Uma das grandes conquistas da
filosofia foi a descoberta da consciência transcendental por Descartes e
Husserl como o fundamento do conhecimento. Isso é que é fenomenologia, ou seja,
a redução dos entes a sua essência através da sua descrição tal como nos
aparecem na consciência. A esses dois gigantes junta-se E.Voeglin, “o filósofo
da consciência”, que, partindo do pressuposto de que toda experiência humana é
transcendental por natureza, transforma sua filosofia política numa
fenomenologia da política.
Descartes e Husserl
Edmund
Husserl é o fundador da escola do pensamento filosófico conhecida como
fenomenologia que, como assinalamos em um outro artigo em que apresentamos
algumas pequenas notas sobre uma colectânea de prelecções do professor Olavo de
Carvalho publicadas com o título “Edmund Husserl contra o Psicologismo”, é uma
modalidade do aparecimento dos entes mas não como percebidos enquanto empíria ou
seja como percepção imediata do dado sensível mas tal como nos aparece na consciência
de modo que a fenomenologia é uma técnica filosófica da redução dos entes à sua
essência.
Husserl
é, de longe, o homem que melhor compreendeu Descartes e não é debalde que ele se
considera um cartesiano. Eu li aquelas que considero as duas principais obras
de Descartes, digo: “Discurso do Método” e as “Meditações de Filosofia Primeira”.
Essas duas obras são complementares. É por isso que eu digo que Descartes é um filósofo
de verdade porque ele não apenas tinha unidade do saber mas também buscava essa
unidade do saber na sua consciência e buscava a unidade da consciência na
unidade do saber. Agora, Husserl, seguindo os passos de Descartes, chegou ao ego cogito cartesiano como fundamento do
conhecimento. Porém, como vimos no artigo a que fiz referência acima, Husserl
adopta uma atitude diferente da do seu mestre. Ou seja, Descartes após
descobrir o ego cogito ele diz: “isso
já não é um problema para mim. Agora já posso dedicar-me a busca do
conhecimento objectivo”. Husserl, ao contrário, depois de ter estudado
amplamente a Matemática, quando ele chega ao ego cogito que ele chama de consciência transcendental, ele diz: “o
conhecimento objectivo já não é um problema para mim. Agora, eu vou permanecer
aqui na consciência transcendental”.
Sem
compreender essa diferença de atitude entre Descartes e Husserl torna impossível
a compreensão da fenomenologia. Ou seja, a fenomenologia consiste em descrever
o ente tal como ele aparece na consciência, i.e., como ele é percebido pela consciência.
Ora, o que é consciência? Consciência vem de cum+ sciencia o que significa saber que sabe. Então, se você
abandona a consciência, e, neste caso, a consciência transcendental, todo
conhecimento objectivo perde o seu fundamento e cai-se no psicologismo e no cepticismo.
Eric Voeglin
Para
além de Descartes e Husserl podemos ligar essa questão que estamos analisando
com outro grande filósofo, o judeu-alemão Eric Voeglin. Voeglin é conhecido
como “o filósofo da consciência”, portanto, sua filosofia está, sem dúvida
alguma, ligada com a fenomenologia. Ora, o que é a filosofia de Voeglin ou para
Voeglin? Há uma sentença de Voeglin que diz: “não estudem a filosofia de Eric
Voeglin. Estudem a realidade”(sic). Isso nos leva, então, a noção de política
ou se quisermos de filosofia política em Voeglin. Para E.Voeglin a política, ou
melhor, a filosofia política consiste em descrever a realidade tal como ela nos
aparece. Ora, tal como ela nos aparece onde? Na consciência. Por quê? Porque
Voeglin é um filósofo da consciência. De modo que a filosofia política de
Voeglin é, no final das contas, uma fenomenologia da política.
A
fenomenologia é importantíssima na análise da realidade, uma análise descritiva
e não dedutiva, porque como diz o próprio Voeglin “toda experiência humana é transcendental
por natureza”. Se ela é transcendental, então, a realidade, reduzida
fenomenologicamente a sua essência, só pode ser descrita e nunca silogisticamente
deduzida porque sendo transcendental ela é percebida intuitivamente.
O que
seria uma intuição? Uma intuição é aquilo que o filósofo Olavo de Carvalho
chama de percepção imediata de uma presença. Então, você pode perceber um gato.
Podemos pedir para você descrever o gato. O que notaremos? Notaremos que a percepção
é muito rica e completa. De modo que falar em percepção errada não é correcto. Uma
percepção nunca é errada. Por exemplo, pode passar uma hiena a sua frente e
você dizer que viu um lobo. Isso significa que a sua percepção foi errada? De modo
nenhum. Então, onde é que apareceu o erro: na sua percepção de hiena ou na sua interpretação?
É na sua interpretação evidentemente. Então, aqui fica claro por quê Husserl,
tendo descoberto a consciência transcendental, diz: “eu vou fixar-me aqui. Daqui
não saio. Aqui é que está o eixo do conhecimento”.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
Agradeço pelo texto muito rico quando lido de maneira pormenorizada. Estudo Husserl pois tenho vontade em compreender as teorias científicas do Direito, atualmente estou me tornando adepto da Escola de Viena e como devemos escolher uma trilha é por essa que vou. Estive procurando aqui no Brasil a obra do ilustre Julio Fragata, a Fenomenologia de Husserl como fundamento da Filosofia. livraria cruz / faculdade de filosofia, braga 1985, in-8.º de 286 pags, mas não a encontro em lugar algum, caso pudesse enviar nesse email(do comentário) uma digitalização para uso pessoal seria muito grato.
ResponderExcluirutfprmail@gmail.com
ResponderExcluirGrato.