sábado, 4 de fevereiro de 2017

Democracia e Direitos

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Um estado pode criar direitos a granel mas se ele não for legítimo, não for representativo, ele não é um estado democrático nem aqui nem na Cochinchina. Direitos?! Até na monarquia há criação de direitos, na tirania há criação de direcções etc. Só no esclavagismo é que não há direitos.

O filósofo francês Claude Le Fort define democracia como “criação de direitos” (sic). Não é porque alguém é doutor, professor universitário, escritor, ocidental, etc., que temos que aceitar suas palavras como se se tratasse de um oráculo dos deuses. De modo algum. Já vimos, num artigo recente, que a verdade não é estabelecida por meio das palavras como pretendiam os retóricos.
Se perguntarmos a um grupo de 50 indivíduos: “o que é democracia?”, muito provavelmente, teremos  50 respostas diferentes. Um relativista diria que cada uma delas deve ser considerada como verdadeira, logo, a verdade é arbitrária e não existe nenhum fundamento metafísico por meio do qual podemos reconhecê-la.

Cada dia fico mais persuadido de que Schelling estava montado na razão quando disse que, com a entrada da modernidade, a filosofia caiu para um nível pueril. Para você saber que uma coisa é verdadeira ou falsa, primeiro, você tem que saber: o que ‘e a verdade? Onde podemos encontra-la? E, qual ‘e o critério da sua identificação?

Em outros artigos, eu já falei acerca dos vários sentidos que a palavra verdade pode ter de acordo com suas raízes grega, latina ou romana e hebraica, pelo que remeto o leitor para aquele artigo, porém, dizer apenas que, de um modo geral, como diz o filósofo Mário Ferreira dos Santos, como não temos acesso a verdade de fusão, a verdade absoluta, tal como prometida pelas religiões, a única verdade a que podemos ter acesso ‘e apenas uma verdade contingente, uma verdade relativa, mas não relativa no sentido em que os relativistas entendem o termo relativo como um jogo do tipo “vale tudo” mas como uma adequatio, uma adequação entre dois termos, em que um dos termos é o intelecto e o outro é a coisa conhecida, ou seja, a verdade é relativa porque ela se dá numa relação e ela também pode ser subjectiva porque ela se dá para um sujeito e também é objectiva, como nas ciências, porque é a verdade sobre um objecto.

Agora, onde é que podemos encontrar a verdade? Aristóteles diz que a verdade não está na proposição mas, sim, no juízo, e já discorri largamente acerca disso noutros artigos. Agora, como identificar a verdade? Quando Sócrates surge, numa Grécia em frangalho, dominada pelos sofistas, a verdade era estabelecida pelas palavras como já dissemos mas, Sócrates vem criar uma ruptura. Por exemplo, Sócrates podia chegar para a alguém e perguntar: o que é guerra? E a pessoa respondia: guerra é conflito. E então Sócrates perguntava: se eu estiver em conflito com a minha esposa, isso ‘e uma guerra? Então o seu interlocutor dizia: NÃO. E aí, Sócrates perguntava: então, o que é guerra? E seu interlocutor ficava apopléctico.
Essa técnica que Sócrates usava chama-se dialéctica. É claro que é mais conhecida como maiêutica socrática, mas ela é a técnica da dialéctica, que depois vai ser desenvolvida por Platão nos seus diálogos e por Aristóteles, a qual (a dialéctica) é a verdadeira técnica filosófica. As pessoas pensam que filosofia é lógica mas o verdadeiro exercício filosófico é a dialéctica, o resto ‘e palhaçada. Agora, mesmo que você queira fazer lógica, você não tem como fazer isso sem um bom domínio da dialéctica que lhe permita chegar ao fundamento mesmo daquilo a que você pretende dar uma elaboração analítica ou lógica. Porém, para você chegar ao domínio da dialéctica você deve dominar primeiro o mundo dos conceitos. Então, você parte dos conceitos para a dialéctica e da dialéctica para a analítica mas, apenas, em busca de coerência discursiva.
Um diz isso e outro diz aquilo…bem…qual é a verdade? Será que o que os dois dizem é simultaneamente verdadeiro? Então, aí você precisa da dialéctica para arbitrar dialecticamente o que cada um dos dois interlocutores diz. Sem isso, tudo não passará de logomaquia.
Quando Claude Le Fort diz que “a democracia é criação de direitos”, ele pretende estar a enunciar uma lei geral da democracia, o que faria dessa mesma lei apenas um mito porque as leis gerais só podem ser enunciadas por meio de um discurso mitopoético. Então, isso seria uma metafisica da democracia, a qual independeria da sua existência ou não.
Agora, as pessoas gostavam muito de falar em direitos, exigir seus direitos, e nem se dão conta de que não há direitos sem deveres, ou que direitos e deveres são coexistentes. Simone Weil dizia que “o direito é dever de outrem” (sic), portanto, o direito não se funda no ar mas ele é fundado na lei, que, por sua vez, como diz Montesquieu, “é uma relação necessária que resulta da natureza das coisas” (sic), portanto, as leis não surgem, assim, puf, porque sim. Elas não são fortuitas se funda na necessidade, a qual é a negação do não. Deste modo, só é necessário aquilo que afirma a impossibilidade da não possibilidade sempre.
Agora, se democracia é criação de direitos, quem vai criar esses direitos? O estado. Então, o estado tem que ter o direito de criar direitos. Ora, sendo que há uma relação de proporcionalidade entre direito e dever, caso contrário, isso não seria um sistema justo, o qual se baseia, necessariamente, na premissa de Cristo: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (sic), pelo contrário, seria uma tirania, o que faria desse direito, um direito injusto, o qual, como disse São Tomás de Aquino, não deve ser obedecido, desde que do acto da sua desobediência resulte menos prejuízo do que do da sua obediência.
Então, o estado democrático vai criar direitos atrás de direitos. Ora, quanto mais direitos você cria, os direitos adicionais que você vai criando acabam valendo cada vez menos, ou seja, eles entram numa espécie de utilidade marginal decrescente. Quer dizer, a criação ilimitada de direitos é como o consumo de cocaína em que quanto mais você consome, mais você fica precisando de doses cada vez maiores para obter aquela sensação de bem-estar que você obtinha no princípio com doses homeopáticas. É melhor ter dois ou três direitos verdadeiramente úteis do que ter um monte de direitos sem utilidade nenhuma. Mas parece que ‘e muito difícil as pessoas entenderem isso.
Se Claude Le Fort pensa que aumentando o número de direitos a democracia vai aumentar, ele está, mas é, muito louco. Ninguém nega que a democracia tem seus problemas. Que os tem, não há ninguém que em sã consciência negue isso. Agora, pensar que o remédio para os males da democracia ‘e a criação de direitos: direito de abortar, direito de ser gay, direito de ser pedófilo, direito de ser punheteiro, direito de ser canibal, direito de ser burro, etc., ou pensar que o remédio para os males da democracia é mais democracia como dizia Norberto Bobbio é acreditar que o gato voa e bota ovo e que a galinha mia e dá leite.
Thomas Jefferson estava montado na razão quando ele dizia que mais democracia, ao invés de resolver os problemas da democracia, tende a resultar em ditadura. Veja, para o estado criar mais direitos ou criar mais democracia, ele tem que ter em suas mãos todos os direitos para poder distribui-los igualitariamente pela população porque como haveria de ser de outra maneira? Para o estado criar mais direitos económicos, ele tem que ter as rédeas da economia em suas mãos, quer por meio da taxação progressiva, quer pela confiscação da propriedade privada em nome dos oprimidos. Para o estado criar mais direitos religiosos, ele tem que se colocar transcendentalmente acima de todas as religiões, ele tem que se colocar no lugar do próprio Deus porque como dizia Maomé: “concorrei para a prática do bem que no dia do juízo dirimiremos nossas diferenças”, mas Claude Le Forte acha que ‘e o estado que deve criar direitos religiosos e dirimir as disputas entre as religiões e assim por diante.
 Democracia que, desde a sua raiz grega, significa “poder do povo”, não é um problema de criação de direitos mas sim de representação, o que significa, por conseguinte, um problema de legitimidade. Um estado pode criar direitos a granel mas se ele não for legítimo, não for representativo, ele não é um estado democrático nem aqui nem na Cochinchina. Direitos?! Até na monarquia há criação de direitos, na tirania há criação de direcções, etc. Só no esclavagismo é que não há direitos, pelo menos para os escravos. Isso que Claude Le Fort diz é uma palhaçada incomensurável e ninguém que tenha um Q.I de pelo menos 12 tem o direito de dizer uma coisa dessas, já que gostam tanto de direito, quanto mais alguém que se diz intelectual, mas as pessoas acreditam nesses charlatães, nesses palhaços. Quanto a mim, eu prefiro ver Charles Champlin ou Mr. Bean, pelo menos aí terei alguns momentos de catarse.

Escrito por|Xadreque Sousa|shathreksousa@gmail.com

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