
“Ser ou não ser, eis a questão fundamental da
Metafísica”
Aristóteles
Como
é do nosso conhecimento e de todo aquele se dedica ao estudo da filosofia, esta
disciplina tem três campos de estudo, os quais são os seguintes:
1) Metafísica
2) Gnoseologia
3) Axiologia
A
Gnoseologia é a teoria do conhecimento. A axiologia é a teoria do valor e pode
ser divida em estética e ética. A palavra estética vem do grego aisthesis que quer dizer sensação, portanto,
a estética que é o afanar-se ao belo e o afastar-se do feio. A ética que é o
afanar-se ao verdadeiro e o afastar-se do falso quer dizer costume, mas não
costume tomado no seu aspecto prático porque aí teríamos a moral, moris, mas costume tomado enquanto
especulativamente, portanto, a ética seria uma especulação em torno do costume,
da moris, de modo a alcançar não o
núcleo axio antropológico do
verdadeiro e do falso mas o núcleo axiológico próprio das ciências que são os
valores de verdade e de falsidade.
Enquanto
isso, a teoria do conhecimento, a gnoseologia, se debruça sobre como é que se
dá o gnoscere, a apreensão do
objecto pelo sujeito e aí temos o conhecimento objectivo, mas também há quem
alega que no processo de conhecimento o homem não conhece o objecto mas apenas as
suas estruturas eidético-noéticas, então, há uma ruptura entre sujeito e
objecto.
Quando
se estuda a teoria do conhecimento nos deparamos com três tipos de abordagens.
Por um lado temos os dogmáticos. Por outro temos os cépticos. E por fim temos
os moderados que procuram conciliar os dois extremos porque quer o dogmatismo,
quer o cepticismo pecam por seu abstractismo e por seu extremismo.
O
dogmatismo afirma a possibilidade do homem conhecer objectivamente o mundo
exterior. O cepticismo nega isso. O cepticismo diz que pelo facto do homem não
conhecer tudo, então, o conhecimento objectivo é impossível. Ninguém pode negar
que o homem não pode conhecer tudo, caso contrário cairíamos no dogmatismo.
Porém, também não se pode tomar como demonstrada a impossibilidade do homem
conhecer, simplesmente porque não conhece tudo. O homem não conhece tudo, é
certo. Mas ele conhece alguma coisa. E por conhecer alguma coisa, ele conhece.
Também
dizer que o homem conhece tudo é falso porque há coisas que o homem não
conhece. Por exemplo, o homem não conhece a essência de Deus. Mesmo nas
religiões superiores, quando um crente diz conhecer a Deus, ele o conhece
apenas afectivamente não racionalmente.
Os
tipos de conhecimento são: 1) conhecimento racional e 2) conhecimento
intuitivo. O conhecimento racional é o conhecimento discursivo. Discurso vem de
discorrer, andar daqui para alí e assim por diante. A forma mais famosa de
raciocínio é o silogismo, que é um raciocínio em três etapas. Então, temos uma
premissa maior, uma premissa menor e finalmente a conclusão. Porém, o silogismo
é um mecanismo artificial de raciocínio porque a forma natural de raciocínio do
ser humano é a entimema em que há ocultação de uma das premissas.
De
qualquer das formas, raciocinar, como dizia Tomás de Aquino, é passar de um
conhecimento conhecido para um conhecimento desconhecido. Porém, faz-se isso
por meio de um termo médio. Uma das críticas, das grandes críticas contra o
silogismo é que ele não nos dá, na verdade, um conhecimento novo porque a
conclusão já está, de algum modo, contida nas premissas. Por exemplo: quando se
diz aquele famoso silogismo: Todo homem é mortal/Sócrates é homem/Logo, Sócrates
é mortal, a mortalidade de Sócrates já está contida na premissa maior porque
todo homem significa cada homem, o que diz respeito a Sócrates e a todos os
outros homens do passado, do presente e do futuro, se houver um futuro.
Porém,
isso não tira o valor do silogismo como um instrumento útil da demonstração. Já
dissemos em outros artigos que a filosofia grega distingue-se da filosofia dos
outros povos pela sua capacidade de demonstrar as suas teses com o mesmo rigor
lógico das demonstrações geométricas (abstracção de segundo grau) como vemos
nos pitagóricos, em Euclides, sendo ele também um pitagórico, etc. E já
dissemos também que em filosofia a única autoridade é a demonstração. Não
adianta servir-se de argumentum
autotitactis. Isso não tem nada a ver com filosofia.
Nem
todos aceitam o raciocínio como um tipo de conhecimento. Esses são aqueles que
dizem que conhecemos as coisas, isto é, a totalidade do real, directamente e
não indirectamente, imediatamente e não mediatamente por meio de um termo
médio. Esses são os intuicionistas. A intuição, o filósofo O.d.carvalho, a
define como a percepção imediata de uma presença. Então, a intuição é um
conhecimento directo.
Qualquer
estudioso da lógica sabe que o raciocínio se funda sobre as verdades
axiomáticas, as verdades per se notas,
ou seja, aquelas verdades que são evidentes por si mesmas e que, por
conseguinte, não carecem de ulterior prova porque são autoprobantes. Como se
chegam a essas verdades? Em filosofia, chega-se a verdades per se notas por meio da aplicação da técnica filosófica levada á
suas últimas consequências garantidas que são a permanente fiscalização das
etapas percorridas tal como ensinadas e praticadas por Sócrates. E esse método filosófico
ou técnica filosófica mais especificamente é a dialéctica.
Mário
Ferreira dos Santos define a dialéctica como a lógica da existência. Então, a
existência tem uma lógica, uma razão, uma lei de proporcionalidade formal intrínseca.
Sabido que é que existir é resistir, então, na existência nós temos uma
dualidade, uma bivalência. Sendo assim, a existência obedece a lei da
dualidade.
Em
Hegel, a lógica é polivalente ou trivalente: tese, antítese e síntese. Tese no
grego é thesis, que quer dizer
conhecimento ou pensamento positivo, tético. E antítese seria, portanto, uma negação
da thesis. Então, a thesis é a afirmação e a antithesis é a negação. Do confronto
dessas duas polaridades nós temos a sinthesis
de onde vem o termo sintético que é um atributo que se predica ao sujeito mas
sem ser da essência do sujeito, porque sin
é uma negação de modo que síntese é uma negação daquilo que é tético.
Em
Sócrates, o método dialéctico aparece em forma de diálogo. Em que há um
interrogante que faz as perguntas e um interrogado que responde as perguntas,
se limitando a dizer SIM ou NÃO ou, então, a pedir algum esclarecimento em caso
de os conceito usados pelo interrogante se lhe apresentarem equívocos,
confusos, etc., ou, então apresentar uma objecção. E assim, por meio de demonstração,
com recursos a um critério lógico rigoroso, se chega as verdades per se notas que são aquelas que
pertencem ao campo da axiomática.
O
homem raciocina por cima das verdades descobertas dialecticamente e a
dialéctica como vimos não se funda em entes ficcionais mas na existência humana,
na própria realidade. Porém, a presença de duas premissas, uma maior e outra
menor que levam a uma conclusão auto-evidente não é suficiente para fechar o
raciocínio, i.e, não é suficiente para dar ao raciocínio a sua unidade. É daí
que filósofos como Olavo de Carvalho falam de um intuicionismo radical porque
para eles o que fecha o raciocínio, dando-lhe a sua unidade é a intuição e daí
a sua conclusão de O.d.Carvalho, anunciada em tom solene: “todo conhecimento,
ou é intuitivo ou é nada”.
Com
o que acabamos de dizer, cremos ter dado uma introdução suficientemente ampla,
porém não profunda acerca do tema a que nos propomos examinar que é a
metafísica.
Conforme
o trecho de Aristóteles que citamos no início deste artigo que diz: “ser ou não
ser, eis o problema fundamental da metafísica”, podemos dizer que a metafísica
estuda o ser e também estuda o não ser malgrado o estudo do não ser ser uma
matéria completamente desprezada nas faculdades de filosofia e não merecer
também uma atenção especial por parte daqueles que solipsistamente ou
autodidacticamente se entregam com todo afinco ao estudo da filosofia em geral
e da metafísica em particular.
Podemos
dividir o estudo da metafísica em 1) metafísica geral e 2) metafísica especial.
A metafísica geral dedica-se ao estudo da ontologia que é o estudo do ser
enquanto ser. Porém, de acordo com os nossos propósitos, vamos classificar a
metafísica geral não apenas em ontologia
mas em ontologia e meontologia em
que a ontologia é o estudo do ser enquanto ser e a meontologia é o estudo do
nada enquanto nada.
A
metafísica especial pode ser dividida nas seguintes disciplinas:
1) Cosmologia
2) Teologia
É
claro que no estudo da cosmologia não podemos nos furtar a fazer referência a
cosmogénese, assim como no estudo da teologia não podemos passar sem fazer
referência a teodicéia que vem de theo
que é Deus e Dikhe que é justiça.
Mas esses são temas de que nos ocupamos em outros artigos e que, certamente,
voltaremos a nos ocupar futuramente em outros escritos.
Mas
neste momento, o que nos interessa é apenas olhar para a metafísica do ponto de
vista da sua questão fundamental, a questão do ser e do não ser, ou seja, a
questão da ontologia e da meontologia.
Já
fizemos questão de dizer há pouco que a ontologia estuda o ser enquanto ser porque
o ser também pode ser tomado não enquanto ser essendo, isto é, enquanto ente. E aí não teríamos uma abordagem
ontológica do ser mas uma abordagem ôntica porque o ente, ou seja, o ser tomado
enquanto ente pertence ao contexto beta, ele é composto na sua tectónica de
forma e matéria em que a forma nos dá sua estrutura eidética e a matéria nos dá
a sua estrutura hiléctica. Mas o ser tomado enquanto ser pertence ao contexto
alfa e ele não é composto mas simples, ele é puro acto.
Então,
comecemos o estudo da ontologia dizendo que a ontologia vem de ontos que quer dizer ser e logos, razão, nomos, etc. Portanto, a ontologia é o estudo do ser. Porém, como já
fizemos questão de dizer, não é qualquer estudo do ser porque a ôntica também
nos dá o estudo do ser mas o estudo do ser enquanto ser.
Em
seguida, vamos conceituar o objecto da disciplina que aqui estamos examinando.
O que é o ser? Quando fazemos essa pergunta, a primeira coisa que aparece na
nossa mente é que estamos tentando definir alguma coisa e aí caímos num grande
embaraço porque não se pode definir o ser. O ser é um grande indefinível.
Os
gregos diziam que definir é declarar o lugar ontológico de um ser ou determinar
a essência de um objecto. Essa visão é partilhada por Sócrates e por Platão. Olhando
a coisa por esse prisma, bem vê-se que o ser é indefinível, ou seja, o ser não
pode ser definido porque ele é a própria definição. Se o ser não é, não pode
ser definido porque para que alguma coisa possa ser definida é necessário que
ela seja alguma coisa. Portanto, o meon
também não pode ser definido.
Quando
dizemos que o homem é um animal racional estamos definindo o homem. Essa definição
é uma boa definição porque obedece aos critérios de uma boa definição que são
os seguintes:
1- O
termo a definir não entra na definição;
2- A
definição deve ser recíproca;
3- A definição não deve ser negativa;
4- A
definição deve convir ao definido e só ao definido.
Não
se pode falar de definição sem se falar de termos porque se definem termos que
são a expressão verbalizada ou verbal do conceito e não se pode falar de termos
sem se falar de conceitos que são a representação mental de um objecto. Então,
o conceito é um esquema eidético. Descartes tomava o conceito como sinónimo de
ideia. Porém, ele estava errado. Ideia é a forma de um objecto.
Quando
se estudam os conceitos sabemos que os conceitos tem notas que os integram e
definem. Essas notas são a extensão e a compreensão. A extensão é o número de
indivíduos que são abrangidos por aquele conceito, por exemplo o conceito de
homem se aplica não somente aos africanos mas se aplicam também indistintamente
aos europeus, aos asiáticos, aos americanos, etc. A compreensão nos dá as notas
que vão tornando aquele conceito menos confuso para nós e, portanto, mais claro
a nossa mente. Portanto, a compreensão seria a conexão ou a implicação de
sentido que nos permite captar o nexo daquele conceito com o conceituado.
Quando
conceituamos o animal vemos que esse conceito devido a sua extensão é confuso
para nós porque ele se aplica tanto aos animais irracionais como aos racionais
mas quando adicionamos ao conceito animal a nota homem este se torna menos
confuso. Em que é que o homem se distingue dos outros animais? Ele se distingue
dos outros pela sua racionalidade, então, a racionalidade é a diferença específica
da espécie homem em relação ao seu género próximo o animal. Então, definir uma
espécie é dizer qual é a sua diferença específica. O que é o animal? Podemos
dizer que o animal é aquilo que tem anima,
alma, que é movido por uma alma. Então, o animal seria um ser animado mas as
plantas também são seres animados mas nem por isso dizemos que as plantas são
animais. Não obstante, o animal é um conceito confuso porque ele se aplica
tanto aos racionais quanto aos irracionais. Sendo um termo geral, o animal não
pode ser definido porque definir é definir uma espécie ou seja apresentar a
diferença específica de uma espécie em relação ao seu género próximo.
O
ser não é um género próximo, ele é um género supremo mas em todo caso é um
género e os géneros não se definem mas apenas as espécies. Abaixo das espécies,
daquilo que é específico, temos o particular e abaixo do particular temos o
singular. Então, temos hierarquicamente conceitos:
1) Universais
2) Gerais
3) Específicos
ou particulares
4) Singulares
Tudo
isso é a classificação do conceito apenasmente segundo a sua extensão. Quer os
conceitos universais que são os géneros supremos, quer os singulares são
indefinidos por definição.
Então,
não podemos definir o ser. Porém, o que é que você faz quando você não consegue
definir uma coisa? Você, pelo menos, descreve aquela coisa. Por exemplo, hoje
em dia, quase todo mundo tem telemóvel mas se você pedir para as pessoas darem
uma definição lógica ou formal de telemóvel ninguém será capaz de fazê-lo com a
excepção de duas ou três pessoas. Porém, se elas são incapazes de definir o
telemóvel, elas podem pelo menos descrever o telemóvel e a descrição é também
aceite como uma definição.
Quando
olhamos para os tipos de definição temos:
1) Definição
nominal ou formal de acordo com o étimo do termo a ser definido;
2) Definição
real que pode ser explicativa ou construtiva. A definição explicativa é própria
das ciências naturais. Explicar vem de ex
(fora) e plicare que é fazer as
pregar, enrugar, de onde explicar significar desfazer as pregas, desenrugar,
enfim, descortinar os nexos causais e, é por isso que dissemos que a ciência é
conhecimento pelas causas. A definição construtiva é aquela que encontramos na
geometria. Geo é terra e metro é medição. Então, a geometria é a
medição da terra. A geometria funda-se na abstracção do segundo grau que é
aquela em que dado um ente vai-se abstrair ou seja separar mentalmente do ente
a sua propriedade, a sua matéria sensível e tomar-se o ente apenas nos seus
aspectos extensistas, no seu aspecto extensivo que pode ser contínuo e aí temos
as figuras geométricas e discreto e aí temos os números, os aritmoi mathematikoi, os números
matemáticos que é muito mais do que aquilo que vulgarmente se concebe como número,
pois o número é olhado apenas na sua categoria quantitativa como uma
multiplicidade medida pela unidade como o definia Aristóteles, porém, os
pitagóricos, que foram grandes estudiosos dos números, concebiam-no como forma,
daí o número, para os pitagóricos, ser uma lei de proporcionalidade intrínseca
ou tectónica e não apenas extensista ou predisponente como se concebe
hodiernamente.
3) Definição
descritiva, que é aquela em que vamos enumerando os aspectos mais salientes de
um objecto. Nesse sentido, é possível definir o ser, descrevendo-o apenas, mas
não no sentido de determiná-lo, de circunscrevê-lo.
Suarez
diz que o ser é aptidão para existir. Isso não é uma definição. Isso é apenas
um atributo do ser, um atributo que é da essência do próprio ser porque um ser
que não existe, ou seja, que não tem a potência do existir não pode ser.
Já
vimos, em outros artigos, que existir é dar-se fora de suas causas. É ter um ex sistere, ou seja, ter um sistere fora de si mesmo. Dar-se fora
de suas causas. Então, o ser tem uma causa.
Partindo
da causa do ser, podemos dividir o ser em função dessas várias causas que, em Aristóteles
são quatro conforme passamos a expor:
1) Causa
eficiente
2) Causa
material
3) Causa
formal
4) Causa
final
Então,
podemos dividir o ser na sua divisão primeira e também na sua divisão última. O
ser, na sua divisão última, consiste em ser a se e em ser abalio. O
ser a se é aquele que procede de si
mesmo, ele é causa sui, ele é causa
eficiente de si mesmo. Ele não recebe seu ser de um outro. Então, ele necessariamente
é ad aeterno. O ser ab alius é aquele que recebe o seu ser
de um outro. O ser ab alius pode ser
ad aeterno mas também pode não ser.
Por último temos o ser nec ad aeterno
sed non a semetipsu.
Para
além do ser, vimos que a metafísica também estuda o não ser e aí temos a meontologia, de meon que é o nada. Então, o não ser é o nada. Este nada não é um
nada absoluto porque o nada absoluto seria aniquilação do próprio nada. O nada
a que nos referimos aqui é o nada relativo porque alguma coisa há e essa tese
de que alguma coisa há que é aquela sobre a qual Mário Ferreira dos Santos
construiu toda a sua filosofia positiva e concreta, é uma tese que encerra um juízo
necessário, um juízo apoditicamente demonstrado e válido no sentido de Kant.
Nas
grandes religiões monoteístas do mundo como o judaísmo, o cristianismo e o
islamismo, Deus criou todas as coisas do nada. Parece uma contradição porque do
nada nada pode ser. Isso é certo. Mas esse nada do qual nada pode ser é um nada
absoluto (nihilum), o qual é uma
total e completa negação do ser. Porem, o nada ao qual se refere as religiões
do qual Deus criou tudo quanto é, é apenasmente uma potência não actualizada, ou
seja, é o ser tomado enquanto virtualmente e não actualmente, que seria o ser
em acto como o é o próprio Deus.
O
estudo da meontologia não pode ser
desligado do estudo da ontologia e nem este último daquele primeiro porque,
como diziam Aristóteles e os escolásticos, “nada passa da potência para o acto
sem ser por meio de algo que já esteja em acto”. O que está em potência? É o
nada, o nada relativo (nihil). O que
está em acto? É o ser. Deste modo, o nada não pode ser o princípio do ser. O
ser so pode ter princípio ou em si mesmo e aí seria um ser a semetipsu ou, então, ter o seu princípio em um outro ser e aí
temos o ser ab alius.
No
capítulo inaugural da génesis, temos a seguinte revelação: “no princípio criou
Deus os céus e a terra, E a terra era sem forma e vazia”. O que significa “no
princípio”? Se dissemos que antes da criação não havia tempo, então, esse
princípio não pode ser concebido temporalmente como princípio do ano que é
Janeiro, princípio da semana que é domingo e assim por diante.
Sabemos
que a filosofia é o afanar-se ao saber. Mas não qualquer saber. Veja que o
termo filosofia foi criado por Pitágoras. Então, é preciso retornar ao
pitagorismo para ver o que era sabedoria para o filósofo de Samos. Para Pitágoras
a sabedoria era a mathesis suprema,
a mathesis megiste. Mathesis é o conhecimento ou pensamento
positivo. Megiste quer dizer
supremo, máximo. Então, mathesis megiste
de onde vem a mathematica, mathemo mais thesis, quer dizer instrução suprema, quer dizer o máximo
pensamento positivo, quer dizer o supremo conhecimento positivo.
Porquê
é que isso é importante? Isso é importante porque a mathesis ou matesis (em portugês) é que vai estudar os princípios
enquanto princípios. Se tomarmos o termo princípio temporalmente, então teremos
que admitir que antes de Deus criar o mundo ele criou o cronos, o tempo. Mas se o tempo surge mais tarde com a criação dos
luminares, i.e., do sol, da lua e das estrelas que é o que vai marcar o tempo, então,
o princípio, naquele trecho do Génesis, tem que ter um outro significado.
Não
podemos confundir princípio com causa. Toda causa é um princípio mas nem todo princípio
é uma causa. Conforme demonstramos em artigos anteriores, uma causa é aquilo
que dá o ser a outro. O pai dá o ser ao filho, logo, ele é causa do filho e o
filho é o efeito daquele. O pai é causa formal e material do filho porque o
filho tem a forma do pai e é feito da matéria de que é feito pai.
Agora,
nem todo princípio é causa de…por exemplo, tomemos o ponto. Sabemos que o ponto
é o princípio da linha e que a linha é o princípio do plano e o plano o
princípio do cubo. Porém, seria totalmente falso dizer que o ponto é causa da
linha, que a linha é causa do plano e que o plano é causa do cubo. O ponto não
pode ser causa da linha. Nem uma causa eficiente, nem uma causa material, nem
uma causa formal e muito menos uma causa final.
Dessarte,
se a expressão “no princípio” não pode ter um sentido temporal, então ele tem
que ter um sentido intemporal, um sentido ad
aeterno. Não nos esqueçamos que a mathesis,
que é a sabedoria suprema, das verdades per
se notas, que convêm a axiomática, é a ciência dos princípios enquanto
princípios. Ora, isso corrobora o que estamos dizendo acerca da expressão que
estamos analisando de que ela não se refere a uma unidade temporal mas intemporal,
portanto, no princípio quer dizer no próprio Deus, no próprio ser supremo, na
própria sabedoria suprema, que no cristianismo é o próprio Cristo, o logos, a lei da proporcionalidade intrínseca.
Por
último, examinemos a parte que diz que “a terra era sem forma e vazia”. Uma
coisa sem forma é uma matéria amorfa. É matéria pura. Ela era vazia, não no sentido
do nada absoluto (nihilum) mas no
sentido do nada relativo (nihil). Ela
era vazia no sentido em que ela carecia de ser ab alius e não de ser a se porque diz a revelação da génesis que o
Espírito de Deus (ser a se) se movia
sobre a face das águas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário