O silêncio crístico ou messiânico não
significa inferioridade cultural.
Uma das pessoas que entendeu a resposta de Cristo [a Pilatos] foi Da Vinci quando ele diz que “onde há gritaria não há verdadeiro conhecimento” (sic), o qual só pode ser obtido no silêncio da meditação da alma do homem que tem profundidade.
O silêncio de Cristo que o foi também o
do Buda só mostra uma coisa, esta é que a verdade [universal e abstracta] não
pode ser expressa por meio de palavras.
Oswald
Spengler diz no seu livro “a decadência do ocidente” que a pergunta de Pôncio Pilatos
a Cristo: “o que é a verdade” e o concomitante silêncio de Cristo prova a
superioridade cultural de Pilatos em relação a Cristo.
Cristo
não é o único personagem histórico que ficou em silêncio ante a pergunta: “o
que é a verdade?”. Consta que Buda, antes de Cristo, também ficou em silêncio
quando lhe colocaram a mesma questão.
Não
há superioridade cultural sem cultura superior, a qual foi definida por Roger
Scruton como “a auto-consciência de um povo”, a qual aparece revestida de
determinados símbolos como a tradição poética e a erudição filosófica. Por
outras palavras, a superioridade cultural transcende o conceito antropológico
de cultura como hábito e costume, abarcando e subordinando tudo aquilo que
compreendemos como axio-antropológico.
Bruno
Tolentino, o maior poeta brasileiro da segunda metade do século XX, disse que
poesia era “uma maneira memorável de dizer” mas, para isso, o homem dotado de
talento literário tem que conhecer toda tradição literária como muito bem
demonstrou o nobel de literatura T.S.Eliot no seu famoso ensaio sobre a
tradição em literatura.
A
filosofia é a mesma coisa, ela também é a tradição filosófica. Foi Aristóteles
quem disse que a filosofia começa com a aquisição das ideias dos sábios. Na
verdade, antes de você começar a buscar a sabedoria como actividade
auto-consciente, você deve passar por aquele espanto platónico que lhe faz
indagar: “quid es?”, e só aí você começa a buscar a ideia dos sábios para montar
o status quaestionais e, é da tensão
dessas várias ideias dos sábios que você vai encontrar a unidade do saber que
lhe conduzirá a buscar essa unidade também na sua consciência, só a partir daí
é que você é um filósofo.
Se
você tem tradição poética, como Homero, Virgílio, Dante, etc., e erudição
filosófica como Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, São Tomás de Aquino, etc.,
você é um homem cultíssimo, você tem cultura superior, sem dúvida nenhuma.
Ora,
quando Cristo diz: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”, isso não é o mesmo
que aquilo que Pitágoras disse de que “o número é o princípio de todas as
coisas” ou que “a água é o princípio de todas as coisas” como disse Tales de
Mileto. Pitágoras e Tales estão apenas expressando aquilo que Croce chamou de
“expressão de impressões”, enquanto Cristo estava inaugurando uma tradição.
By the way,
Cristo não era um filósofo, um amante da sabedoria, antes pelo contrário, ele
era a própria sabedoria encarnada, o logos
divino. Portanto, estamos falando de um plano que não admite comparação porque
é um plano que abarca e subordina toda tradição poética e filosófica,
transcendendo-as infinitamente porque estamos falando do plano existencial, o
qual se sublima acima de todo e qualquer plano cognitivo ou intelectual.
O
silêncio crístico ou messiânico não significa inferioridade cultural.
Ademais,
quando se pergunta o que é a verdade, está se colocando a sugestão de que a
verdade é um objecto quando, na verdade, ela é sempre sujeito, ou seja, a
verdade não está diante de nós como um objecto colocado para um sujeito, ao
invés disso, a verdade é uma pessoa na qual nós “vivemos, nos movemos e somos”
como disse São Paulo, o apóstolo. E essa pessoa é o próprio Cristo, o qual
disse: “eu sou…a verdade…”, aquela mesma verdade que os poetas e filósofos
gregos especularam no plano noético e que os profetas hebraicos vivenciaram no
plano existencial.
Julían
Marias, fala da verdade em 3 acepções, a saber: grega em que a verdade é aletheia, hebraica em que a verdade é
vista como Emunah e latina em que a
verdade é veritas.
Aletheia é
verdade como desvelamento, e aqui temos a revelata,
a qual é a ciência Christi que está toda ela dada no evangelho. Emunah é verdade como promessa fiel e
isso está dado nos profetas. Veritas
é verdade como testemunho fiel e esta é a verdade para que tende toda narrativa
histórica, narrativa de factos, factum,
aquilo que começou a ser.
Essas
várias acepções da palavra verdade mostram que ela é relativa no sentido de que
ela se dá numa relação. Mas essa verdade relativa cabe no âmbito das ciências,
as quais lidam com a experiência, sendo a verdade “uma adequatio, uma adequação entre dois termos, em que um desses termos
é o intelecto e o outro a coisa conhecida” (sic), como diz o filósofo Mário
Ferreira dos Santos.
Mas
se você tem várias verdades, qual delas é que tem primazia sobre as outras,
abarcando e subordinando as demais? Essa só pode ser a verdade de ordem
metafísica, a ciência Christi ou a revelata
que é dada pela mathese, a qual é
obtida por meio da contemplatio
sapientiae.
Acima
da revelata, da ciência Christi está a ciência Dei, a ciência de Deus, a qual só
Deus tem acesso e a que nenhum homem pode aceder, quer pela revelação, quer
pelas luzes naturais da sua razão.
Do silêncio
de Cristo diante da pergunta: o que é a verdade?, longe de conduzir Spengler a
deduzir a conclusão de que isso era um atestado de inferioridade cultural, deveria
conduzi-lo a interrogar-se sobre a relação existente entre o silêncio e a
verdade porque a pergunta de Pilatos não ficou sem resposta, antes pelo contrário,
o silêncio de Cristo foi a resposta, uma grande resposta.
Uma
das pessoas que entendeu a resposta de Cristo foi Leonardo Da Vinci quando ele
diz que “onde há gritaria não há verdadeiro conhecimento” (sic), o qual só pode
ser obtido no silêncio da meditação da alma do homem que tem profundidade e
cuja unidade de medida é a eternidade e não o véu de maya das ilusões sobre
essa vida as quais são isso mesmo, uma ilusão.
O silêncio
de Cristo que o foi também o do Buda só mostra uma coisa, esta é que a verdade
não pode ser expressa por meio de palavras, ela não pode ser definida por meio
de palavras porque toda definição é um esforço de colocação de limites, o que
significaria simplificar a verdade transformando-a no seu inverso.
Nesse
aspecto eu sou neoplatónico, ou seja, não é possível dizer o que é a verdade
suprema e absoluta, como está subentendido na pergunta de Pilatos, a qual é uma
pergunta gnóstica de um homem céptico, mas podemos dizer o que a verdade não é.
Mal-grado
não ser possível conhecer cognitivamente a verdade última, universal e
abstracta é possível conhecê-la existencialmente. Quando Cristo diz: “ eu sou a
verdade”, ele não está fornecendo uma doutrina que você tem que elaborar
intelectualmente mas, sim, oferecendo a sua presença, a qual você não pode
perceber por meio do raciocínio lógico mas intuitivamente, como que socorrido
pela iluminação divina, o que faz de mim um agostiniano nesse ponto.
***
A
discussão acerca da superioridade cultural só faz sentido quando você está
diante de várias culturas e procura estabelecer uma comparação entre elas para
ver se elas são iguais, se uma é menor que outra, ou se outra é maior que uma
ou ainda se alguma é maior que todas.
A
superioridade cultural não está em você conhecer as verdades universais e
abstractas ou várias verdades particulares e concretas mas, sim, em você perceber
a tensão entre o particular e o universal e entre o abstracto e o concreto e
conseguir se orientar no meio de tudo isso sem fazer asneiras.
A
cultura grega era a cultura dos filósofos. A cultura romana era a cultura dos juristas.
A cultura hebraica, a qual Cristo pertencia, era a cultura dos profetas. Ora,
toda cultura que os gregos obtiveram cognitivamente da sua especulação filosófica
e os romanos cognitivamente da sua especulação sobre o direito, os hebreus
obtiveram existencialmente por meio da revelação profética.
Ora,
qualquer indivíduo com Q.I acima de 12 sabe que o plano existencial é muito
maior que o plano cognitivo e que ele abarca e subordina o plano cognitivo
infinitamente. O plano cognitivo é a ordem do conhecer a qual se subordina a
ordem do ser que é própria do plano existencial.
Aristóteles
disse que o homem tende ao conhecimento, que ele se transforma naquilo que ele
conhece. Mas ele não explicou de que natureza é essa transformação. Mas sendo
Aristóteles um filósofo, ele só poderia estar falando de uma transformação
cognitiva e não de ordem existencial.
A
ideia de uma transformação existencial pode ser encontrada em F.Schuon, o qual
escreveu no último capítulo do seu célebre livro “the transcendental unity of
religions” que “to be is to know”. Por outras palavras, transcendentalmente,
metafisicamente, você só se transforma naquilo que você conhece quando isso
acarreta uma mudança ontológica do seu ser que só é possível no plano
existencial e não no plano noético ou cognitivo.
É
claro que F.Schuon assim como toda a escola tradicionalista com René Guenon,
Titus Buckardt, Rama Coomaraswamy, Seyed Hosein Nasr acreditam na salvação pelo
conhecimento, que você se transforma no próprio logos divino. Ora, toda essa
cega-rega da salvação pelo conhecimento que tem sido ensinada pelas tariqas islâmicas, longe de conduzir as
pessoas para haqiqa, “só serve para
mandá-las para o inferno” como diria São Bernardo.
O conhecimento
cognitivo, intelectual, é importantíssimo mas, ele não serve para fins de salvação
da alma humana mas, sim, para fins de civilização. De modo que você pode ser
tão sábio quanto Salomão e ainda assim ir parar ao inferno por causa daquela
recusa profunda e definitiva do amor a Deus, que é o amor a suprema verdade,
suprema beleza e suprema unidade.
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