Com isso queremos negar que a liberdade que convém ao homem se dê sem
nenhuma determinação, uma liberdade que se reconhece no puro vazio, a qual só
convém ao ser supremo. Com isso não queremos dizer que ao homem é impossível
alcançar uma tal liberdade, porém, queremos apenasmente reconhecer que nessa
vida, tal ventura é impossível. O que o homem pode ter nesta vida é apenas um
vislumbre dessa liberdade universal mas que ele não pode dela se apossar nesta
vida.
"Liberdade, segundo seu étimo grego significa isenção de qualquer coação ou negação da determinação para uma coisa. Em suma: liberdade é a faculdade de fazer ou deixar de fazer uma coisa".
Quando dizemos que a liberdade é a
isenção de qualquer coação estamos olhando para a liberdade apenas sob o seu aspecto
jurídico, abstraindo dos outros aspectos que somados compõem a totalidade da
liberdade que seria, então, a liberdade, tomada em toda a sua possibilidade sem
qualquer contradição formal intrínseca.
Sabemos da nossa experiência que a
liberdade não pode ser apenas a liberdade no seu aspecto jurídico de modo que
queremos rejeitar essa visão parcial e abstracta da liberdade em direcção a
aquela liberdade positiva e concreta que é a única liberdade que há.
Agora, definir-se a liberdade como
"negação da determinação para uma coisa" também carece de exame,
carece de meditação. Durante séculos, os homens têm levado a cabo uma grande
discussão que tem sido motivo de muita controvérsia subordinado ao tema
"determinismo e livre-arbítrio". A negação de toda e qualquer
determinação significa afirmar que a liberdade é um livre-arbítrio absoluto e negar
todo e qualquer livre-arbítrio seria afirmar um determinismo absoluto. Ora,
essas duas abordagens pecam por seu abstractismo e por seu extremismo.
Já afirmava Platão que o ser do homem
é participação, metexis, intermeio.
Na verdade, a liberdade que convêm ao ser humano não pode ser uma total e
completa negação da determinação. Isso seria afirmar que ao ser humano pertence
a liberdade absoluta, o que é um absurdo. Se a liberdade do ser humano fosse
absoluta, nós nem ao menos seriamos capazes de conhecê-la. Nós conhecemos a
nossa liberdade porque ela é limitada. Ela é limitada por aquilo que a determina,
ou seja, pela superfície de contraste que permite que ela se reconheça na
realidade.
Com isso queremos negar que a
liberdade que convém ao homem se dê sem nenhuma determinação, uma liberdade que
se reconhece no puro vazio, a qual só convém ao ser supremo. Com isso não
queremos dizer que ao homem é impossível alcançar uma tal liberdade, porém,
queremos apenasmente reconhecer que nessa vida, tal ventura é impossível. O que
o homem pode ter nesta vida é apenas um vislumbre dessa liberdade universal mas
que ele não pode dela se apossar nesta vida.
Há uma frase que é atribuída a Buda
que diz o seguinte: "falsamente, maliciosamente, mal intencionadamente, disseram
que eu preguei o nada. Eu nunca preguei o nada. Eu preguei apenas a aniquilação
da dor (como?) por meio da desdeterminação, por meio da deslimitação".
Portanto, a liberdade absoluta é aquela que é prometida pelas religiões aos
bem-aventurados, porém, mesmo quando se tenha alcançado o estado beatífico, só
poderemos ter essa liberdade por participação na liberdade absoluta do ser
supremo. Desligado dele, pela irreligiosidade, essa liberdade é impossível de
se ter.
A definição que estamos considerando
também diz que liberdade é "a faculdade de fazer ou deixar de fazer alguma
coisa". Quer dizer, se eu vejo, eu estou exercendo a minha liberdade. Se
um dia, por algum infortúnio, eu perder a minha visão, eu terei perdido a minha
liberdade. Ora, para entender isso temos que recorrer a definição que
S.Agostinho dá da liberdade humana ao dizer que esta é "a possibilidade de
fazer o bem e a possibilidade de não fazer o mal". Então, liberdade é
possibilidade. Tomado no seu sentido lógico, possibilidade é a negação de toda
e qualquer contradição formal intrínseca.
Ora, a faculdade de fazer ou deixar
de fazer alguma coisa anuncia um conjunto de possibilidades e quem fala de possibilidade
fala de poder. Poder, conforme definido por O.d.Carvalho, é a possibilidade
concreta de acção. Um homem saudável tem a faculdade de ver, ouvir, andar,
falar, etc. Ora, perdendo uma dessas faculdades, terá ele perdido a sua
liberdade? Podemos com isso inferir que um cego é menos livre que um vidente? Neste
caso estariamos reduzindo a liberdade a posse de certas capacidades físicas,
psicológicas, etc., do indivíduo humano. Neste contexto, a liberdade seria
posterior a posse de certas faculdades as quais iriam determinar o grau de
liberdade de cada indivíduo dependendo da quota dessas faculdades que cada um
tivesse.
Com isso não queremos negar que a
liberdade se funda nas nossas faculdades. Ora, se essas faculdades forem reais
e não apenas ficcionais, é claro que a liberdade também vai fundar-se nelas,
mas liberdade apenas tomada como possibilidade e não como necessidade. Mas essa
liberdade que vai-se fundar na realidade é apenas a liberdade tomada
eideticamente como possibilidade.
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