sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Meditações sobre a liberdade (I)

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Com isso queremos negar que a liberdade que convém ao homem se dê sem nenhuma determinação, uma liberdade que se reconhece no puro vazio, a qual só convém ao ser supremo. Com isso não queremos dizer que ao homem é impossível alcançar uma tal liberdade, porém, queremos apenasmente reconhecer que nessa vida, tal ventura é impossível. O que o homem pode ter nesta vida é apenas um vislumbre dessa liberdade universal mas que ele não pode dela se apossar nesta vida.

"Liberdade, segundo seu étimo grego significa isenção de qualquer coação ou negação da determinação para uma coisa. Em suma: liberdade é a faculdade de fazer ou deixar de fazer uma coisa".

Quando dizemos que a liberdade é a isenção de qualquer coação estamos olhando para a liberdade apenas sob o seu aspecto jurídico, abstraindo dos outros aspectos que somados compõem a totalidade da liberdade que seria, então, a liberdade, tomada em toda a sua possibilidade sem qualquer contradição formal intrínseca.

Sabemos da nossa experiência que a liberdade não pode ser apenas a liberdade no seu aspecto jurídico de modo que queremos rejeitar essa visão parcial e abstracta da liberdade em direcção a aquela liberdade positiva e concreta que é a única liberdade que há.

Agora, definir-se a liberdade como "negação da determinação para uma coisa" também carece de exame, carece de meditação. Durante séculos, os homens têm levado a cabo uma grande discussão que tem sido motivo de muita controvérsia subordinado ao tema "determinismo e livre-arbítrio". A negação de toda e qualquer determinação significa afirmar que a liberdade é um livre-arbítrio absoluto e negar todo e qualquer livre-arbítrio seria afirmar um determinismo absoluto. Ora, essas duas abordagens pecam por seu abstractismo e por seu extremismo.

Já afirmava Platão que o ser do homem é participação, metexis, intermeio. Na verdade, a liberdade que convêm ao ser humano não pode ser uma total e completa negação da determinação. Isso seria afirmar que ao ser humano pertence a liberdade absoluta, o que é um absurdo. Se a liberdade do ser humano fosse absoluta, nós nem ao menos seriamos capazes de conhecê-la. Nós conhecemos a nossa liberdade porque ela é limitada. Ela é limitada por aquilo que a determina, ou seja, pela superfície de contraste que permite que ela se reconheça na realidade.

Com isso queremos negar que a liberdade que convém ao homem se dê sem nenhuma determinação, uma liberdade que se reconhece no puro vazio, a qual só convém ao ser supremo. Com isso não queremos dizer que ao homem é impossível alcançar uma tal liberdade, porém, queremos apenasmente reconhecer que nessa vida, tal ventura é impossível. O que o homem pode ter nesta vida é apenas um vislumbre dessa liberdade universal mas que ele não pode dela se apossar nesta vida.

Há uma frase que é atribuída a Buda que diz o seguinte: "falsamente, maliciosamente, mal intencionadamente, disseram que eu preguei o nada. Eu nunca preguei o nada. Eu preguei apenas a aniquilação da dor (como?) por meio da desdeterminação, por meio da deslimitação". Portanto, a liberdade absoluta é aquela que é prometida pelas religiões aos bem-aventurados, porém, mesmo quando se tenha alcançado o estado beatífico, só poderemos ter essa liberdade por participação na liberdade absoluta do ser supremo. Desligado dele, pela irreligiosidade, essa liberdade é impossível de se ter.

A definição que estamos considerando também diz que liberdade é "a faculdade de fazer ou deixar de fazer alguma coisa". Quer dizer, se eu vejo, eu estou exercendo a minha liberdade. Se um dia, por algum infortúnio, eu perder a minha visão, eu terei perdido a minha liberdade. Ora, para entender isso temos que recorrer a definição que S.Agostinho dá da liberdade humana ao dizer que esta é "a possibilidade de fazer o bem e a possibilidade de não fazer o mal". Então, liberdade é possibilidade. Tomado no seu sentido lógico, possibilidade é a negação de toda e qualquer contradição formal intrínseca.

Ora, a faculdade de fazer ou deixar de fazer alguma coisa anuncia um conjunto de possibilidades e quem fala de possibilidade fala de poder. Poder, conforme definido por O.d.Carvalho, é a possibilidade concreta de acção. Um homem saudável tem a faculdade de ver, ouvir, andar, falar, etc. Ora, perdendo uma dessas faculdades, terá ele perdido a sua liberdade? Podemos com isso inferir que um cego é menos livre que um vidente? Neste caso estariamos reduzindo a liberdade a posse de certas capacidades físicas, psicológicas, etc., do indivíduo humano. Neste contexto, a liberdade seria posterior a posse de certas faculdades as quais iriam determinar o grau de liberdade de cada indivíduo dependendo da quota dessas faculdades que cada um tivesse.

Com isso não queremos negar que a liberdade se funda nas nossas faculdades. Ora, se essas faculdades forem reais e não apenas ficcionais, é claro que a liberdade também vai fundar-se nelas, mas liberdade apenas tomada como possibilidade e não como necessidade. Mas essa liberdade que vai-se fundar na realidade é apenas a liberdade tomada eideticamente como possibilidade.

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