“O poder corrompe e o poder absoluto corrompe
absolutamente”.
Lord
Acton
Os
conceitos centrais dessa proposição são “poder” e “corrupção”. O que é um e o
que é outro e como eles se articulam?
Segundo
o filósofo Olavo de Carvalho, “poder é a possibilidade concreta de acção”
(sic). Essa possibilidade pode ou não se actualizar e ela é concreta porque
leva em conta todas as notas que integram e definem essa possibilidade.
Debatendo
com algumas pessoas acerca da democracia, muitas vezes, ouvi dizer que
“democracia é possibilidade de todos os partidos concorrentes chegarem ao poder
e não a garantia de que chegarão lá”. Quer dizer, num país com 5 partidos: A,
B, C, D, E, o partido C pode se perpetuar no poder por mil anos que isso é
democracia. Ora, se assim for, essa democracia é apenas abstracta e não
concreta porque ela não leva em conta todas as notas que integram e definem a
democracia.
Tenho,
frequentemente, feito referencia a divindade hindu: Brahma, Vishnu e Shiva como
um mito da divisão do poder em 3 poderes: o poder económico simbolizado por
Brahma, o poder religioso simbolizado por Vishnu e o poder militar simbolizado
por Shiva, o destruidor. Essa interpretação não está escrita em lugar nenhuma.
Essa interpretação é minha.
Se
o poder corrompe, então, quem detém o poder religioso, a saber o cristianismo,
o islam, o budismo, o judaísmo, etc., estão todos eles corrompidos pela posse
do poder religioso. Idem para quem
possui o poder económico como a elite bancária ocidental, as ONG’s bilionárias,
as grandes corporações; e idem também
para quem possui o poder militar como os EUA, Rússia, China e tutti quanti.
Deste
modo, a única forma de escapar da corrupção é não ter poder nenhum. Porém, não
existe ninguém que não tem poder nenhum. Podemos não ter poder económico,
religioso e militar nenhum, mas temos outros poderes que nos são naturais como
o poder de andar, ver, sentir, ouvir, falar, etc. Até mesmo um tetraplégico
tem, ao menos, o poder de ser. De modo que impotência absoluta não existe
porque, neste caso, você teria que admitir que a potencia é relativa e que ela
vem da impotência, o que é um absurdo porque tem contradição logica interna que
inviabiliza a proposição de uma impotência absoluta.
Agora,
quando Lord Acton fala de poder absoluto, ele podia ter mente o poder dos
monarcas. Logo, temos que remontar a Montesquieu e falar dos 3 poderes do
estado ou da administração pública, o qual corresponde a Shiva, o destruidor
que, como vimos corresponde ao poder militar. Isso é muito fácil de entender
quando remontamos a Hegel e descobrimos que para aquele filósofo “estado é o
monopólio da força”. Ou seja, o estado, a administração pública é essencialmente
um poder militar.
Esse
poder público, estatal ou administrativo, Montesquieu o dividiu em 3, a saber:
poder legislativo, poder executivo e poder judicial. O legislativo é a
assembleia da república ou o congresso. Há uma diferença constituinte entre
assembleia e congresso, por exemplo, o congresso está dividido em 2 câmaras: a
câmara dos deputados e a câmara do senado, contudo, em termos de sua função
legislativa é tudo mais ou menos igual. O poder executivo, na europa, repousa
sob os ombros do primeiro-ministro, porém, na América Latina e Anglo-saxónica,
África e Ásia repousa sobre os ombros da figura do presidente da república. O
poder judicial repousa sobre os ombros dos juízes.
Montesquieu
defendia no seu “L’esprit de lois”, a separação dos poderes executivo,
legislativo e judicial, os quais estavam concentrados nas mãos do monarca e a
famosa sentença de Luís XIV: “L’etat c’est moi”, espelha essa concentração
absolutista do poder. O Lord Acton diz que isso corrompe. Contudo, a história
fala de reis virtuosos como Davi, Carlos Magno, etc. na verdade, a própria
expressão “poder absoluto” aplicado aos reis é apenas uma figura de linguagem,
uma hipérbole porque somente Deus tem poder absoluto.
Quando
você enuncia uma teoria, de quantos exemplos em contrário você precisa para
impugná-la? Apenas um. Mas, de quantos é que você precisa para prová-la?
Muitos. Ora, a existência de um único homem dotado de poder religioso,
económico e militar que seja virtuoso é suficiente para impugnar a teoria do
Lord Acton. A vida virtuosa de Buda, Moisés, Cristo e Maomé são suficientes
para impugnar a teoria do Lord Acton de que o poder corrompe.
Veja,
a corrupção é podridão. Nenhum poder faz isso. Como escrevi num outro artigo,
São Pedro, o apóstolo, numa das suas epístolas, usa a expressão “…foste liberto
da corrupção que pela concupiscência há no mundo”. Isso esclarece para nós que
a corrupção é produto da concupiscência secular. O que é concupiscência? Desejo
desenfreado. O que deveria servir de freio para o nosso desejo? O logos, a razão, o senso das proporções.
Isso
mostra que não é o poder que corrompe mas, sim, o poder concupiscente ou seja o
desejo desenfreado pelo poder. Quando Maquiavel diz que o fim justifica os
meios, a que fim estava ele se referindo? Qual era o fim da política para
Maquiavel? Era o poder. Poder para quê? Para acumular mais poder. É o poder
pelo poder. Isso é que é concupiscência e é esse tipo de poder que corrompe.
***
Somente
quando algum acto constitui um fim em si mesmo é que se torna concupiscente e,
portanto, pecaminoso como quando um político busca o poder pelo poder, o sexo
pelo sexo e não com o fim de procriar, etc. O mal está no desejo desenfreado
que o impulsiona a praticar determinado acto enão no acto em si, o qual não
pode ser nem bom nem mau.
ESCRITOPOR|XADREQUE
SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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