Um preço justo
não é nem um preço baixo, nem um preço alto. O termo “preço justo” só pode ser
entendido como uma figura de linguagem porque somente uma pessoa pode ser justa
ou injusta e não um preço porque este não tem unidade de intenção e, portanto,
não pode agir. Um preço justo é aquele que consiste em dar ao produtor e ao
consumidor o que é seu. Mas quem vai estabelecer o que é justo? Dirão: o
estado. Porém, as leis dispostas pelo Estado subordinam-se as leis naturais.
Portanto, um preço justo se daria pela articulação das leis dos estados com a
lei natural.
Na escolástica discutiu-se sobre o preço justo.
Temos, aqui, duas palavras importantes, sendo a primeira a palavra preço e a segunda, a palavra justo. O preço nos remete a economia. O
termo justo nos remete a jurisprudência. Porém, a economia e a jurisprudência
(o direito), não são campos do saber que não se cruzam, muito pelo contrário.
Sabemos que a economia tem como lei fundamental procurar o máximo de resultado
com o mínimo de recurso. Essa lei económica é uma lei universal. A
jurisprudência, por seu turno, visa regular a relação que se dá entre os
homens, entre as sociedades, entre os países, etc.
Então, de um lado, temos uma lei que nos induz a
buscar sempre o máximo com o mínimo, porém, de outro lado, temos uma regra de
jogo que nos é imposta pela jurisprudência, o que significa que, malgrado
buscar o máximo com o mínimo seja uma lei economia universal, isso não
significa que isso tem que ser feito de modo desregrado mas sujeito a uma
regra. Essa é a proposta da escolástica.
Se um empresário utilitário não pagar salário a seus
trabalhadores e roubar a matéria-prima (sentido moderno do termo) de que sua
empresa precisa para produzir, fugir ao fisco, ele terá certamente um máximo de
lucro. Contudo, embora ele proceda desse modo “impelido por uma lei económica
universal”, não podemos, contudo, nos deixar de questionar sobre a ética desse
procedimento.
Temos que nos questionar sobre esse procedimento
porque a economia é uma ciência prática, não negamos, contudo, que haja uma
parte especulativa. Porém, a economia é essencialmente prática. Como ciência prática,
a economia é a ciência da acção humana e toda a acção humana tende para um fim,
de modo que dizemos que a economia é uma disciplina ética por ser uma
disciplina pragmática e de pragma
temos praxis, acção.
Podemos ligar esse assunto do preço justo com um
outro assunto igualmente tratado por Tomás de Aquino que é o da lei justa. Para
o doutor angélico, uma lei só tem que ser obedecida se ela for justa. De igual
modo, também podemos dizer que um preço só deve ser aceito se ele for justo.
Para entendermos mais aprofundadamente o que estamos
dizendo vamos classificar as leis, de acordo com Tomás de Aquino, começando das
leis superiores até alcançarmos as inferiores:
1) Lei divina
2) Lei cósmica
3) Lei natural
4) Lei jurídica
A lei divina abarca e subordina a lei cósmica
transcendendo-a infinitamente. Esta, por sua vez, abarca e subordina a lei
natural e esta abarca e subordina a lei jurídica, de modo que se a lei jurídica
entra em contradição com a lei natural, logo, ela é injusta. Se ela se
subordina a lei natural, ela é justa. Se ela for justa, segundo Sto.Tomás de Aquino,
ela deve ser obedecida mas se for injusta os homens têm o direito natural de
resisti-la, desde que dessa acção resulte mais ganho do que perda e voltamos,
aqui, a lei económica universal de buscar sempre o máximo com o mínimo.
O que estamos dizendo é que a lei económica
universal de buscar o máximo com o mínimo é uma lei universal. Porém, malgrado
ser ela universal não significa que no seu aspecto prático ela seja também
universal. De modo nenhum. Por quê? Porque a situação de cada indivíduo, de
cada sociedade, etc., é sempre particular e concreta, de modo que é preciso
perceber a tensão existente entre o universal e o particular e ir elucidando
isso, senão caímos em flagrante contradição. A esse exercício é que chamamos de
exercer a sabedoria. Exercer a sabedoria não é decorar a “república” de Platão
ou o “Organon” de Aristóteles e julgar-se sábio. Exercer a sabedoria é isso que
eu acabei de dizer.
O mesmo se dá com as leis divinas. Quando Deus diz,
nos dez mandamentos: “não matarás”, essa é uma lei universal e abstracta.
Porém, cada indivíduo humano tem que ter a sabedoria de aplicar essa lei
universal e abstracta na sua situação particular e concreta. Então, aí, surge a
questão: eu não devo matar sempre ou em quais e tais situações devo e não devo
fazê-lo? Caso contrário, as nações não teriam exércitos. Os pais de família
assistiriam seus filhos e mulheres serem mortos, violados e violentados sem
fazer nada mesmo tendo a possibilidade de mandar o “desgraçado” para o inferno.
Então, o que seria um preço justo? Não seria apenas
aquele que nos permite ter o máximo de lucro com o mínimo de custo mas aquele
que também não fere a lei da natureza. Ora, a natureza, como é entendida hoje
pelas ciências, é um campo de fenómenos devidamente delimitado e acessível
apenas ao método da observação e da experimentação, ou como diria o físico Adauto
Lourenço, natureza é átomos e energia, pese embora hoje não saibamos o que é
energia, assim como não sabemos o que é vida. Uma lei expressa uma
regularidade. Qual seria a lei da natureza? O determinismo ou o livre arbítrio?
Ora, sem o determinismo não haveria o livre arbítrio e sem o livre arbítrio não
haveria o determinismo.
Então, vamos dizer que a natureza, considerada desde
a perspectiva mecanicista que é a perspectiva macrofísica, é determinística.
Porém, quando entramos no mundo da microfísica, a física atómica e subatómica,
aí já se fala de indeterminismo de Heisenberg que se ob põe ao determinismo de Schrodinger.
O mesmo pode dizer-se em relação a economia porque a
economia imita (mimesis) a física.
Na Macroeconomia, reina o determinismo e na Microeconomia reina o
indeterminismo ou seja o possibilismo.
Quando se fala em preço justo as pessoas pensam logo
em preço baixo. Porém, preço justo não é nem preço baixo nem preço alto.
Estamos vivendo numa civilização que nos veio importada do ocidente porque
nunca fomos capazes de criar uma como os incas, os astecas, etc. A civilização
ocidental, de que somos partícipes (metexis),
funda-se em três bases:
1) Filosofia grega
2) Direito romano
3) Moral tradicional cristã
É claro que há países que tem mais ou
menos cada uma dessas bases consideradas não extensistamente mas no seu grau
intensista.
O direito romano apregoava que a justiça
é dar a cada um o que é de cada um. Então, um preço justo seria aquele em que o
vendedor e o comprador teriam apenas aquilo que lhes convém porque, na verdade,
o que vemos é o vendedor ficar com uma parte da utilidade que convêm ao
comprador e assim por diante.
Não queremos, aqui, entrar na discussão
acerca da mais-valia que, apesar de
ser um termo muito popularizado de Marx, encerra um conceito errado porque essa
teoria se baseia numa outra teoria errada que é a teoria de valor da escola
neo-ricardiana. Hoje nós sabemos, por meio de William Stanley Jevons, Leon
Walras, Carl Menger, Eugen Von Bohm Bawerk e Ludwig Von Mises, que o valor não
tem nada a ver com o trabalho incorporado na mercadoria como cria Marx pela
influência dos neo-ricardianos mas sim na utilidade marginal. Portanto, uma
mercadoria pode ter sido produzida a duras penas, com um volume enorme de mão-de-obra
e, ainda assim, ser de baixo valor económico por ter uma utilidade marginal
baixa para os consumidores. Portanto, quem quer que tenha acreditado na teoria
da mais-valia por um minuto sequer é
porque tem Q.I.12.
É claro que falar em preço justo é
apenas uma figura de linguagem, é uma personificação, porque somente uma pessoa
pode ser justa ou injusta. Nem mesmo uma sociedade pode ser justa mas apenas
uma pessoa. A justiça ou a injustiça está na acção humana, portanto, para
ser-se justo ou injusto é preciso agir e para agir é preciso ser uma pessoa.
Uma sociedade nunca pode agir porque ela é impessoal e como tal ela é incapaz
de unidade de intenção. Quando se diz que a organização tal agiu não é que
aquela organização agiu, literalmente, denotativamente. Isso é uma metonímia.
Isso é tomar a parte pelo todo porque numa organização sempre há duas ou três
pessoas que agem em nome do colectivo.
Se um vendedor pratica um preço injusto
não é que o preço que ele está praticando é injusto mas ele mesmo é que é
injusto. Na verdade, só podemos falar de um preço justo ou injusto quando há
uma lei que diz qual deve ser o preço para tal e qual bem ou serviço. Isso
seria comunismo puro e simples. Não havendo isso, a percepção do justo e do
injusto fica profundamente confusa.
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