…em linhas gerais, o cerne deste debate
resume-se a duas palavras-chave, a saber: acto e dado.
Se, nem o acto, nem o dado, poderem se
auto-explicar, então, estamos diante de um problema de auto-referência
insolúvel.
Em síntese, quer o criacionismo, quer o
evolucionismo, não passam daquilo que Benedetto Croce chamou de “expressão de
impressões”.
É
totalmente errado colocar a questão do criacionismo versus evolucionismo nos termos da questão fé versus razão, ou religião versus
ciência porque o criacionismo não é uma proposta religiosa mas, sim, científica,
malgrado ter implicações religiosas como disse o físico Adauto Lourenço.
Contudo,
tanto o criacionismo, quanto o evolucionismo não são propostas científicas na
sua origem mas, sim, míticas. Sabe-se que a ideia da criação emerge de dentro
das religiões mas, o que poucos sabem é que a ideia de evolução, nos moldes
darwinianos, surgiu, originalmente, como uma elaboração doutrinária esotérica
na qual (elaboração) estava envolvido o Sr. Erasmus Darwin, o avô de Charles
Darwin.
Não
haveria espaço neste artigo para apresentar, de forma exaustiva, o imenso
debate envolvendo essas duas correntes doutrinárias. Contudo, em linhas gerais,
o cerne deste debate resume-se a duas palavras-chave, a saber: acto e dado.
O
criacionismo propõe que há um acto que deu origem ao cosmos, enquanto o
evolucionismo diz que não há acto nenhum por detrás da ordem e da beleza que
vemos no universo, ou seja, o evolucionismo nega o acto para ficar apenas com o
dado.
Se
tudo é acto como diz Mefistófeles no Fausto de Goethe, que é a proposta do
criacionismo, segue-se que o acto em si teria que ser capaz de se
auto-explicar. O mesmo sucede com o dado, ou seja, se tudo é dado, este teria
que poder auto-explicar-se.
Se,
nem o acto, nem o dado, poderem se auto-explicar, então, estamos diante de um
problema de auto-referência insolúvel, o qual permeia toda especulação
filosófica do mundo moderno, razão pela qual Schelling disse que a filosofia,
desde a entrada da modernidade, caiu para um nível pueril.
Não é
somente a filosofia que caiu para um nível pueril, toda a ciência moderna em
peso caiu para um nível pueril, não somente as ciências sociais onde podemos
citar o caso da economia que, com Keynes, caiu para um nível pueril, mas também
as ciências naturais, onde podemos destacar o caso da física.
Você
dizer que tudo começou com o Big Bang…,
é poesia lírica. Você está somente expressando expressões sintéticas de
impressões complexas porque isso não responde a questão sobre a origem do próprio
Big Bang, de vez que o tempo e o espaço
estavam dentro dessa mesma bolinha do Big
Bang.
De
duas, uma: ou o Big Bang sempre
existiu ad aeterno e, portanto, ele é
um objecto ideal e não um objecto da nossa experiência ou, ele não estava em
lugar nenhum e, portanto, nunca aconteceu porque tudo que acontece, i.e., o
facto mesmo, só acontece num tempo e num espaço determinado. Porém, tanto num
caso como no outro, o Big Bang não
pode ser a origem de todas as coisas.
É o
problema da auto-referência a que fizemos referência há pouco tempo: “tudo veio
do Big bang, excepto o Big Bang” ou então, “toda forma de vida
que conhecemos evoluiu a partir da Ameba, excepto a Ameba”. O que é isso a não
ser uma pegadinha kantina? É o velho Zenão de Eleia de novo.
Por
outras palavras, o dado não é auto-explicativo, logo, qualquer doutrina que se
baseia nos dados não pode ter a pretensão de ser uma doutrina estrutural que se
arroga a prerrogativa de oferecer uma explicação geral para todas as coisas mas,
apenas, oferecer uma explicação específica para casos particulares e concretos.
O
acto, por sua vez, também não é auto-explicativo, ou seja, você dizer que tudo
começou como produto de um acto, não explica a origem desse acto como, muito
honestamente, reconheceu o físico Adauto Lourenço, um criacionista, ao dizer
que, por meio do criacionismo, é possível provar que o universo foi criado, só
não é possível provar quem o criou.
Em
síntese, quer o criacionismo, quer o evolucionismo, não passam daquilo que
Benedetto Croce chamou de “expressão de impressões”. Estamos apenas lidando com
kerigmas, ou seja, com discursos mitopoéticos
sobre a origem do universo que representa, na verdade, um estágio anterior ao
surgimento de uma elaboração filosófica e cientifica dessa doutrina pelo que,
quer pela via de um, quer pela via do outro, nunca se conseguirá esclarecer
nada acerca da origem do universo, o que, certamente, conduzirá a conclusão de
que a origem do universo é um enigma que nunca será decifrado.
***
Mal-grado
o criacionismo não dizer quem é que criou o universo, não obstante propor, em
tese, que o universo foi criado, a implicação religiosa dessa proposta é que as
religiões identificam esse criador com o Deus das religiões e brandem o
criacionismo como prova científica da existência de Deus.
Contudo,
nenhuma ciência pode provar a existência de Deus porque a ciência apenas estuda
um pedacinho da realidade recortado do todo, o que pressupõe que o conjunto é
conhecido.
Ora,
Deus não está diante de nós como um objecto está colocado para um sujeito. Deus
é sempre sujeito. Dizia São Paulo, o apóstolo, que “nele (Deus) nos movemos,
vivemos e somos”. Quer dizer, “Deus é o fundamento mesmo da realidade” tal como
dizia Aristóteles.
Onde
está esse fundamento? Sto. Agostinho diz que “Deus habita na interioridade da
alma humana”. Deste modo, só se pode conhecer a Deus por meio do aprofundamento
da autoconsciência.
Sendo
Deus, de acordo com a última divisão do ser, um ser a se, i.e., um ser que procede de si próprio, só ele pode ser a
explicação de tudo e, diferentemente do dado (evolucionismo) e do acto
(criacionismo), Deus é causa suis e,
o criacionismo e o evolucionismo seriam muito mais úteis se procurassem
explicar verdades particulares e concretas ao invés de assumir para si a
veleidade de ser a chave da abóbada, o selo da explicação da totalidade do real.
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