O filósofo Herculano
Pires acreditava que o homem era o único ente que existia porque ele é o único
objecto da nossa experiência que pensa.
Creio já ter demonstrado
que não é preciso pensarmos para sermos ou para existirmos, contudo, precisamos
de pensar para que o nosso eu possa ter certeza da sua própria existência e
para que encontremos um fundamento sólido para o conhecimento.
O saudoso filósofo e espírita brasileiro,
Herculano Pires, acreditava que o homem era o único ente da nossa experiência
que tem a prerrogativa da existência. Para ele, os minerais, os vegetais, os
animais e a res no geral não existiam
porque não pensavam. Sendo o homem o único ente da nossa experiência que pensa,
então, apenas o homem existe. Em outras palavras, para Herculano Pires, a
condição número um para a existência é o acto de pensar.
Essa crença de Herculano Pires não é nova.
Ela já estava em Descartes naquele seu mundialmente famoso aforisma: “cogito
ergo sum”. Descartes diz nas suas “meditações de filosofia primeira” que ele
estava buscando um fundamento sólido para a certeza, um fundamento sólido para
o conhecimento. Então ele começou por duvidar de tudo que ele aprendera no
Colégio de La Fleche com os jesuítas
e tudo que lhe era dado como dado sensível. Porém, chega, Descartes a conclusão
de que se ele está duvidando de tudo, pelo menos, ele não pode duvidar de que
ele está duvidando e que se ele está duvidando é porque ele pensa e que se ele
pensa é porque ele existe.
Para Descartes, o “ego cogito” não é
apenas o fundamento da existência mas, sim, do conhecimento científico, digo, a
certeza que o eu tem da sua própria existência. Antes de Descartes, Sto.
Agostinho havia descoberto como fundamento do conhecimento, a certeza que a
alma tem da sua própria existência. O eu cogito
de Descartes e a alma de Sto. Agostinho não são objectos distintos, eles são
coexistentes.
É claro que Aristóteles não aceita isso.
Ele tem a teoria da alma universal, de modo que, contrariamente a Sócrates e
Platão, ele vai negar a imortalidade da alma individual, a qual, para ele, não existe,
o que existe é apenas o intelecto agente. Rudolf Steiner, o pai da
antroposofia, não concorda com Aristóteles mas também não discorda totalmente
pelo menos no que se refere ao reino animal e ele vai dizer que os animais não
têm uma alma individual mas uma alma universal.
Se há uma alma universal para os homens,
todo o cristianismo cai por terra porque a mensagem central do cristianismo é a
mensagem de salvação da alma individual, de modo que Cristo salva a alma humana
em escala monográfica: alma por alma. Caso, contrário, se a alma humana fosse
universal bastaria Cristo salvar uma única alma que todas estariam salvas
porque são única e a mesma alma.
Se os animais também tivessem uma única
alma como propõe Steiner, a distinção entre animais puros e imundos não faria o
mais mínimo sentido. Não obstante, quando uma manada de leões vê o fogo, uns
fogem e outros não fogem. Só isso mostra que eles não sentem a mesma emoção
quando colocados diante de um mesmo objecto que deveria simbolizar perigo para
todos eles. Um sente medo e o outro não sente medo. Se eles tivessem a mesma
alma, eles teriam que sentir a mesma emoção porque a alma é precisamente isso,
o centro das emoções. No entanto, mesmo quando sentimos a mesma emoção, não a
sentimos da mesma maneira, mas de maneira diferenciada.
Se apenas o homem existe porque ele pensa,
isso significa que mal ele deixe de pensar ele desumanizou, ou seja,
mineralizou, vegetalizou ou animalizou. Hannah Arendt diz que “desde Sócrates
até Platão, pensar significava travar um diálogo silencioso consigo
mesmo”(sic). Neste sentido, pensar não é uma fatalidade. Há homens como
Eischmann que abdicam da prerrogativa de pensar. Na verdade, só pensa quem tem uma
“vida do espírito” como dizia a Dra. Arendt. Muitas pessoas imaginam que pensar
é construir sentenças. Então, o fulano diz: “amanhã, pelas 8:46hrs eu vou
visitar minha namorada no sítio X” e aí ele imagina que pensou. Mas isso não é
pensar porque formar sentenças, períodos, parágrafos, textos, até o computador
faz mas nem por isso o seu Macbook trava um diálogo interior consigo mesmo, ou
o monoslogion de Sto. Anselmo.
O acto de pensar, o diálogo interior
connosco mesmo só é possível porque a nossa mente é dialéctica, ou seja, a
nossa mente funciona na base na confrontação dialéctica de hipóteses. Quando eu
digo: “eu vou pular aquele murro” sempre e em toda parte surge uma segunda
proposição na minha mente: “E se eu não conseguir pular aquele murro…”. É
somente por causa disso que podemos dialogar connosco mesmo, i.e., arbitrar
dialecticamente essas duas proposições e rejeitar uma e aceitar outra ou
sintetizá-las numa terceira e assim por diante até chegarmos ao fundamento
sólido do conhecimento e da certeza.
Deus não tem uma mente dialéctica. Quando
Deus diz: “o mundo vai acabar” não surge na sua mente uma outra hipótese que
diz: “e se o mundo não acabar”? De modo que Deus não pensa, ele intui. Ele não está
sujeito a dúvida metódica cartesiana. Todo pensamento é uma operação da mente
humana que nos conduz a um conhecimento muito indirecto a respeito das coisas,
enquanto a intuição, como a definiu Olavo, é “a percepção imediata de uma
presença”(sic), ou seja, um aqui e agora. No pensamento, o qual é dialéctica,
nós sempre passamos de uma proposição para outra e para uma terceira e desta para
uma outra e outra e a coisa vai até chegarmos aos primeiros princípios da
lógica dedutiva, os quais não podem ser provados por serem auto-evidentes. Então,
aí, chegamos ao fundamento do conhecimento e da certeza.
Será que a existência se funda no acto de
pensar ou o acto de pensar embasa apenas o conhecimento da existência? Veja, a
expressão verbal do conceito existência vem do latim ex+sistere que significa situar-se fora de si. Como escrevi num
outro artigo a respeito de Descartes, antes de um ser se situar fora de si, ele
tem que estar situado em algum outro lugar, neste caso, ele tem que estar
situado dentro de si. É claro que o conceito lugar tem, aqui, um sentido,
apenas analógico e não rigoroso. Se existência é fora de si, sucede que dentro
de si, será, pelas polaridades aristotélicas, a essência mesmo, a qual
independe de pensarmos ou de não pensarmos.
Ora, se existência é você se situar fora
de si, i.e., fora da sua essência, e sendo essência, segundo Hegel, aquilo em
que uma coisa se torna, sucede que a essência e existência são coexistentes. Se
você me pedir para eu lhe mostrar a minha essência, eu não serei capaz de fazer
isso ao menos que eu exista e; se você me pedir que eu lhe mostre a minha existência,
eu não poderei fazer isso sem ser essencialmente eu, senão, você só vai captar
abstractivamente um pedaço de mim e não eu. É por isso que eu digo que a essência
e a existência são coexistentes. De modo que, a essência em si ou a existência em
si não passam de puro diletantismo orteguiano.
Isso não significa que subscrevo
integralmente o aforisma de José Ortega y Gasset que diz: “eu sou eu e a minha circunstância”
(sic). De modo nenhum. Já num artigo publicado neste blog eu coloquei a seguinte questão: “em que sentido é que eu sou a
minha circunstância?” E a minha resposta foi: “não pode ser no sentido em que
eu sou eu”. Na verdade, a minha circunstância é um eu diluído nos outros eus. O
eu cartesiano é o eu pensante. O eu dos existencialistas é o eu que age. Agora,
a minha circunstância não pensa e nem age. Entretanto, a minha circunstância não
age mas ela é o cenário que me foi dado e no qual o meu eu age. A minha circunstância
é feita pelo tempo-histórico, os espaços geográficos, os meios de acção de que
me disponho para exercer acção sobre um dado objecto mas, isso não sou eu. Isso
é apenas a minha circunstância que, na verdade, não é apenas minha, mas a de
uma colectividade mais ou menos imensa, malgrado cada um de nós se orientar de
forma mais ou menos diferenciada no meio dela. De modo que, quando Ortega y
Gasset diz: “eu sou eu e a minha circunstância” como se fosse um sujeito
composto, ele está apenas raciocinando metonimicamente.
Não é preciso pensarmos para sermos ou
para existirmos, contudo, precisamos pensar para que o nosso eu possa ter
certeza da sua própria existência e para encontrarmos um fundamento sólido para
o conhecimento. Deste modo, malgrado os minerais, os vegetais e os animais não pensarem,
não fazerem o exercício dialéctico da confrontação de hipóteses, isso não prova
que eles não existem porque, neste caso, quando comemos carne de Vaca, não seria
a carne de Vaca que estaríamos comendo mas sim apenas o conceito de carne de
Vaca.
Não somente isso, nós teríamos um grande
problema com Kant porque Kant diz que tudo não passa de fenómenos e que nós não
conhecemos os númenos, a coisa em si, mas apenas a sua aparência fenoménica. É claro
que Kant sofria de uma terrível paralaxe cognitiva tal como Marx e tutti quanti porque se somente conhecemos
a aparência fenoménica da res, sucede
que não podemos conhecer a filosofia de Kant mas apenas a sua aparência fenoménica.
Ora, se você diz que o que conhecemos dos
objectos é apenas a sua aparência fenoménica e que não é possível conhecer a
coisa em si, como é que você sabe disso? Eu só sei que o tempo passa porque tenho
a intuição de uma escala de temporalidade que não está sujeita a variações, a sucessões
mas que é supratemporal, é eterna. Existem provas da eternidade? Mas é claro
que sim. Se eu digo que ontem foi terça-feira e que hoje é quinta-feira, eu
estou afirmando a sucessão do tempo? Mas estou afirmando essa sucessão onde? Dentro
de uma outra sucessão de tempo? Também. Porque quando eu digo que ontem foi
quarta-feira, há um tempo que permanece. A semana permanece um pouco mais, o
mês mais ainda, o ano mais ainda, o ano, o século, o milénio, mais ainda. Porém,
depois que acabarem todas as escalas de temporalidade, há algo que ainda permanece,
no qual se dão todas as escalas de temporalidade que conhecemos. Isso é a
eternidade. De modo que, na escala da eternidade, quarta-feira e quinta-feira são
coexistentes.
Existir é apenas mais um dos inúmeros acidentes
que cercam o ente e não há nenhuma grandeza nisso porque o necessário é ser e não
existir. É como as pessoas que ficam discutindo se Deus existe ou se Deus não existe.
Isso é palhaçada porque essas pessoas estão apenas discutindo acidentes. Se Deus
existe ou não existe, “isso não inflói nem contribói”, o que importa é que DEUS
É. O homem não existe porque pensa, ele pensa porque existe. Se você não existisse
você nunca iria pensar a respeito da sua existência.
Os minerais existem. Os vegetais existem. Os
animais existem e os homens também existem. Agora, é claro que todos esses
entes existem em modalidades diferentes. O existir dos minerais não é o mesmo
que o das plantas e destas não é o mesmo que o dos animais e destes não é o
mesmo que o dos homens. A existência tem graus. Isso não é o Herculano Pires
quem diz. Isso sou eu quem digo. Neste sentido, a existência se realiza
plenamente no ser humano porque o ser humano é mineral, vegetal, animal e
espiritual tota simul. Experimente tirar
o espiritual do homem. Ele se torna num animal. Experimente tirar o animal do
homem. Ele se torna num vegetal. Experimente tirar o vegetal do homem. Ele se
torna num mineral. Experimente tirar o mineral do homem e não haverá nenhum
átomo, nenhum quacker, para contar a
sua história.
Nada disso significa que o homem tenha evoluído
das formas inferiores de seres primitivos como apregoado por Lamarck e os
darwinistas. De modo algum. Não há
provas de que o homem tenha evoluído, porém, é evidente que ele é evoluído. Isso
faz toda diferença. O BWM, o MERCEDES-BENZ, são carros altamente evoluídos. Isso
é evidente. Porém, isso não prova que eles evoluíram das carroças egípcias puxadas
a cavalo, lá, dos tempos do Faraó Tuntencamom. O homem é mais evoluído que os
outros entes desde os aspectos menos evoluídos até aos mais evoluídos.
ESCRITO POR|XADREQUE
SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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