sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Universidades e institutos superiores

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Enquanto o instituto [superior] oferece um saber prático e especializado, a universidade oferece um saber universal, não especializado e especulativo.
…os professores universitários medievais eram homens de estudo… [o que] é algo que está longe do alcance da mentalidade rasa dos nossos professores universitários…[os quais são carreiristas “baratos”] em busca de pão e circo.
O filósofo Olavo de Carvalho está montado na razão quando diz que a única diferença entre educação e crime organizado é que pelo menos o crime é organizado.

Parece que a fronteira entre as universidades e os institutos superiores está completamente diluída cá por estas bandas. Qualquer estudante do ensino superior diz que está na universidade mesmo que esteja num instituto superior como tenho visto surgir essa confusão no meio dos estudantes do ISCISA, ISRI, ISGN, IGECOF, etc., e mesmo no seio dos estudantes da UEM, UP, UNIZAMBEZE, etc., que chamam a aquele primeiro grupo de estudantes universitários e as suas instituições de universidades.

Se há confusão sobre o que é uma universidade e o que é um instituto superior como saber se o que cada uma dessas instituições vem fazendo é mesmo ou não uma actividade universitária ou apenas uma actividade de ensino superior no sentido mais elástico do termo?

Essa confusão surge porque quer os professores, quer os alunos, quer a direcção dessas instituições, quer o próprio estado estão totalmente no mundo da lua. Eles não sabem o que estão fazendo e nem fazem questão de querer saber. É por estas e por outras que não existe neste país uma actividade universitária no sentido mais rigoroso do termo mas, apenas, universidades nominais que, na realidade e efectivamente não passam de institutos técnicos profissionais.

A diferença entre uma universidade e um instituto superior é bastante fácil de identificar mas para isso é necessário conhecer a essência da actividade universitária. Hegel diz que “a essência de alguma coisa é aquilo em que ela se torna” (sic). Essa visão de Hegel, na verdade, só se aplica a processos de desenvolvimento contínuo, aliás, essa era a sua visão de história, mas acontece que nenhum processo histórico é assim e isso ao invés de esclarecer a questão só a obscurece e a complica ainda mais porque como é que você vai fazer para saber em que é que a universidade se tornou?

Ora, olhar para o estágio actual das universidades e dizer que elas se tornaram nisso que estamos vendo nesse estágio actual e que portanto, isso é que é sua essência, significa fazer uma afirmação absurda de que o actual estágio do processo de desenvolvimento das universidades é o último estágio, uma espécie de “fim da história” de Franz Fukuyama, que daí para diante nenhum desenvolvimento da universidade em outras etapas será possível. Mas isso é desmentido logo na base pelos estágios anteriores do processo de desenvolvimento da história das universidades que precederam o estágio actual.

Se não se pode olhar para o que as universidades se tornaram para captarmos sua essência porque seu processo de desenvolvimento não é contínuo e não sabemos para onde esse processo caminha, podendo daqui a cinquenta, cem anos, mil anos, as universidades serem totalmente diferentes do que são conforme as conhecemos no estágio actual, para onde é que vamos olhar para captar sua essência? Só podemos olhar para o seu princípio.

A universidade é uma invenção da igreja. Ela surgiu na idade média que todo mundo diz se tratar da idade das trevas sem se aperceberem que eles mesmos estão vivendo numa era de densas trevas e a prova disso é o “choro e ranger de dentes” que se ouvem um pouco por todo mundo por causa das guerras, fome, epidemias e corrupção.

Uma outra confusão é não atinar com a diferença entre universidade e academia. A academia é anterior a universidade. Ela surge com Platão e a escola platónica recebeu esse nome em homenagem ao herói grego Academo. Enquanto isso, o liceu surge com Aristóteles. 

Mas nem a academia platónica, nem o liceu aristotélico eram universidades. De modo nenhum. A primeira universidade foi a universidade de Bologna, depois veio a universidade de Paris e a terceira universidade a surgir foi a universidade de Oxford.

Fazendo um recuo para a idade média, lá, onde as universidades surgiram, teremos uma visão clara do que é uma universidade e em que é que ela se diferencia de um instituto superior e o que significa ser um professor e aluno universitários.

Os professores mais famosos das universidades medievais são, sem dúvida, Sto. Alberto Magno e São Tomás de Aquino. Quem eram estes? Teólogos e filósofos. Na verdade, era isso que se leccionava nas universidades medievais: teologia cristã e filosofia de Aristóteles. O sistema filosófico de Aristóteles é mais amplo que o de qualquer outro filósofo.

Na verdade, o sistema de Aristóteles é o único que encarna cognitivamente a ideia de filosofia como ciência do universal. Nela você tem tratados de metafísica, teologia, política, biologia, física, etc., o que significa que se trata de um saber não especializado diferentemente do que acontece naquilo que chamamos hoje de universidade que, na verdade, não oferece aos alunos essa universalidade de saber.

Para além da universalidade do saber que caracterizava as universidades medievais, elas também eram caracterizadas pelo carácter profundamente especulativo do saber que era transmitido aos alunos. Aqui temos a diferença entre universidade e instituto superior. Por outras palavras, enquanto o instituto oferece um saber prático e especializado aos seus alunos, a universidade oferece um saber universal, não especializado e especulativo.

O saber prático oferecido pelos institutos superiores pressupõe uma coisa chamada arte cuja raiz grega é teckne, de onde veio a nossa palavra técnica. Ora, o que é técnica senão um conjunto de meios com vista o alcance de um determinado fim? Isso só já é suficiente para mostrar como é ridículo o ensino da engenharia nas universidades. Ela (a engenharia) deveria ser ensinada nos institutos superiores porque se trata de teckne, arte e não teoria científica.

Posso dar o exemplo da engenharia informática. Para você fazer um computador você precisa do código binário, de plástico, de circuitos e de ajustar as teclas ao tamanho dos dedos das mãos. O código binário é matemática, plástico é química, circuitos são física, tamanho dos dedos das mãos é fisiologia. Ora, existe uma teoria que explique que se você juntar física, química, matemática e fisiologia você vai ter um computador? De modo algum. Porquê? Porque engenharia é técnica, arte e não uma teoria científica.

Outro exemplo: imagine que você acorde as oito em ponto e nesse mesmo instante sua casa começa a pegar fogo, a chuva começa a cair, você recebe uma chamada que diz que sua sogra foi atropelada e você liga a TV e vê que ganhou no totoloto. Há uma teoria que ofereça uma explicação para que esses todos eventos tenham acontecido simultaneamente? De modo nenhum. O facto de esses eventos acontecerem tota simul só prova que isso é um milagre, miraculo, algo digno de ser olhado e não de ser explicado.

Voltando a questão que estamos a discutir, diga-se que no que tange aos professores, os professores medievais eram teólogos e filósofos como já disse e se dedicavam a isso como uma espécie de apostolado leigo na ciência. Eles não faziam isso por dinheiro, por um lugar no governo, por uma foto na primeira página do jornal de maior circulação. De modo nenhum. Tanto isso é verdade que naqueles dias, a actividade de maior prestígio não era a carreira universitária mas sim a carreira eclesiástica e militar, sendo esta última aquela em que se forjou a classe aristocrática na europa medieval.

O que estamos querendo dizer, aqui, é que os professores universitários medievais eram homens de estudo. Ser um homem de estudo, não diante da midia high brow, não diante da intelligentsia académica, não diante do beautifull people do show business mas diante do próprio Deus que lhe dá o espelho da sua verdadeira medida e mostra quem é você de verdade, é algo que está longe do alcance da mentalidade rasa dos nossos professores universitários porque para isso você precisaria amar a verdade acima de tudo, mesmo que isso custasse o seu emprego e a sua vida.

Para os professores medievais, a prática do estudo contínuo era uma espécie de ascese com vista a integração da sua alma rumo ao alcance daquela unidade transcendental com o infinito como ensinavam os pitagóricos.

Para você saber mesmo o que é ser um homem de estudo e não um carreirista barato, leia o livro do filósofo neo-escolástico A.D. Sertilhange “la vie intelectuelle” e você descobrirá que, se calhar, em todo meio universitário moçambicano só dois ou três professores em cada faculdade são realmente homens de estudo, sendo os demais um bando de diletantes porque não têm nos estudos aquilo que o pai da logoterapia, o dr. Viktor Frankl chamava de “sentido de vida”, vendo na actividade universitária apenas um meio de obter pão e circo.

Aparentemente não há mal nenhum em os professores universitários não serem homens de estudo, contudo, a coisa muda de figura quando você começa a fazer as seguintes perguntas:

 1.  Quantos Dostoiévisky, Stendhal, Rimbaud, Yeats, Camões, Boudelaire, Cervantes, Dante, Northop Frye, Balzac, etc., saíram das nossas faculdades de literatura? Nenhum.
  2.  Quantos Smith, Schumpeter, Friedman, Mises, Hayek, etc., saíram das nossas faculdades de economia? Nenhum.
  3.  Quantos Voeglin, Husserl, Zubire, Simmel, M.F. dos Santos, etc., surgiram das nossas faculdades de filosofia? Nenhum.

Eu poderia continuar nisso indefinidamente, ampliando a coisa para incluir outras faculdades, mas o cenário se repete numa espécie de eterno retorno do ciclo reencarnatório budista pelo que seria um esforço inútil. De todo modo, se as faculdades de filosofia não produzem filósofo, o que elas estão fazendo? Se as faculdades de economia não produzem economistas, o que elas estão fazendo? Se as faculdades de literatura não produzem escritores, poetas e críticos literários, o que é que elas estão fazendo? Isso é prodigalizar dinheiro público.

O filósofo brasileiro Olavo de Carvalho está montado na razão quando diz que a única diferença entre educação e crime organizado é que pelo menos o crime é organizado.

Se me perguntarem qual é a solução para isso, a minha resposta é incisiva e directa: minha tarefa é compreender a realidade e não transformá-la. Ora, não se pode compreender sem pensar e pensar como disse Hannah Arendt, desde Sócrates até Platão significava travar um diálogo silencioso consigo mesmo.

By the way, no seu livro “a vida do espirito”, que também pode ser lido como “a vida do pensar”, Arendt diz que pensar é a principal actividade do espírito, seguida do querer e do julgar. Julgar sem querer e querer sem pensar é sinónimo de confusão mental, um eufemismo para a possessão demoníaca.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com
  

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