Bertrand Russel, 1872-1970
Se Russel não vivia das suas crenças, ninguém pode fazê-lo. Por outras palavras, as crenças de Russel não têm nada a ver com aquilo que Edmund Husserl chamava de “o mundo da vida”, sendo apenas um mero diletantismo académico.
Uma
vez li num blog de um individuo que dizia
horrores do filósofo Olavo de Carvalho porque este defendia que o conhecimento
filosófico que uma pessoa adquire tem que ser incorporado na sua conduta
pessoal.
Para
consubstanciar o que dizia, esse fulano me foi buscar uma sentença de Bertrand
Russell, onde este diz que não vivia das suas crenças porque estas poderiam
estar erradas e encheu a boca para dizer que Russell é que era o verdadeiro
exemplo de filósofo.
Isso que
Bertrand Russel disse não é novo. Antes dele, Nicolau Maquiavel já tinha dito a
mesma coisa: “não digo um só palavra do que creio nem numa só palavra do que
digo”.
Oh, raios!
Não é porque alguém disse qualquer coisa que nós temos que sair por aí
brandindo isso na face das pessoas como se se tratasse de um dogma do evangelho
ou da última novidade das ciências. Ao invés disso, temos que fazer sempre dois
exercícios. Primeiro, examinar a consistência logica interna da sentença.
Segundo, confrontar essa sentença com os factos. Porem, acontece que esse indivíduo
não fez nem uma coisa, nem outra porque é um imbecil, evidentemente.
Bertrand
Russell foi um bom matemático mas ele não foi um grande filósofo. Há quem o
considere como tal mas, suas colocações são tão inconsistentes e tão pueris,
que não resistem a uma análise lógica e muito menos a uma confrontação com os
factos porque ele não tinha uma mente ordenadora.
Russel
diz que não vivia das suas crenças porque elas poderiam estar erradas. Ora, só
isso já é suficiente para impugnar todas as ideias de Russell se é que ele
tinha alguma.
Por
exemplo, quando Russell diz que Deus não existe porque não há evidências da sua
existência, porquê, raios, é que eu devo viver de acordo com as crenças de
Russel se ele mesmo não vivia das suas crenças e nem sabia se elas estavam
certas ou erradas?
Se
Russel não vivia das suas crenças, ninguém pode fazê-lo. Por outras palavras, as
crenças de Russel não têm nada a ver com aquilo que Edmund Husserl chamava de
“o mundo da vida”, sendo apenas um mero diletantismo académico.
Se
Russel não sabia se suas crenças estavam certas ou erradas, logo, sucede que suas
crenças não podem constituir uma medida do axio
antropológico.
Quando
o bloguista aludido neste artigo diz
que Russel é a imagem do verdadeiro filósofo, que é aquela de um homem que não
vive de suas crenças, ele está proferindo um absurdo tão grande que ele nem se
quer faz ideia do que está dizendo.
Ora,
a despeito da palavra filosofia ter sido criada por Pitágoras, atribui-se a
paternidade da filosofia a Sócrates porque ele foi o primeiro a fazer da
filosofia uma actividade auto-consciente.
Não é
preciso ser um Giovani Reale, um Eric Weil, um Paul Friedlander, para saber que
Sócrates é muito maior do que não sei quantos Bertrandes Russéis. Ora, foi o
próprio Sócrates que disse que “uma vida sem ser examinada não vale a pena ser
vivida”. Essa afirmação, por si só, já mostra que para Sócrates a filosofia não
era um adorno, uma erudição que você coloca em cima…, um pedantismo, mas, sim,
algo voltado para a orientação da conduta do ser humano na realidade.
Sócrates
acreditava tanto naquela verdade superior que lhe era imposta pelo seu daimon, como que por um tribunal de
instância superior, tanto que ele não temeu oferecer a sua própria vida por
amor a esse vislumbre da verdade eterna e universal que ele teve, não obstante
ter tido a oportunidade de fugir a fim de escapar das mãos dos seus algozes,
antecipando na escala noética o que Cristo faria, cerca de 500 anos depois, na
escala existencial.
Mas
para o ilustríssimo bloguista, isso não significa nada. Para ele tudo isso é
uma tolice e somente o charlatão do Russel é que era filósofo. Dá para
acreditar numa coisa dessa?
Outro
grande exemplo de um grande filósofo que vivia de suas crenças é Platão que
chegou a ser preso e posteriormente vendido como escravo, tendo sido resgatado
por um seu discípulo, por ter participado de uma tentativa de golpe de estado
que deu errado. Porquê Platão fez isso? Porque ele acreditava no que ele mesmo
ensinava e uma dessas suas crenças era aquela do “rei-filósofo”.
Foi
Platão que enunciou a célebre frase: “verdade conhecida é verdade obedecida”
(sic).
Partindo
dessa sentença platónica, podemos concluir que, como Russel não vivia da sua
filosofia a não ser apenas dos ganhos económicos e financeiros que ele retirava
dela, sua filosofia é, do princípio ao fim, uma empulhação, tanto é que ele
próprio não era imbecil o suficiente para acreditar nela e usá-la como guia por
meio do qual ele iria orientar as suas acções.
Bertrand
Russel era que nem aquele pseudomístico, o Gurdjieff, que, já no leito de
morte, cercado de seus discípulos, disse-lhes: “deixo-vos em maus lençóis”. O
que é isso a não ser um réu confesso?
Temos
também o caso de Aristóteles, a quem São Tomás de Aquino chamou de “o filósofo”.
Isso não quer dizer que os outros não fossem filósofos. Porém, somente com Aristóteles
a filosofia chega a sua realização plena, ao passo que em Sócrates e Platão
vemos ainda alguns vestígios remanescentes de uma visão mítica e poética do
mundo mas, em Aristóteles, esses vestígios desaparecem totalmente.
Foi Aristóteles
que disse que o homem tende ao conhecimento, i.e., que ele se transforma
naquilo que ele conhece como naquele verso de Camões: “transforma-se o amado na
coisa amada” ou ainda como disse F.Schuon: “to be is to know”.
Contudo,
você não se transforma existencialmente naquilo que você conhece mas, apenas
noeticamente, cognitivamente. Em todo caso, o que é você se transformar naquilo
que você conhece a não ser uma fusão? E como pode dar-se essa fusão sua com a
verdade que você conhece, se você não acredita nela e não a integra na sua
conduta pessoal?
Poderia
mencionar muito mais exemplos, mas só para finalizar, podemos nos referir a uma
grande mulher, talvez a única grande mulher filósofa que o mundo jamais teve
igual, estou falando da alemã judia, Hannah Arendt.
No
seu livro “Eischman em Jerusalém”, Arendt diz que o objectivo da filosofia não
é o conhecimento mas sim a habilidade para fazer escolhas morais, saber
distinguir o bem do mal.
Infelizmente,
o bloguista de quem eu falo, assim como muitos outros imbecis que infestam a internet, a mídia, as universidades,
etc., pensam que conhecimento é um adorno e acabam buscando o conhecimento como
um fim em si mesmo e outros mais idiotas ainda, pensam que o conhecimento é
para lhes habilitar a ter um bom emprego, o que se subentende aqui, um emprego
que lhe assegure um salário chorudo.
Mas é
sempre assim, ou seja, se tornou uma conduta padrão as pessoas endossarem
qualquer asneira proferida por qualquer indivíduo que apareça sob o rótulo de
professor universitário, socialite,
etc., principalmente se for incensado pelo beautifull
people da midia high brow.
Nesse
meio mediático, a palavra dessas pessoas adquire a proporção de um imperativo categórico
de um mandamento divino. “O fulano disse. Pronto. Está confirmado.” Quer dizer,
não é preciso fazer nenhum esforço intelectual consciente no sentido de pesar
cada palavra para ver não apenas a impressão que ela dá neste ambiente, naquele
ambiente, no outro e assim por diante, mas também e principalmente, para medir
a sua validade formal e material, quer pela avaliação da sua coerência lógica
interna, quer pelo confronto com os factos.
Enquanto
continuarmos assim, a viver apenas de meras impressões evanescentes do momento
e procurar dar boa impressão a todo mundo, teremos perdido consistência como
seres humanos.
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