quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Evolucionismo versus criacionismo

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…em linhas gerais, o cerne deste debate resume-se a duas palavras-chave, a saber: acto e dado.

Se, nem o acto, nem o dado, poderem se auto-explicar, então, estamos diante de um problema de auto-referência insolúvel.

Em síntese, quer o criacionismo, quer o evolucionismo, não passam daquilo que Benedetto Croce chamou de “expressão de impressões”.

É totalmente errado colocar a questão do criacionismo versus evolucionismo nos termos da questão fé versus razão, ou religião versus ciência porque o criacionismo não é uma proposta religiosa mas, sim, científica, malgrado ter implicações religiosas como disse o físico Adauto Lourenço.

Contudo, tanto o criacionismo, quanto o evolucionismo não são propostas científicas na sua origem mas, sim, míticas. Sabe-se que a ideia da criação emerge de dentro das religiões mas, o que poucos sabem é que a ideia de evolução, nos moldes darwinianos, surgiu, originalmente, como uma elaboração doutrinária esotérica na qual (elaboração) estava envolvido o Sr. Erasmus Darwin, o avô de Charles Darwin.

Não haveria espaço neste artigo para apresentar, de forma exaustiva, o imenso debate envolvendo essas duas correntes doutrinárias. Contudo, em linhas gerais, o cerne deste debate resume-se a duas palavras-chave, a saber: acto e dado.

O criacionismo propõe que há um acto que deu origem ao cosmos, enquanto o evolucionismo diz que não há acto nenhum por detrás da ordem e da beleza que vemos no universo, ou seja, o evolucionismo nega o acto para ficar apenas com o dado.

Se tudo é acto como diz Mefistófeles no Fausto de Goethe, que é a proposta do criacionismo, segue-se que o acto em si teria que ser capaz de se auto-explicar. O mesmo sucede com o dado, ou seja, se tudo é dado, este teria que poder auto-explicar-se.

Se, nem o acto, nem o dado, poderem se auto-explicar, então, estamos diante de um problema de auto-referência insolúvel, o qual permeia toda especulação filosófica do mundo moderno, razão pela qual Schelling disse que a filosofia, desde a entrada da modernidade, caiu para um nível pueril.

Não é somente a filosofia que caiu para um nível pueril, toda a ciência moderna em peso caiu para um nível pueril, não somente as ciências sociais onde podemos citar o caso da economia que, com Keynes, caiu para um nível pueril, mas também as ciências naturais, onde podemos destacar o caso da física.

Você dizer que tudo começou com o Big Bang…, é poesia lírica. Você está somente expressando expressões sintéticas de impressões complexas porque isso não responde a questão sobre a origem do próprio Big Bang, de vez que o tempo e o espaço estavam dentro dessa mesma bolinha do Big Bang.

De duas, uma: ou o Big Bang sempre existiu ad aeterno e, portanto, ele é um objecto ideal e não um objecto da nossa experiência ou, ele não estava em lugar nenhum e, portanto, nunca aconteceu porque tudo que acontece, i.e., o facto mesmo, só acontece num tempo e num espaço determinado. Porém, tanto num caso como no outro, o Big Bang não pode ser a origem de todas as coisas.

É o problema da auto-referência a que fizemos referência há pouco tempo: “tudo veio do Big bang, excepto o Big Bang” ou então, “toda forma de vida que conhecemos evoluiu a partir da Ameba, excepto a Ameba”. O que é isso a não ser uma pegadinha kantina? É o velho Zenão de Eleia de novo.

Por outras palavras, o dado não é auto-explicativo, logo, qualquer doutrina que se baseia nos dados não pode ter a pretensão de ser uma doutrina estrutural que se arroga a prerrogativa de oferecer uma explicação geral para todas as coisas mas, apenas, oferecer uma explicação específica para casos particulares e concretos.

O acto, por sua vez, também não é auto-explicativo, ou seja, você dizer que tudo começou como produto de um acto, não explica a origem desse acto como, muito honestamente, reconheceu o físico Adauto Lourenço, um criacionista, ao dizer que, por meio do criacionismo, é possível provar que o universo foi criado, só não é possível provar quem o criou.

Em síntese, quer o criacionismo, quer o evolucionismo, não passam daquilo que Benedetto Croce chamou de “expressão de impressões”. Estamos apenas lidando com kerigmas, ou seja, com discursos mitopoéticos sobre a origem do universo que representa, na verdade, um estágio anterior ao surgimento de uma elaboração filosófica e cientifica dessa doutrina pelo que, quer pela via de um, quer pela via do outro, nunca se conseguirá esclarecer nada acerca da origem do universo, o que, certamente, conduzirá a conclusão de que a origem do universo é um enigma que nunca será decifrado.

***
Mal-grado o criacionismo não dizer quem é que criou o universo, não obstante propor, em tese, que o universo foi criado, a implicação religiosa dessa proposta é que as religiões identificam esse criador com o Deus das religiões e brandem o criacionismo como prova científica da existência de Deus.

Contudo, nenhuma ciência pode provar a existência de Deus porque a ciência apenas estuda um pedacinho da realidade recortado do todo, o que pressupõe que o conjunto é conhecido.

Ora, Deus não está diante de nós como um objecto está colocado para um sujeito. Deus é sempre sujeito. Dizia São Paulo, o apóstolo, que “nele (Deus) nos movemos, vivemos e somos”. Quer dizer, “Deus é o fundamento mesmo da realidade” tal como dizia Aristóteles.

Onde está esse fundamento? Sto. Agostinho diz que “Deus habita na interioridade da alma humana”. Deste modo, só se pode conhecer a Deus por meio do aprofundamento da autoconsciência.

Sendo Deus, de acordo com a última divisão do ser, um ser a se, i.e., um ser que procede de si próprio, só ele pode ser a explicação de tudo e, diferentemente do dado (evolucionismo) e do acto (criacionismo), Deus é causa suis e, o criacionismo e o evolucionismo seriam muito mais úteis se procurassem explicar verdades particulares e concretas ao invés de assumir para si a veleidade de ser a chave da abóbada, o selo da explicação da totalidade do real.



ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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