domingo, 29 de janeiro de 2017

O investimento e o mito dos cestos de ovo

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O facto da teoria do investimento estar errada não significa que a técnica do investimento usada há milénios não funciona. Isso significa apenas que ela independe das teorias económicas acerca do investimento.

O princípio básico do investimento é “não colocar todos os ovos no mesmo cesto”. Aqui, estamos perante uma figura de linguagem que só serve se os ovos estiverem crus porque se eles estiverem cozidos, a diversificação dos cestos não somente não terá nenhum impacto na minimização dos riscos mas também será um desperdício de recursos a que se poderia dar um uso alternativo mais proveitoso.

Não me interessa neste artigo discutir a veracidade ou a falsidade desse princípio elementar do investimento mas dizer apenas que ele não é um princípio logicamente elaborado mas apenas, como diria, Croce, uma “expressão de impressões”.

Os economistas, ao recorrerem a um plano discursivo mitopoético para enunciar um princípio universal e abstracto, eles estão apenas dizendo que não sabem qual é o princípio elementar do investimento e é por isso que eles contam um mito que eu chamo de “o mito dos cestos de ovo” no lugar de oferecer uma resposta analítica ou lógica.

O mito dos cestos de ovo não é o único mito que encontramos na economia e, se calhar, nem é o mais conhecido. Os outros mitos são os seguintes:

   1.   O mito da “mão invisível” de Adam Smith
   2.   O mito dos “animal’s spirit” de J.M.Keynes
   3.   O mito dos “almoços grátis” atribuído a Milton Friedman
   4.   O mito dos “limões” de Joseph Stiglitz
  5.   O mito do “exército industrial de reserva” de K.Marx, entre outros.

De todos esses mitos, o mais famoso é o mito da “mão invisível de Adam Smith. Smith não compreendia como é que um agente económico privado, buscando satisfazer seus interesses individuais, por natureza, egoístas, contribuía de modo eficaz para aquilo que Aristóteles chamava de “bem-comum” da colectividade. Então, o que foi que ele fez? Ele contou um mito, o mito da mão invisível.

Por outras palavras, Smith não sabia como é que o mercado funcionava e o facto de que, volvidos quatro séculos, os economistas ainda usem recorrentemente o mito da mão invisível para explicar o mercado só mostra que ainda hoje eles também não sabem como é que o mercado funciona. Se calhar, Alfred Sauvey esteja montado na razão quando chama a economia de mercado de “a economia do diabo”, o que significa dizer que a economia do mercado é um enigma que jamais será decifrado.

Não há nenhum mal em que um princípio económico universal e abstracto, inicialmente, não receba uma elaboração discursiva feita no plano lógico. Na verdade, a primeira elaboração intelectual nas ciências é sempre feita no plano discursivo mitopoético mas, quando a coisa ainda está nesse plano, ela não pode pretender que tem o mesmo rigor lógico de uma elaboração intelectual feita no plano discursivo analítico, que é, no final das contas, o mesmo plano lógico, uma vez que nem sequer recebeu um tratamento discursivo retórico e dialéctico que são uma espécie de entremeio entre o plano mitopoético e o analítico ou lógico.

Sendo enunciado no plano discursivo mitopoético, esse princípio elementar do investimento é, por definição, “uma matriz de intelecções possíveis” para usar a expressão de Susan K. Langer, o que equivale a dizer que ele admite uma gama vastíssima de possibilidades de sentido conforme a imaginação de cada um e a sua situação discursiva particular e concreta.

O sentido que se convencionou dar a esse enunciado mitopoético é o de que ele se refere a diversificação do investimento. Diversificar investimento significa que você não vai arriscar o seu capital num único ramo de negócio mas você vai colocar o seu capital um pouco na agricultura, um pouco na indústria, um pouco no sector dos serviços e, mesmo assim, na agricultura, você não vai colocar o seu capital apenas numa única cultura de rendimento mas em várias, e o mesmo vale para a indústria em que você vai arriscar seu capital não apenas na indústria extractiva, mas também na transformadora e, assim por diante. No sector dos serviços, idem.

Ora, quando você olha para o ovo, você percebe que há uma diferença substancial entre o investimento e os ovos. Quando você arrisca um capital financeiro, isto é, quando você faz um investimento financeiro você ganha juros e quando você arrisca um capital real ou físico, ou seja, quando você faz um investimento real você ganha lucros mas, os ovos não são como capitais que se multiplicam conforme são arriscados. Esta é a primeira dificuldade.

Veja, a diversificação dos cestos no que toca ao caso do ovo tem em vista apenas a minimização do risco de se perder todos os ovos ou a sua maior parte se o único cesto em que eles estão colocados, empurrado pela força de gravidade, resultar na destruição dos ovos. Porém, essa ideia da minimização do risco de perda dos ovos é incompatível com a própria noção de investimento, a qual pressupõe a existência de um capital a ser arriscado com a ressalva de que quanto maior o risco, maiores os ganhos a ser obtidos, o que não se pode dizer dos ovos em que quanto maior o risco a que eles são submetidos maiores as possibilidades de perda.

A segunda dificuldade é que você dizer que a expressão “não colocar todos os ovos no mesmo cesto” se refere a diversificação do investimento também não bate porque, aqui, a única coisa que está sendo diversificada no mito dos cestos de ovo são os cestos e não os ovos, os quais permanecem os mesmos. Partindo dessa expressão teríamos que admitir que os investimentos não podem ser diversificados mas apenas os cestos em que eles estão colocados, o que seria contraditório com a própria ideia de diversificação do investimento que foi posta em circulação pela literatura económica dominante.

O facto da teoria do investimento estar errada assim como estão erradas muitas outras teorias económicas como as teorias de desenvolvimento económico não significa que as técnicas do investimento e do desenvolvimento usadas há milénios não funcionam. De modo algum. Ela funciona, mas, por definição, ela independe das teorias económicas acerca do investimento e isso não vale apenas para a economia mas para toda e qualquer área do saber.

Veja, as teorias de desenvolvimento económico nunca produziram um único país desenvolvido, não obstante todas elas serem formuladas ex post facto, e a prova disso é que já havia muitos países desenvolvidos na Europa Ocidental, sem contar com o caso dos EUA e do Japão, muito antes de Simon Kuznet, Rostow et caterva terem se metido a especular acerca  do desenvolvimento económico.

O mesmo vale para as teorias de crescimento económico e outras porque as economias já estavam a crescer muito antes de que Harrod-Domar, Robert Lucas, Robert Solow e tutti quanti esboçassem suas teorias de crescimento económico. Não há nada que precise de teoria económica ou outra para poder funcionar. Nem mesmo as maçãs precisam da teoria da gravidade de Newton para poderem cair porque elas já caiam antes que Newton se metesse a teorizar a respeito.

As teorias valem o que valem mas não é preciso uma boa teoria de investimento para fazer um bom investimento mas, sim, uma boa técnica de investimento, o que é uma arte e, como tal, só é adquirida por quem tem algum talento, o que significa alguém que absorveu a técnica de investimento inteira, a qual está toda catalogada na própria tradição do investimento.

Mas, isso apenas, não fará de você, digamos assim, um investidor no verdadeiro sentido do termo. O que fará isso é você não somente dominar toda a tradição de investimentos mas também incorporar na técnica do investimento alguma novidade e somente aí é que você é um investidor.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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