segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Um fetiche chamado agricultura

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Essa pretensão de fazer da agricultura a chave de abóbada, a explicação para tudo não passa de um fetiche e uma ilusão…
…apregoar que a agricultura é a base da nossa economia é simplesmente voltar para a idade média, para o período do feudalismo, com todo seu cortejo de fome, de pobreza, enfim, de miséria a mais não poder.

Quando se pergunta a qualquer economista deste país sobre qual é a solução para o problema económico de Moçambique, invariavelmente, todos eles, em uníssono dizem: “a agricultura”.

Ora, quando eu oiço isto, dá-me cá uma vontade muito grande de bater na pessoa que está dizendo isso e mandá-lo voltar para casa a fim de ir cortar cana ou ir lavar loiça, se é que até isso esse “idiota útil”, como dizia Lenine, sabe fazer.

Essa pretensão de fazer da agricultura a chave de abóbada, a explicação para tudo não passa de um fetiche e uma ilusão, no final das contas. No mundo hodierno do politicamente correcto, o discurso sobre potenciar a agricultura também se tornou num discurso politicamente correcto como falar mal do ocidente, mormente dos EUA; ser a favor dos gays; ser a favor do aborto; endossar o discurso globalista do aquecimento global e assim por diante.

Todo discurso politicamente correcto é um código moral, porém o seu conteúdo é profundamente imoral do princípio até o fim porque não passa de oportunismo político e, como tal, não visa aquilo que ele propõe como discurso pré-textual mas sim, o que ele oculta, i.e., o esquema de poder encoberto por esse vestido ideológico ou “vestido de ideias” para usar a expressão de Marx.

Uma coisa pode ser objectivamente benigna e ser ao mesmo tempo subjectivamente maligna e vice-versa. Porém, não se trata de ser benigno e maligno sob o mesmo aspecto mas, sim sob aspectos diferentes que estabelecem entre si uma tensão dialéctica insolúvel porque esta é a natureza mesma das coisas. Contudo, o discurso que procura promover a agricultura como a panaceia para todos os males da economia é objectiva e subjectivamente maligno em toda a linha.

Como é que, em ciência, você sabe qual é a solução de um problema? Através do uso do método científico, o qual se funda na observação e experimentação, podendo-se chegar, por indução, a uma lei geral, partindo do exame de casos particulares em escala monográfica, analisando caso por caso; analisando um exemplar, depois outro, e outro e outro e comparando seus resultados.

Qualquer economista sabe que não se pode fazer experiências em economia, não tanto pela impossibilidade em si de se fazer essa experiência mas porque não é ético. Por exemplo, o banco central não pode emitir papel-moeda excessivo só para ver se isso vai conduzir a inflação dos preços ou aumentar as taxas de reserva legal para ver se isso vai erodir o investimento real privado.

Deste modo, o último recurso que sobra é apelar para a autoridade dos factos ou dos dados historicamente registados. Infelizmente, os economistas não estudam a história ou poucos deles se interessam pela história. A maior parte dos economistas se interessa pela estatística e serve-se dela como um bêbado se serve de um poste de iluminação, ou seja, mais para se apoiar do que para se iluminar.

Reiteradas vezes fiz questão de dizer para as pessoas e até escrevi algo a respeito que apregoar que a agricultura é a base da nossa economia é simplesmente voltar para a idade média, para o período do feudalismo, com todo seu cortejo de fome, de pobreza, enfim, de miséria a mais não poder.

Nunca nenhuma nação enriqueceu por causa da agricultura. O desconhecimento da história leva algumas pessoas a dizerem que a europa enriqueceu por causa da agricultura o que deve ser rejeitado in limine como falsificação e ocultação da verdade histórica.

Os países europeus na idade média eram um poço de miséria contudo, não nego que existissem homens muito ricos no meio da miséria geral em torno. Agora, quem eram esses indivíduos? A casta aristocrática européia.  Todavia, quando se examina a história narrada tal como os factos se deram na realidade, como dizia o bom e velho historiador Leopold Von Ranke, fica evidente que toda classe aristocrática européia foi forjada no campo militar, não no da agricultura em particular ou da economia em geral.

O poder aristocrático independe, por definição, do poder económico. Ele depende apenas do poder militar, do poder de matar que é um dos três tipos de poder possíveis ao lado do poder económico ou de gerar e do poder religioso ou de conservar, preservar, que eu identifiquei, num artigo postado neste blog, com os 3 aspectos da divindade hindu, a saber: Brahma, Vishnu e Shiva.

Existe uma cena em Rimbaud de dois soldados conversando no intervalo das guerras contra Cartago em que um deles diz para o companheiro: “quando essa guerra acabar, eu vou comprar um arado, vou plantar e vou enriquecer”. O outro puxa da espada e diz: “aqui está o meu arado”.

Isso regista uma impressão autêntica de como se constituíam as castas aristocráticas na europa. Se tratava de indivíduos que voltavam das guerras como heróis e eram premiados pela população com terras, gado, metais preciosos e a unção sacerdotal da igreja. Enquanto, essa coisa de cultivar a terra era trabalho dos servos e não dos senhores.

É o comércio internacional e a indústria que vão mudar a face da europa e do mundo e não a agricultura, a qual recebe a sua primeira elaboração teórica muito tardiamente, apenas no século XVII com os fisiocratas franceses.

Na verdade, tendo a ciência económica surgido em 1776 com a obra de Adam Smith, “a riqueza das nações”, o trabalho especulativo dos fisiocratas nem se pode chamar de económico porque ele surge num estágio pré-económico das sociedades, o que, contudo, não ab-roga o esforço especulativo dos fisiocratas, até porque o próprio Smith concatenou ideias com os luminares dessa corrente de pensamento.

Os mercantilistas apregoavam que a riqueza provinha da acumulação dos metais preciosos. Os fisiocratas diziam que a riqueza das nações provinha da agricultura. Adam Smith diz que a riqueza das nações provê do trabalho especializado.

A ideia de Smith me parece mais exacta porque ele soube distinguir o necessário do acessório, quiçá pela sua formação filosófica. Seja como for, ele acertou em cheio ao falar do trabalho humano especializado como a causa da riqueza das nações porque o trabalho humano está subentendido em toda actividade economicamente organizada, quer na agricultura, quer na actividade mercantil, quer ainda na actividade industrial.

A mim não me causa nenhum espanto que Moçambique e tantos outros países da África, da América Latina e da Ásia morram de amores pela agricultura, não obstante serem os continentes onde mais se morre de fome e que mais recebe ajuda alimentar e, não obstante ainda, a desastrosa experiência da China sob Mao Tsé Tung da colectivização da agricultura em que morreram 40 milhões de pessoas só naquele lance, sem contar com a sorte idêntica que tiveram os russos sob Stalin e outros casos que preenchem os anais da história humana.

O que sucede é que a agricultura se assenta no poder da terra, isso é feudalismo, o qual, historicamente antecede o capitalismo que é, por sua vez, inimiga mortal dos movimentos revolucionários transmutados em partidos políticos, os quais se encontram na direcção da maior parte dos países dos continentes acima mencionados.

No feudalismo tínhamos a agricultura como base da economia. O absolutismo imperava na política. A ética que prevalecia nas actividades económicas era a ética católica. No capitalismo, temos uma mudança de 360 graus. A agricultura perde peso para o comércio e depois para a indústria. Temos o começo da era das democracias republicanas. Em muitos países europeus, a ética católica dá lugar a ética protestante.

Confrontado com uma nova ética, era inexorável que a europa experimentasse mudanças profundas como as que foram testemunhadas em todo o velho continente, desde a aurora da renascença até ao crepúsculo das duas guerras mundiais.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shatreksousa@gmail.com

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