O homem tem uma
causa eficiente que é o ser supremo, o Deus das religiões, cuja nota é o
espírito ou o intelecto que habita o homem. O homem tem uma causa formal que é
a sua alma. O homem tem uma causa material que é a terra e o homem tem uma
causa final que é ter o domínio sobre as coisas de modo que podemos definir o
homem como um ente realizado pelo ser supremo a partir da matéria sensível
informada pela mente para ter o domínio sobre as coisas.
Aristóteles estudou as causas e chegou a quatro
causas, as quais passo a enumerar: 1) causa eficiente, 2) causa formal, 3)
causa material e 5) causa final.
Podemos classificar essas causas em duas classes e
assim teremos causas emergentes ou intrínsecas e causas predisponentes ou
extrínsecas. Quando tomamos o ser essendo,
ou seja, tomamos o ser enquanto ente, onticamente, atribuímos a ele duas causas
emergentes as quais são a causa formal e a causa material. A causa formal vamos
chamá-la de causa eidética e a causa material vamos chamá-la de causa hilética.
Assim, as causas eficiente e final serão, por conseguinte, causas
predisponentes dos seres pertencentes ao mundo do contexto beta.
O homem é um ser que pertence ao contexto beta, então,
o homem é um ente, um ser finito na sua própria essência.
Quando estudamos a filosofia das causas estamos
entrando no terreno da metafísica. Já vimos que a metafísica como Aristóteles a
estudou fundamenta-se na abstracção independentemente do grau. O termo abstracção
vem de abs trahere que significa
separar. Porém, na concepção escolástica que também é a nossa por ser uma concepção
positiva o termo abstracção não significa apenasmente separar mas uma separação
mental, uma separação que não se dá nas coisas propriamente como quando
separamos uma folha de caderno do caderno mas uma separação que se dá na mente
do homem como quando separamos o verde da folha verde.
A despeito da metafísica fundar-se na abstracção,
para os nossos propósitos neste artigo que é examinar apenas o princípio de
causalidade que é um princípio lógico, um princípio da razão humana, vamos
ater-nos apenasmente a abstracção do terceiro grau. Nessa abstracção o que a
nossa mente faz é tomar o ente e separá-lo mentalmente de toda singularidade e
de todos os acidentes e de toda matéria e tomá-lo apenas no seu aspecto
universal. Nós vemos essa abstracção quando abstraímos dos entes os conceitos
gerais como as categorias de causa e efeito, as categorias da quantidade e da
qualidade, as categorias das possibilidades, de relação, de existência, etc. Quando
a nossa mente faz isso dizemos que ela está fazendo uma abstracção metafísica
que é uma abstracção de terceiro grau.
De modo que quando estudamos a causa de qualquer
efeito estamos entrando no campo da abstracção de terceiro grau, portanto
estamos entrando no campo da metafísica. Por não saberem disso, muitos
cientistas negam o valor a metafísica muito por conta da influência de Kant.
Mas o que é ciência? Aristóteles dizia que a ciência é o conhecimento pelas
causas. Na verdade, todas as ciências naturais são ciências explicativas. E o
que é uma ciência explicativa? É aquela que se afana a descobrir o nexo causal,
que conexiona os fenómenos da natureza. E como os cientistas fazem para identificar
esse nexo causal? Eles fazem uma abstracção de terceiro grau. Isso é metafísica.
Neste artigo queremos examinar as causas do
acontecer do ser humano, do homem. É amplamente aceite que a unidade tensional
tricotómica do ser humano, ou seja, o homem não é apenas um corpo, ele também é
uma alma e um espírito. Não importa que alguns queiram chamar a alma de mente e
ao espírito de intelecto. Isso não faz nenhuma diferença.
Na entrada da modernidade, René Descartes estabelece
uma diácrise, uma separação crítica, entre a alma e o corpo. Para ele o corpo
era uma máquina. Essa concepção mecanicista do corpo humano é a que tem
pervadido a medicina moderna cujos avanços não se pode negar. Contudo, se temos
tido progressos enormes na medicina também não podemos negar que ela está aquém
daquilo que potencialmente ela poderia realizar e os remédios de que ela
dispõem não têm sido ainda a panaceia para o pathos de que por todos os lados se vê cercado o homem porque o
homem não é apenas corpo e isso reconhece a definição de saúde dada pela OMS de
que saúde não é apenas o bem-estar físico mas também o bem-estar psíquico, etc.
A medicina moderna é incapaz de prover uma saúde completa. Ela pode prover uma
saúde no seu aspecto físico mas é impossível que o ser humano se dê por
satisfeito com uma saúde as meias, com uma saúde abstracta porque considerar o
homem apenas como corpo é negar ao homem a sua totalidade e a sua identidade.
A única medicina capaz de satisfazer o homem é uma
medicina integral tal como proposta por Paracelso. É por não entender isso que
aqueles que se dedicam a medicina prática negam valor a psicologia prática. É
por não entender isso que aqueles que se dedicam a medicina prática negam valor
a oração e ao jejum como exercícios espirituais que não somente curam a parte
espiritual do homem mas até mesmo a parte física.
O homem é corpo, é alma e também é espírito. O corpo
do homem implica a matéria. Segundo a tradição religiosa do antigo testamento o
homem foi criado por Deus a partir do pó da terra. Aliás, Adão, o primeiro
homem, quer dizer terra ou da cor da terra. Então, a terra, o pó da terra seria
a causa material do homem. Mas o homem tem uma forma, ele não é informe. O
homem pode ser disforme, ele pode deformar-se mas todo o homem tem uma forma. Aristóteles
no seu livro “de anima” define a alma como a forma do corpo humano. Então, a
alma seria a causa formal do homem. Então, identificamos aqui as duas causas
emergentes do homem: a sua causa formal e a sua causa material. O pó da terra é
causa material ou hilética do homem e a alma ou a mente é a sua causa eidética
ou formal e sem essas duas causas que nos dão a estrutura tectónica do homem
seria impossível a este ter alguma emergência.
Qualquer leitor dos textos sagrados de qualquer
religião do mundo não apenas as religiões superiores mas até mesmo as
inferiores sabe que a emergência do homem no cosmos não é autónoma. A palavra
autónoma vem de autos que quer dizer
por si mesmo e nomos quer dizer lei,
ou seja, o homem não é um ser a se met ipsum
porque ele recebeu o seu ser de outro, portanto, ele é um ser ab alius et ab aeterno. Ele é ab aeterno porque o homem tem
humanidade. Então, enquanto participe da participação dessa humanidade ele é
eterno.
Então, o homem proveio de um outro. Esse outro, os filósofos
chamam de ser supremo, as religiões chamam de Deus, os gregos chamavam de
demiurgo e não nos esqueçamos que a Grécia nunca produziu uma religião
superior. Ela produziu uma cultura superior mas em termos de religião o que
vemos entre os gregos é de uma miséria abissal. Os materialistas chamam de
matéria e assim por diante. Seja como for o consenso que há é que o homem não
proveio de si mesmo. Se ele não proveio de si mesmo então tem que haver uma
causa eficiente predisponente proporcionada a emergência do homem. E de acordo
com a antropologia teológica das religiões superiores essa causa eficiente é
Deus. Ela não pode ser a matéria porque vimos que a matéria é apenas a causa
material do homem mas não a sua causa eficiente.
O homem não tem apenas uma causa eficiente, uma
causa formal e uma causa material. Ele tem também uma causa final. Portanto, o
homem tende para um fim, para um para quê. É por isso que o homem sempre
interroga acerca da sua origem e do seu destino. Há aquela famosa interrogativa
de Ramana Maharsh: “Ko’ham” ou seja, quem sou eu? Podemos dizer que o homem é
corpo, que ele é um pó da terra, mas aí estaremos apenas dando a ele a sua
causa material. Podemos dizer que o homem é alma mas aí estaremos dando apenas
a causa formal do homem e assim por diante. O homem não é apenas uma de suas
causas mas todas elas coerentemente combinadas de acordo com uma lei de
proporcionalidade formal intrínseca.
Muitos dizem que o homem não tem nenhuma finalidade,
que ele não tende para um fim. Porém, isso é um absurdo. Se o homem tem uma
causa eficiente predisposta que tornou real a sua emergência estamos perante um
acto. Uma causa eficiente é sempre um acto e um acto é sempre intencional ou então
ele não é acto. No Antigo testamento lemos as seguintes palavras: “façamos o homem a nossa imagem e conforme a
nossa semelhança. Tenha ele domínio sobre todas as aves dos céus, todos os
peixes do mar, todos os animais do campo…”. Da leitura desse trecho
depreende-se que Deus criou o homem para dominar. Essa é a causa final teológica
do homem: ter o domínio das coisas e só se pode ter o domínio das coisas pelo
conhecimento. É por isso que Aristóteles dizia que o homem tende ao
conhecimento e Frithjof Schuon deu ao último capítulo do seu best seller “the transcendt unity of
religions” o seguinte titulo: “to be man is to know”.
Então, vemos aqui que o homem tem uma causa
eficiente que é o ser supremo, o Deus das religiões, cuja nota é o espírito ou
o intelecto que habita o homem. O homem tem uma causa formal que é a sua alma.
O homem tem uma causa material que é a terra e o homem tem uma causa final que
é ter o domínio sobre as coisas. De modo que, se definir, em Aristóteles, é
tomar o ente do ponto de vista das suas causas podemos definir o homem também
pelas suas causas emergentes e predisponentes e dizer o seguinte: “o homem é
uma alma criada por Deus a partir do pó da terra para ter o domínio sobre as
coisas”. Uma variante dessa definição seria a seguinte: “o homem é um ente
feito pelo ser supremo a partir da matéria sensível informada pela mente para
ter o domínio sobre as coisas”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário