Eu posso ter consideração por você,
porém, somente quando eu me proponho a querer saber quem é você de verdade para
além de todas as impressões que eu possa ter a seu respeito, somente aí, é que
eu tenho respeito por você.
Não
raras vezes as pessoas confundem respeito com boa educação. Então, você vê um
individuo calmo, cheio de boas maneiras e até servil e você diz que ele é um
individuo respeitoso e um individuo que não tem esses traços de personalidade é
tido por desrespeitoso. Porém, se é verdade que as aparências iludem, aqui,
elas iludem muito mais.
Certa
vez, perguntei a alguns estudantes da Universidade Eduardo Mondlane: “o que é
respeito?” E, por incrível que pareça, nenhum deles foi capaz de dar a resposta
certa. Eles diziam coisas como: “respeito é ter consideração por…”. Porém,
dialecticamente isso não se sustenta porque você pode ter consideração e não
ter respeito. Por exemplo, se eu vou fazer um bolo e não considerar a sequência
dos passos para fazer o bolo tal como aparece na receita, isso significa que eu
não tenho respeito para com a receita de bolo? Isto por um lado, por outro
lado, se eu posso ter respeito para com uma receita de bolo, então, a receita
de bolo tem obrigação moral de ser respeitosa para comigo porque não há nenhuma
relação que não acabe em reciprocidade como nas leis eternas do pitagorismo
como demonstrado pelo filósofo Mário Ferreira dos Santos no livro “a sabedoria
das leis eternas”.
O
mineral pode ter respeito para com o vegetal? O vegetal pode ter respeito para
com o animal? O animal pode ter respeito para com o hominal? Será que eu posso
dizer que um gato me faltou com respeito ou que uma pedra, uma planta me faltou
com respeito? Pelo critério de verosimilhança, não me parece que seja possível.
Deste modo, a própria expressão respeito humano chega a ser redundante porque
somente o ser humano pode ter ou não ter respeito.
O
termo respeito vem do latim respiciere
que significa “olhar de novo”. Isso expressa uma intencionalidade. Agora, o
primeiro olhar não é igual ao segundo olhar, ao terceiro, ao quarto e assim por
diante, apesar de os olhos continuarem a ser essencialmente os mesmos. Em cada
olhar nossos olhos captam uma impressão diferente do mesmo objecto sobre a
retina. Então, qual é a impressão verdadeira? Não sabemos.
Aliás,
uma impressão não pode ser nem verdadeira nem falsa mas apenas o juízo que
apreendemos da proposição que sintetiza aquela impressão num símbolo verbal,
artístico, etc., acessível aos outros seres humanos que não tiveram aquela
impressão. Contudo, uma vez que com os mesmos olhos captamos várias impressões
diferentes acerca do mesmo objecto nós podemos estar enganados acerca da
natureza essencial daquele objecto. Mas isso é diferente de falsidade e
veracidade.
Se
eu estou enganado, onde reside o engano? No objecto impressionado ou na própria
impressão? Em nenhum dos dois. O engano está em não conseguir inteligir o
apodíctico do assertório. Eu olho para um individuo gordo e já faço aquela cara
feia, mas aquela pessoa não é a sua gordura é o seu eu. Quer dizer, o
conhecimento pode começar com a impressão mas não é consumado na impressão. Por
outras palavras, a “expressão de impressões” como a chamava Benedetto Croce é
anterior a elaboração intelectual do objecto sobre a retina. Porém, depois que
eu já compreendi o objecto, a função da impressão está terminada.
Se
eu tenho várias impressões, por exemplo, a cerca de uma pessoa, como eu sei que
é a mesma pessoa? Ou seja, como é que eu sei que aquela pessoa não é mais uma impressão
que eu estou tendo? Então, nem tudo é tudo é fluxo do rio de Heráclito no qual
não podemos nos banhar duas vezes, mas há algo que permanece o mesmo e que nos
permite perceber os fluxos. O que é isso? É o fundamento do conhecimento
humano.
Para
Sto Agostinho, esse fundamento é a certeza que a alma tem de sua própria
existência. E, 1000 anos mais tarde, René Descartes vai diz que é a certeza que
o “eu cogito” tem da sua própria existência que é o fundamento do conhecimento.
O conceito do fundamento do conhecimento encerrado nas proposições de
Sto.Agostinho e Descartes não estabelecem entre si uma relação mútua de
contraditoriedade, nem de contrariedade. Na verdade, o que os dois estão
dizendo converge numa doutrina chamada existencialismo. É claro que esse
existencialismo é diferente do existencialismo de Jean Paul Sartre porque, por
exemplo, o eu de Descartes é o eu que pensa, enquanto o eu dos existencialistas
modernos é o eu que age in mundi res.
Vimos
que respeitar é olhar de novo. É claro que isso não se refere ao olhar no
sentido óptico da coisa porque, neste caso, os cegos seriam incapazes de
respeitar o que quer que seja. Quando eu digo: “respeitar o que quer que seja”,
isso não contradiz o que eu disse nos parágrafos anteriores sobre a reciprocidade
do respeito, o que mostra que somente o ser humano é capaz de respeitar ou não
respeitar dado haver no respeito ou no seu inverso uma intencionalidade sempre.
Quando
dizemos que respeitamos o hino nacional, a bandeira, os lugares de culto, os cemitérios;
na verdade, isso tudo não passa de metonímia, uma mera figura de linguagem que
nos faz tomar o símbolo pelo simbolizado, o efeito pela causa, a obra pelo
autor e assim por diante. Por exemplo, quando eu digo que tenho respeito por um
lugar de culto, a primeira representação intelectual desse objecto que aparece
na minha mente é “DEUS”. Então, é Deus a quem eu respeito e não a aquele lugar
de culto, só que como Deus não está colocado para mim como um objecto está
colocado para um sujeito eu só posso manifestar esse respeito muito
indirectamente através das coisas que o simbolizam, embora, muito
imperfeitamente, porém, é o melhor que eu posso fazer.
Como
podemos olhar de novo ao menos que aquilo para o que estamos a olhar permaneça
o mesmo? É o que eu disse há pouco. É preciso olhar de novo, de novo e de novo
e da tensão dialéctica das várias impressões que temos conseguiremos captar
algo daquilo que é permanente naquele individuo.
Eu
posso ter consideração por você, porém, somente quando eu me proponho a querer
saber quem é você de verdade para além de todas as impressões que eu possa ter
a seu respeito, somente aí, é que eu tenho respeito por você, quando eu o olho
de novo, de novo e de novo, a procura daquilo que o funda como ser humano
distinto de mim e ao mesmo tempo igual a mim.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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