quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Os diletantes



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Bertrand Russel, 1872-1970

Se Russel não vivia das suas crenças, ninguém pode fazê-lo. Por outras palavras, as crenças de Russel não têm nada a ver com aquilo que Edmund Husserl chamava de “o mundo da vida”, sendo apenas um mero diletantismo académico.

Uma vez li num blog de um individuo que dizia horrores do filósofo Olavo de Carvalho porque este defendia que o conhecimento filosófico que uma pessoa adquire tem que ser incorporado na sua conduta pessoal.

Para consubstanciar o que dizia, esse fulano me foi buscar uma sentença de Bertrand Russell, onde este diz que não vivia das suas crenças porque estas poderiam estar erradas e encheu a boca para dizer que Russell é que era o verdadeiro exemplo de filósofo.

Isso que Bertrand Russel disse não é novo. Antes dele, Nicolau Maquiavel já tinha dito a mesma coisa: “não digo um só palavra do que creio nem numa só palavra do que digo”.

Oh, raios! Não é porque alguém disse qualquer coisa que nós temos que sair por aí brandindo isso na face das pessoas como se se tratasse de um dogma do evangelho ou da última novidade das ciências. Ao invés disso, temos que fazer sempre dois exercícios. Primeiro, examinar a consistência logica interna da sentença. Segundo, confrontar essa sentença com os factos. Porem, acontece que esse indivíduo não fez nem uma coisa, nem outra porque é um imbecil, evidentemente.

Bertrand Russell foi um bom matemático mas ele não foi um grande filósofo. Há quem o considere como tal mas, suas colocações são tão inconsistentes e tão pueris, que não resistem a uma análise lógica e muito menos a uma confrontação com os factos porque ele não tinha uma mente ordenadora.

Russel diz que não vivia das suas crenças porque elas poderiam estar erradas. Ora, só isso já é suficiente para impugnar todas as ideias de Russell se é que ele tinha alguma.

Por exemplo, quando Russell diz que Deus não existe porque não há evidências da sua existência, porquê, raios, é que eu devo viver de acordo com as crenças de Russel se ele mesmo não vivia das suas crenças e nem sabia se elas estavam certas ou erradas?

Se Russel não vivia das suas crenças, ninguém pode fazê-lo. Por outras palavras, as crenças de Russel não têm nada a ver com aquilo que Edmund Husserl chamava de “o mundo da vida”, sendo apenas um mero diletantismo académico.

Se Russel não sabia se suas crenças estavam certas ou erradas, logo, sucede que suas crenças não podem constituir uma medida do axio antropológico.

Quando o bloguista aludido neste artigo diz que Russel é a imagem do verdadeiro filósofo, que é aquela de um homem que não vive de suas crenças, ele está proferindo um absurdo tão grande que ele nem se quer faz ideia do que está dizendo.

Ora, a despeito da palavra filosofia ter sido criada por Pitágoras, atribui-se a paternidade da filosofia a Sócrates porque ele foi o primeiro a fazer da filosofia uma actividade auto-consciente.

Não é preciso ser um Giovani Reale, um Eric Weil, um Paul Friedlander, para saber que Sócrates é muito maior do que não sei quantos Bertrandes Russéis. Ora, foi o próprio Sócrates que disse que “uma vida sem ser examinada não vale a pena ser vivida”. Essa afirmação, por si só, já mostra que para Sócrates a filosofia não era um adorno, uma erudição que você coloca em cima…, um pedantismo, mas, sim, algo voltado para a orientação da conduta do ser humano na realidade.

Sócrates acreditava tanto naquela verdade superior que lhe era imposta pelo seu daimon, como que por um tribunal de instância superior, tanto que ele não temeu oferecer a sua própria vida por amor a esse vislumbre da verdade eterna e universal que ele teve, não obstante ter tido a oportunidade de fugir a fim de escapar das mãos dos seus algozes, antecipando na escala noética o que Cristo faria, cerca de 500 anos depois, na escala existencial.

Mas para o ilustríssimo bloguista, isso não significa nada. Para ele tudo isso é uma tolice e somente o charlatão do Russel é que era filósofo. Dá para acreditar numa coisa dessa?

Outro grande exemplo de um grande filósofo que vivia de suas crenças é Platão que chegou a ser preso e posteriormente vendido como escravo, tendo sido resgatado por um seu discípulo, por ter participado de uma tentativa de golpe de estado que deu errado. Porquê Platão fez isso? Porque ele acreditava no que ele mesmo ensinava e uma dessas suas crenças era aquela do “rei-filósofo”.

Foi Platão que enunciou a célebre frase: “verdade conhecida é verdade obedecida” (sic).

Partindo dessa sentença platónica, podemos concluir que, como Russel não vivia da sua filosofia a não ser apenas dos ganhos económicos e financeiros que ele retirava dela, sua filosofia é, do princípio ao fim, uma empulhação, tanto é que ele próprio não era imbecil o suficiente para acreditar nela e usá-la como guia por meio do qual ele iria orientar as suas acções.

Bertrand Russel era que nem aquele pseudomístico, o Gurdjieff, que, já no leito de morte, cercado de seus discípulos, disse-lhes: “deixo-vos em maus lençóis”. O que é isso a não ser um réu confesso?

Temos também o caso de Aristóteles, a quem São Tomás de Aquino chamou de “o filósofo”. Isso não quer dizer que os outros não fossem filósofos. Porém, somente com Aristóteles a filosofia chega a sua realização plena, ao passo que em Sócrates e Platão vemos ainda alguns vestígios remanescentes de uma visão mítica e poética do mundo mas, em Aristóteles, esses vestígios desaparecem totalmente. 

Foi Aristóteles que disse que o homem tende ao conhecimento, i.e., que ele se transforma naquilo que ele conhece como naquele verso de Camões: “transforma-se o amado na coisa amada” ou ainda como disse F.Schuon: “to be is to know”.

Contudo, você não se transforma existencialmente naquilo que você conhece mas, apenas noeticamente, cognitivamente. Em todo caso, o que é você se transformar naquilo que você conhece a não ser uma fusão? E como pode dar-se essa fusão sua com a verdade que você conhece, se você não acredita nela e não a integra na sua conduta pessoal?

Poderia mencionar muito mais exemplos, mas só para finalizar, podemos nos referir a uma grande mulher, talvez a única grande mulher filósofa que o mundo jamais teve igual, estou falando da alemã judia, Hannah Arendt.

No seu livro “Eischman em Jerusalém”, Arendt diz que o objectivo da filosofia não é o conhecimento mas sim a habilidade para fazer escolhas morais, saber distinguir o bem do mal.

Infelizmente, o bloguista de quem eu falo, assim como muitos outros imbecis que infestam a internet, a mídia, as universidades, etc., pensam que conhecimento é um adorno e acabam buscando o conhecimento como um fim em si mesmo e outros mais idiotas ainda, pensam que o conhecimento é para lhes habilitar a ter um bom emprego, o que se subentende aqui, um emprego que lhe assegure um salário chorudo.

Mas é sempre assim, ou seja, se tornou uma conduta padrão as pessoas endossarem qualquer asneira proferida por qualquer indivíduo que apareça sob o rótulo de professor universitário, socialite, etc., principalmente se for incensado pelo beautifull people da midia high brow.

Nesse meio mediático, a palavra dessas pessoas adquire a proporção de um imperativo categórico de um mandamento divino. “O fulano disse. Pronto. Está confirmado.” Quer dizer, não é preciso fazer nenhum esforço intelectual consciente no sentido de pesar cada palavra para ver não apenas a impressão que ela dá neste ambiente, naquele ambiente, no outro e assim por diante, mas também e principalmente, para medir a sua validade formal e material, quer pela avaliação da sua coerência lógica interna, quer pelo confronto com os factos.

Enquanto continuarmos assim, a viver apenas de meras impressões evanescentes do momento e procurar dar boa impressão a todo mundo, teremos perdido consistência como seres humanos.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmmail.com

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