O facto da teoria
do investimento estar errada não significa que a técnica do investimento usada há
milénios não funciona. Isso significa apenas que ela independe das teorias económicas
acerca do investimento.
O princípio básico do investimento é “não colocar
todos os ovos no mesmo cesto”. Aqui, estamos perante uma figura de linguagem
que só serve se os ovos estiverem crus porque se eles estiverem cozidos, a diversificação
dos cestos não somente não terá nenhum impacto na minimização dos riscos mas também
será um desperdício de recursos a que se poderia dar um uso alternativo mais
proveitoso.
Não me interessa neste artigo discutir a veracidade ou
a falsidade desse princípio elementar do investimento mas dizer apenas que ele não
é um princípio logicamente elaborado mas apenas, como diria, Croce, uma “expressão
de impressões”.
Os economistas, ao recorrerem a um plano discursivo mitopoético
para enunciar um princípio universal e abstracto, eles estão apenas dizendo que
não sabem qual é o princípio elementar do investimento e é por isso que eles
contam um mito que eu chamo de “o mito dos cestos de ovo” no lugar de oferecer
uma resposta analítica ou lógica.
O mito dos cestos de ovo não é o único mito que
encontramos na economia e, se calhar, nem é o mais conhecido. Os outros mitos são
os seguintes:
1.
O mito da “mão invisível”
de Adam Smith
2.
O mito dos “animal’s
spirit” de J.M.Keynes
3.
O mito dos “almoços
grátis” atribuído a Milton Friedman
4.
O mito dos “limões”
de Joseph Stiglitz
5.
O mito do “exército
industrial de reserva” de K.Marx, entre outros.
De todos esses mitos, o mais famoso é o mito da “mão invisível
de Adam Smith. Smith não compreendia como é que um agente económico privado,
buscando satisfazer seus interesses individuais, por natureza, egoístas, contribuía
de modo eficaz para aquilo que Aristóteles chamava de “bem-comum” da
colectividade. Então, o que foi que ele fez? Ele contou um mito, o mito da mão invisível.
Por outras palavras, Smith não sabia como é que o
mercado funcionava e o facto de que, volvidos quatro séculos, os economistas
ainda usem recorrentemente o mito da mão invisível para explicar o mercado só mostra
que ainda hoje eles também não sabem como é que o mercado funciona. Se calhar, Alfred
Sauvey esteja montado na razão quando chama a economia de mercado de “a
economia do diabo”, o que significa dizer que a economia do mercado é um enigma
que jamais será decifrado.
Não há nenhum mal em que um princípio económico universal
e abstracto, inicialmente, não receba uma elaboração discursiva feita no plano
lógico. Na verdade, a primeira elaboração intelectual nas ciências é sempre
feita no plano discursivo mitopoético mas, quando a coisa ainda está nesse
plano, ela não pode pretender que tem o mesmo rigor lógico de uma elaboração intelectual
feita no plano discursivo analítico, que é, no final das contas, o mesmo plano lógico,
uma vez que nem sequer recebeu um tratamento discursivo retórico e dialéctico
que são uma espécie de entremeio entre o plano mitopoético e o analítico ou lógico.
Sendo enunciado no plano discursivo mitopoético, esse
princípio elementar do investimento é, por definição, “uma matriz de intelecções
possíveis” para usar a expressão de Susan K. Langer, o que equivale a dizer que
ele admite uma gama vastíssima de possibilidades de sentido conforme a imaginação
de cada um e a sua situação discursiva particular e concreta.
O sentido que se convencionou dar a esse enunciado mitopoético
é o de que ele se refere a diversificação do investimento. Diversificar
investimento significa que você não vai arriscar o seu capital num único ramo
de negócio mas você vai colocar o seu capital um pouco na agricultura, um pouco
na indústria, um pouco no sector dos serviços e, mesmo assim, na agricultura, você
não vai colocar o seu capital apenas numa única cultura de rendimento mas em várias,
e o mesmo vale para a indústria em que você vai arriscar seu capital não apenas
na indústria extractiva, mas também na transformadora e, assim por diante. No sector
dos serviços, idem.
Ora, quando você olha para o ovo, você percebe que há uma
diferença substancial entre o investimento e os ovos. Quando você arrisca um
capital financeiro, isto é, quando você faz um investimento financeiro você ganha
juros e quando você arrisca um capital real ou físico, ou seja, quando você faz
um investimento real você ganha lucros mas, os ovos não são como capitais que
se multiplicam conforme são arriscados. Esta é a primeira dificuldade.
Veja, a diversificação dos cestos no que toca ao caso
do ovo tem em vista apenas a minimização do risco de se perder todos os ovos ou
a sua maior parte se o único cesto em que eles estão colocados, empurrado pela
força de gravidade, resultar na destruição dos ovos. Porém, essa ideia da minimização
do risco de perda dos ovos é incompatível com a própria noção de investimento,
a qual pressupõe a existência de um capital a ser arriscado com a ressalva de
que quanto maior o risco, maiores os ganhos a ser obtidos, o que não se pode
dizer dos ovos em que quanto maior o risco a que eles são submetidos maiores as
possibilidades de perda.
A segunda dificuldade é que você dizer que a expressão
“não colocar todos os ovos no mesmo cesto” se refere a diversificação do
investimento também não bate porque, aqui, a única coisa que está sendo
diversificada no mito dos cestos de ovo são os cestos e não os ovos, os quais
permanecem os mesmos. Partindo dessa expressão teríamos que admitir que os
investimentos não podem ser diversificados mas apenas os cestos em que eles estão
colocados, o que seria contraditório com a própria ideia de diversificação do
investimento que foi posta em circulação pela literatura económica dominante.
O facto da teoria do investimento estar errada assim
como estão erradas muitas outras teorias económicas como as teorias de
desenvolvimento económico não significa que as técnicas do investimento e do desenvolvimento usadas há milénios
não funcionam. De modo algum. Ela funciona, mas, por definição, ela independe
das teorias económicas acerca do investimento e isso não vale apenas para a
economia mas para toda e qualquer área do saber.
Veja, as teorias de desenvolvimento económico nunca
produziram um único país desenvolvido, não obstante todas elas serem formuladas
ex post facto, e a prova disso é que já
havia muitos países desenvolvidos na Europa Ocidental, sem contar com o caso
dos EUA e do Japão, muito antes de Simon Kuznet, Rostow et caterva terem se metido a especular acerca do desenvolvimento económico.
O mesmo vale para as teorias de crescimento económico e
outras porque as economias já estavam a crescer muito antes de que Harrod-Domar,
Robert Lucas, Robert Solow e tutti quanti
esboçassem suas teorias de crescimento económico. Não há nada que precise de
teoria económica ou outra para poder funcionar. Nem mesmo as maçãs precisam da
teoria da gravidade de Newton para poderem cair porque elas já caiam antes que
Newton se metesse a teorizar a respeito.
As teorias valem o que valem mas não é preciso uma boa
teoria de investimento para fazer um bom investimento mas, sim, uma boa técnica
de investimento, o que é uma arte e, como tal, só é adquirida por quem tem algum
talento, o que significa alguém que absorveu a técnica de investimento inteira,
a qual está toda catalogada na própria tradição do investimento.
Mas, isso apenas, não fará de você, digamos assim, um
investidor no verdadeiro sentido do termo. O que fará isso é você não somente
dominar toda a tradição de investimentos mas também incorporar na técnica do
investimento alguma novidade e somente aí é que você é um investidor.
ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
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