terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Crescimento económico versus Desenvolvimento económico

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Não importa o quanto o PIB cresça, se a ideologia que se ergue acima da economia, como uma superestrutura, encobrir um esquema de poder que olha para a economia como um alvo a abater, não importa quantos grandes saltos para frente maotsetunguianos se dé, a miséria vai sempre medrar e abundar pelo simples facto de que ela é revolucionaria.

Não é incomum vermos na TV, rádios e jornais as pessoas confundirem o conceito de crescimento económico com o do desenvolvimento económico e outros ainda, no lugar de dizer que a economia do país está a crescer dizem simplesmente que o país está a crescer, o que é uma metonímia, evidentemente.

Qualquer estudante de economia sabe que não se pode falar de crescimento económico sem se falar de uma coisa chamada PIB. Contudo, isso não significa que o crescimento económico precisa do PIB para acontecer. De modo nenhum porque os países, enquanto unidades económicas particulares e concretas, já experimentavam o crescimento económico muito antes de que Keynes inventasse o conceito de PIB.

Você pode ler toda economia ortodoxa de Adam Smith até Alfred Marshall e você não vai encontrar o conceito de PIB. O PIB não é o crescimento económico, ele nem se quer é economia, ele é apenas uma unidade de medida cuja única utilidade é registar ou medir os actos económicos sejam eles consumo, investimento, quer sejam privados ou públicos ou do resto do mundo.

É só isso que o PIB faz e nada mais: transformar os actos económicos em dados económicos e é claro que nesse processo algo se perde desses mesmos actos económicos que ele regista. Ora, qual é o acto do consumidor? Qual é o acto do produtor? Qual é o acto do governo? Algumas pessoas poderão pensar que o acto do consumidor é consumir e que o acto do produtor é produzir e assim por diante, porém, isso está errado. O acto do consumidor é a sua liberdade de consumo e não o consumo em si até porque o consumo em si não existe porque para começar todo consumo é consumo de algo. O acto do produtor é a sua liberdade de produção e não a produção em si, a qual também não existe porque toda produção é produção de algo. O acto do governo é a sua liberdade de administração e não a administração em si, a qual também não existe porque toda administração é administração de algo.

Voltando a questão central deste artigo, nós medimos o crescimento económico por meio do PIB, ou seja, quando o PIB regista uma variação positiva de um período de tempo para outro, dizemos que houve crescimento económico e não queremos discutir aqui se é um crescimento nominal ou real, potencial ou efectivo.

Contudo, dizer que o PIB cresceu ou que temos um crescimento económico significa apenas dizer que as despesas globais aumentaram e por via da identidade das contas nacionais significa também dizer que a produção e o rendimento dos seus respectivos factores de produção aumentaram, mas isso não diz se temos ou não um desenvolvimento económico a acontecer no país ou no mundo pelo simples facto de que crescimento e desenvolvimento económico não são espécies do mesmo género.

A base material ou económica de um país pode crescer e ao mesmo tempo não se desenvolver e uma das provas disso são os países da África Subsariana que, na última década, cresceram a granel mas permanecem subdesenvolvidos. O desenvolvimento económico depende do que um país faz com o seu crescimento económico, ou seja, desenvolvimento económico é a essência do crescimento económico e sendo um pouco hegeliano eu diria ainda mais, digo, diria que o desenvolvimento económico é aquilo em que o crescimento económico se torna, porém, muita das vezes, essa essência nunca se actualiza e as economias acabam sendo uma espécie de proto-sapos.

Para você articular o crescimento económico com o desenvolvimento económico, você tem que ter por onde pegar. Ora, o elemento comum entre crescimento económico e desenvolvimento económico é o termo económico, o qual aparece no índice de desenvolvimento humano como PIB per capita, o qual é usado como metria do padrão de vida.

Os outros elementos que aparecem no IDH são de natureza demográfica, social e médica pelo que só essa articulação de elementos que pertencem a diversas ontologias regionais da teoria científica, já mostra que o IDH não é uma teoria mas, sim, uma técnica. Isso significa que esse índice inventado por Amartya Sen e outros apesar de funcionar no que tange ao propósito de medição do desenvolvimento humano, ele não explica porquê é que funciona. Tanto isso é verdade que o conceito de desenvolvimento humano dado por Amartya Sen nada tem que ver, teoricamente, com o IDH pois que ele diz que desenvolvimento é a ampliação das liberdades de escolha de consumo mas isso nada tem a ver com PIB per capita ou com a esperança de vida a nascença ou com a taxa de alfabetização de adultos, etc., ou seja, não há uma teoria científica capaz de conexionar cada um desses elementos e oferecer uma explicação unificada de que porquê é que o IDH funciona.

Aparentemente, os países com um PIB per capita alto, melhor educação, melhor assistência sanitária e maior esperança de vida as pessoas têm maior liberdade de consumo. Para começar isso é um bicho que se morde pela sua própria cauda, é tautológico, como dizer que Warren Buffet é rico porque tem dinheiro ou tem dinheiro porque é rico. By the way, a liberdade (de consumo) não é consequência de um padrão de vida mais alto mas, sim, a sua causa, porém, infelizmente, até um economista da dimensão de um Frederic August Hayek caiu nesse erro pueril.

 Veja, só há liberdade de consumo no capitalismo, se bem que com o advento do behaviourismo com John Boardus Watson, a oferta acabou criando a sua própria procura como diz a lei de Say conforme chegou a nós pelo punho de Keynes, ou seja, a partir de algumas técnicas psicológicas, é possível induzir a procura por bens e serviços que ninguém quer comprar, o que acontece não apenas na indústria cultural, para usar a expressão de Teodoro Adorno mas, também, noutras indústrias, principalmente a médico-farmacêutica e de tecnologias de comunicação e de informação. Porém, isso não tem comparação com o que acontece, por exemplo, nos países comunistas onde não há liberdade económica nenhuma, o que pode ser confirmado pelos dados da heritage Foundation que mostram que os países onde há mais liberdade económica são os países capitalistas e não socialistas.

Tudo isso para dizer que a liberdade de consumo não tem seu fundamento na economia ou no capitalismo se quisermos - malgrado muitos crerem que o consumo é a lógica interna do capitalismo, o que só atesta uma má leitura da “Etica protestante e Espírito do Capitalismo” de Max Weber - porque só existe economia capitalista. Aliás, experimente fazer aquilo que Einstein chamava de experiência imaginária: feche os olhos e imagine uma economia sem capital. Você simplesmente não consegue. Ah, e a economia feudal? Veja, naquele tempo, o capital era a semente, o qual era arriscado quer pela via da sementeira, quer pela via do crédito. Qualquer coisa que você arrisca para obter um ganho é o seu capital.

Marx, no seu materialismo dialéctico, dizia que a sociedade se compõe de uma infraestrutura que ele fazia coincidir com a base material ou económica da sociedade e de uma superestrutura que ele identificava com a moral, as leis, a religião, as instituições, enfim, com a ideologia que ele definia como sendo “um vestido de ideias” que visava a encobrir um esquema de poder. Erroneamente ou por trapaça, sabe-o Deus, Marx acreditava que, em última instância, a economia (infraestrutura) determinaria a superestrutura ideológica ou cultural mas, como já disse, ele estava enganado porque a história do século XX tratou de mostrar que é o contrário.

Deste modo, é preciso mudar a ideologia dominante antes que se tenha liberdade de consumo porque esta não é garantida pela amplidão da base material ou económica da sociedade mas, sim, pela cultura, i.e, pelo sistema de valores em torno do qual se constrói o imaginário colectivo de um povo e o devolve a sua autoconsciência, a sua centralidade psíquica, sem a qual falar em liberdade de consumo não passa de fazer soltar no ar umas quantas dúzias de bolhas de sabão.

Estavamos a dizer que estatisticamente, tecnicamente, o crescimento económico se articula com o desenvolvimento económico por meio do PIB per capita. Ora, o PIB per capita não é apenas um indicador económico, ele é também um indicador demográfico, o qual é, matematicamente, o quociente que resulta da divisão do PIB (dividendo) pela população (divisor) e não é preciso ser muito inteligente para perceber que a ideia central do desenvolvimento é a da divisão e não a da distribuição e essas duas coisas não são espécies do mesmo género.

Como a divisão em economia é um exercício meramente teórico, impossível de se traduzir na prática, os economistas falam em distribuição e, muitas vezes, em redistribuição, o que é um exercício político - o qual pressupõe a existência de uma autoridade totalitária que controla toda economia, que, no entanto, ao invés de redistribuir o PIB, vai adiando isso ad aeterno como aconteceu na URSS, China, Cuba, Moçambique, Angola, Vietname, etc. - daí muitos economistas acreditarem que desenvolvimento é uma questão política, o que é totalmente falso porque, neste caso, a política só atrapalha, aliás, já dizia Aristóteles que a economia só começa quando a política acaba.

A política visa acções de carácter geral, ela visa o bem-comum, pelo menos essa era a ideia que se tinha antes do advento de um tal Nicolau Maquiavel que deu à política aquela acepção russeliana de disputa de poder que alinha na mesma acepção schimitiana de política como sendo um jogo maniqueísta que consiste em ajudar os amigos e prejudicar os inimigos. Agora, isso cria um problema porque se encaramos o desenvolvimento económico como um PIB per capita mais alto, ou seja, a melhoria do padrão de vida, a coisa deixa de funcionar porque o PIB per capita, é PIB de um indivíduo e não de todos os indivíduos humanos pertencentes a uma determinada unidade económica, geograficamente considerada.

Por outras palavras, considerando o desenvolvimento como melhoria das condições de vida, como é que você vai fazer para melhorar as condições de vida de cada indivíduo em particular de uma nação, de uma cidade, de uma província, por meio de medidas políticas universais e abstractas? É impossível porque cada indivíduo daquela nação, cidade ou província enfrenta uma situação de vida que é particular e concreta. De modo que, se o governo diz que vai construir um hospital de raiz num certo povoado porque isso vai melhorar a vida da população daquele povoado, isso é apenas uma figura de linguagem, uma metonímia, porque o governo está partindo do pressuposto de que o todo é a soma das suas partes, o que é falso, porque o todo abarca e subordina as suas partes, transcendendo-as infinitamente.

Partindo do próprio IDH, a análise do PIB per capita mostra que o desenvolvimento é um fenómeno universal e abstracto, porém, a situação de cada indivíduo é particular e concreta. De modo que é preciso ajustar continuamente o IDH a situação particular e concreta de cada um e não ficar usando o IDH como uma regra geral porque isso nunca vai funcionar. Portanto, a questão não é se o PIB per capita de Moçambique aumentou ou diminuiu, o que é uma metonímia como já disse, mas, sim,  se o PIB do João, do Pedro, do António, do Octávio, da Marília, da Joana, etc., aumentou ou não.

Quer dizer, você dizer que o PIB per capita do país aumentou sem você verificar em escala monográfica, o PIB de cada um dos cidadãos pertencentes a aquela unidade económica que você está a analisar, para saber se aumentou ou não, é aviltar o raciocínio indutivo que é próprio das ciências e chega a ser eufemismo chamar a isso de charlatanismo. No entanto, é isso que os nossos economistas fazem, é isso que o governo faz: eles pegam as estatísticas do INE, Banco mundial, FMI, etc., e vêm esfregar na cara de todo mundo que o país está a desenvolver porque as estatísticas de tal e qual organização dizem tais e quais cobras e lagartos. Mas isso não é ciência, na melhor das hipóteses é uma caricatura de macumba.

Ciência é indução. Então, você examina a situação particular e concreta de cada cidadão e depois por indução você chega a uma conclusão geral e não o contrário porque neste caso os senhores estaticistas, economistas, governos, etc., teriam que provar que o desenvolvimento do seu país é auto-evidente e partindo desse princípio universal e abstracto ir tirando conclusões acerca de cada indivíduo particular e concreto, mas, como é que você vai provar que o desenvolvimento do país é auto-evidente, ou seja, que ele satisfaz o princípio metafísico de identidade, uma vez que a própria noção de desenvolvimento pressupõe um processo, o qual, por seu turno, pressupõe uma mudança que não tem deadline a vista ao mesmo tempo que o princípio de identidade pressupõe imutabilidade como A=A, o que não se pode dizer do desenvolvimento, o qual é como o rio de Heráclito em cujas águas não é possível nos banharmos duas vezes porque é um fluxo? 

Se o crescimento económico é aumentar as despesas, aumentar a produção e aumentar o rendimento e o desenvolvimento, por sua vez, é melhorar as condições de vida particulares e concretas de cada cidadão, sucede que, só pode haver desenvolvimento na medida em que cada cidadão em particular participa desse aumento de produção, rendimento e despesa, não de forma universal e abstracta como nas estatísticas mas, sim, de forma particular e concreta.

 Participar significa você se tornar parte, o que faz disso, um acto público puro, ou seja, um acto livre de rivalidade e de exclusividade e só pode deixar de haver rivalidade e exclusividade onde os recursos em disputa são abundantes e, sendo a economia, a ciência da escassez, isso não cabe no âmbito da economia, i.e., da infraestrutura material e económica da sociedade mas, sim, no âmbito da superestrutura ideológica.

De modo que, não importa o quanto as despesas, produção e rendimento captados pelo PIB cresçam, se a ideologia que se ergue acima da economia, como uma superestrutura, encobrir um esquema de poder que olha para a economia como um alvo a abater, evocando velhos mantras anticapitalistas como “a propriedade privada é um roubo” de Proudhon, ou “os empresários tecerão a corda com que os enforcaremos” de Lenine, etc., não importa quantos grandes saltos para frente maotsetunguianos sejam dados, a miséria vai sempre medrar e abundar pelo simples facto de que ela é revolucionária, o que é o principal problema dos países africanos, digo, essa exploração da miséria popular que os governantes usam para se perpetuar no poder, colocando toda culpa na classe empresarial, contra a qual eles brandem a acusação de “exploração do homem pelo homem” e acuam-na, usando da taxação progressiva como ensinou Marx.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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