terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A ideia dos universais

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Sto. Agostinho diz que só podemos chegar a ideia dos universais por meio da iluminação divina que vem em socorro da inteligência humana e fá-la inteligir isso.
Sto. Tomás de Aquino discorda totalmente de Sto. Agostinho e apela para a teoria de abstracção de Aristóteles nos seus diversos graus abstractivos.

Um dos grandes debates da filosofia medieval girava em torno da ideia dos universais. Esse debate opunha dois sistemas filosóficos em que um ia para um lado e o outro ia para outro lado. Esses dois sistemas são o sistema filosófico de Sto. Agostinho e o sistema filosófico de Sto. Tomás de Aquino.

Sto. Agostinho não é propriamente um homem medieval porque ele morre logo no começo da idade média quando já toda sua produção filosófica e teológica estava completa com as suas principais obras, a saber: as confissões e a cidade de Deus. Sto. Agostinho pertenceu ao período da filosofia conhecido como patrística, que era a filosofia dos pais da igreja, da qual ele se tornou o expoente máximo.

Sto. Agostinho foi profundamente influenciado pela leitura de Platão, o qual ele conheceu por meio do Bispo Ambrósio, o qual o converteu ao cristianismo, tendo-o baptizado naquele dia marcado pelo Te Deum do então orador Aurélio.

No que toca ao Sto. Tomás de Aquino, conhecido também pelo cognome de doutor angélico, se está perante o filósofo oficial da igreja católica. Diferentemente de Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino foi profundamente influenciado pelas leituras de Aristóteles, que era a referência filosófica principal da filosofia medieval, a qual ficou conhecida mundialmente por escolástica que malgrado ter sido fundada por Boécio, só alcançou o seu ponto mais alto com Sto. Tomás de Aquino cujas obras maiores foram a suma teológica e a suma contra os gentios.

O debate entre o sistema filosófico de Sto. Agostinho e o sistema filosófico de Sto. Tomás de Aquino é, no final das contas, um debate entre Platão e Aristóteles.

De onde vem a ideia dos universais? Eis a questão que vai opor Sto. Tomás de Aquino e os agostinianos na idade média.

Como nós nunca vimos uma espécie mas apenas um exemplar e outro e outro, de onde é que tiramos a ideia de espécie? Ou aquele famoso silogismo: Todo homem é mortal/ Sócrates é homem/Logo, Sócrates é mortal. Ora, de onde tiramos a ideia de que todo homem é mortal uma vez que todo homem não quer dizer um só homem mas cada homem possível, o que não se refere apenas aos nossos ancestrais mas ao próprio sujeito que está enunciando essa premissa maior, o qual, ainda não viu a sua própria morte e nem a morte dos homens que vão existir daqui a cem anos, mil anos, enfim, pelo século dos séculos. Portanto, de onde é que nós tiramos a ideia de que todo homem é mortal uma vez que ainda não vimos a morte de cada homem em particular e mesmo que víssemos a morte de todos os homens ainda faltaria vermos a nossa própria morte porque só há uma maneira de nós vermos a morte de todos os homens que é nós mesmos estarmos vivos em algum lugar.

Existem tantas outras ideias universais como a ideia de infinito, a ideia de absoluto, a ideia de eterno, etc. Ora, nunca nenhum de nós viu o infinito, o eterno ou o absoluto, logo, de onde é que fomos tirar essas ideias, uma vez que elas não são objectos da nossa experiência e, no entanto, sabemos que elas são objectos reais uma vez que que se a eternidade não existisse ninguém seria capaz de perceber o tempo porque sendo o tempo uma sucessão, só é possível perceber que as coisas se sucedem umas as outras porque há algo que permanece imutável. Se eu digo que algo é finito, isso só faz sentido na medida em que existe um infinito que abarca e subordina todo o finito e assim por diante.

Sto. Agostinho diz que só podemos chegar a ideia dos universais por meio da iluminação divina, então, ele apela para a teoria da iluminação divina que vem em socorro da inteligência humana e fá-la inteligir isso. Sto. Tomás de Aquino discorda totalmente de Sto. Agostinho e diz que a coisa nada tem que ver com a iluminação divina e ele apela para a teoria de abstracção de Aristóteles nos seus diversos graus abstractivos. Quer dizer, estudando monograficamente exemplar por exemplar, abstraído de todas as suas acidentalidades, o homem pode chegar a ideia de universal.

Considerando que Sto. Agostinho parte da via descensional de Platão, saindo do mundo das ideias para o mundo da empírea, enquanto Sto. Tomás de Aquino parte da via ascensional de Aristóteles, saindo do mundo da empírea para o mundo dos juízos virtuais se pode concluir que longe dos dois sistemas serem antagónicos eles se complementam mas não no plano da imanência mas, sim, no da transcendência histórica porque naquele primeiro plano, o plano da imanência, eles acabam sendo como que espécies de géneros diferentes.

O sistema agostiniano é de ordem ontológica enquanto o sistema de São Tomás é de ordem gnosiológica. Quer dizer, com base no sistema abstractivo aristotélico-tomista você pode conhecer noeticamente um universal mas você não pode saber eideticamente o que ele é porque aí você teria que apelar para o sistema de Sto. Agostinho da iluminação divina porque você estaria lidando com uma questão de ordem existencial.

Fritjof Schuon escreveu no último capítulo do seu célebre “The transcendetal unity of religions” que “to be is to know”. Contudo, é mais fácil conhecer do que ser. Nas ciências a prioridade é conhecer e não ser, porém, desde a perspectiva do plano metafísico, a ordem do ser tem preeminência sobre a ordem do conhecer e conhecer cognitivamente os universais não é conhecer o seu ser mas apenas os seus sem número acidentes e, é por isso que esses conhecimentos têm que ser revistos de tempos em tempos de modo a incorporar alguma novidade a mais porque há sempre novidades as quais, querendo fazer jus a Kant, podem decorrer das mudanças que se dão na estrutura da nossa mente quer pela influência do ambiente em torno, quer pela descoberta de cobras e lagartos que estavam no nosso inconsciente e que nós não sabíamos e outros elementos de hereditariedade que nós nem se quer suspeitamos.

Agora, uma iluminação divina seria, na verdade, não propriamente o raciocínio dedutivo, até, porque se for raciocínio já não tem como ser iluminação divina porque a iluminação pressupõe não um conhecimento mediato, mas, sim, imediato, o que seria uma intuição que o filósofo Olavo de Carvalho define como “…a percepção imediata de uma presença”, quer dizer, um aqui e agora.

Mesmo quando você vai fazer uma abstracção, quer dizer, você não tem como fechar a unidade do seu raciocínio sem a intuição da essência de cada exemplar que você examinou na escala monográfica. Quando por indução você chega a conclusão de que todo homem é mortal porque Sócrates morreu, Platão morreu, Aristóteles morreu, Sto. Agostinho morreu, Sto. Tomás de Aquino morreu, etc., com que fundamento você afirma que todo homem é mortal uma vez que você não viu todo homem morrer? Quer dizer, a indução e abstracção por si sós não nos dão nada completo, elas nem sequer são auto-fundantes.

Quando você diz que “todo homem é mortal”, parte-se do princípio que você já fez todo aquele jogo dialéctico para tentar derrubar essa premissa e você chegou a conclusão de que ela é auto-evidente e aí você começa a raciocinar logicamente em cima disso. É claro que poucas pessoas fazem esse exercício que é o verdadeiro exercício filosófico, aliás, a lógica vem muito mais tarde, ou seja, primeiro, se você é incapaz de dominar os conceitos e segundo, você é incapaz de arbitrá-los dialecticamente, toda a sua analítica é uma palhaçada histriónica.

Então você precisa encontrar um fundamento para o raciocínio e neste caso específico para a indução e, esse fundamento é a homogeneidade do real mas acontece que a homogeneidade do real é um princípio metafísico como o princípio de identidade and so on e aí você acaba voltando de novo e de novo e de novo para o sistema de Sto. Agostinho, o qual é mais completo que o sistema tomista nessa questão porque se apoia num fundamento mais sólido, o fundamento daquilo que Descartes chamou de filosofia primeira, ou seja, a metafísica.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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