Posto isto, a
regra básica para sabermos se uma causa é causa de um efeito, é isolar a causa
do efeito para ver se o efeito subsiste. Se subsistir não é causa, se não
subsistir é causa. Por outras palavras, identificada a causa, o efeito tem que,
necessariamente, poder ser revertido.
Identificar a causa de um efeito determinado não é uma
tarefa fácil e, muitas das vezes, nem se sequer conseguimos chegar a causa ou
as causas do efeito mas, apenas, a uma correlação estatística entre aquilo que
supomos ser a causa e aquilo que supomos ser o efeito correspondente.
Hegel dizia que “a essência de alguma coisa é aquilo
em que ela se torna” (sic). Deste
modo, o efeito vai ser, sempre e em toda parte, um prolongamento da sua causa.
Isso não significa que a causa e o efeito são a mesma coisa mas, de alguma
forma, o efeito herda alguma coisa da causa, pela qual coisa, podemos
facilmente identificar a causa. Um dos exemplos para isso seria o de Pai e
Filho. Ora, sabemos que o Pai é causa do Filho e que o filho é efeito do pai. O
filho traz as características fenotípicas e genotípicas do seu progenitor.
Agora, o pai é antecedente do filho e o filho é
consequente do pai. Mas o pai é um antecedente formal e material do filho que,
por seu turno, é um consequente material do pai, porém, não formal. Isso é
muito importante porque nos faz perceber 3 coisas:
1- Uma causa é sempre
antecedente do seu efeito, contudo, temos que
ter bastante cuidado para não cairmos na falácia do post hoc, tomando todo antecedente como causa de qualquer
consequente. Um exemplo: o facto de um cão latir na minha janela durante a
noite toda e eu acordar com malária, no dia seguinte, não me deve levar a
concluir que o latido do cão é que é a causa da malária.
2- Uma causa é causa
formal do seu efeito, disto podemos
concluir, por entimema, que o efeito tem sempre e necessariamente a forma da
sua causa. Um elefante bebé não pode nascer com a forma de um macaco e ainda
continuar a ser um elefante, contudo, isto não significa que o efeito é
formalmente efeito de uma causa. De modo nenhum. Ele é efeito materialmente e não
formalmente.
3- Uma causa pode ser
material, o que nos leva a inferir
que um efeito não recebe apenas a forma da sua causa mas, também, a sua matéria
específica, materiae signata quantitate como
diria Sto. Tomás de Aquino.
Deste modo, para que uma causa seja causa de um
efeito, ela tem que ser anterior ao efeito e tem que ter dado forma e matéria
ao efeito. É claro que nem toda causa é causa material mas, ela tem que ser,
necessariamente, uma causa formal.
Posto isto, a regra básica para sabermos se uma causa
é causa de um efeito, é isolar a causa do efeito para ver se o efeito subsiste.
Se subsistir não é causa, se não subsistir é causa. Por outras palavras, identificada
a causa, o efeito tem que, necessariamente, poder ser revertido.
Quando se diz que alguém morreu porque perdeu muito
sangue e que, portanto, a causa da morte daquele individuo foi a falta de
sangue, se essa fosse a causa, sucederia que, tão logo fosse feita a transfusão
de sangue para aquele cadáver, necessariamente, teria que ser possível reverter
o efeito morte e trazer o individuo de volta a vida, porém, isso não acontece,
o que prova que a causa da morte daquele individuo não é a hemorragia que ele
teve. Isso é lógica elementar.
Mesmo quando falamos de atropelamentos, doenças,
envenenamentos, paragem cardíaca, esfaqueamento, etc., como causa da morte,
temos um problema, que é ter muitas causas para um só efeito, o que já levanta
suspeições sobre a verdadeira natureza e causa daquele efeito. By the way, se o atropelamento,
envenenamento, baleamento, etc., são a verdadeira causa da morte como é que se
explica que haja tanta gente que tenha sido igualmente baleada, atropelada,
esfaqueada, envenenada, etc., e, cinicamente, tenham sobrevivido e estejam passando
bem?
Se uma causa X é causa de um efeito Y, ela deve sempre
poder causar aquele efeito, caso contrário, não é causa daquele efeito. Se a água
aquecida a 100 graus Celsius entra em ebulição, ela, necessariamente, vai entrar
em ebulição sempre que for submetida a aquela mesma temperatura, caso contrário,
se num caso a água entra em ebulição a 100 graus Celsius e, noutro caso, ela
não entra, então, temos que admitir que a causa da ebulição da água é fortuita,
um acaso dos deuses do Olimpo e não uma temperatura igual ou superior a 100
graus Celsius, o que seria uma autêntica lotaria desportiva e não ciência tal
como concebida por Galileu Galilei e Claude Bernard.
Quando os comunistas dizem que a causa da miséria dos
proletários é a exploração da mais-valia pelos capitalistas burgueses e eles se
metem a fazer revolução, que Lenine chamava de propaganda armada, como fizeram
na Rússia, China, Cuba, etc., para derrubar os malditos exploradores e, no
entanto, cinicamente, os proletários continuaram tão miseráveis quanto antes e,
às vezes, até pior, é claro que a causa da sua miséria não é nenhuma exploração
da mais-valia coisa nenhuma porque, mais uma vez, se você conhece a causa, você
pode reverter o efeito com 100 por cento de chance
de acerto.
Mas quando você explica isso para um moçambicano ele
não entende e, lançado mão de argumentos erísticos como o argumentum autorictatis, argumentum
ad hominem, etc., negam as razões que apresento sob acusações empombadas de
que não tenho credencial para falar da morte porque não tirei o diploma de médico
legista e que não posso falar de causa e efeito porque não tirei o diploma de
filosofia, e assim por diante, e que se o que chamamos de causa não é causa, os
especialistas na matéria já se teriam apercebido disso e que ninguém precisa de
mim para lhes mostrar isso.
Todo esse ar de dignidade ofendida com que alguns já reagiram
a algumas das minhas ideias, só mostra que estamos num país em que as pessoas
colocaram o diploma e os papéis sociais que elas interpretam no teatro da civilização
acima da própria lógica e ainda, assim, com seus narizinhos empinados, metem-se
a fazer-se de paladinos da racionalidade, no momento mesmo em que macaqueiam.
Quer dizer, a questão, agora, não é “Quid est?” mas, quem disse? A que ONG, você
pertence? Em que partido, você milita? Qual é seu grau académico? E olhe lá! Ora,
tudo isso é de um ridículo atroz porque a verdade ou a falsidade não estão no
diploma que o individuo tirou na faculdade, não estão na sua ONG, seu partido,
etc., mas como ensinou Aristóteles e que, mais tarde, Descartes corroborou nas
suas “meditações de filosofia primeira”, a verdade e a falsidade estão no
juízo, mas acontece que neste país, os juízos estão embotados como um machado
velho.
Feito esse parêntese, voltemos a questão inicial que
estamos a discutir porque é muito comum as pessoas dizerem que tal e qual caso
ou situação é irreversível e até mesmo indivíduos que se dizem cristãos, que,
com isso, nem se dão conta de que estão blasfemando contra o próprio filho de
Deus, chamando-o mentiroso, uma vez que são dele as palavras: “ tudo é possível
ao que crê”. Num país onde a sinceridade e a busca da verdade é um adorno, só
podia dar nisso.
Essa confissão de impotência, i.e., de que há casos e
situações irreversíveis, é um absurdo tout
court porque é o mesmo que dizer que aquela situação ou aquele caso não tem
causa nenhuma, o que denuncia um juízo lógico totalmente falso, o qual deve ser
rejeitado in limine. Não há nada que
não tenha uma causa, a qual pode ser uma causa extra ou uma causa suis, mas que
tem uma causa, lá isso tem, o que deita por terra o topois, de que existem coisas que são irreversíveis. Ora, o que
existe é, pois, o desconhecimento das causas, isso sim.
Na verdade, é mais fácil conhecer os efeitos do que as
suas causas. Quer dizer, de acordo com a ordem gnosiológica, que é a ordem do
conhecer, os efeitos têm preeminência sobre as causas, mas segundo a ordem
ontológica, ou seja, segundo a ordem do ser, a causa tem preeminência sobre os
efeitos. Por outras palavras, em última instância, as causas são sempre metafísicas,
ou seja, elas são de ordem ontológica e não de ordem gnosiológica e foi, por
isso que eu disse que as causas são antecedentes dos efeitos que, por seu
turno, são seus consequentes.
Agora, você só chega a essa causa de ordem ontológica
quando você percebe a unidade ou a homogeneidade do real. Quando um médico
legista afirma que um paciente morreu vítima de baleamento e um outro morreu vítima
de doença e um outro morreu vítima de asfixia e um outro morreu vítima de espancamento
e um outro morreu vítima da sua velhice e assim por diante, ele pensa que está
falando de diferentes tipos de mortes, quando, na verdade, cada uma dessas
coisas são apenas acidentes e não a morte sois
disant. Quer dizer, ele não consegue captar, por detrás de toda essa amálgama
de acidentes que cercam a morte, a sua unidade ontológica, o que, nas palavras
do psicólogo israelita Reuven Feuerestein, é um sintoma de deficiência mental,
digo, essa incapacidade de perceber uma constante por detrás de um fluxo de
acontecimentos e os acidentes em torno da morte são assim, um fluxo, eles vão e
voltam mas a morte permanece intacta.
Ora, o que é estrangulamento, asfixia, baleamento,
paragem cardíaca, etc.? São males físicos. Qual é a origem dos males físicos?
Dizer que um mal físico é causado por uma AK47, um bastão de beisebol, etc.,
não passa de figura de linguagem, uma metonímia, porque, neste caso, nós estaríamos
a tomar o instrumento pelo agente. By the
way, dizer que o mal físico é causado por uma bactéria ou um vírus,
significa, apenas, dizer que o mal físico é causa
suis, o que é um absurdo porque, aí, você estaria tratando a natureza
humana como um sistema fechado e, no entanto, uma natureza assim considerada
teria que obedecer, necessariamente, a segunda lei da termodinâmica e estaria
em extinção perpétua.
Sabemos que o homem, enquanto unidade biológica, psíquica
e espiritual, não é um sistema fechado. Por exemplo, quando olhamos para as células
humanas, vemos que elas recebem toneladas de energia que, no final das contas,
é a própria natureza actuando, como a definiu o físico Adauto Lourenço, digo,
natureza como átomos e energia, a qual é apenas uma natureza possível, porém, seja
como for, ela está metida naquilo que chamamos de cosmos que é, pois, a ordem e
a beleza que existem no universo e, a natureza, como um todo, é abarcada e
subordinada pelo cosmos, o qual, por sua vez, é abarcado e subordinado pelas
leis divinas que o transcende infinitamente.
Disto isto, voltamos a questão inicial, a saber: “de
onde vem os males físicos?” Já vimos, noutros artigos postados neste blog, que, Deus é o fundamento mesmo da
realidade, uma espécie de primum moto
imobile, ou seja, primeiro motor imóvel - para usar a expressão de
Aristóteles - o qual move todo o resto mas, não no sentido mecanicista da coisa,
ou seja, de uma bolinha que bate noutra bolinha e que bate noutra e assim
sucessivamente mas, numa espécie de atracão como que amorosa, só para usar a explicação
dada por Olavo de Carvalho.
Ora, será que isso significa que, em última instância,
Deus é o causador dos males físicos? De modo algum. Já dizia Sto. Agostinho que
o mal não tem uma causa eficiente mas apenas uma causa deficiente. Ou seja, a
causa do mal físico não pode ser Deus porque neste caso Deus teria que ser o
mal metafísico, o que é contraditório com a própria ideia de Deus como
fundamento da realidade e acontece que o mal não tem um ser, sendo apenas a
privação do ser, cabendo o seu estudo não a ontologia geral mas sim a noologia
geral para cujos temas o filósofo Mário Ferreira dos Santos oferece uma explicação
bastante aprofundada.
Então, de onde vem o mal físico? Santo Agostinho diz
que ele vem de um outro mal, a saber, o mal moral. Ora, sendo o homem, um ser
doptado de razão, como é que ele pode cometer um mal moral? Sócrates atribui a
resposta a essa questão a aquilo que ele chamava de “erro de cálculo”, porém, Sócrates
estava errado porque ele supunha que a vontade estava necessariamente
subordinada a razão, quando, na verdade, malgrado a razão e a vontade serem
coexistentes, eles são autónomos e, longe de a vontade subordinar-se a razão como
ensinava Aristóteles e Sto. Tomás de Aquino, o que, como já expliquei num outro
artigo em que eu analisava algumas ideias de Hannah Arendt sobre “a vida do
espírito”, isso só é válido se consideramos a coisa desde a perspectiva
noética, porém, deste a perspectiva, eidética, é um absurdo formidável, ou
seja, ninguém faz aqueles silogismos todos que se ensinam nos tratados de
lógica antes de agir, pelo contrário, na maior parte das vezes, nós fazemos as
coisas simplesmente porque queremos ou como diz Olavo de Carvalho: “fi-lo
porque qui-lo” e, só mais tarde é que tratamos de buscar uma coerência lógica interna
para aquele acto.
Aliás, como bem observou o filósofo Mário Ferreira dos
Santos, nós nem se querer raciocinamos de forma silogística, i.e., um raciocínio
em 3 etapas que ele qualificou como artificial, ao invés disso, ele disse que o
raciocínio propriamente natural do ser humano é o entimema. Na verdade, o certo
seria dizermos que em 100 por cento dos casos, nós somos 10 por cento racionais
e 90 por cento irracionais, com a ressalva de que não confundamos
irracionalidade com animalidade porque a diferença entre o homem e o animal não
‘e especifica mas, sim, total, conforme apoditicamente demonstrado pelo Xavier
Zubire, de modo que, a irracionalidade humana não é animal, ela é humana.
É fácil ver o mal moral actuando quando um individuo
mata o outro mas, essa facilidade se dissipa quando vemos um bebé nascer sem
pernas e sem braços ou nascer surdo e mudo e, aí, ficamos perplexos como os discípulos
de Cristo a interrogar o mestre, dizendo: “quem pecou para que este nascesse
cego?” Contudo, isso não impugna a hipótese de Agostinho de que o mal físico
tem causa no mal moral, de modo algum, mas significa, apenas, que nalguns casos
esse mal moral é auto-evidente e noutros ele é evidente mas não auto-evidente.
Sendo todo homem mortal como naquele famoso silogismo:
“todo homem é mortal/Sócrates ‘e
homem/logo Sócrates é mortal”, a morte está para todo homem assim como a
poesia lírica está para Homero, quer ele seja atropelado ou não, quer ele seja
baleado ou não, quer ele adoeça ou seja envenenado ou não, “isso não inflói nem
contribói”, como dizem no nordeste barsileiro. Quer dizer, sendo a morte um
fenómeno universal, é de uma burrice histriónica você atribuir a ela uma causa
particular como se faz na medicina legal porque eles nunca vão chegar a tal
causa, mas, apenas, a uma probabilidade ligada aos acidentes que cercearam a
morte deste ou daquele individuo, nunca a sua causa, a qual é universal e,
portanto, de ordem metafísica, a qual, uma vez suprimida, não importa quantos
tiros, quantos estrangulamentos, quantos envenenamentos se façam, o efeito morte
nunca será desencadeado porque a causa metafísica, portanto, de ordem
ontológica está ausente.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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