quarta-feira, 22 de março de 2017

Consciência transcendental: Husserl, Descartes e Voeglin

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Uma das grandes conquistas da filosofia foi a descoberta da consciência transcendental por Descartes e Husserl como o fundamento do conhecimento. Isso é que é fenomenologia, ou seja, a redução dos entes a sua essência através da sua descrição tal como nos aparecem na consciência. A esses dois gigantes junta-se E.Voeglin, “o filósofo da consciência”, que, partindo do pressuposto de que toda experiência humana é transcendental por natureza, transforma sua filosofia política numa fenomenologia da política.


Descartes e Husserl
Edmund Husserl é o fundador da escola do pensamento filosófico conhecida como fenomenologia que, como assinalamos em um outro artigo em que apresentamos algumas pequenas notas sobre uma colectânea de prelecções do professor Olavo de Carvalho publicadas com o título “Edmund Husserl contra o Psicologismo”, é uma modalidade do aparecimento dos entes mas não como percebidos enquanto empíria ou seja como percepção imediata do dado sensível mas tal como nos aparece na consciência de modo que a fenomenologia é uma técnica filosófica da redução dos entes à sua essência.

Husserl é, de longe, o homem que melhor compreendeu Descartes e não é debalde que ele se considera um cartesiano. Eu li aquelas que considero as duas principais obras de Descartes, digo: “Discurso do Método” e as “Meditações de Filosofia Primeira”. Essas duas obras são complementares. É por isso que eu digo que Descartes é um filósofo de verdade porque ele não apenas tinha unidade do saber mas também buscava essa unidade do saber na sua consciência e buscava a unidade da consciência na unidade do saber. Agora, Husserl, seguindo os passos de Descartes, chegou ao ego cogito cartesiano como fundamento do conhecimento. Porém, como vimos no artigo a que fiz referência acima, Husserl adopta uma atitude diferente da do seu mestre. Ou seja, Descartes após descobrir o ego cogito ele diz: “isso já não é um problema para mim. Agora já posso dedicar-me a busca do conhecimento objectivo”. Husserl, ao contrário, depois de ter estudado amplamente a Matemática, quando ele chega ao ego cogito que ele chama de consciência transcendental, ele diz: “o conhecimento objectivo já não é um problema para mim. Agora, eu vou permanecer aqui na consciência transcendental”.

        Sem compreender essa diferença de atitude entre Descartes e Husserl torna impossível a compreensão da fenomenologia. Ou seja, a fenomenologia consiste em descrever o ente tal como ele aparece na consciência, i.e., como ele é percebido pela consciência. Ora, o que é consciência? Consciência vem de cum+ sciencia o que significa saber que sabe. Então, se você abandona a consciência, e, neste caso, a consciência transcendental, todo conhecimento objectivo perde o seu fundamento e cai-se no psicologismo e no cepticismo.

Eric Voeglin
Para além de Descartes e Husserl podemos ligar essa questão que estamos analisando com outro grande filósofo, o judeu-alemão Eric Voeglin. Voeglin é conhecido como “o filósofo da consciência”, portanto, sua filosofia está, sem dúvida alguma, ligada com a fenomenologia. Ora, o que é a filosofia de Voeglin ou para Voeglin? Há uma sentença de Voeglin que diz: “não estudem a filosofia de Eric Voeglin. Estudem a realidade”(sic). Isso nos leva, então, a noção de política ou se quisermos de filosofia política em Voeglin. Para E.Voeglin a política, ou melhor, a filosofia política consiste em descrever a realidade tal como ela nos aparece. Ora, tal como ela nos aparece onde? Na consciência. Por quê? Porque Voeglin é um filósofo da consciência. De modo que a filosofia política de Voeglin é, no final das contas, uma fenomenologia da política.

A fenomenologia é importantíssima na análise da realidade, uma análise descritiva e não dedutiva, porque como diz o próprio Voeglin “toda experiência humana é transcendental por natureza”. Se ela é transcendental, então, a realidade, reduzida fenomenologicamente a sua essência, só pode ser descrita e nunca silogisticamente deduzida porque sendo transcendental ela é percebida intuitivamente.

        O que seria uma intuição? Uma intuição é aquilo que o filósofo Olavo de Carvalho chama de percepção imediata de uma presença. Então, você pode perceber um gato. Podemos pedir para você descrever o gato. O que notaremos? Notaremos que a percepção é muito rica e completa. De modo que falar em percepção errada não é correcto. Uma percepção nunca é errada. Por exemplo, pode passar uma hiena a sua frente e você dizer que viu um lobo. Isso significa que a sua percepção foi errada? De modo nenhum. Então, onde é que apareceu o erro: na sua percepção de hiena ou na sua interpretação? É na sua interpretação evidentemente. Então, aqui fica claro por quê Husserl, tendo descoberto a consciência transcendental, diz: “eu vou fixar-me aqui. Daqui não saio. Aqui é que está o eixo do conhecimento”.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

2 comentários:

  1. Agradeço pelo texto muito rico quando lido de maneira pormenorizada. Estudo Husserl pois tenho vontade em compreender as teorias científicas do Direito, atualmente estou me tornando adepto da Escola de Viena e como devemos escolher uma trilha é por essa que vou. Estive procurando aqui no Brasil a obra do ilustre Julio Fragata, a Fenomenologia de Husserl como fundamento da Filosofia. livraria cruz / faculdade de filosofia, braga 1985, in-8.º de 286 pags, mas não a encontro em lugar algum, caso pudesse enviar nesse email(do comentário) uma digitalização para uso pessoal seria muito grato.

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