sábado, 18 de fevereiro de 2017

Do poder

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 “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Lord Acton

Os conceitos centrais dessa proposição são “poder” e “corrupção”. O que é um e o que é outro e como eles se articulam?

Segundo o filósofo Olavo de Carvalho, “poder é a possibilidade concreta de acção” (sic). Essa possibilidade pode ou não se actualizar e ela é concreta porque leva em conta todas as notas que integram e definem essa possibilidade.

Debatendo com algumas pessoas acerca da democracia, muitas vezes, ouvi dizer que “democracia é possibilidade de todos os partidos concorrentes chegarem ao poder e não a garantia de que chegarão lá”. Quer dizer, num país com 5 partidos: A, B, C, D, E, o partido C pode se perpetuar no poder por mil anos que isso é democracia. Ora, se assim for, essa democracia é apenas abstracta e não concreta porque ela não leva em conta todas as notas que integram e definem a democracia.

Tenho, frequentemente, feito referencia a divindade hindu: Brahma, Vishnu e Shiva como um mito da divisão do poder em 3 poderes: o poder económico simbolizado por Brahma, o poder religioso simbolizado por Vishnu e o poder militar simbolizado por Shiva, o destruidor. Essa interpretação não está escrita em lugar nenhuma. Essa interpretação é minha.

Se o poder corrompe, então, quem detém o poder religioso, a saber o cristianismo, o islam, o budismo, o judaísmo, etc., estão todos eles corrompidos pela posse do poder religioso. Idem para quem possui o poder económico como a elite bancária ocidental, as ONG’s bilionárias, as grandes corporações; e idem também para quem possui o poder militar como os EUA, Rússia, China e tutti quanti.

Deste modo, a única forma de escapar da corrupção é não ter poder nenhum. Porém, não existe ninguém que não tem poder nenhum. Podemos não ter poder económico, religioso e militar nenhum, mas temos outros poderes que nos são naturais como o poder de andar, ver, sentir, ouvir, falar, etc. Até mesmo um tetraplégico tem, ao menos, o poder de ser. De modo que impotência absoluta não existe porque, neste caso, você teria que admitir que a potencia é relativa e que ela vem da impotência, o que é um absurdo porque tem contradição logica interna que inviabiliza a proposição de uma impotência absoluta.

Agora, quando Lord Acton fala de poder absoluto, ele podia ter mente o poder dos monarcas. Logo, temos que remontar a Montesquieu e falar dos 3 poderes do estado ou da administração pública, o qual corresponde a Shiva, o destruidor que, como vimos corresponde ao poder militar. Isso é muito fácil de entender quando remontamos a Hegel e descobrimos que para aquele filósofo “estado é o monopólio da força”. Ou seja, o estado, a administração pública é essencialmente um poder militar.

Esse poder público, estatal ou administrativo, Montesquieu o dividiu em 3, a saber: poder legislativo, poder executivo e poder judicial. O legislativo é a assembleia da república ou o congresso. Há uma diferença constituinte entre assembleia e congresso, por exemplo, o congresso está dividido em 2 câmaras: a câmara dos deputados e a câmara do senado, contudo, em termos de sua função legislativa é tudo mais ou menos igual. O poder executivo, na europa, repousa sob os ombros do primeiro-ministro, porém, na América Latina e Anglo-saxónica, África e Ásia repousa sobre os ombros da figura do presidente da república. O poder judicial repousa sobre os ombros dos juízes.

Montesquieu defendia no seu “L’esprit de lois”, a separação dos poderes executivo, legislativo e judicial, os quais estavam concentrados nas mãos do monarca e a famosa sentença de Luís XIV: “L’etat c’est moi”, espelha essa concentração absolutista do poder. O Lord Acton diz que isso corrompe. Contudo, a história fala de reis virtuosos como Davi, Carlos Magno, etc. na verdade, a própria expressão “poder absoluto” aplicado aos reis é apenas uma figura de linguagem, uma hipérbole porque somente Deus tem poder absoluto.

Quando você enuncia uma teoria, de quantos exemplos em contrário você precisa para impugná-la? Apenas um. Mas, de quantos é que você precisa para prová-la? Muitos. Ora, a existência de um único homem dotado de poder religioso, económico e militar que seja virtuoso é suficiente para impugnar a teoria do Lord Acton. A vida virtuosa de Buda, Moisés, Cristo e Maomé são suficientes para impugnar a teoria do Lord Acton de que o poder corrompe.

Veja, a corrupção é podridão. Nenhum poder faz isso. Como escrevi num outro artigo, São Pedro, o apóstolo, numa das suas epístolas, usa a expressão “…foste liberto da corrupção que pela concupiscência há no mundo”. Isso esclarece para nós que a corrupção é produto da concupiscência secular. O que é concupiscência? Desejo desenfreado. O que deveria servir de freio para o nosso desejo? O logos, a razão, o senso das proporções.

Isso mostra que não é o poder que corrompe mas, sim, o poder concupiscente ou seja o desejo desenfreado pelo poder. Quando Maquiavel diz que o fim justifica os meios, a que fim estava ele se referindo? Qual era o fim da política para Maquiavel? Era o poder. Poder para quê? Para acumular mais poder. É o poder pelo poder. Isso é que é concupiscência e é esse tipo de poder que corrompe.

***

Somente quando algum acto constitui um fim em si mesmo é que se torna concupiscente e, portanto, pecaminoso como quando um político busca o poder pelo poder, o sexo pelo sexo e não com o fim de procriar, etc. O mal está no desejo desenfreado que o impulsiona a praticar determinado acto enão no acto em si, o qual não pode ser nem bom nem mau.


ESCRITOPOR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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