita com teísta e confundem teístas com religiosos.

É possível uma religião sem DEUS? Tertuliano nega isso peremptoriamente. Para aquele teólogo, religião é sempre a religião de Deus. Contudo, quando vemos os nativos da África praticarem sua religião animista começamos a ficar confusos. Ficamos mais confusos ainda quando os pagãos em todos os tempos e lugares praticavam e praticam a sua religião em torno dos espíritos dos seus antepassados, espíritos da floresta, etc. Eles chamam a isso de religião. Porém, Tertuliano diz que isso não é religião porque esses entes que os pagãos cultuam não passavam de espíritos de demónios. Então, de duas, uma: ou só existe a religião do Deus verdadeiro e todas outras são pseudo-religiões ou então elas são religiões de demónio ou então elas são tão religião quanto as religiões monoteístas como Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, só para mencionar as principais e as maiores.

São Tiago, o apóstolo, diz que “a religião verdadeira e imaculada para com Deus é visitar os órfãos e as viúvas na sua tribulação e fugir da corrupção do mundo”. Ora, o que é visitar os órfãos e as viúvas na sua necessidade? Isso é aquilo que no vocabulário da mística cristã se chama CARIDADE. O que é caridade? É Ágape, ou seja, amor incondicional. Quando você sai a rua e encontra um mendigo e você dá um pedaço de pão para ele, uma calça, uma camisa ou um dinheiro, você sabe que o mendigo não pode fazer nada por você. Por outras palavras, você não espera nenhuma recompensa vinda do mendigo a não ser que você seja um político e esteja caçando voto. Então, o que é isso? Isso é ágape, amor incondicional. É a famosa lição de Cristo sobre a caridade de novo e de novo e de novo.

Outro ponto: a religião é fugir da corrupção que pela concupiscência há no mundo. O que é isso? É você fazer o certo e evitar o errado. O que é isso? Isso é moral. Então, quando você não rouba, não mata, evita a mentira, etc., não porque a lei ordena que você faça isso mas “por princípio” como dizem muitos sem, no entanto, estarem cônscios do que dizem, você está sendo religioso.

Deste modo, você não precisa acreditar na existência de Deus para ser religioso. Crer em Deus ou em deus ou em deuses não fará de você um religioso mas fará você transcender seu senso religioso. Basta você ser bom para com seu próximo sem expectativa de recompensa da parte dele e ser um indivíduo moralmente certo sem ser por imposição da lei para você ser um religioso. De modo que quando os R.Dawkins, V.Stenger, D.Dennet, C.Hitchens dizem que não são religiosos, isso me faz rir. Eles não têm ideia do que estão dizendo. Se eles fossem irreligiosos, eles seriam um Hitler, um Stálin, um Mao Dez Dong, um Pol Pot et caterva. Na verdade, não existe um irreligioso completo a não ser que ele seja um psicopata de marca como os ilustres senhores que eu acabei de mencionar ou seja um indivíduo totalmente desprovido de sentimentos morais. Então, os ateístas podem dizer que não crêem na existência de Deus assim como os teístas não crêem num Deus pessoal como os cristãos mas crêem que deus é um força impessoal da natureza mas daí deduzir que você é um irreligioso é coisa de maluco.

Tudo isso que estamos dizendo é que a moral tem o seu fundamento no próprio ser. Os hábitos e costumes, ou seja, a cultura, só servem para imanentizar essa moral enquanto a religião serve para nos ajudar a transcendê-la.

Direito e Dever
Hoje em dia fala-se muito do direito, jus. Claude Le Fort chegou mesmo a dizer que “Democracia é criação de direito”. Contudo, isso não é uma definição nominal de democracia mas apenas um dos fins a que ela procura atender como estando sob a alçada da jurisprudência. Na verdade, isso é tomar o conceito hegeliano de essência como aquilo em que a coisa, a res, se torna no lugar de um conceito rigoroso e não apenas análogo.

Existem os direitos humanos. Fala-se da declaração universal dos direitos humanos. Fala-se da carta africana dos direitos humanos, porém, ninguém quer falar em deveres humanos. Então, o que seria um direito? Simone Weil diz que “direito é dever de outrem”. Quando as pessoas dizem que todas as crianças têm direito a educação, elas tomam dado como pressuposto que existe alguém cujo dever é educar todas as crianças. Ora, existe neste país indivíduos em quantidade suficiente com deveres de educar todas as crianças? De modo nenhum. Há zonas onde não há escola. Há pais que não têm poderio económico mínimo para colocar seus filhos na escola. Há crianças que não têm pais nem familiares próximos, etc. De modo que dizer que todas as crianças têm direito a educação é você enunciar uma premissa universal e abstracta tão rebuscada cuja mera pretensão de você coloca-la em prática ipsis verbis é uma cenoura de burro. Isso é um excesso de fundamentalismo laico dos estados modernos. Uma coisa é uma premissa universal e abstracta. Outra coisa, completamente diferente, é a situação particular e concreta de cada individuo humano e de cada colectividade humana tomada monadicamente no sentido de Leibniz.

Vimos que Georgio D’el Vecchio dividiu a ética em moral e direito. O direito é a jurisprudência. A moral tomada praticamente como uma acção certa, o que nos daria o conceito de virtude ou como uma acção errada, o que nos daria o vício, tem a ver com o dever. Então, a divisão da ética em moral e direito poderia também dizer-se uma divisão da ética em deontologia e jurisprudência.

Deontologia vem do grego deon (conveniente) e logia (ciência) de modo que deontologia, partindo do seu étimo grego, significa ciência do conveniente ou ciência do dever. Essa ciência foi fundada pelo utilitarista inglês Jeremias Bentham como a “teoria geral do dever” de modo que o direito requer o dever ou seja, a jurisprudência requer a deontologia.

Hoje em dia fala-se de ética e deontologia profissional, porém isso não me parece correcto. Por quê? Porque a deontologia implica a ética. O que está havendo aqui é apenas uma confusão entre um conceito universal e um conceito particular subalternado. Agora, muito poucas pessoas sabem que a deontologia é uma teoria que remonta a tradição utilitarista de modo que somente falam de deontologia profissional e não sabem do que estão falando. Quando Bentham falava em deontologia ele tinha em mente apenas os deveres que pudessem contribuir para aumentar a soma da felicidade pública de modo que para tal os tais deveres deviam ser úteis, deviam ter utilidade. O que é utilidade? É satisfação. É claro que Bentham não fala aqui de satisfação no sentido do hedonismo grego de prazer mas no sentido económico do termo.

Do Direito Justo
Santo Tomás de Aquino fala de uma hierarquia no edifício das leis mas não lei tomada apenas no seu sentido filosófico de direito positivo, ou seja, o sentido de norma jurídica mas no sentido mais elástico do termo envolvendo mesmo as leis da natureza conforme estudadas empiricamente pela física como nexo causal das nossas categorias pensamentais.

Diz o doutor angélico que em primeiro lugar temos as leis divinas. Em segundo lugar temos as leis cósmicas. Em terceiro lugar temos as leis naturais e em quarto lugar temos as leis jurídicas. Partindo do princípio sagrado que é a hierarquia propriamente dita de hiera (sagrado) e arkhé (princípio), as leis divinas abarcam e subordinam as leis cósmicas, naturais e jurídicas. As leis cósmicas abarcam e subordinam as leis naturais e as leis jurídicas. As leis naturais abarcam e subordinam as leis jurídicas. As leis jurídicas, a nenhum das leis anteriores abarca e subordina mas é abarcada e subordinada por todas elas. Igualmente, as leis divinas por nenhuma das leis que a sucedem são abarcadas e subordinadas mas elas a todas abarca e subordina.

Deste modo, uma insubordinação das leis jurídicas as leis naturais é uma violação das leis naturais. Agora, deve-se especificar muito bem o sentido em que fazemos o uso do termo natureza porque ele é um termo equívoco. Ele tem um duplo sentido. Essa ambiguidade não é um erro de gramática mas expressa propriamente a tensão que existe na natureza. Então, temos natureza como phisis que é o campo dos fenómenos acessíveis aos métodos de observação e experimentação das ciências da natureza. Mas também existe natureza como kstei, ou seja, natureza entendida como natureza primordial ou natureza essencial. São Paulo, Apóstolo, na sua epístola aos romanos, quando ele fala do homossexualismo, ele usa esses dois sentidos da palavra natureza. Ele diz que os homossexuais foram para fora da natureza e ao mesmo tempo diz que eles pecaram contra a natureza. Ora, isso é uma ambiguidade mas uma ambiguidade proposital que resulta da natureza mesmo das coisas. É por isso que o filósofo Olavo de Carvalho diz que São Paulo, o apóstolo, é um dos grandes escritores da humanidade por ter sabido lidar com essas contradições.

Então, quando ele diz que o homossexualismo é antinatural não é no sentido da phisis como quem diz que os homossexuais estão a violar a lei da gravitação universal de Newton ou as leis da termodinâmica, etc., mas sim no sentido de kstei, ou seja, das leis da natureza primordial porque o cú considerado desde o ponto de vista anátomo-fisiológico não é nenhum órgão sexual e nem é preciso ser sexólogo para saber que a função número um do sexo é a perpetuação da espécie e não propriamente dar vasão as nossas fantasias eróticas. De modo que quando um homem contrai matrimónio e ele descobre que sua mulher é estéril ele tem todo o direito natural ao qual se subordina por implicação lógica o direito normativo de entrar em tribunal com uma acção de divórcio. O mesmo também acontece com a mulher se ela descobre que seu marido é impotente, ela não tem o dever natural de permanecer casado com ele.

Então, São Tomás de Aquino diz que se uma lei viola uma lei que lhe é superior ela é uma lei injusta. Deste modo, se a lei jurídico-normativa violar a lei natural, ou a lei cósmica ou a lei divina, ela é injusta e, diz São Tomás de Aquino, os súbditos de qualquer país têm todo o direito de não obedecer uma lei injusta, contanto que da sua desobediência resulte menos dano do que da sua obediência.

Essa ideia de lei justa e de lei injusta de São Tomás de Aquino é deveras importante porque ele inaugurou uma nova visão no campo do direito o que mais tarde levou o neo-kantista Rudolf Stammler a falar em direito justo e direito injusto. Quando se intenta uma acção em tribunal ninguém fá-lo questionando se a jurisprudência ou seja, o direito positivo daquele país é justo ou injusto o que torna essa questão muito mais importante ainda.

Ora, o que seria um direito justo e um direito injusto? Para entendermos isso temos que primeiramente saber o que é justiça. Então, vamos voltar para o império romano porque é ali que o direito surge, pela primeira vez, como ciência. Então temos o famoso “direito romano” que ao lado da moral tradicional judeo-cristã e a filosofia grega, mormente Platão e Aristóteles, são os pilares da civilização ocidental. Para os juristas romanos, a ideia de justiça se cristaliza na seguinte máxima: “dura lex sed lex”. Ou seja, para os romanos, justiça é dar a cada um o que é de cada um. Contudo, no seu sentido político, justiça é o bem-comum. De modo que se um governante ao invés de buscar o bem comum está usando os meios materiais, financeiros, militares e jurídicos do estado para perseguir um bem-particular, sua governação é injusta.

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No Islam o mais importante não é seguir o bem-comum na política mas sim proibir o que Alá proíbe e permitir o que Alá permite caso contrário se o governante permitir o que Alá proíbe e proibir o que Alá permite ele é marcado com o rótulo infamante de tirano e deve ser derrubado.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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