domingo, 12 de fevereiro de 2017

Respeito e impressões: breves notas

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Eu posso ter consideração por você, porém, somente quando eu me proponho a querer saber quem é você de verdade para além de todas as impressões que eu possa ter a seu respeito, somente aí, é que eu tenho respeito por você.

Não raras vezes as pessoas confundem respeito com boa educação. Então, você vê um individuo calmo, cheio de boas maneiras e até servil e você diz que ele é um individuo respeitoso e um individuo que não tem esses traços de personalidade é tido por desrespeitoso. Porém, se é verdade que as aparências iludem, aqui, elas iludem muito mais.

Certa vez, perguntei a alguns estudantes da Universidade Eduardo Mondlane: “o que é respeito?” E, por incrível que pareça, nenhum deles foi capaz de dar a resposta certa. Eles diziam coisas como: “respeito é ter consideração por…”. Porém, dialecticamente isso não se sustenta porque você pode ter consideração e não ter respeito. Por exemplo, se eu vou fazer um bolo e não considerar a sequência dos passos para fazer o bolo tal como aparece na receita, isso significa que eu não tenho respeito para com a receita de bolo? Isto por um lado, por outro lado, se eu posso ter respeito para com uma receita de bolo, então, a receita de bolo tem obrigação moral de ser respeitosa para comigo porque não há nenhuma relação que não acabe em reciprocidade como nas leis eternas do pitagorismo como demonstrado pelo filósofo Mário Ferreira dos Santos no livro “a sabedoria das leis eternas”.

O mineral pode ter respeito para com o vegetal? O vegetal pode ter respeito para com o animal? O animal pode ter respeito para com o hominal? Será que eu posso dizer que um gato me faltou com respeito ou que uma pedra, uma planta me faltou com respeito? Pelo critério de verosimilhança, não me parece que seja possível. Deste modo, a própria expressão respeito humano chega a ser redundante porque somente o ser humano pode ter ou não ter respeito.

O termo respeito vem do latim respiciere que significa “olhar de novo”. Isso expressa uma intencionalidade. Agora, o primeiro olhar não é igual ao segundo olhar, ao terceiro, ao quarto e assim por diante, apesar de os olhos continuarem a ser essencialmente os mesmos. Em cada olhar nossos olhos captam uma impressão diferente do mesmo objecto sobre a retina. Então, qual é a impressão verdadeira? Não sabemos.

Aliás, uma impressão não pode ser nem verdadeira nem falsa mas apenas o juízo que apreendemos da proposição que sintetiza aquela impressão num símbolo verbal, artístico, etc., acessível aos outros seres humanos que não tiveram aquela impressão. Contudo, uma vez que com os mesmos olhos captamos várias impressões diferentes acerca do mesmo objecto nós podemos estar enganados acerca da natureza essencial daquele objecto. Mas isso é diferente de falsidade e veracidade.

Se eu estou enganado, onde reside o engano? No objecto impressionado ou na própria impressão? Em nenhum dos dois. O engano está em não conseguir inteligir o apodíctico do assertório. Eu olho para um individuo gordo e já faço aquela cara feia, mas aquela pessoa não é a sua gordura é o seu eu. Quer dizer, o conhecimento pode começar com a impressão mas não é consumado na impressão. Por outras palavras, a “expressão de impressões” como a chamava Benedetto Croce é anterior a elaboração intelectual do objecto sobre a retina. Porém, depois que eu já compreendi o objecto, a função da impressão está terminada.

Se eu tenho várias impressões, por exemplo, a cerca de uma pessoa, como eu sei que é a mesma pessoa? Ou seja, como é que eu sei que aquela pessoa não é mais uma impressão que eu estou tendo? Então, nem tudo é tudo é fluxo do rio de Heráclito no qual não podemos nos banhar duas vezes, mas há algo que permanece o mesmo e que nos permite perceber os fluxos. O que é isso? É o fundamento do conhecimento humano. 

Para Sto Agostinho, esse fundamento é a certeza que a alma tem de sua própria existência. E, 1000 anos mais tarde, René Descartes vai diz que é a certeza que o “eu cogito” tem da sua própria existência que é o fundamento do conhecimento. O conceito do fundamento do conhecimento encerrado nas proposições de Sto.Agostinho e Descartes não estabelecem entre si uma relação mútua de contraditoriedade, nem de contrariedade. Na verdade, o que os dois estão dizendo converge numa doutrina chamada existencialismo. É claro que esse existencialismo é diferente do existencialismo de Jean Paul Sartre porque, por exemplo, o eu de Descartes é o eu que pensa, enquanto o eu dos existencialistas modernos é o eu que age in mundi res.

Vimos que respeitar é olhar de novo. É claro que isso não se refere ao olhar no sentido óptico da coisa porque, neste caso, os cegos seriam incapazes de respeitar o que quer que seja. Quando eu digo: “respeitar o que quer que seja”, isso não contradiz o que eu disse nos parágrafos anteriores sobre a reciprocidade do respeito, o que mostra que somente o ser humano é capaz de respeitar ou não respeitar dado haver no respeito ou no seu inverso uma intencionalidade sempre.

Quando dizemos que respeitamos o hino nacional, a bandeira, os lugares de culto, os cemitérios; na verdade, isso tudo não passa de metonímia, uma mera figura de linguagem que nos faz tomar o símbolo pelo simbolizado, o efeito pela causa, a obra pelo autor e assim por diante. Por exemplo, quando eu digo que tenho respeito por um lugar de culto, a primeira representação intelectual desse objecto que aparece na minha mente é “DEUS”. Então, é Deus a quem eu respeito e não a aquele lugar de culto, só que como Deus não está colocado para mim como um objecto está colocado para um sujeito eu só posso manifestar esse respeito muito indirectamente através das coisas que o simbolizam, embora, muito imperfeitamente, porém, é o melhor que eu posso fazer.

Como podemos olhar de novo ao menos que aquilo para o que estamos a olhar permaneça o mesmo? É o que eu disse há pouco. É preciso olhar de novo, de novo e de novo e da tensão dialéctica das várias impressões que temos conseguiremos captar algo daquilo que é permanente naquele individuo.

Eu posso ter consideração por você, porém, somente quando eu me proponho a querer saber quem é você de verdade para além de todas as impressões que eu possa ter a seu respeito, somente aí, é que eu tenho respeito por você, quando eu o olho de novo, de novo e de novo, a procura daquilo que o funda como ser humano distinto de mim e ao mesmo tempo igual a mim.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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