A simbólica é o
estudo da génese, desenvolvimento, vida e morte dos símbolos. A substituição
dos símbolos pela alegoria foi o que matou a simbólica, porém, muitos padres e
filósofos da igreja estão tentando retornar a patrologia para resgatar as
verdadeiras fontes filosóficas do cristianismo na simbólica e na mathesis, libertando-o daquela faixa que
ficou estreitada pelo aristotelismo.
O filósofo Mário Ferreira dos Santos no
seu “tratado de simbólica” define simbólica como o estudo da “génese,
desenvolvimento, vida e morte dos símbolos”.
O que é um símbolo? Um símbolo é aquilo
que aponta para algo, que representa algo, que substitui algo. De modo que os
símbolos não são para serem explicados e nada explicam. Diz Aristóteles, acerca
das religiões de mistérios: “elas nada explicam mas deixam em nós uma profunda
impressão”. Sabemos também que o símbolo é uma criação da nossa afectividade e
não da nossa racionalidade, o que corrobora a tese de Aristóteles.
Já vimos em outro artigo que explicar é
uma lei natural a que busca alcançar as ciências da natureza como física,
biologia e química de modo que explicar é apenas identificar os nexos causais ou
funcionais entre os factos, etc., como diz Miguel Reale na sua “filosofia do
direito”. Os símbolos não explicam, porém, isso não o torna inútil, inútil aqui
não apenas no sentido economicista do termo mas tomado amplamente. Os símbolos
são úteis não apenas por causa da impressão que eles deixam em nós mas porque
ele nos dá a compreensão dos factos referentes por exemplo a sociologia,
etnologia, religião, história, etc., e essa compreensão, como diz Max Weber, é
apenas “as implicações ou enlaces de sentidos”, ou seja, a compreensão é
descobrir as conexões de sentido.
Já vimos em outros artigos que para Susan
K. Langer, um símbolo é uma “matriz de intelecções possíveis” (sic). Porquê?
Porque o símbolo encerra uma amálgama de poli-significabilidade e poli-referenciabilidade.
A poli-significabilidade significa apenas que um símbolo pode ser usado para
representar mais de uma única realidade. Por exemplo, o sol pode ser usado para
simbolizar Deus, a vida, etc. A poli-referenciabilidade significa apenas que
uma realidade pode ser representada por vários símbolos. Por exemplo, a vida
pode ser representada pelo sol, pelo sangue, pela água, etc.
Quando definimos supra símbolo como aquilo que aponta para algo, aquilo que
representa algo ou aquilo que substitui algo isso chega a ser muito sugestivo.
Nietzsche dizia que nós só superamos aquilo que substituímos de modo que o símbolo
é um modo de superação do simbolizado e isso encerra a ideia de transcendência,
a qual está presente em todas as principais religiões nas suas diversas fases
de desenvolvimento.
Simbólica
e a crise do cristianismo
Mário Ferreira dos Santos diz que “a
humanidade está atravessando um momento muito grave da sua história”. Qual é a
causa de tudo isso? Ele diz que a causa de tudo isso é que ela deixou Platão e
se colocou naquela faixa que ficou estreitada pelo aristotelismo. Ora, sabemos
que a civilização ocidental tem como pilares a filosofia grega, o direito
romano e a moral tradicional judaico-cristã. Porém, também sabemos que as
verdadeiras fontes filosóficas do cristianismo são Pitágoras e Platão conforme
vemos amplamente presentes nas obras dos patrólogos, dos pais da igreja, como
Clemente de Alexandria, Tertuliano, Orígenes, São Gregório Nazianzeno, são Gregório
de Nissi, só para citar os principais e outros secundários como Basilides, etc.
Santo Agostinho, malgrado ser o cume a que chegou a patrística ele já vem depois
juntamente com Santo Ambrósio que o baptizou e o introduziu nos estudos
filosóficos de Platão.
Porém, com a tomada de Roma por Alarico em
410 d.C e assim por diante, e principalmente com a influência que os filósofos árabes
como Averróis, Avicena, Al Kindi, Al Gazali, vão exercer no ocidente, os
filósofos da igreja, a começar por Boécio, abandonam o estudo de Platão e começam
a dedicar-se ao estudo do aristotelismo, tendo a escolástica atingido seu cume
mais alto com São Tomás de Aquino mas não se pode desprezar os trabalhos de
imenso valor de um Santo Alberto Magno e de outros tantos.
O aristotelismo foi o que propriamente
matou o verdadeiro espírito cristão e qualquer estudioso da patrística, da escolástica
e de Platão e Aristóteles e também de Pitágoras, sabe que o pensamento
pitagórico-platónico é mais cristão do que o pensamento aristotélico apesar do
trabalho imenso de Santo Tomás de Aquino para conciliar a doutrina cristã com Aristóteles.
Porém, foi essa linha aristotélica da igreja que grandes problemas causou a
humanidade. Foi dessa linha que saíram os indivíduos que perseguiram Copérnico,
Galileu, etc., por contrariarem Aristóteles. Enquanto isso, as melhores ordens
da igreja sempre saíram do lado dos platónicos como a a ordem dos carmelitas, a
ordem dos franciscanos, dos capuchinhos, etc., apesar das ordens aristotélicas
acusarem aquelas de terem destruído a igreja por meio de Martinho Lutero mas
elas é que se afastaram do verdadeiro espírito cristão de modo que a acusação
que elas lançam sobre as ordens mais platónicas são discutíveis porque não são propriamente
um facto, um factum, aquilo que aconteceu
mas apenas uma das muitas narrativas sobre o que de facto aconteceu.
O
desaparecimento da simbólica
Seja como for, o facto é que muitos
teólogos e filósofos da igreja católica estão tentando retornar a patrística, a
patrologia, como Danielou, etc., para encontrar as verdadeiras fontes
filosóficas do cristianismo.
Mário Ferreira dos Santos diz que uma das
marcas da patrologia é que os patrólogos se preocupavam muito com o estudo da
simbólica. Porém, não se percebe como é que de chofre a simbólica despareceu e
passou a ser um estudo desprezado no ocidente. Por exemplo, nós vemos a
simbólica até a idade média, até Leonardo da Vinci, porém quando a coisa chega
a Miguel Ângelo, na renascença, temos uma substituição da simbólica pela
alegoria.
Miguel Ângelo, podemos dizer, foi o último grande
conhecedor da simbólica. Ele era um pitagórico porém daí para diante temos a
alegoria, por exemplo, a alegoria da noite como uma mulher com um manto escuro
cheio de estrelas, uma lua na cabeça, um corte crescente. Ora, isso já não é
propriamente simbólico. Isso já é alegórico.
O símbolo está ligado ao desenvolvimento
dos povos nas suas diferentes fases de desenvolvimento e cultura de modo que
encontramos manifestações simbólicas desde o neolítico até aos dias de hoje da
sociedade industrial técnico-científica. Antes do neopolítico, não temos
nenhuma manifestação simbólica. Quer dizer, não há nenhuma manifestação
simbólica por exemplo ligada ao homem de Neandertal. Não há e nunca houve e
nunca vai haver por mais escavações que se façam porque já foi provado pelas
técnicas modernas da genética que aquele exemplar, o único diga-se de passagem,
que se encontrou do homem de Neandertal, era uma falsificação. O Dr. David dos EUA
e o Dr. Smith da Inglaterra desmascararam essa farsa na década de 80 de modo
que só temos manifestações simbólicas do neolítico até hoje, que é a simbólica
dos povos citadinos da era industrial técnico-científica.
Símbolos
e fases de cultura e desenvolvimento dos povos
Sabe-se que o desenvolvimento do homem nas
suas diferentes fases de desenvolvimento histórico não no sentido de
desenvolvimento da história mas da história do ser humano, do ser inteligente e
da sua cultura, começa com a recolecção e a caça e depois evolui para a
pastorícia, a agricultura, o que já requeria o conhecimento da meteorologia,
depois vieram outras fases de desenvolvimento do homem como construtor e se
constroem os monumentos, as habitações e o homem se torna sedentário, e mais
modernamente ele constrói tudo aquilo que vemos ao nosso redor como produto do
domínio da ciência e da técnica como avião, carro, telefones, etc.
De modo que quando dormimos, temos sonhos
em que voltamos ao colector, ao agricultor, ao caçador, e há sonhos em que já
aparecem objectos modernos como um avião e assim por diante e isso é que é
propriamente simbólico porque faz parte da história da evolução do ser humano
nas suas diferentes fases de desenvolvimento histórico e de cultura de modo que
o símbolo é uma criação colectiva e não individual. Eu não posso dizer: “eu vou
criar um símbolo”. Não, você não vai criar um símbolo, você vai criar um sinal.
Todo símbolo é um sinal mas nem todo sinal é um símbolo.
Quando um símbolo se torna auto-evidente, então, ele perdeu consistência como símbolo
e se tornou um mero sinal como um sinal de trânsito e deve ser substituído por
um outro símbolo. É assim que os símbolos morrem.
Então, como vimos supra, a substituição do símbolo pela alegoria é o que está na
origem dos símbolos se terem tornado um estudo desprezado no ocidente, ou seja,
foi a alegoria que matou propriamente a simbólica.
Simbólica
e ecumenismo
O inventor da ideia de ecumenismo foi
Leibniz. Muitos caminhos têm sido tentados mas nenhum resultado eficaz tem sido
alcançado até hoje. Isso não significa que eu seja a favor do ecumenismo. Eu
não sou nem a favor nem contra. Meu papel é examinar as coisas sem paixão e
tentar compreendê-las, ou seja, apreender as conexões de sentido por trás dos
factos de acordo com as luzes naturais da razão.
Mário Ferreira dos Santos diz que só há
dois caminhos para o ecumenismo. O primeiro caminho é através da simbólica e o
segundo é através da mathesis, que é
a suprema instrução, a qual pertence ao arkhai.
Mário diz que a simbólica se liga a mathesis
pelos arkhais, ou seja, a simbólica
busca os arquétipos.
De modo que, para Mário, quando se examina
o simbolizado de cada religião e de cada organização esotérica ou ocultista, ou
secreta, chega-se a conclusão de que os seus diferentes símbolos que os
repelem, que os afastam uns dos outros são apenas exotéricos e não esotéricos
de modo que eles estão apenas discutindo símbolos e não simbolizados.
Isso que Mário diz não é novo. A Madame
Blavsky já dizia isso no seu livro “a doutrina secreta” em que ela diz que
apesar das diferenças religiosas, i.e., exotéricas entre as várias religiões,
elas são esotericamente a mesma porque elas se dão em torno de uma mesma super religião que as unifica, a qual
ela chamou de religião verdade. Aparentemente, isso que HPB disse parece
encerrar a questão porém, ela abre uma outra questão mais bicuda ainda, qual
seja: “o que é a verdade”? porque dizer apenas religião VERDADE é uma abstracção.
Ou seja, está sendo tomada a verdade abstraída das suas propriedades, da sua
mera singularidade, etc. porém, quando vamos para a ciência, o conceito de
verdade é um, e quando vamos a cada uma das religiões a verdade vai sendo
tratada em diferentes acepções conforme a língua através da qual a revelação
foi dada.
No seu célebre “the transcendental unity
of religions”, o sheik sufi Frithjof Schuon diz que a unidade das diversas
religiões só pode ser alcançada transcendentalmente e não imanente mente. Porém,
para Schuon, transcendência tem um sentido esotérico das tariqas e sendo o Islam, na sua concepção e a dos mussulamos em
geral, a chave da abóbada, o selo da revelação divina, então, sucede que o Islam
abarca e subordina todas as demais religiões, transcendendo-as infinitamente.
De modo que unir as religiões pelo que elas têm de transcendental significa
para aquele mestre sufi uni-las sob a bandeira ou sob a espada do Islam. Não é
debalde que ao voltar, da Argélia onde ele recebeu sua iniciação, para a
Europa, ele tenha dito: “voltei para islamizar o ocidente”. Sem isso, é
impossível compreender a filosofia tradicionalista de Rene Guenón, Frithjof
Schuon, Mart Lings, Seyyed Hosn Nasser e
Rama Coomaraswamy.
Graus
simbólicos
Isso é, na verdade, um aprofundamento de
uma obra do Mário Ferreira dos Santos com o título “Pitágoras e o Tema dos Números”.
Nessa obra magnífica, Mário fala das leis pitagóricas, as quais são dez, e no
seu “tratado de simbólica”, ele as identifica com os 9 graus simbólicos, quais
sejam: unitário, binário, terciário, quaternário, quinário, senário,
septenário, octonário e novenário. Para além desses graus ele inclui o grau
decenário. Mas, fundamentalmente, os graus simbólicos são os nove primeiros.
Como em “Pitágoras e o Tema dos Números”,
o grau unitário simboliza a integração ou a unidade. O grau binário simboliza a
oposição. O grau terciário simboliza a relação. O grau quaternário simboliza a
reciprocidade. O grau quinário simboliza a forma. O grau senário simboliza a
harmonia. O grau septenário simboliza a evolução ou mutação física. O grau
octonário simboliza a mutação superior. O grau novenário simboliza a integração
superior e o decenário simboliza a unidade transcendental.
Então, podemos ver aqui que os números
para os pitagóricos não tinham o significado restrito que damos a ele hoje de
quantidade apenas ou como dizia Aristóteles “a multiplicidade medida pela
unidade”. A palavra número vem do grego “nomos” que quer dizer, regra, norma,
lei e ordem e não quantidade. Os pitagóricos usavam a expressão aritmos para se referir ao número não
apenas quantitativamente mas também qualitativamente como forma. Então, o número,
os aritmos, podem ser quantidade,
qualidade, tensão, relação, função (relação de relação), lei, ordem, etc.
O número tratado apenas como número é uma
abstracção do segundo grau, uma abstracção matemática, a qual consiste em dado
um ente abstrair-se da sua generalidade e tomar o ente apenas extensivamente,
i.e., na sua extensão discreta. Porém, quando falamos de número como quantidade
estamos fazendo duas abstracções, quais sejam: a abstracção matemática e a
abstracção metafísica porque a quantidade é uma categoria pensamental do nosso
pensamento a qual pertence a metafísica.
***
Sabemos que a Matemática vem de Mathemos + Thesis. Mathemos quer
dizer pensamento, conhecimento. Thesis
quer dizer posição positiva. De modo que a Matemática é um acto do nosso
pensamento que faz uma posição positiva não apenas no que se refere aos objectos
tomados extensivamente como extensão contínua a qual nos dá a figura geométrica
e como extensão discreta a qual nos dá o número mas tomado amplamente no
sentido pitagórico de aritmoi
mathematikoi.
ESCRITOPOR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
Ola so gostaria de dizer que apesar de iniciante em filosofia achei muito interessante seu texto principalmente a perte a respeito do efeito do pensamento de aristoteles na cristandade. Ja tinha lido outra opiniao a respeito atravez do escritor americano catolico charles coulombe. https://www.tumblarhouse.com/blogs/news/ultra-realism-faq
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