Não importa o
quanto o PIB cresça, se a ideologia que se ergue acima da economia, como uma
superestrutura, encobrir um esquema de poder que olha para a economia como um
alvo a abater, não importa quantos grandes saltos para frente maotsetunguianos
se dé, a miséria vai sempre medrar e abundar pelo simples facto de que ela é
revolucionaria.
Não é incomum vermos na TV, rádios e jornais as
pessoas confundirem o conceito de crescimento económico com o do
desenvolvimento económico e outros ainda, no lugar de dizer que a economia do
país está a crescer dizem simplesmente que o país está a crescer, o que é uma
metonímia, evidentemente.
Qualquer estudante de economia sabe que não se pode
falar de crescimento económico sem se falar de uma coisa chamada PIB. Contudo,
isso não significa que o crescimento económico precisa do PIB para acontecer.
De modo nenhum porque os países, enquanto unidades económicas particulares e
concretas, já experimentavam o crescimento económico muito antes de que Keynes
inventasse o conceito de PIB.
Você pode ler toda economia ortodoxa de Adam Smith até
Alfred Marshall e você não vai encontrar o conceito de PIB. O PIB não é o
crescimento económico, ele nem se quer é economia, ele é apenas uma unidade de
medida cuja única utilidade é registar ou medir os actos económicos sejam eles
consumo, investimento, quer sejam privados ou públicos ou do resto do mundo.
É só isso que o PIB faz e nada mais: transformar os
actos económicos em dados económicos e é claro que nesse processo algo se perde
desses mesmos actos económicos que ele regista. Ora, qual é o acto do
consumidor? Qual é o acto do produtor? Qual é o acto do governo? Algumas
pessoas poderão pensar que o acto do consumidor é consumir e que o acto do
produtor é produzir e assim por diante, porém, isso está errado. O acto do
consumidor é a sua liberdade de consumo e não o consumo em si até porque o
consumo em si não existe porque para começar todo consumo é consumo de algo. O
acto do produtor é a sua liberdade de produção e não a produção em si, a qual
também não existe porque toda produção é produção de algo. O acto do governo é
a sua liberdade de administração e não a administração em si, a qual também não
existe porque toda administração é administração de algo.
Voltando a questão central deste artigo, nós medimos o
crescimento económico por meio do PIB, ou seja, quando o PIB regista uma
variação positiva de um período de tempo para outro, dizemos que houve
crescimento económico e não queremos discutir aqui se é um crescimento nominal
ou real, potencial ou efectivo.
Contudo, dizer que o PIB cresceu ou que temos um
crescimento económico significa apenas dizer que as despesas globais aumentaram
e por via da identidade das contas nacionais significa também dizer que a
produção e o rendimento dos seus respectivos factores de produção aumentaram,
mas isso não diz se temos ou não um desenvolvimento económico a acontecer no
país ou no mundo pelo simples facto de que crescimento e desenvolvimento
económico não são espécies do mesmo género.
A base material ou económica de um país pode crescer e
ao mesmo tempo não se desenvolver e uma das provas disso são os países da África
Subsariana que, na última década, cresceram a granel mas permanecem
subdesenvolvidos. O desenvolvimento económico depende do que um país faz com o
seu crescimento económico, ou seja, desenvolvimento económico é a essência do
crescimento económico e sendo um pouco hegeliano eu diria ainda mais, digo,
diria que o desenvolvimento económico é aquilo em que o crescimento económico
se torna, porém, muita das vezes, essa essência nunca se actualiza e as economias
acabam sendo uma espécie de proto-sapos.
Para você articular o crescimento económico com o
desenvolvimento económico, você tem que ter por onde pegar. Ora, o elemento
comum entre crescimento económico e desenvolvimento económico é o termo
económico, o qual aparece no índice de desenvolvimento humano como PIB per capita, o qual é usado como metria do padrão de vida.
Os outros elementos que aparecem no IDH são de
natureza demográfica, social e médica pelo que só essa articulação de elementos
que pertencem a diversas ontologias regionais da teoria científica, já mostra
que o IDH não é uma teoria mas, sim, uma técnica. Isso significa que esse
índice inventado por Amartya Sen e outros apesar de funcionar no que tange ao
propósito de medição do desenvolvimento humano, ele não explica porquê é que
funciona. Tanto isso é verdade que o conceito de desenvolvimento humano dado
por Amartya Sen nada tem que ver, teoricamente, com o IDH pois que ele diz que
desenvolvimento é a ampliação das liberdades de escolha de consumo mas isso
nada tem a ver com PIB per capita ou
com a esperança de vida a nascença ou com a taxa de alfabetização de adultos,
etc., ou seja, não há uma teoria científica capaz de conexionar cada um desses
elementos e oferecer uma explicação unificada de que porquê é que o IDH
funciona.
Aparentemente, os países com um PIB per capita alto, melhor educação, melhor
assistência sanitária e maior esperança de vida as pessoas têm maior liberdade
de consumo. Para começar isso é um bicho que se morde pela sua própria cauda, é
tautológico, como dizer que Warren Buffet é rico porque tem dinheiro ou tem
dinheiro porque é rico. By the way, a
liberdade (de consumo) não é consequência de um padrão de vida mais alto mas,
sim, a sua causa, porém, infelizmente, até um economista da dimensão de um
Frederic August Hayek caiu nesse erro pueril.
Veja, só há
liberdade de consumo no capitalismo, se bem que com o advento do behaviourismo
com John Boardus Watson, a oferta acabou criando a sua própria procura como diz
a lei de Say conforme chegou a nós pelo punho de Keynes, ou seja, a partir de
algumas técnicas psicológicas, é possível induzir a procura por bens e serviços
que ninguém quer comprar, o que acontece não apenas na indústria cultural, para
usar a expressão de Teodoro Adorno mas, também, noutras indústrias,
principalmente a médico-farmacêutica e de tecnologias de comunicação e de informação.
Porém, isso não tem comparação com o que acontece, por exemplo, nos países
comunistas onde não há liberdade económica nenhuma, o que pode ser confirmado pelos
dados da heritage Foundation que
mostram que os países onde há mais liberdade económica são os países
capitalistas e não socialistas.
Tudo isso para dizer que a liberdade de consumo não
tem seu fundamento na economia ou no capitalismo se quisermos - malgrado muitos
crerem que o consumo é a lógica interna do capitalismo, o que só atesta uma má
leitura da “Etica protestante e Espírito do Capitalismo” de Max Weber - porque só
existe economia capitalista. Aliás, experimente fazer aquilo que Einstein
chamava de experiência imaginária: feche os olhos e imagine uma economia sem
capital. Você simplesmente não consegue. Ah, e a economia feudal? Veja, naquele
tempo, o capital era a semente, o qual era arriscado quer pela via da sementeira,
quer pela via do crédito. Qualquer coisa que você arrisca para obter um ganho é
o seu capital.
Marx, no seu materialismo dialéctico, dizia que a
sociedade se compõe de uma infraestrutura que ele fazia coincidir com a base
material ou económica da sociedade e de uma superestrutura que ele identificava
com a moral, as leis, a religião, as instituições, enfim, com a ideologia que
ele definia como sendo “um vestido de ideias” que visava a encobrir um esquema
de poder. Erroneamente ou por trapaça, sabe-o Deus, Marx acreditava que, em última
instância, a economia (infraestrutura) determinaria a superestrutura ideológica
ou cultural mas, como já disse, ele estava enganado porque a história do século
XX tratou de mostrar que é o contrário.
Deste modo, é preciso mudar a ideologia dominante
antes que se tenha liberdade de consumo porque esta não é garantida pela
amplidão da base material ou económica da sociedade mas, sim, pela cultura,
i.e, pelo sistema de valores em torno do qual se constrói o imaginário colectivo
de um povo e o devolve a sua autoconsciência, a sua centralidade psíquica, sem
a qual falar em liberdade de consumo não passa de fazer soltar no ar umas
quantas dúzias de bolhas de sabão.
Estavamos a dizer que estatisticamente, tecnicamente,
o crescimento económico se articula com o desenvolvimento económico por meio do
PIB per capita. Ora, o PIB per capita não é apenas um indicador
económico, ele é também um indicador demográfico, o qual é, matematicamente, o
quociente que resulta da divisão do PIB (dividendo) pela população (divisor) e
não é preciso ser muito inteligente para perceber que a ideia central do
desenvolvimento é a da divisão e não a da distribuição e essas duas coisas não
são espécies do mesmo género.
Como a divisão em economia é um exercício meramente teórico,
impossível de se traduzir na prática, os economistas falam em distribuição e,
muitas vezes, em redistribuição, o que é um exercício político - o qual
pressupõe a existência de uma autoridade totalitária que controla toda economia,
que, no entanto, ao invés de redistribuir o PIB, vai adiando isso ad aeterno como aconteceu na URSS,
China, Cuba, Moçambique, Angola, Vietname, etc. - daí muitos economistas
acreditarem que desenvolvimento é uma questão política, o que é totalmente falso
porque, neste caso, a política só atrapalha, aliás, já dizia Aristóteles que a
economia só começa quando a política acaba.
A política visa acções de carácter geral, ela visa o
bem-comum, pelo menos essa era a ideia que se tinha antes do advento de um tal Nicolau
Maquiavel que deu à política aquela acepção russeliana de disputa de poder que
alinha na mesma acepção schimitiana de política como sendo um jogo maniqueísta
que consiste em ajudar os amigos e prejudicar os inimigos. Agora, isso cria um
problema porque se encaramos o desenvolvimento económico como um PIB per capita mais alto, ou seja, a
melhoria do padrão de vida, a coisa deixa de funcionar porque o PIB per capita, é PIB de um indivíduo e não
de todos os indivíduos humanos pertencentes a uma determinada unidade
económica, geograficamente considerada.
Por outras palavras, considerando o desenvolvimento
como melhoria das condições de vida, como é que você vai fazer para melhorar as
condições de vida de cada indivíduo em particular de uma nação, de uma cidade,
de uma província, por meio de medidas políticas universais e abstractas? É
impossível porque cada indivíduo daquela nação, cidade ou província enfrenta
uma situação de vida que é particular e concreta. De modo que, se o governo diz
que vai construir um hospital de raiz num certo povoado porque isso vai
melhorar a vida da população daquele povoado, isso é apenas uma figura de
linguagem, uma metonímia, porque o governo está partindo do pressuposto de que
o todo é a soma das suas partes, o que é falso, porque o todo abarca e
subordina as suas partes, transcendendo-as infinitamente.
Partindo do próprio IDH, a análise do PIB per capita mostra que o desenvolvimento
é um fenómeno universal e abstracto, porém, a situação de cada indivíduo é
particular e concreta. De modo que é preciso ajustar continuamente o IDH a
situação particular e concreta de cada um e não ficar usando o IDH como uma
regra geral porque isso nunca vai funcionar. Portanto, a questão não é se o PIB
per capita de Moçambique aumentou ou
diminuiu, o que é uma metonímia como já disse, mas, sim, se o PIB do João, do Pedro, do António, do Octávio,
da Marília, da Joana, etc., aumentou ou não.
Quer dizer, você dizer que o PIB per capita do país aumentou sem você verificar em escala
monográfica, o PIB de cada um dos cidadãos pertencentes a aquela unidade
económica que você está a analisar, para saber se aumentou ou não, é aviltar o
raciocínio indutivo que é próprio das ciências e chega a ser eufemismo chamar a
isso de charlatanismo. No entanto, é isso que os nossos economistas fazem, é
isso que o governo faz: eles pegam as estatísticas do INE, Banco mundial, FMI,
etc., e vêm esfregar na cara de todo mundo que o país está a desenvolver porque
as estatísticas de tal e qual organização dizem tais e quais cobras e lagartos.
Mas isso não é ciência, na melhor das hipóteses é uma caricatura de macumba.
Ciência é indução. Então, você examina a situação particular
e concreta de cada cidadão e depois por indução você chega a uma conclusão
geral e não o contrário porque neste caso os senhores estaticistas,
economistas, governos, etc., teriam que provar que o desenvolvimento do seu país
é auto-evidente e partindo desse princípio universal e abstracto ir tirando
conclusões acerca de cada indivíduo particular e concreto, mas, como é que você
vai provar que o desenvolvimento do país é auto-evidente, ou seja, que ele
satisfaz o princípio metafísico de identidade, uma vez que a própria noção de
desenvolvimento pressupõe um processo, o qual, por seu turno, pressupõe uma
mudança que não tem deadline a vista
ao mesmo tempo que o princípio de identidade pressupõe imutabilidade como A=A,
o que não se pode dizer do desenvolvimento, o qual é como o rio de Heráclito em
cujas águas não é possível nos banharmos duas vezes porque é um fluxo?
Se o crescimento económico é aumentar as despesas,
aumentar a produção e aumentar o rendimento e o desenvolvimento, por sua vez, é
melhorar as condições de vida particulares e concretas de cada cidadão, sucede
que, só pode haver desenvolvimento na medida em que cada cidadão em particular
participa desse aumento de produção, rendimento e despesa, não de forma
universal e abstracta como nas estatísticas mas, sim, de forma particular e
concreta.
Participar
significa você se tornar parte, o que faz disso, um acto público puro, ou seja,
um acto livre de rivalidade e de exclusividade e só pode deixar de haver
rivalidade e exclusividade onde os recursos em disputa são abundantes e, sendo
a economia, a ciência da escassez, isso não cabe no âmbito da economia, i.e.,
da infraestrutura material e económica da sociedade mas, sim, no âmbito da
superestrutura ideológica.
De modo que, não importa o quanto as despesas,
produção e rendimento captados pelo PIB cresçam, se a ideologia que se ergue
acima da economia, como uma superestrutura, encobrir um esquema de poder que
olha para a economia como um alvo a abater, evocando velhos mantras anticapitalistas
como “a propriedade privada é um roubo” de Proudhon, ou “os empresários tecerão
a corda com que os enforcaremos” de Lenine, etc., não importa quantos grandes
saltos para frente maotsetunguianos sejam dados, a miséria vai sempre medrar e
abundar pelo simples facto de que ela é revolucionária, o que é o principal
problema dos países africanos, digo, essa exploração da miséria popular que os
governantes usam para se perpetuar no poder, colocando toda culpa na classe
empresarial, contra a qual eles brandem a acusação de “exploração do homem pelo
homem” e acuam-na, usando da taxação progressiva como ensinou Marx.
ESCRITO POR|XADREQUE
SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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