Os materialistas
dizem que não há realidade fora da matéria, o que mostra que eles não sabem nem
o que é matéria e nem o que é realidade. Realidade é um conjunto de
possibilidades finitas e a matéria é apenas uma dessas possibilidades de modo
que não é a realidade que pende da matéria mas a matéria que pende da realidade
pela qual é abarcada e subordinada.
Certa vez, numa aula de Direito Económico, meu
professor disse que era ateu e que não existia realidade para além da matéria.
Para ele, as coisas vinham ou da terra, ou das águas (rios, lagos, mares, etc.)
ou do ar (espaço) de modo que a realidade espiritual era impossível.
Essa discussão nos leva para a Grécia antiga quando
os assim chamados filósofos naturalistas procuravam responder a questão sobre a
origem do cosmos. “Como tudo começou”? - Eis a grande questão. Como sabemos,
havia para aqueles filósofos cinco origens que serviam de fonte para todas as
coisas, a saber: a terra, água, ar, fogo e apeiron
(quintessência). Porém, nenhum desses elementos pode ser princípio de todas as
coisas porque sendo elas também coisas teriam que se auto explicar e elas não
fazem isso.
Nenhuma coisa explica a si própria. Quando falamos
de explicação entramos no campo pertencente as ciências naturais ou explicativas.
As ciências como Sociologia, Antropologia, etc., não são explicativas mas sim
culturais, sendo assim elas visam dar-nos a compreensão, não da natureza, mas
da cultura.
Não obstante, princípio é um campo de estudo que não
pertence as ciências, sejam elas naturais ou culturais. O estudo do princípio e
mormente do princípio enquanto princípio é da incumbência da mathesis ou matesis em português. Só por
isso, dizer que terra, água, fogo, ar são princípios já é uma contraditio in termus.
Contudo, há uma diferença entre a abordagem
cosmológica dos gregos antigos e a abordagem cosmológica moderna dos evolucionistas
com Darwin a cabeça. Os evolucionistas acreditam piamente que a matéria é a
origem de todas as coisas. Sua negação do design
inteligente mostra que para os evolucionistas o cosmos é fruto de uma acção
inconsciente. Ou seja, a inconsciência criou a consciência.
Enquanto isso, quando olhamos para os gregos
antigos, sua cosmologia era, na verdade, uma mitologia. Uma mitologia se expressa
por meio de discursos poéticos. Deste modo, os gregos estavam apenas
expressando suas impressões como diria Croce. Não se pode acusar os gregos de
terem feito uma abordagem cosmológica que seja analiticamente errada porque a intenção
deles não era fazer nenhuma abordagem lógica do cosmos, nem mesmo uma abordagem
tópica ou dialéctica da realidade mas apenas expressar suas impressões e é
dessa maneira que deve ser compreendida a cosmologia dos gregos antigos.
Assim, os elementos que mencionamos, a saber, terra,
água, fogo e ar, não devem ser interpretados literalmente mas simbolicamente. O
que é um símbolo? Já dizia Susan K. Langer que “símbolo é uma matriz de
possibilidades”. O que é possibilidade? Possibilidade é ausência de contradição
formal intrínseca. Cada objecto tem a sua forma. A forma do triângulo, qualquer
que seja sua classificação, é a triangularidade. É a triangularidade que nos
diz que um triângulo possível é só e somente aquele que tem três lados. Um triângulo
com mais ou menos 3 lados é um triângulo impossível.
A água, o ar, terra e fogo como símbolos apontam para
possibilidades. A possibilidade assim como a impossibilidade são categorias. E
nisto entramos na abstracção de terceiro grau que é aquela abstracção que pertence
a metafísica. Portanto, as categorias são os conceitos com que a metafísica irá
trabalhar. E o que é a metafísica? É o estudo do ser enquanto ser (Aristóteles).
Assim, a ontologia é a metafísica geral porque também há a metafísica especial
como a cosmologia, a antropologia filosófica pois o homem é um microcosmo, etc.
De tudo que dissemos, vimos que a questão dos quatro
elementos tomados simbolicamente como o faziam os gregos nos remontam para o
tema das possibilidades. O tema das possibilidades remonta ao tema das
categorias. O tema das categorias remonta ao tema da metafísica e o tema da
metafísica remonta ao ser.
Neste sentido vamos tentar interpretar cada um
desses símbolos segundo a nossa capacidade. Comecemos com a água.
Água
A água, já viu-se, não quer dizer literalmente água.
Ela tem que ser tomada aqui como a possibilidade da liquidez. Sem essa
possibilidade o líquido não seria necessário. Ele é necessário porque é
possível e é possível porque é real. A palavra real vem de res que quer dizer coisa. Diz Spinoza que coisa é o conjunto da
totalidade. Uma unidade de pão é uma totalidade. Ou seja, tem unidade
tensional. Portanto, quando se diz que algo tem que ser real antes que possa
ser possível, a realidade refere-se aqui a ter unidade pois aquilo que não tem
unidade não é porque ser é ser um (no sentido pitagórico e não aristotélico) e
somente o que é um é apto a existir.
Psicologicamente, a água é tomada como símbolo das emoções
e dos sentimentos. Assim, a água simboliza a parte pathica (sensitiva) do homem. Por exemplo, na Astrologia que é a
par da Alquimia uma das mais antigas ciências tradicionais, toma o escorpião
como signo de água porque o escorpiano tem uma grande sensibilidade.
Terra
A terra, outrossim, não pode ser interpretada
literalmente como terra mas como uma possibilidade da solidez. E a solidez é um
princípio assim como a liquidez é um princípio mas não liquidez no sentido
financeiro da coisa porque neste caso ela não é um princípio porque a liquidez,
nos seus diferentes graus, é um direito. Sendo um direito ele funciona na base
da lei e é por isso que dizemos que a moeda fiduciária, a qual não tem valor de
uso, tem curso legal.
Na Astrologia, o signo que é o signo da terra é o
touro. A terra, portanto, é um princípio da solidez como possibilidade de
solidez.
Fogo
O fogo tem que ser tomado não como fogo mas como a
possibilidade de ignição. Portanto, o fogo representa esse princípio, o princípio
ígneo.
O fogo não
apenas aquece mas também ilumina. Quando examinamos a vida animal vemos que um
corpo vivo é quente e um corpo morto é frio. Portanto, o fogo pode estar ligado
a vida. Ele pode ser símbolo da vida neste sentido. É por isso que o sol é
símbolo da vida.
Como dissemos, o fogo não apenas aquece, ele também
ilumina. Assim, pode-se usar o fogo como símbolo do conhecimento. O sol, posto lá
no alto, pode simbolizar o conhecimento supremo, a mathesis.
Na tradição poética grega, Prometheu roubou o fogo
dos deuses e deu-o ao homem. O fogo, neste caso, seria um símbolo da
inteligência, do conhecimento. Inteligência vem de inter lec que é “escolher entre”. Por outras palavras, podemos
dizer que é a faculdade para descobrir a verdade. Não se pode falar de
inteligência sem se falar de intelecto. Pois inteligir é da mesma raiz de inter lec. O que os psicólogos chamam de
intelecto é aquilo que os teólogos chamam de espírito. É o espírito que nos faz
inteligentes. É o espírito que nos faz ter conhecimento pois espírito é nous e o noético pertence ao espírito.
Ar
O ar também tem que ser olhado não como ar literal
mas como símbolo daquilo que é subtil. Enquanto a água é tomada como símbolo da
alma, o ar pode ser tomado como símbolo do espírito e da vida. Na Génesis, Moisés
relata que Deus soprou nas narinas de Adão o fôlego de vida. No livro dos
Actos, S.Lucas diz que no dia de Pentecoste, o Espírito Santo desceu sobre os
apóstolos como um vento impetuoso e veemente. Para os gregos, espírito é pneuma. Para os latinos é spiros. Tudo isso corrobora a nossa
tese.
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