Reduzir
o espírito cristão a um mero dom de línguas é não saber o que é espírito
cristão. Cristo disse que é por nos amarmos uns aos outros que o mundo saberá
que somos seus discípulos (João XVII). Portanto, não importa o quanto falemos
em língua, se não tivermos amor somos apenas como um objecto inanimado que
emite som (1Cor. XIII). O que nos vivifica é o espírito e e essa vida do
espírito é o ágape, o amor intelectual dos pitagóricos.
São Paulo, Apóstolo, disse que “quem não
tem o Espírito de Cristo esse tal não é dele”. Essa sentença Paulina nos leva a
interrogar sobre o que é o espírito cristão.
Segundo os pentecostais e
neo-pentecostais, a evidência de alguém ter sido baptizado com o Espírito Santo
é esse indivíduo “falar em línguas” estranhas. Porém, crer nisso é não entender
o espírito cristão.
A julgar pela impotência das nossas
igrejas, pela multidão de escândalos que nelas prolifera, enfim, pela quase
total ausência de piedade, a eusebia
dos pitagóricos, não me parece sensato crer que haja dentro das igrejas tantas
pessoas cheias do espírito cristão como os paladinos do “falar em línguas
estranhas” querem nos fazer crer.
O espírito cristão foi-nos revelado, ou
dado a conhecer, pelo próprio Cristo nos evangelhos, principalmente, nos
sinópticos, quando ele proferiu um dos seus sermãos mais emblemáticos, a saber,
o sermão da montanha e da planície.
Quando Jesus diz que temos que amar não
apenas aos que nos amam como ensinava a lei de Moisés mas também os que nos
odeiam, esse é o espírito cristão. Quando ele ensinou que não devemos pagar o
mal com mal, que devemos dar a outra face e quando ele ensinou que não devemos
fazer o bem para sermos vistos pelos homens, etc., ele mostrou para todos o que
é o espírito cristão.
Há muita gente que fala em língua mas
tem o coração cheio de ódio. Esse espírito não é o espírito cristão. Há muita
gente que fala em língua mas quando fazem algum bem quer que todo mundo o veja
e aplauda. Essa busca por admiração dos homens, por aplauso e louvor dos
homens, não é o espírito cristão.
O espírito cristão é o espírito do amor.
Não somente do amor mas também o espírito que busca o louvor que emana apenas
do Ser Supremo, o Deus das religiões, de modo que o cristianismo, como disse o
filósofo Mário Ferreira dos Santos, é uma religião que parte da sabedoria
através do amor, ou seja, o cristianimso é a religião do amor. Não supreende
que Cristo, ao contrário de Moisés que deixou dez mandamentos, deu apenas um
único mandamento: “amai-vos uns aos outros”.
Quando Cristo ordena que nos amemos uns
aos outros, quando ele ordena que amemos nossos inimigos e não apenas aos
nossos amigos, isso não significa que o espírito cristão está exigindo de nós
que violentemos os nossos sentimentos, de modo nenhum, porque, senão, as
pessoas começam a dizer que esse tipo de amor é impossível pois como posso eu
amar um homem que roubou a minha casa, que me insultou, que me prejudicou, de
algum modo?
Essa objecção surge porque as pessoas
concebem o amor cristão como sendo o eros. É claro que esse amor não pode
existir. O amor de que Cristo falou, o qual é inerente ao espírito cristão, não
é o eros. Isso seria uma imperfeição
completa. O amor de que Cristo falou é o ágape
dos pitagóricos. Ele está colocado na concepção intelectual do amor. O amor
aqui é o amore intellectuale.
Esse amor é o que é conhecido entre os
filósofos como o amor platónico. Muitos que a si mesmos se chamam de filósofos
têm uma concepção errada do que seja o amor platónico como é o dizer que o amor
platónico é amar e não se aproximar do objecto amado. É preciso ser muito
pueril para acreditar numa coisa dessas. O amor platónico, que é o ágape dos
pitagóricos, que é o amor do cristianismo, está na colocação intelectual do
amor como já dissemos.
Como já afirmamos, o cristianismo não
está exigindo que violentemos os nossos sentimentos porque o amor não pertence
a nossa vontade mas ao nosso simpatético. O que o cristianismo está dizendo é
que para nós amarmos a aqueles indivíduos por quem não temos nenhuma
afectividade, por assim dizer, no grau simpatético, temos, que intelectualizar
aquela pessoa nas possibilidades que ela não realizou.
Em outras palavras, quando se diz que
Deus amou o mundo, ou seja, os homens em seu pecado, isso não significa que
Deus ama o pecador. Isso seria uma contradição completa. Como é que um ser
santíssimo pode amar o pecador? O que Deus amou, na verdade, são as
possibilidades que esse homem pecador não havia realizado mas que podia
realizar. Esse homem pecador podia se tornar num homem justo, honesto, sincero,
verdadeiro, corajoso, etc. Foi para ver essas possibilidades actualizadas no
homem pecador que Jesus morreu. São essas possibilidades que Deus amou.
Eu não posso amar uma prostituta, mas posso amar a possibilidade dela
ser uma mulher decente. Essa possibilidade eu amo e é por isso que eu tenho que
ajudar aquela mulher prostrada na prostituição a realizar essa possibilidade.
Eu não posso amar um ladrão, mas eu amo a possibilidade dele ser um homem
honesto, trabalhador, um homem útil aos seus semelhantes. E é por amar essa
possibilidade, por querer ver essa possibilidade actualizada naquele homem que
eu tenho que orar por ele e ajudá-lo a realizar essa possibilidade e outras que
sejam positivas e construtivas.
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