Sto. Agostinho diz
que só podemos chegar a ideia dos universais por meio da iluminação divina que
vem em socorro da inteligência humana e fá-la inteligir isso.
Sto. Tomás de
Aquino discorda totalmente de Sto. Agostinho e apela para a teoria de
abstracção de Aristóteles nos seus diversos graus abstractivos.
Um dos grandes debates da filosofia medieval girava em
torno da ideia dos universais. Esse debate opunha dois sistemas filosóficos em
que um ia para um lado e o outro ia para outro lado. Esses dois sistemas são o
sistema filosófico de Sto. Agostinho e o sistema filosófico de Sto. Tomás de
Aquino.
Sto. Agostinho não é propriamente um homem medieval
porque ele morre logo no começo da idade média quando já toda sua produção
filosófica e teológica estava completa com as suas principais obras, a saber:
as confissões e a cidade de Deus. Sto. Agostinho pertenceu ao período da
filosofia conhecido como patrística, que era a filosofia dos pais da igreja, da
qual ele se tornou o expoente máximo.
Sto. Agostinho foi profundamente influenciado pela
leitura de Platão, o qual ele conheceu por meio do Bispo Ambrósio, o qual o
converteu ao cristianismo, tendo-o baptizado naquele dia marcado pelo Te Deum do então orador Aurélio.
No que toca ao Sto. Tomás de Aquino, conhecido também
pelo cognome de doutor angélico, se está perante o filósofo oficial da igreja
católica. Diferentemente de Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino foi
profundamente influenciado pelas leituras de Aristóteles, que era a referência
filosófica principal da filosofia medieval, a qual ficou conhecida mundialmente
por escolástica que malgrado ter sido fundada por Boécio, só alcançou o seu
ponto mais alto com Sto. Tomás de Aquino cujas obras maiores foram a suma teológica
e a suma contra os gentios.
O debate entre o sistema filosófico de Sto. Agostinho
e o sistema filosófico de Sto. Tomás de Aquino é, no final das contas, um
debate entre Platão e Aristóteles.
De onde vem a ideia dos universais? Eis a questão que
vai opor Sto. Tomás de Aquino e os agostinianos na idade média.
Como nós nunca vimos uma espécie mas apenas um
exemplar e outro e outro, de onde é que tiramos a ideia de espécie? Ou aquele
famoso silogismo: Todo homem é mortal/
Sócrates é homem/Logo, Sócrates é mortal. Ora, de onde tiramos a ideia de
que todo homem é mortal uma vez que todo homem não quer dizer um só homem mas
cada homem possível, o que não se refere apenas aos nossos ancestrais mas ao
próprio sujeito que está enunciando essa premissa maior, o qual, ainda não viu
a sua própria morte e nem a morte dos homens que vão existir daqui a cem anos,
mil anos, enfim, pelo século dos séculos. Portanto, de onde é que nós tiramos a
ideia de que todo homem é mortal uma vez que ainda não vimos a morte de cada
homem em particular e mesmo que víssemos a morte de todos os homens ainda
faltaria vermos a nossa própria morte porque só há uma maneira de nós vermos a
morte de todos os homens que é nós mesmos estarmos vivos em algum lugar.
Existem tantas outras ideias universais como a ideia
de infinito, a ideia de absoluto, a ideia de eterno, etc. Ora, nunca nenhum de
nós viu o infinito, o eterno ou o absoluto, logo, de onde é que fomos tirar
essas ideias, uma vez que elas não são objectos da nossa experiência e, no
entanto, sabemos que elas são objectos reais uma vez que que se a eternidade
não existisse ninguém seria capaz de perceber o tempo porque sendo o tempo uma
sucessão, só é possível perceber que as coisas se sucedem umas as outras porque
há algo que permanece imutável. Se eu digo que algo é finito, isso só faz
sentido na medida em que existe um infinito que abarca e subordina todo o
finito e assim por diante.
Sto. Agostinho diz que só podemos chegar a ideia dos
universais por meio da iluminação divina, então, ele apela para a teoria da
iluminação divina que vem em socorro da inteligência humana e fá-la inteligir
isso. Sto. Tomás de Aquino discorda totalmente de Sto. Agostinho e diz que a
coisa nada tem que ver com a iluminação divina e ele apela para a teoria de
abstracção de Aristóteles nos seus diversos graus abstractivos. Quer dizer,
estudando monograficamente exemplar por exemplar, abstraído de todas as suas
acidentalidades, o homem pode chegar a ideia de universal.
Considerando que Sto. Agostinho parte da via
descensional de Platão, saindo do mundo das ideias para o mundo da empírea,
enquanto Sto. Tomás de Aquino parte da via ascensional de Aristóteles, saindo
do mundo da empírea para o mundo dos juízos virtuais se pode concluir que longe
dos dois sistemas serem antagónicos eles se complementam mas não no plano da
imanência mas, sim, no da transcendência histórica porque naquele primeiro
plano, o plano da imanência, eles acabam sendo como que espécies de géneros
diferentes.
O sistema agostiniano é de ordem ontológica enquanto o
sistema de São Tomás é de ordem gnosiológica. Quer dizer, com base no sistema
abstractivo aristotélico-tomista você pode conhecer noeticamente um universal
mas você não pode saber eideticamente o que ele é porque aí você teria que
apelar para o sistema de Sto. Agostinho da iluminação divina porque você
estaria lidando com uma questão de ordem existencial.
Fritjof Schuon escreveu no último capítulo do seu célebre
“The transcendetal unity of religions” que “to be is to know”. Contudo, é mais
fácil conhecer do que ser. Nas ciências a prioridade é conhecer e não ser, porém,
desde a perspectiva do plano metafísico, a ordem do ser tem preeminência sobre
a ordem do conhecer e conhecer cognitivamente os universais não é conhecer o seu
ser mas apenas os seus sem número acidentes e, é por isso que esses
conhecimentos têm que ser revistos de tempos em tempos de modo a incorporar
alguma novidade a mais porque há sempre novidades as quais, querendo fazer jus
a Kant, podem decorrer das mudanças que se dão na estrutura da nossa mente quer
pela influência do ambiente em torno, quer pela descoberta de cobras e lagartos
que estavam no nosso inconsciente e que nós não sabíamos e outros elementos de
hereditariedade que nós nem se quer suspeitamos.
Agora, uma iluminação divina seria, na verdade, não
propriamente o raciocínio dedutivo, até, porque se for raciocínio já não tem
como ser iluminação divina porque a iluminação pressupõe não um conhecimento mediato,
mas, sim, imediato, o que seria uma intuição que o filósofo Olavo de Carvalho
define como “…a percepção imediata de uma presença”, quer dizer, um aqui e
agora.
Mesmo quando você vai fazer uma abstracção, quer
dizer, você não tem como fechar a unidade do seu raciocínio sem a intuição da
essência de cada exemplar que você examinou na escala monográfica. Quando por
indução você chega a conclusão de que todo homem é mortal porque Sócrates
morreu, Platão morreu, Aristóteles morreu, Sto. Agostinho morreu, Sto. Tomás de
Aquino morreu, etc., com que fundamento você afirma que todo homem é mortal uma
vez que você não viu todo homem morrer? Quer dizer, a indução e abstracção por
si sós não nos dão nada completo, elas nem sequer são auto-fundantes.
Quando você diz que “todo homem é mortal”, parte-se do
princípio que você já fez todo aquele jogo dialéctico para tentar derrubar essa
premissa e você chegou a conclusão de que ela é auto-evidente e aí você começa
a raciocinar logicamente em cima disso. É claro que poucas pessoas fazem esse
exercício que é o verdadeiro exercício filosófico, aliás, a lógica vem muito
mais tarde, ou seja, primeiro, se você é incapaz de dominar os conceitos e
segundo, você é incapaz de arbitrá-los dialecticamente, toda a sua analítica é
uma palhaçada histriónica.
Então você precisa encontrar um fundamento para o
raciocínio e neste caso específico para a indução e, esse fundamento é a
homogeneidade do real mas acontece que a homogeneidade do real é um princípio
metafísico como o princípio de identidade and
so on e aí você acaba voltando de novo e de novo e de novo para o sistema
de Sto. Agostinho, o qual é mais completo que o sistema tomista nessa questão
porque se apoia num fundamento mais sólido, o fundamento daquilo que Descartes
chamou de filosofia primeira, ou seja, a metafísica.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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