Um
estado pode criar direitos a granel mas se ele não for legítimo, não for
representativo, ele não é um estado democrático nem aqui nem na Cochinchina.
Direitos?! Até na monarquia há criação de direitos, na tirania há criação de
direcções etc. Só no esclavagismo é que não há direitos.
O filósofo francês Claude Le Fort define
democracia como “criação de direitos” (sic). Não é porque alguém é doutor,
professor universitário, escritor, ocidental, etc., que temos que aceitar suas
palavras como se se tratasse de um oráculo dos deuses. De modo algum. Já vimos,
num artigo recente, que a verdade não é estabelecida por meio das palavras como
pretendiam os retóricos.
Se perguntarmos a um grupo de 50 indivíduos: “o que é
democracia?”, muito provavelmente, teremos 50 respostas diferentes. Um relativista diria
que cada uma delas deve ser considerada como verdadeira, logo, a verdade é arbitrária
e não existe nenhum fundamento metafísico por meio do qual podemos reconhecê-la.
Cada dia fico mais persuadido de que Schelling estava
montado na razão quando disse que, com a entrada da modernidade, a filosofia
caiu para um nível pueril. Para você saber que uma coisa é verdadeira ou falsa,
primeiro, você tem que saber: o que ‘e a verdade? Onde podemos encontra-la? E,
qual ‘e o critério da sua identificação?
Em outros artigos, eu já falei acerca dos vários
sentidos que a palavra verdade pode ter de acordo com suas raízes grega, latina
ou romana e hebraica, pelo que remeto o leitor para aquele artigo, porém, dizer
apenas que, de um modo geral, como diz o filósofo Mário Ferreira dos Santos,
como não temos acesso a verdade de fusão, a verdade absoluta, tal como
prometida pelas religiões, a única verdade a que podemos ter acesso ‘e apenas
uma verdade contingente, uma verdade relativa, mas não relativa no sentido em que
os relativistas entendem o termo relativo como um jogo do tipo “vale tudo” mas
como uma adequatio, uma adequação
entre dois termos, em que um dos termos é o intelecto e o outro é a coisa
conhecida, ou seja, a verdade é relativa porque ela se dá numa relação e ela também
pode ser subjectiva porque ela se dá para um sujeito e também é objectiva, como
nas ciências, porque é a verdade sobre um objecto.
Agora, onde é que podemos encontrar a verdade? Aristóteles
diz que a verdade não está na proposição mas, sim, no juízo, e já discorri
largamente acerca disso noutros artigos. Agora, como identificar a verdade?
Quando Sócrates surge, numa Grécia em frangalho, dominada pelos sofistas, a
verdade era estabelecida pelas palavras como já dissemos mas, Sócrates vem
criar uma ruptura. Por exemplo, Sócrates podia chegar para a alguém e
perguntar: o que é guerra? E a pessoa respondia: guerra é conflito. E então Sócrates
perguntava: se eu estiver em conflito com a minha esposa, isso ‘e uma guerra?
Então o seu interlocutor dizia: NÃO. E aí, Sócrates perguntava: então, o que é
guerra? E seu interlocutor ficava apopléctico.
Essa técnica que Sócrates usava chama-se dialéctica.
É claro que é mais conhecida como maiêutica socrática, mas ela é a técnica da dialéctica,
que depois vai ser desenvolvida por Platão nos seus diálogos e por Aristóteles,
a qual (a dialéctica) é a verdadeira técnica filosófica. As pessoas pensam que
filosofia é lógica mas o verdadeiro exercício filosófico é a dialéctica, o
resto ‘e palhaçada. Agora, mesmo que você queira fazer lógica, você não tem
como fazer isso sem um bom domínio da dialéctica que lhe permita chegar ao
fundamento mesmo daquilo a que você pretende dar uma elaboração analítica ou lógica.
Porém, para você chegar ao domínio da dialéctica você deve dominar primeiro o
mundo dos conceitos. Então, você parte dos conceitos para a dialéctica e da dialéctica
para a analítica mas, apenas, em busca de coerência discursiva.
Um diz isso e outro diz aquilo…bem…qual é
a verdade? Será que o que os dois dizem é simultaneamente verdadeiro? Então, aí
você precisa da dialéctica para arbitrar dialecticamente o que cada um dos dois
interlocutores diz. Sem isso, tudo não passará de logomaquia.
Quando Claude Le Fort diz que “a
democracia é criação de direitos”, ele pretende estar a enunciar uma lei geral
da democracia, o que faria dessa mesma lei apenas um mito porque as leis gerais
só podem ser enunciadas por meio de um discurso mitopoético. Então, isso seria
uma metafisica da democracia, a qual independeria da sua existência ou não.
Agora, as pessoas gostavam muito de falar
em direitos, exigir seus direitos, e nem se dão conta de que não há direitos
sem deveres, ou que direitos e deveres são coexistentes. Simone Weil dizia que
“o direito é dever de outrem” (sic), portanto, o direito não se funda no ar mas
ele é fundado na lei, que, por sua vez, como diz Montesquieu, “é uma relação
necessária que resulta da natureza das coisas” (sic), portanto, as leis não surgem,
assim, puf, porque sim. Elas não são fortuitas se funda na necessidade, a qual
é a negação do não. Deste modo, só é necessário aquilo que afirma a impossibilidade
da não possibilidade sempre.
Agora, se democracia é criação de
direitos, quem vai criar esses direitos? O estado. Então, o estado tem que ter
o direito de criar direitos. Ora, sendo que há uma relação de proporcionalidade
entre direito e dever, caso contrário, isso não seria um sistema justo, o qual
se baseia, necessariamente, na premissa de Cristo: “dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus” (sic), pelo contrário, seria uma tirania, o que
faria desse direito, um direito injusto, o qual, como disse São Tomás de
Aquino, não deve ser obedecido, desde que do acto da sua desobediência resulte
menos prejuízo do que do da sua obediência.
Então, o estado democrático vai criar
direitos atrás de direitos. Ora, quanto mais direitos você cria, os direitos
adicionais que você vai criando acabam valendo cada vez menos, ou seja, eles
entram numa espécie de utilidade marginal decrescente. Quer dizer, a criação
ilimitada de direitos é como o consumo de cocaína em que quanto mais você consome,
mais você fica precisando de doses cada vez maiores para obter aquela sensação
de bem-estar que você obtinha no princípio com doses homeopáticas. É melhor ter
dois ou três direitos verdadeiramente úteis do que ter um monte de direitos sem
utilidade nenhuma. Mas parece que ‘e muito difícil as pessoas entenderem isso.
Se Claude Le Fort pensa que aumentando o número
de direitos a democracia vai aumentar, ele está, mas é, muito louco. Ninguém
nega que a democracia tem seus problemas. Que os tem, não há ninguém que em sã
consciência negue isso. Agora, pensar que o remédio para os males da democracia
‘e a criação de direitos: direito de abortar, direito de ser gay, direito de ser pedófilo, direito de
ser punheteiro, direito de ser canibal, direito de ser burro, etc., ou pensar
que o remédio para os males da democracia é mais democracia como dizia Norberto
Bobbio é acreditar que o gato voa e bota ovo e que a galinha mia e dá leite.
Thomas Jefferson estava montado na razão
quando ele dizia que mais democracia, ao invés de resolver os problemas da
democracia, tende a resultar em ditadura. Veja, para o estado criar mais
direitos ou criar mais democracia, ele tem que ter em suas mãos todos os
direitos para poder distribui-los igualitariamente pela população porque como
haveria de ser de outra maneira? Para o estado criar mais direitos económicos,
ele tem que ter as rédeas da economia em suas mãos, quer por meio da taxação
progressiva, quer pela confiscação da propriedade privada em nome dos
oprimidos. Para o estado criar mais direitos religiosos, ele tem que se colocar
transcendentalmente acima de todas as religiões, ele tem que se colocar no
lugar do próprio Deus porque como dizia Maomé: “concorrei para a prática do bem
que no dia do juízo dirimiremos nossas diferenças”, mas Claude Le Forte acha
que ‘e o estado que deve criar direitos religiosos e dirimir as disputas entre
as religiões e assim por diante.
Democracia
que, desde a sua raiz grega, significa “poder do povo”, não é um problema de
criação de direitos mas sim de representação, o que significa, por conseguinte,
um problema de legitimidade. Um estado pode criar direitos a granel mas se ele
não for legítimo, não for representativo, ele não é um estado democrático nem
aqui nem na Cochinchina. Direitos?! Até na monarquia há criação de direitos, na
tirania há criação de direcções, etc. Só no esclavagismo é que não há direitos,
pelo menos para os escravos. Isso que Claude Le Fort diz é uma palhaçada
incomensurável e ninguém que tenha um Q.I de pelo menos 12 tem o direito de
dizer uma coisa dessas, já que gostam tanto de direito, quanto mais alguém que
se diz intelectual, mas as pessoas acreditam nesses charlatães, nesses
palhaços. Quanto a mim, eu prefiro ver Charles Champlin ou Mr. Bean, pelo menos
aí terei alguns momentos de catarse.
Escrito por|Xadreque
Sousa|shathreksousa@gmail.com
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