terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Crise de transporte em Moçambique: é o aumento das tarifas uma solução eficaz?

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O aumento da tarifa de transporte não vai lidar com o problema da escassez da oferta de transporte dada sua ineficácia em deslocar essa oferta para um nível mais alto, o que só pode ser conseguido por meio da mudança nas variáveis exógenas ao modelo tradicional da oferta de transporte.

O aumento das tarifas de transporte é uma das muitas soluções que têm sido apresentadas para lidar com a crise de transporte com que o país se encontra abraços mormente nas cidades de Maputo e Matola desde 2004, sendo o aumento das tarifas a principal medida sugerida, quer pelos transportadores, quer por alguns políticos. Contudo, antes de se sugerir qualquer solução é inexorável que se compreenda o problema em sua profundidade e, no entanto, parece que ninguém quer compreendê-lo, se limitando cada um a esconder-se por detrás de conjecturas e de imaginação, daí esse problema que já tem barbas brancas não ter um fim à vista.

O que está acontecendo na cidade de Maputo e Matola é que há poucos “chapas” disponíveis para atender a demanda por chapa da população dessas duas cidades. Ora, se há poucos “chapas” a circular, isso significa que estamos perante uma crise caracterizada pela escassez de oferta de transporte. Portanto, o problema está identificado e ele chama-se escassez de oferta de serviços de transporte.

Ora, sendo que há escassez da oferta de serviços de transportes, isso significa que quem oferece esses serviços de transportes, seja o conselho municipal, a associação dos transportadores, etc., deve tomar uma decisão sobre como alocar de forma alternativa os escassos carros existentes de modo a satisfazer as necessidades de transporte. É a isto que L.V. Mises chamou de acção humana e, no final das contas, toda ciência económica é isso, o uso racional e alternativo de recursos escassos.

Ora, uma alocação alternativa significaria colocar os carros a circular naquelas rotas em que eles podem ser mais rentáveis que são, obviamente, aquelas rotas com maior demanda de serviços de transporte. Contudo, essa decisão depende do tipo de sistema de transporte que se tem no país, ou seja, se se trata de um sistema mais centralizado a volta do serviço público de transporte ou se se trata de um sistema em que impera uma maior liberdade de mercado no sector do transporte para dar resposta aos problemas económicos fundamentais: “o quê, como e para quem”? Contudo, não importa qual seja o sistema, o que tem que haver é uma coisa chamada unidade de intenção, caso contrário, nenhuma acção humana será possível.

Identificamos no início deste artigo que a crise de transporte que assola Maputo e Matola é uma crise de escassez de oferta de transporte. Ora, quando falamos do aumento das tarifas como uma solução para lidar com a crise, a primeira coisa que qualquer estudante de economia deveria fazer é olhar para o “modelo tradicional da oferta” de transporte e ver qual é o papel das tarifas nesse modelo.

Não é preciso ser nenhum expert para saber que as tarifas, no que tange ao modelo tradicional da oferta de transporte entram como variável endógena ou interna do modelo. By the way, sabemos também que as variáveis endógenas provocam um movimento ao longo da curva da oferta já que estamos a falar da oferta ao passo que as variáveis exógenas provocam um deslocamento da curva da oferta. Por outras palavras, o aumento das tarifas não vai aumentar a oferta de transporte, ele vai apenas aumentar as quantidades oferecidas dos serviços de transporte. Para haver uma alteração da oferta de transporte é inexorável operar mudanças nas variáveis exógenas cuja vantagem é conseguir maior oferta de transporte sem o aumento das tarifas ao passo que a mudança nas variáveis endógenas gera incremento das quantidades de transporte mas com aumento das tarifas.

Por outras palavras, o aumento da tarifa não vai lidar com o problema dada sua ineficácia em deslocar a oferta de transporte, o que só pode ser conseguido por meio da mudança nas variáveis exógenas.

Samuelson e Nordhaus (1998) apontam como determinantes da oferta os seguintes:

  1.  Tecnologia;
  2.  Dimensão do mercado;
  3.  Custo dos factores de produção;
  4.  Políticas governamentais;
  5.  Factores específicos.

Quando falo de tecnologia, refiro-me as diferentes combinações de transporte público com transporte privado que vai nos dar o ponto óptimo da produção dos transportes que é aquele que vai minimizar os custos ou maximizar os benefícios a partir do ponto de tangência do isocusto com a isoquanta. A tecnologia permite minimizar custos e maximizar os ganhos. Obviamente que uma combinação óptima dos transportes públicos com os transportes privados pode conduzir a uma variação positiva da função de produção dos transportes e como esta está directamente ligada a oferta dos transportes esta vai aumentar mas sem o respectivo aumento das tarifas.

Sabe-se que o mercado é o lugar geométrico, real ou virtual onde se dá o encontro entre a procura e a oferta, ou ainda, como dizem os clássicos, o mercado é a ordem natural das coisas. Ora, a dimensão do mercado, neste caso, tem a ver com o tamanho da população que faz uso desses serviços de transporte público e ou privado. Quanto maior for o mercado, a expectativa de lucro dos transportadores será igualmente alta, o que os induzirá a aumentar a oferta de transporte porque este é o objectivo do produtor considerado desde a perspectiva da racionalidade económica, i.e., maximizar o lucro.

A aquisição das viaturas representa um custo que, depois, será deduzido das receitas totais das transportadoras com vista a obtenção de lucro contabilístico. Naturalmente que quanto mais alto for o custo das viaturas, teremos menor oferta de transporte mormente porque os transportadores não têm como transferir esses custos para os consumidores desses serviços uma vez que as tarifas são fixadas por lei, não havendo, portanto, flexibilidade de ajustamento das tarifas que mostram-se tão rígidas no curto prazo.

As políticas governamentais podem incentivar ou desencorajar o aumento da oferta de transporte. Não me refiro apenas a política de transporte mas também a outros tipos de política governamental como a política comercial (cambial e comercial) uma vez que os carros são importados do resto do mundo. A política das obras públicas como estradas também é importante que se lhe leve em conta. A política monetária, mormente na sua vertente de créditos ligados a aquisição de carros para transporte de passageiros, política de combustíveis e assim por diante.

Por fim, existem os chamados factores específicos, os quais podem ser cíclicos ou sazonais ou ainda variar de rota para rota, de município para município e de hora para hora, que devem, normativamente, ser acautelados quando se analisam os determinantes da oferta de transporte porque todos esses determinantes têm o potencial de deslocar a oferta, o que a tarifa de transporte não é capaz de fazer dado que aumenta apenas as quantidades oferecidas dos serviços de transporte que podem ser medidas pelo número de viagens ao passo que o aumento da oferta significaria o aumento de número de carros colocados no serviço de transporte de passageiros.

Eis aqui a diferença substancial entre oferta de transporte e quantidade de transporte, ou seja, enquanto o primeiro expressa uma relação funcional entre a quantidade oferecida de transporte e o seu preço relativo, a quantidade oferecida é apenas um dos termos dessa relação e mede essa relação em apenas um ponto determinado da mesma.

ESCRITO POR|XADREQUE SOUSA|shathreksousa@gmail.com

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