domingo, 12 de fevereiro de 2017

Consensos e paz em Moçambique

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As pessoas não percebem que daquilo que é consensual não se pode tirar conclusões acerca de nenhum facto mas apenas acerca daquilo que é hipotético.
Deste modo, não se pode chegar por meio de quaisquer consensos alcançados a uma paz que não seja apenas hipotética, i.e., a uma suposição de paz.

Há uma grande expectativa em que o presidente do partido RENAMO, o sr. Afonso Dlakhama e o presidente da república, o sr. Filipe Nyusi, cheguem a um consenso acerca das principais questões que estão na mesa do diálogo, nomeadamente: a questão militar ou também conhecida como a questão do desarmamento dos guerrilheiros da RENAMO e a questão da descentralização.

Qual é a exigência da RENAMO na mesa do diálogo? Descentralização. Qual é a exigência do governo na mesa do diálogo? Desmilitarização da RENAMO.

Aparentemente parece tudo muito simples e fácil. Porém, o que é DESCENTRALIZAÇÃO? Como se faz e com que custo? Quem ganha e quem perde? Idem para a questão da DESMILITARIZAÇÃO. O que é isso? Como e se faz e quais os custos? Quem ganha e quem perde?

Fala-se muito em diálogo, negociação e em consenso. O que é isso? O que está a acontecer no país é um diálogo ou negociação? É possível chegar alcançar consenso no diálogo ou apenas na negociação?

Quando falamos de diálogo, temos a dialéctica que é uma operação mental que permite confrontar hipóteses contrárias de modo a apurar-se a coerência lógica interna de uma proposição e chegar-se, deste modo, aos primeiros princípios da lógica, os quais não podem ser provados porque são auto-probantes, auto-evidentes, como o princípio de identidade quando dizemos que A=A.

Não há confrontação dialéctica de hipótese possível entre o DESARMAMENTO e a DESCENTRALIZAÇÃO porque para tal, esses dois conceitos, quanto a sua relação mútua deviam ser contraditórios e acontece que eles não estabelecem entre si nenhuma relação conceitual mútua nem de contraditoriedade, nem de contrariedade, nem de relatividade. Se o que estivesse em pauta fosse DESARMAMENTO versus NÃO DESARMANENTO ou DESCENTRALIZAÇÃO versus NÃO DESCENTRALIZAÇÃO, aí, sim, teríamos lugar para a técnica dialéctica, ou seja, teríamos lugar para o debate ou para o diálogo.

O que está acontecendo neste país é uma negociação e não um diálogo. O diálogo, por ser a expressão mesma da técnica dialéctica conforme aparece nos diálogos de Platão, é um jogo de soma zero. A negociação é diferente porque ela se basea na busca de consenso, o que pressupõe que as duas partes envolvidas no processo negocial ganharão de algum modo. Um debate que seja WIN-WIN, não é debate, é negociação.

Só há negociação onde há coincidência de vontade. Ou seja, você quer uma coisa X que eu tenho e eu quero uma coisa Y que você tem. Agora, se eu tenho uma coisa X e quero uma coisa W e você só tem uma coisa Y, então, não é com você que eu devo negociar mas com quem tem a coisa W. portanto, o elemento central da negociação é a coincidência mútua de vontade.

Se não houver essa coincidência mútua de vontade, a possibilidade de uma negociação directa é impossível. É preciso encontrar meios indirectos de negociação. Ou seja, eu tenho uma coisa X e quero uma coisa W e você sô tem uma coisa Y, tem que haver, necessariamente um intermediário. Esse intermediário tem que ser uma quarta coisa aceite geralmente por todos como uma moeda de troca.

Ora, o que é que todos políticos querem? Bem-comum? Isso faz-me rir! Os políticos querem poder. Deste modo so pode haver (3) moedas de troca com aceitação geral no universo político, correspondendo a trindade hindu: Brahma, Vishnu e Shiva; i.e., dinheiro, religião e armas. Ora, tudo que a RENAMO tem são as suas armas. Se ela vai ou não entregá-las a troco de um programa DESCENTRALIZAÇÃO, vai depender do que é bom para a própria RENAMO. Agora, sendo que a política tem que ver com poder, nesse campo, o bom e o mau só pode ser determinado em função dessa meta, digo, da conquista e manutenção do poder. É aí, então, que Nietzsche vai dizer que só é bom aquilo que aumenta o poder ou a sensação de poder e que é mau aquilo que diminui o poder ou a sensação de poder. Desde modo, se a RENAMO perceber que com a entrega das suas armas a troco de administrar 2 ou 3 províncias aumenta o seu poder ou a sua sensação de poder, então, isso será bom para a RENAMO e ela vai entregar as suas armas, mas se ela perceber que isso não aumenta a sua soma de poder ou que não lhe dá maior sensação de poder, isso será mau para ela e ela não entregara suas armas, ou, pelo menos, todas as armas. Tertium non datur como diziam os escolásticos.

Fala-se muito em consenso. Temos que alcançar consenso a respeito da paz. Temos que alcançar consenso acerca da questão militar. Temos que alcançar consenso acerca da descentralização. Contudo, o que as pessoas que alardeiam isto pelos quatro cantos do país não percebem que daquilo que é consensual não se pode tirar conclusões acerca de nenhum facto mas apenas acerca daquilo que é hipotético.

Deste modo, não se pode chegar por meio de quaisquer consensos alcançados a uma paz que não seja apenas hipotética, i.e., a uma suposição de paz. Quer dizer, sempre estaremos naquele lusco-fusco: “é paz? Não é paz?” O que significa que haverá uma probabilidade de x% de que seja paz e uma probabilidade de (x-1)% de que não seja, mesmo depois de confrontada com os dados sensíveis.

***

Se tivéssemos que aplicar em nível doméstico o princípio vestefaliano da “balança de poder” para uma paz kantiana, diríamos que cada partido deveria respeitar a autodeterminação de cada um. Isso significa ser moderado. Porém, quando elementos do partido A perseguem e matam os elementos do partido B, é de se esperar que esse clima de intolerância política leve a consequências maiores. Como diz o salmista: “o abismo chama o abismo” (sic).

Muitos analistas, mormente juristas, falam da impossibilidade jurídica de um processo de DESCENTRALIZAÇÃO no país a curto prazo por causa de impedimentos legais ligados a constituição da república. É caricato que num país onde ninguém respeita as leis -, e a prova disso é que pela avaliação da Transparência Internacional (TI), Moçambique integra a lista dos países mais corruptos do mundo, - os juristas queiram falar em respeito pela constituição. Uma constituição que eles mesmos não respeitam. Aliás, uma das formas de mostrar respeito pela constituição seria por começar tirando de alguns juristas da praça o direito do exercício dessa função.

A constituição da república não é uma barreira impossível de transpor. O que é impossível é você fazer com que 2+2 seja igual a 9, ou fazer com que o triângulo seja um polígono com quatro lados iguais. Respeitamos tanto a constituição que não queremos mudá-la. Isso é bleff. Alias, há uma sentença extremamente sabia de Maomé que diz: “só é lícito você elogiar, a quem é licito você matar” (sic). Isso resume tudo.

Na realidade, existe hierarquia. Sto. Agostinho dizia que você tem as leis humanas, seguido das leis naturais, depois vem as leis cósmicas e, por fim, no nível mais alto, você tem as leis divinas. Ora, o que é pecado? É violar a hierarquia, a qual, etimologicamente, significa princípio sagrado, hiera = sagrado, arkhe = princípio. Uma lei que entra em conflito ou seja que não se subordina a lei que lhe é imediatamente superior é uma lei injusta. E, Sto. Tomás de Aquino diz que uma lei injusta não é lei pelo que não deve ser obedecida desde que da sua desobediência não resulte maiores prejuízos do que da sua obediência.

Ora, qual é a finalidade da lei? Montesquieu disse que “a lei é uma relação necessária que resulta da natureza das coisas” (sic). E, se a natureza das coisas mudar? Aquela relação deixa de ser necessária porque estaremos perante uma outra natureza e para cada natureza a sua lei. Tivemos uma constituição quando o país alcançou a sua independência. Naquela altura foi uma nova constituição porque a natureza das coisas havia mudado portanto era preciso estabelecer uma outra relação necessária. Em 1990, a natureza das coisas voltou a mudar e tivemos que estabelecer necessariamente uma outra relação e, agora, a natureza das coisas voltou a mudar pelo que se abre espaço para uma nova relação necessária.

Então, para que existe a lei? Qual a sua finalidade? Na Bíblia diz-se que “a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo a fim de que crendo nele tenhamos vida eterna”. Quer dizer, em última instância, a finalidade da lei é a preservação da vida e só depois da propriedade. Se estamos a discutir acerca da paz, da constituição, do desarmamento, descentralização, etc., é porque estamos vivos. Os mortos não discutem essas coisas, não que eles discutam outras.
Agora, você colocar a constituição acima da própria vida humana é um non-sense porque a vida humana já estava aí antes que surgisse a primeira constituição do mundo. Isso é tão imoral quanto matar, roubar, abortar, etc., porque traduz um oportunismo político. É a estes que Cristo chamava de hipócritas, quer dizer, um actor de teatro. Porquê? Porque eles diziam que quando seu boi caísse no poço no sábado você não devia tirá-lo daí e tinha que esperar até domingo para fazê-lo. Eles diziam que se você estivesse doente no sábado você não devia ir ao médico porque isso era inconstitucional. Você deveria esperar até domingo.

Quer dizer, numa sociedade em que um pedaço de papel pintado vale mais do que a própria vida humana é porque a sociedade neurotizou. Perdeu-se completamente o senso da hierarquia dos valores morais. Isso não significa que temos que desobedecer as leis, contanto que elas sejam justas, boas e agradáveis. De modo nenhum. Porém, há uma coisa que está acima da lei que é verdade última e suprema. E o teatro grego está repleto disso como na tragédia do suplicante. Agora, Sócrates foi morto por ter evocado essa verdade última e suprema. Porém, quando Cristo veio, eles trataram de matar a própria verdade última e suprema. E a verdade última e suprema encenada no teatro grego evocava a obrigatoriedade dos governantes a uma lei superior a dos seus próprios países, preservando a vida de quem, injustamente, estivesse a ser perseguido, mesmo que isso implicasse sujeitar o estado a uma guerra com seus vizinhos.

Nessa tensão político-militar, muitos inocentes morreram e outros ficaram feridos e com traumas. Nos recusamos a proteger a estes porque a constituição não permite. Mas existe uma lei acima da constituição que nos obriga a protegê-los, uma lei supratemporal, supra-histórico e supra-espacial. Que é a lei do amor que é o “desejo de eternidade do ser amado” (sic) como disse Sto. Agostinho. Porém, por causa dos nossos interesses político-partidários, dizemos: “NÃO”! O mais importante é proteger a constituição. Que o meu próximo se lixe. É, quando o amor ao próximo deixa de ser a base da convivência social que o homem se torna lobo de outro homem numa sociedade hobbesiana.

Muitos analistas têm a ilusão de que o governo pode continuar a sustentar uma guerra com a RENAMO por tempo indeterminado. Isso é um delírio hipnótico. Porquê? Porque nenhuma guerra de guerrilha visa chegar a Victória militar. Ela é feita somente para se obter ganhos políticos. Então, você coloca uma meia dúzia de gatos-pingados para morrer, enquanto a ala intelectual vai ocupando espaços na administração pública do país, na mídia, nas universidades, etc.

Nesse processo todo, tanto a RENAMO como o governo têm agido histericamente desde o princípio como expliquei num outro artigo postado neste blog. A coisa fica muito mais complicada, ainda, quando você percebe que a RENAMO não está jogando xadrez, ou seja, ela não está preocupada em tomar territórios geograficamente demarcados apesar de ter uma base aqui, acolá e assim por diante.

Se a RENAMO e o governo podem chegar a um acordo definitivo sobre as diferenças que os separam e proporcionarem ao país uma paz longa, sinceramente, tenho muitas reservas. Não digo isso por não confiar na capacidade dos integrantes das equipas de negociação do governo e da RENAMO. De modo nenhum. Mas, digo-o, por causa dos outros acordos anteriormente rubricados, os quais, pareciam firmes como a pirâmide de Gizé, mas acabaram ruindo como ídolos de pés de barro. E isso não pode ser ignorado. Já dizia George Orwell que “quem contra controla o passado controla o futuro e quem contra o presente contra o passado” (sic). Portanto, o passado é importante para projectarmos o que virá, malgrado o que virá não ser rigorosamente o passado mas apenas o seu análogo.

By the way, a FRELIMO é um partido revolucionário. E, por definição, um partido revolucionário não é um partido como qualquer outro. Eles não aceitam fazer o normal rodízio de poder. Portanto, como eu disse num outro artigo: “se a RENAMO, O MDM, ou qualquer outro partido existente ou por existir, neste país, pensa que vai derrotar a FRELIMO nos pleitos eleitorais dos próximos quarenta anos, é porque está muito louco. Somente a intervenção divina, a revolução cultural ou a mudança da ordem política internacional pode tirar a FRELIMO do poder”.

As eleições periódicas não significam nada. Não nos esqueçamos que Lenine disse que “o mais importante não é quem vota mas quem controla os votos”(sic). Não obstante, há algo que, agora, está na moda em África, que é aquela coisa do governo de unidade nacional que tivemos no Zimbabwe e em Quénia. Quer dizer, o partido no poder perde as eleições e aí vem a comunidade internacional e ao invés de tirar o perdedor do palácio do governo a pontapés, diz: “vamos fazer um governo de unidade nacional”. Mas espera aí! Quem disse que a nação não está unida? Qual é o estudo que prova isso? Os candidatos estavam a concorrer numa eleição a presidência de um estado, não de várias unidades étnicas e linguísticas. Essa tal da unidade nacional é uma das maiores charlatanices políticas que eu já vi na vida.

Muita coisa se tem dito sobre o que será Moçambique depois que a RENAMO entregar suas armas, supondo-se que entregue e que o governo faça a tal da DESCENTRALIZAÇÃO. Uns dizem que a descentralização vai significar a divisão do país, o fim da unidade nacional. Já expliquei num artigo recente com o título “unidade nacional” que chamar a isso de estelionato chega a ser um eufemismo porque as pessoas estão a confundir unidade nacional com a simples unidade territorial. Não me vou alongar nesse assunto pelo que remete o caro leitor ao artigo supracitado.

Outros dizem que quando a RENAMO entregar suas armas, será o fim da democracia. Isso é uma piada porque o que se entende por democracia neste país é fazer eleições de cinco em cinco anos. Portanto, sendo que isso é democracia, podem ficar descansados que isso não vai acabar. Porquê? Porque se isso acabar, o governo sabe que, no dia seguinte, ficará sem um níquel das doações estrangeiras, principalmente dos EUA. O máximo que pode acontecer é Moçambique se transformar numa NOVA REPÚBLICA D’ANGOLA e a RENAMO e o MDM se transformarem, apenas, numa oposição biónica como a UNITA que de galo passou a galinha. Porém, voltarmos para 1975, por estatística, é pouco provável, porque a descoberta de Ludwig Von Mises de 1921 de que a economia comunista é inviável já foi posta em ampla circulação pelo, de modo que, o comunismo que temos hoje é o comunismo a moda fabiana da elite global, baseada na revolução cultural de Gramsci.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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