O mecanismo de preço não passa de
uma paródia mecanicista da economia. O mecanismo de preço não existe. O preço
não é uma máquina e não se comporta como tal.
No seu célebre livro “a riqueza das
nações”, o filósofo escocês Adam Smith inventa a teoria da mão invísivel para
explicar a eficiência do mercado, ou seja, explicar como é que agentes
económicos atomistas, seguindo seus instintos egoístas, acabavam contribuindo
para um maior bem-estar social do que se se propusessem a fazê-lo
intencionalmente, ou melhor dizendo, do que se seguissem um plano, digamos, a
moda de uma economia centralmente planificada.
Os economistas têm interpretado a mão
invisível de Smith como sendo “o mecanismo de preço”. Essa interpretação é
bastante interessante a despeito de os economistas não saberem o que querem
dizer com isso a excepção de dois ou três.
O mecanismo de preço não passa de uma
paródia mecanicista da economia. O mecanismo de preço não existe. O preço não é
uma máquina e não se comporta como tal. Com o advento do mecanicismo com
Descartes que foi amplamente absorvido por Newton, entrou na moda crer-se que o
mecanicismo era a última palavra do saber, porém, hoje sabemos que não é,
mormente com o advento da nova física, a física de Planck, Einstein, etc.
Essa crença de que o mecanicismo era
sinónimo de rigor científico serviu de inspiração para que August Compte
fundasse o seu positivismo que nada mais foi que uma tentativa de transformar
as ciências sociais numa espécie de física no sentido mecanicista. Este foi um
dos maiores erros que o pensamento moderno cometeu, o qual perdura até hoje.
Compte inventou sua teoria dos três
estados: 1) estado teológico, 2) estado metafísico e 3) estado positivo. É
claro que esses estados não correspondem a nenhum momento específico da história
da humanidade mas Compte, dentro do seu teatro mental, imaginava que estava
falando da realidade ao invés de entes ficcionais.
O positivismo como uma corrente de
pensamento que procura interpretar a ordem social falha redondamente em prover
essa interpretação. Ao tentar imitar a física, o positivismo assinou seu
atestado de impotência no que tange a compreensão dos factos sociais ao mesmo
tempo em que é incapaz de fornecer os nexos causais desses mesmos factos, ou
seja, explicá-los, pela simples obviedade de que os factos sociais só podem ser
compreendidos e não explicados porque eles estão na ordem das ciências
culturais e não no das ciências naturais.
O positivismo assim como o idealismo
(alemão)são frutos do kantismo. Há filósofos brilhantes mas que por causa do
erro de Kant que eles endossaram acabaram resvalando no absurdo e chegando a
conclusões pueris e tais são os casos de Hegel, Schopenhauer, etc. É desses
erros que surgiram o existencialimso ateu de Sartre, o marxismo, o nihilismo, o
desesperismo, etc.
O
erro de Kant que permeia toda sua filosofia foi o de cair no cepticismo, crendo
que na impossibilidade de o homem racional conhecer a coisa em si (noumeno), dizendo que esse só podia
conhecer os seus fenómenos, o que do ente aparece. Kant caiu nesse erro pueril
por não conhecer a teoria dos juízos virtuais de Aristóteles. Na verdade, ele
nunca leu Aristoteles. Isso não é de admirar porque há grandes filósofos, grandes
mentes que nunca leram Aristóteles tal como Descartes, Leibnitz, etc.
Sendo que o positivismo é procedente do
kantismo, ele afirma tal como o kantismo, o cepticismo. É impossível ser um
positivista sem recusar o conhecimento da coisa em si e a firmar o conhecimento
apenas do fenoménico. É esse pensamento que Compte procura transplantar para as
ciências sociais porque reduzindo todo facto social ao fenoménico só lhe resta
refugiar-se no método das ciências naturais, ou que as ciências naturais usam
para explicar os fenómenos da natureza.
Quando se faz isso, então, caímos no mecanicismo
e começamos a olhar para o preço como uma máquina e começamos a falar em
mecanismo de preço como se o preço fosse um motor de explosão. É claro que essa
é uma visão falseada da realidade.
A ideia do mecanicismo nos conduz a uma
outra ideia que é a do determinismo do movimento desse mecanismo. Pelos cálculos
da astro-física podemos determinar onde estarão o corpo celeste A, B, C no
tempo x, y, z. Crer que podemos fazer o mesmo com os preços é acreditar num
quadrado redondo. Esse positivismo nas ciências sociais deu origem a construção
de milhares de modelos, principalmente na economia, porém, nunca nenhum desses
modelos conseguiu prever as várias crises financeiras nacionais e
internacionais, eles nunca conseguiram prever nenhuma crise económica. Porquê?
Eis a pergunta.
Não queremos, de modo algum, desmerecer
os esforços gigantescos e esplendorosos feitos na área da física mecânica mas
apenas dar uma notícia que é que o mecanismo, conforme já está arqui-provado, só
funciona no universo macrofísico, enquanto no campo da microfísica como a
física atómica e subatómica, ela falha redondamente.
Partindo desse ponto, podíamos ser
tentados a pensar que o mecanicismo funciona na macroeconomia, por exemplo, e
não na microeconomia. Porém, sabe-se que ela não funciona nem num, nem noutro
campo. Nunca conseguiu-se prever a crise das taxas de juro e das taxas de câmbio
com recurso aos nossos modelos mecanicistas mais famosamente conhecidos como
modelos econométricos.
Esses modelos falharam, falham e
continuarão falhando pelos séculos dos séculos porque o fundamento da realidade
económica é microeconómica e não macroeconómica. A macroeconomia é uma ficção
que você constrói por cima da microeconomia. As taxas de juro, as taxas de câmbio,
conhecidos também como os grandes preços não valem nada sem a existência dos
pequenos preços ou preços relativos como os preços da banana, do pão, do
combustível, etc.
No campo do micro, não há determinismo
mas sim livre-arbítrio, de modo que você não pode ter uma equação para explicar
isso. Você pode dizer: no verão, o preço da geleira será mais alto, porém, isso
não impede que um vendedor, agindo na contra-mão da racionalidade económica,
decida vender suas geleiras a um preço promocional.
Uma vez que o consumidor e o produtor
agem conforme seu livre-arbítrio e não conforme a uma regra predeterminada,
prever as suas acções é um empreedimento probabilístico infrutífero. Com isso
não se quer desencorajar a actividade especulativa das ciências sociais e sua
produção de leis gerais. Porém, importa não perder de vista que uma coisa são
as leis gerais e que outras bem diferentes são a realidade específica e
concreta de cada indivíduo, de cada actor social.
Por exemplo, em economia, sabe-se que a lei
da procura de um bem normal diz o seguinte: “coeteris paribus, se o preço de um bem X aumentar, a quantidade
procurada desse bem irá reduzir”. Ora, o que isso é a não ser apenas uma regra
geral. Porém, o consumidor deve reduzir sempre a quantidade demandada do bem X
quando seu preço aumentar? Não me parece sensato. Não somos uma máquina, de
modo que temos que examinar a nossa situação particular e concreta e elucidar a
tensão que existe entre aquela regra geral e a nossa situação particular e
concreta. É a isso que se chama o exercício da sabedoria.
Porém, neste país, as pessoas só se
limitam a repetir o que está contido nos manuais sem, ao menos, deixar passar
aquilo pelo filtro da sua inteligência. Elas imaginam que por decorarem e
repetirem que nem papagaios todas as regras gerais, ou leis, das suas
disciplinas académicas que isso é sinónimo de inteligência e não sabem que
inteligência, longe de ser a capacidade operacional, conforme é medida pelos
testes de Q.I, (1) é a capacidade de descobrir a verdade.
Nunca encontrei ninguém neste país, nem
mesmo entre os professores mais conceituados de ciência económica que não se
debruçassem sobre “o mecanismo de preço” com
ares de quem estava anunciando a última palavra do saber, a panaceia
para todos os males, sem se dar conta do grande erro de que estava sendo
paladino.
Nota:
(1)
Eu acredito no Q.I., mas não nos testes
de Q.I. porque estes não medem a inteligência mas sim a capacidade operacional,
que é algo totalmente diferente.
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