quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Do existencialismo

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O filósofo Herculano Pires acreditava que o homem era o único ente que existia porque ele é o único objecto da nossa experiência que pensa.

Creio já ter demonstrado que não é preciso pensarmos para sermos ou para existirmos, contudo, precisamos de pensar para que o nosso eu possa ter certeza da sua própria existência e para que encontremos um fundamento sólido para o conhecimento.

O saudoso filósofo e espírita brasileiro, Herculano Pires, acreditava que o homem era o único ente da nossa experiência que tem a prerrogativa da existência. Para ele, os minerais, os vegetais, os animais e a res no geral não existiam porque não pensavam. Sendo o homem o único ente da nossa experiência que pensa, então, apenas o homem existe. Em outras palavras, para Herculano Pires, a condição número um para a existência é o acto de pensar.

Essa crença de Herculano Pires não é nova. Ela já estava em Descartes naquele seu mundialmente famoso aforisma: “cogito ergo sum”. Descartes diz nas suas “meditações de filosofia primeira” que ele estava buscando um fundamento sólido para a certeza, um fundamento sólido para o conhecimento. Então ele começou por duvidar de tudo que ele aprendera no Colégio de La Fleche com os jesuítas e tudo que lhe era dado como dado sensível. Porém, chega, Descartes a conclusão de que se ele está duvidando de tudo, pelo menos, ele não pode duvidar de que ele está duvidando e que se ele está duvidando é porque ele pensa e que se ele pensa é porque ele existe.

Para Descartes, o “ego cogito” não é apenas o fundamento da existência mas, sim, do conhecimento científico, digo, a certeza que o eu tem da sua própria existência. Antes de Descartes, Sto. Agostinho havia descoberto como fundamento do conhecimento, a certeza que a alma tem da sua própria existência. O eu cogito de Descartes e a alma de Sto. Agostinho não são objectos distintos, eles são coexistentes.

É claro que Aristóteles não aceita isso. Ele tem a teoria da alma universal, de modo que, contrariamente a Sócrates e Platão, ele vai negar a imortalidade da alma individual, a qual, para ele, não existe, o que existe é apenas o intelecto agente. Rudolf Steiner, o pai da antroposofia, não concorda com Aristóteles mas também não discorda totalmente pelo menos no que se refere ao reino animal e ele vai dizer que os animais não têm uma alma individual mas uma alma universal.

Se há uma alma universal para os homens, todo o cristianismo cai por terra porque a mensagem central do cristianismo é a mensagem de salvação da alma individual, de modo que Cristo salva a alma humana em escala monográfica: alma por alma. Caso, contrário, se a alma humana fosse universal bastaria Cristo salvar uma única alma que todas estariam salvas porque são única e a mesma alma.

Se os animais também tivessem uma única alma como propõe Steiner, a distinção entre animais puros e imundos não faria o mais mínimo sentido. Não obstante, quando uma manada de leões vê o fogo, uns fogem e outros não fogem. Só isso mostra que eles não sentem a mesma emoção quando colocados diante de um mesmo objecto que deveria simbolizar perigo para todos eles. Um sente medo e o outro não sente medo. Se eles tivessem a mesma alma, eles teriam que sentir a mesma emoção porque a alma é precisamente isso, o centro das emoções. No entanto, mesmo quando sentimos a mesma emoção, não a sentimos da mesma maneira, mas de maneira diferenciada.

Se apenas o homem existe porque ele pensa, isso significa que mal ele deixe de pensar ele desumanizou, ou seja, mineralizou, vegetalizou ou animalizou. Hannah Arendt diz que “desde Sócrates até Platão, pensar significava travar um diálogo silencioso consigo mesmo”(sic). Neste sentido, pensar não é uma fatalidade. Há homens como Eischmann que abdicam da prerrogativa de pensar. Na verdade, só pensa quem tem uma “vida do espírito” como dizia a Dra. Arendt. Muitas pessoas imaginam que pensar é construir sentenças. Então, o fulano diz: “amanhã, pelas 8:46hrs eu vou visitar minha namorada no sítio X” e aí ele imagina que pensou. Mas isso não é pensar porque formar sentenças, períodos, parágrafos, textos, até o computador faz mas nem por isso o seu Macbook trava um diálogo interior consigo mesmo, ou o monoslogion de Sto. Anselmo.

O acto de pensar, o diálogo interior connosco mesmo só é possível porque a nossa mente é dialéctica, ou seja, a nossa mente funciona na base na confrontação dialéctica de hipóteses. Quando eu digo: “eu vou pular aquele murro” sempre e em toda parte surge uma segunda proposição na minha mente: “E se eu não conseguir pular aquele murro…”. É somente por causa disso que podemos dialogar connosco mesmo, i.e., arbitrar dialecticamente essas duas proposições e rejeitar uma e aceitar outra ou sintetizá-las numa terceira e assim por diante até chegarmos ao fundamento sólido do conhecimento e da certeza.

Deus não tem uma mente dialéctica. Quando Deus diz: “o mundo vai acabar” não surge na sua mente uma outra hipótese que diz: “e se o mundo não acabar”? De modo que Deus não pensa, ele intui. Ele não está sujeito a dúvida metódica cartesiana. Todo pensamento é uma operação da mente humana que nos conduz a um conhecimento muito indirecto a respeito das coisas, enquanto a intuição, como a definiu Olavo, é “a percepção imediata de uma presença”(sic), ou seja, um aqui e agora. No pensamento, o qual é dialéctica, nós sempre passamos de uma proposição para outra e para uma terceira e desta para uma outra e outra e a coisa vai até chegarmos aos primeiros princípios da lógica dedutiva, os quais não podem ser provados por serem auto-evidentes. Então, aí, chegamos ao fundamento do conhecimento e da certeza.

Será que a existência se funda no acto de pensar ou o acto de pensar embasa apenas o conhecimento da existência? Veja, a expressão verbal do conceito existência vem do latim ex+sistere que significa situar-se fora de si. Como escrevi num outro artigo a respeito de Descartes, antes de um ser se situar fora de si, ele tem que estar situado em algum outro lugar, neste caso, ele tem que estar situado dentro de si. É claro que o conceito lugar tem, aqui, um sentido, apenas analógico e não rigoroso. Se existência é fora de si, sucede que dentro de si, será, pelas polaridades aristotélicas, a essência mesmo, a qual independe de pensarmos ou de não pensarmos.

Ora, se existência é você se situar fora de si, i.e., fora da sua essência, e sendo essência, segundo Hegel, aquilo em que uma coisa se torna, sucede que a essência e existência são coexistentes. Se você me pedir para eu lhe mostrar a minha essência, eu não serei capaz de fazer isso ao menos que eu exista e; se você me pedir que eu lhe mostre a minha existência, eu não poderei fazer isso sem ser essencialmente eu, senão, você só vai captar abstractivamente um pedaço de mim e não eu. É por isso que eu digo que a essência e a existência são coexistentes. De modo que, a essência em si ou a existência em si não passam de puro diletantismo orteguiano.

Isso não significa que subscrevo integralmente o aforisma de José Ortega y Gasset que diz: “eu sou eu e a minha circunstância” (sic). De modo nenhum. Já num artigo publicado neste blog eu coloquei a seguinte questão: “em que sentido é que eu sou a minha circunstância?” E a minha resposta foi: “não pode ser no sentido em que eu sou eu”. Na verdade, a minha circunstância é um eu diluído nos outros eus. O eu cartesiano é o eu pensante. O eu dos existencialistas é o eu que age. Agora, a minha circunstância não pensa e nem age. Entretanto, a minha circunstância não age mas ela é o cenário que me foi dado e no qual o meu eu age. A minha circunstância é feita pelo tempo-histórico, os espaços geográficos, os meios de acção de que me disponho para exercer acção sobre um dado objecto mas, isso não sou eu. Isso é apenas a minha circunstância que, na verdade, não é apenas minha, mas a de uma colectividade mais ou menos imensa, malgrado cada um de nós se orientar de forma mais ou menos diferenciada no meio dela. De modo que, quando Ortega y Gasset diz: “eu sou eu e a minha circunstância” como se fosse um sujeito composto, ele está apenas raciocinando metonimicamente.

Não é preciso pensarmos para sermos ou para existirmos, contudo, precisamos pensar para que o nosso eu possa ter certeza da sua própria existência e para encontrarmos um fundamento sólido para o conhecimento. Deste modo, malgrado os minerais, os vegetais e os animais não pensarem, não fazerem o exercício dialéctico da confrontação de hipóteses, isso não prova que eles não existem porque, neste caso, quando comemos carne de Vaca, não seria a carne de Vaca que estaríamos comendo mas sim apenas o conceito de carne de Vaca.

Não somente isso, nós teríamos um grande problema com Kant porque Kant diz que tudo não passa de fenómenos e que nós não conhecemos os númenos, a coisa em si, mas apenas a sua aparência fenoménica. É claro que Kant sofria de uma terrível paralaxe cognitiva tal como Marx e tutti quanti porque se somente conhecemos a aparência fenoménica da res, sucede que não podemos conhecer a filosofia de Kant mas apenas a sua aparência fenoménica.

Ora, se você diz que o que conhecemos dos objectos é apenas a sua aparência fenoménica e que não é possível conhecer a coisa em si, como é que você sabe disso? Eu só sei que o tempo passa porque tenho a intuição de uma escala de temporalidade que não está sujeita a variações, a sucessões mas que é supratemporal, é eterna. Existem provas da eternidade? Mas é claro que sim. Se eu digo que ontem foi terça-feira e que hoje é quinta-feira, eu estou afirmando a sucessão do tempo? Mas estou afirmando essa sucessão onde? Dentro de uma outra sucessão de tempo? Também. Porque quando eu digo que ontem foi quarta-feira, há um tempo que permanece. A semana permanece um pouco mais, o mês mais ainda, o ano mais ainda, o ano, o século, o milénio, mais ainda. Porém, depois que acabarem todas as escalas de temporalidade, há algo que ainda permanece, no qual se dão todas as escalas de temporalidade que conhecemos. Isso é a eternidade. De modo que, na escala da eternidade, quarta-feira e quinta-feira são coexistentes.

Existir é apenas mais um dos inúmeros acidentes que cercam o ente e não há nenhuma grandeza nisso porque o necessário é ser e não existir. É como as pessoas que ficam discutindo se Deus existe ou se Deus não existe. Isso é palhaçada porque essas pessoas estão apenas discutindo acidentes. Se Deus existe ou não existe, “isso não inflói nem contribói”, o que importa é que DEUS É. O homem não existe porque pensa, ele pensa porque existe. Se você não existisse você nunca iria pensar a respeito da sua existência.

Os minerais existem. Os vegetais existem. Os animais existem e os homens também existem. Agora, é claro que todos esses entes existem em modalidades diferentes. O existir dos minerais não é o mesmo que o das plantas e destas não é o mesmo que o dos animais e destes não é o mesmo que o dos homens. A existência tem graus. Isso não é o Herculano Pires quem diz. Isso sou eu quem digo. Neste sentido, a existência se realiza plenamente no ser humano porque o ser humano é mineral, vegetal, animal e espiritual tota simul. Experimente tirar o espiritual do homem. Ele se torna num animal. Experimente tirar o animal do homem. Ele se torna num vegetal. Experimente tirar o vegetal do homem. Ele se torna num mineral. Experimente tirar o mineral do homem e não haverá nenhum átomo, nenhum quacker, para contar a sua história.

        Nada disso significa que o homem tenha evoluído das formas inferiores de seres primitivos como apregoado por Lamarck e os darwinistas. De modo algum.  Não há provas de que o homem tenha evoluído, porém, é evidente que ele é evoluído. Isso faz toda diferença. O BWM, o MERCEDES-BENZ, são carros altamente evoluídos. Isso é evidente. Porém, isso não prova que eles evoluíram das carroças egípcias puxadas a cavalo, lá, dos tempos do Faraó Tuntencamom. O homem é mais evoluído que os outros entes desde os aspectos menos evoluídos até aos mais evoluídos.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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