terça-feira, 21 de março de 2017

Intelecto possível e intelecto agente

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(Aristotélēs; Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.)
O intelecto possível capta o inteligível enquanto potência e o intelecto agente capta o inteligível enquanto acto. Agora, “nada passa da potência ao acto senão por algo que já esteja em acto” de modo que o acto precede a potência assim como a forma precede a matéria, a essência precede a existência a substância precede o acidente.
O intelecto, em Aristóteles, é uma potência da alma que diferencia o homem do animal. Contudo, Zubiri nega que haja uma diferença específica entre o homem e o animal e diz que essa diferença é total de modo que mesmo o sensitivo no homem já não é mais animal mas humano.

Existe alguma diferença específica entre o homem e o animal? Se calhar podíamos até mesmo alargar o universo dessa pergunta e incluir nela a ideia de mineral, a ideia de vegetal e não apenas a ideia de animal. Quando examinamos o homem descobrimos que ele é mineral, vegetal e animal tota simul. Porém, para além disso, o homem também é espiritual.

Partindo da analogia da estrutura anátomo-fisiológica da espécie homem com a de outras espécies como os chipanzés, os biólogos chegaram ao cientificismo do dogma esotérico da evolução que vem desde os tempos do avô de Charles Darwin, o sr. Erasmus Darwin, e desde os tempos de Herbert Spencer se bem que já na Grécia antiga houvesse já alguns vestígios de formulação do evolucionismo em nível discurso mitopoético e retórico. Porém, se há algo do animal que podemos atribuir ao homem, também existe algo de mineral e de vegetal de que pode predicar o homem sinteticamente. De modo que se é cientificamente válida a hipótese de que o homem veio do macaco ou é parente próximo do macaco como resultado dessas analogias também tem que ser válida a hipótese de que o homem veio dos minerais ou dos vegetais ou que é parente próximo desses porque o homem também é mineral e vegetal em sua constituição material.

Do dado de que o homem partilha com o animal algumas notas anátomo-fisiológicas e mesmo psíquicas não prova a origem remota do homem como que referida ao animal. Antes pelo contrário, como o animal está contido no homem isso significa apenas que o homem implica o animal. Isso não tem nada a ver com a tese teosófica que Helena Petrovna Blavasky apresenta no seu livro “Doutrina Secreta” de que “o macaco descende do homem”. De modo nenhum. Também podemos dizer que o homem implica o mineral e o vegetal.

Aristóteles e São Tomas de Aquino dizem que o homem partilha com o animal apenas o aspecto sensitivo do ente, diferenciando-se o homem do animal pelo seu aspecto intelectivo.

É também comum as pessoas dizerem que a diferença entre o homem e o animal é que o animal é irracional e o homem é racional. Ser racional significa apenas ser dado a ratio, razão, ou seja, ser capaz de produzir um conhecimento novo a partir de um conhecimento velho. Essa é a ideia do estagirita e do doutor angélico sobre raciocínio. A forma mais conhecida de raciocínio é o silogismo que é o raciocínio em 3 etapas. Quer dizer, dada uma premissa universal abstracta, conhecida como premissa maior, você chega por dedução a uma conclusão particular e concreta com a ajuda de um termo médio, que é uma premissa menor. Como já disse supra existem outras formas de raciocínio como, por exemplo, a ENTIMEMA que é propriamente a forma do raciocínio natural do ser humano, sendo o silogismo, o raciocínio em 3 etapas apenas artificial.

 O grandioso Leibniz escreveu que a diferença entre o homem e o animal é que o animal tem consciência enquanto o homem tem para além da consciência a autoconsciência. Consciência vem do latim cum+sciencia e significa saber que sabe. Enquanto isso, a autoconsciência significa saber que sabe que sabe. Isso nos remete ao intelecto de Aristóteles como diferença específica entre o homem e o animal porque do intelecto temos a inteligência e consciência é inteligência. De modo que dizer que o animal tem consciência é o mesmo que dizer que ele tem inteligência. Então, existiria uma inteligência animal. Então, neste caso, o inteligir não seria propriamente apenas uma prerrogativa do intelecto mas também dos sentidos.  Isso, no entanto, é algo para ser meditado e aprofundado em futuros artigos em que pretendo tratar especificamente e mais detidamente a respeito da consciência.

Podemos completar esse status questionais com a visão de Xavier Zubiri acerca disso tudo porque até aqui, ou seja, de Aristóteles, passando por São Tomás, até Leibniz vimos que a diferença entre o homem e o animal é apenas específica. Ora, isso faz com que o animal e o homem sejam espécies do mesmo género. Zubiri nega isso. Ele diz que a diferença entre o homem e o animal não é específica mas total. Deste modo, o sensitivo quando referido ao homem não é animal, é humano.

Voltando ao título deste artigo, o que significa voltar a Aristóteles e a São Tomás de Aquino, nós temos o intelecto possível o qual capta os inteligíveis apenas em potência e temos o intelecto agente que capta os inteligíveis em acto. Isso o animal não tem porque isso é propriamente humano, ou seja, o inteligir tem a ver propriamente com a inteligência humana da parte intelectual do homem, da parte espiritual do homem.

Agora, o intelecto agente é aquele que imprime a forma do inteligível no intelecto possível, o qual é apenas em potência. O acto e a potência como uma das polaridades aristotélicas como forma e matéria, substância e acidente, essência e existência estão no centro mesmo da filosofia aristotélica de modo que o sistema de Aristóteles é, no fundo, uma tensão não propriamente dialéctica mas uma tensão entre contrários porque não pretende chegar a nenhuma síntese mas apenas partir da empírea e desta ir racionalizando a empírea de modo que Aristóteles é um racionalista-empirista.

Há uma máxima muito interessante sobre as polaridades aristotélicas que diz que “nada passa de potência a acto senão por aquilo que já está em acto”. De modo que o acto precede a potência. A forma precede a matéria. A essência precede a existência e a substância precede o acidente. Existe uma frase no “Fausto” de Goethe atribuído a Mefistófeles que diz: “no princípio era a acção”, quer dizer acto. Isso é correctíssimo, de modo que o acto ou a acção é o próprio logos divino. Spinoza diz que se “no princípio era o verbo”, o logos, isso significa que já não é mais. Então, o que é? Potência? O NADA? Isso é um absurdo porque seria o mesmo que dizer que a potência precede o acto ou que o nada precede ao ser.

Agora, a questão da inteligibilidade é muito importante na formulação da teoria do conhecimento que o filósofo Olavo de Carvalho chamou de a “tripula intuição”. Quer dizer, para que haja conhecimento o homem tem que ter primeiro a intuição do sujeito. Segundo ele tem que ter a intuição do objecto e terceiro ele tem que ter, por exemplo, a intuição de um meio luminoso que vai conectar o sujeito com o objecto e permitir que este saia da sua esfera e entre na esfera do objecto e apreenda o que do objecto pode ser conhecido e volte para a sua esfera enriquecido com o conhecimento acerca do objecto, ou seja, das suas propriedades, da sua singularidade, da sua matéria sensível, da sua extensão contínua e discreta, das suas categorias pensamentais, etc.

Mas nem tudo é inteligível e não o é porque está em potência e necessita-se de algo que esteja em acto para fazê-lo passar da potência ao acto. Tem aquela frase famosa de Einstein que diz que “nada é mais ininteligível do que o facto de que tudo é tão inteligível”. O que é isso? É a mesma polaridade aristotélica do acto e potência. Ou seja, aquilo que é ininteligível o é apenas como potência conforme captado pelo intelecto possível e aquilo que é inteligível o é enquanto acto conforme captado pelo intelecto agente.

Então, aqui podemos introduzir o conceito de paciente como estamos fazendo referência ao agente que é aquele que tem a potência do acto. Ora, o paciente não é o indivíduo que está doente mas o indivíduo que sofre a acção da doença. Paciente não é aquele que espera mas aquele que sofre a acção da espera. Na verdade, a palavra paciente vem de paixão que significa sofrimento, padecimento, e não um estado idílico da Primavera da vida em que os jovens se encontram frequentemente. Estar apaixonado por alguém significa estar a sofrer por esse alguém. E a paixão não precede o amor. De modo nenhum. Somente se apaixona quem ama. Agora, confundir amor com Eros ou com Afrodite que são os deuses gregos da sexualidade masculina e feminina é um vício da modernidade.

        Paciente é quem sofre uma acção. Então, ele fica em estado de paixão, ou seja, em estado de sofrimento. Agora, o intelecto possível é paciente porque ele recebe a forma do inteligível do intelecto agente. Mas o inteligível não é apenas enquanto acto e nem o é também apenas enquanto potência mas sim enquanto acto e potência simultaneamente. Os materialistas depois de Berkeley fizeram uma abstracção da matéria da sua forma inteligível e ficaram apenas com a matéria. Mas isso é um absurdo porque eu só posso conhecer o cavalo pela sua forma inteligível que é a cavalaridade. Eu só posso conhecer o ser humano pela sua forma inteligível que é a humanidade. Isso faz do evolucionismo de Darwin, o qual é determinista e do evolucionismo de Dawkins, o qual é fortuito, casuístico, uma fantasia tão pueril porque o sensível abstraído do inteligível se reduz apenas ao fantástico. 

A forma como um arquétipo platónico, uma ideia, ela é eterna e imutável. Isso é conforme a metafísica geral, a ontologia na sua última divisão do ser que consiste em ser a se e em ser ab alio. A forma, por exemplo, de um triângulo que é a triangularidade é um ser ab aeterno mas não um ser a se met ipsu porque, senão, ele teria que ser uma substância omnipresente. Isso esclarece uma série de coisas como por exemplo o delírio evolucionista porque um macaco mudar sua forma essencial para assumir a forma humana é uma impossibilidade metafísica pura e simples. Ela viola o princípio de identidade porque um ser não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto. Ontologicamente, se o homem é um macaco evoluído ele continua sendo tão macaco quanto qualquer outro macaco. De modo que ontologicamente, que é o ponto de vista propriamente preeminente da estrutura da realidade é um absurdo.

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Na Economia fala-se do consumidor paciente. Paciente é aquele que sofre uma paixão contrariamente ao agente que é aquele que exerce uma acção. Na teoria económica o consumidor é um agente, sendo ele um agente como é que ele pode ser um paciente. Quando o consumidor poupa para o futuro, ele está padecendo alguma paixão? Depende. Em caso de uma poupança voluntária ele não pode ser paciente mas apenas no caso de uma poupança compulsiva caso contrário isso não passaria de um masoquismo.

ESCRITOPOR|XADREQUE SOUSA|shatreksousa@gmail.com 

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