Quando não temos nenhum tema sobre que escrever, não
desistamos. O desistir não é do homem. O desistir é negar a possibilidade de superação
do homem. Se há nesse mundo, um único homem que tenha superado a si mesmo, segue-se
que a superação é possível.
Continuo não tendo um tema sobre que escrever, mas
para quê precisar de um tema se não ter um tema é também um tema. Não temos que
encarar o não ter um tema como um óbice para não escrever. Temos que superar
essa etapa.
Algumas vezes, escrever parece tão fácil, as ideias
afloram a nossa mente e fluem com a maior das facilidades. Quem nunca
experimentou momentos assim? Parece que entramos em êxtase e vamos escrevendo páginas
após páginas sem parar como se algo tivesse se apossado de nós e estivesse
agindo em nosso lugar. Quem não sabe, se nesses momentos mágicos, de profunda inspiração,
em que escrevemos voluptuosamente, não sejamos propriamente nós que estejamos
escrevendo, ou seja, somos nós que estamos escrevendo, mas não escrevendo a
nossa própria expressão mas a expressão de um outro que nos subordina e abarca,
transcendendo-nos infinitamente ou pelo menos indefinidamente?
Hoje não é, para mim, certamente, um desses
momentos. Coloquei-me diante do computador e tentei pensar em algum tema que
servisse de esteio para as minhas meditações. Infelizmente, nenhum encontrei.
Daí ocorreu-me a ideia de escrever sobre essa dificuldade de encontrar um tema
para a nossa escrita, para a nossa meditação.
Se calhar, a falta de inspiração para escrever seja
a nossa maior inspiração. Se calhar a falta de tema para escrever seja o nosso
maior tema. Isso faz-me lembrar do escritor austríaco-brasileiro Otto Maria
Carpeaux, a quem seu editor, acho que foi, pediu que escrevesse um artigo. Ele
não sabia o que escrever. Então, seu editor perguntou: “ o que você está
escrevendo?”. Ele disse: “um prefácio”. Assim, seu editor disse: “ora, escreva
um artigo sobre prefácios”. Eis aqui uma sugestão bastante criativa porque o
homem é um criador. Se é o homem um análogo de Deus e Deus é criador, não
cometemos nenhuma blasfémia em afirmar que o homem também é um criador. Não um
criador idêntico a Deus mas análogo porque tem com o ser supremo semelhanças e
diferenças.
É a habilidade para criar que faz o homem um
artista. A arte é criação. A arte não é apenasmente uma imitação da natureza,
uma reprodução mecânica dos traços com que se nos apresenta a ciência. Porém,
seguindo na linha aristotélica, que é a linha empírico-racionalista, afirmamos
que a arte não somente procura imitar a natureza mas também superá-la. É na superação
da natureza que está a arte porque na superação da natureza há algo que não é
natureza mas que é humano e é nesse contraste entre o natural e o humano que
está a beleza da arte.
Quando não temos nenhum tema sobre que escrever, não
desistamos. O desistir não é do homem. O desistir é negar a possibilidade de superação
do homem. Se há nesse mundo, na história da humanidade, um único homem que
tenha superado a si mesmo e a sua circunstância, segue-se que a superação é
possível. Se a superação é possível, disto pode concluir-se que a superação é
necessária. Ela é tão necessária hoje como foi em quaisquer outras eras, porém,
mais necessária hoje do que nunca.
Continuo não tendo um tema sobre que escrever, mas
para quê precisar de um tema se não ter um tema é ter um tema. Não nos
esqueçamos da lei da dualidade. A lei da dualidade ou da oposição, que é a
própria lei da existência. Conforme já dissemos em outros artigos, a existência
que é ex sistere, ou seja, situar-se
fora de si, fora de suas causas, é objecto de estudo também da dialéctica, ou
seja, tem que ser estudado dialecticamente porque a dialéctica, como disse o
filósofo Mário Ferreira dos Santos, é lógica da existência. Portanto, a
existência é dual.
É nesse sentido que dizemos que não ter tema é
também ter um tema. Porém, o recíproco não é verdadeiro porque o nada não pode
preceder o ser. Porém, mais uma vez um porém, não ter um tema é ter um tema.
Não temos que encarar o não ter o tema como um óbice para não escrever. Temos
que superar essa etapa. Sem dúvida alguma, como diz Dostoieviski a coisa mais
difícil é dar o primeiro passo (cf. O Crime e Castigo).
Dar o primeiro passo é desmascarar-se. É expressão
exterior de uma crise interior. É uma confissão. É a rendição incondicional ao
amor que nos impulsiona. Quando isto acontece perdemos o medo, depois daquela hesitação,
que é natural quando queremos dar o primeiro passo. Depois de dado o primeiro
passo, a hesitação cede lugar ao controlo de si próprio. A voz embargada,
entrecortada, dá lugar a uma voz mais firme, o nervosismo dá lugar a
tranquilidade.
A tranquilidade não é sinónimo de que todos os
nossos problemas estão resolvidos e não o é tampouco de que temos respostas
para todas as questões. Ele é, contudo, o sinónimo de que temos alcançado o
saber porque o saber é a única coisa que pode apaziguar a nossa alma.
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