segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O problema do “eu”

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Ontologicamente, “eu” é idêntico a si mesmo, porém, ele está sujeito a acidentes metafisicamente necessários. A conquista do eu se faz pelo acto de falar. Temos que falar para libertar o nosso eu. Não falar no sentido vulgar de falar mas no sentido de aprofundamento da nossa auto-consciência.


Na análise sintáctica dividimos uma frase nos seguintes elementos:

1)  Sujeito

2)  Predicado

3)  Complementos (objectos) directo e indirecto

4)  Complementos circunstanciais.

Por outras palavras, temos SUJEITO, PREDICADO, OBJECTO e COMPLEMENTOS.

Dizemos que o sujeito se define pela acção e que o objecto se define por sofrer essa acção, ou seja, o objecto se define pela paixão. Hoje em dia as pessoas entendem a paixão como um sentimento maravilhoso que as faz ir parar as nuvens. Porém, esse conceito de paixão só existe na cabeça dessas pessoas porque a paixão não é isso. Paixão é sofrimento e compaixão é cum paixão, sofrer com o outro.

A acção e a paixão fazem parte das categorias de Aristóteles juntamente com a relação, a unidade, a quantidade, a qualidade, a causa, o efeito, a possibilidade, a existência. Deste modo, quando tomamos o sujeito como acção e o objecto como paixão estamos a fazer uma abstracção de terceiro grau e assim caímos na metafísica. Assim, ser subjectivo é dar primazia a acção em detrimento da paixão e ser objectivo é dar primazia a paixão em detrimento da acção.

O que conecta o sujeito do objecto é o predicado. Esta é uma abordagem gramatical. Em lógica, aquilo que a gramática chama de predicado é cópula. E aquilo que a gramática chama de objecto a lógica a lógica chama de predicado. É preciso pois muita atenção para não confundirmos essas duas abordagens.

Em gramática, predicado é visto como verbo. Porém, essa abordagem não é completa porque também existe o predicado nominal. Não podemos confundir predicado com categoria. Uma categoria é um antepredicamento. Quando se diz “a Maria é bela” não podemos dizer que a palavra bela é uma categoria. Nesta frase ela é um predicado nominal mas não uma categoria. Uma categoria é um conceito geral como a qualidade, a quantidade, etc.

O que em metafísica chamamos de categoria, os gramáticos chamam de substantivo comum abstracto. De facto, as categorias são abstractas. Elas pertencem a abstracção de terceiro grau. Porém, belos ou feios, gramaticalmente (morfologicamente), não são substantivos. São adjectivos. São qualificadores do substantivo.

No que concerne aos complementos circunstanciais temos vários e vamos tentar enumerá-los de acordo com aquilo que nos vier a memória:

 1)  C.C de tempo (quando?)

2)  C.C de lugar (onde?)

3)  C.C de Modo (como?)

4)  C.C de fim (para quê?)

Dizia Ortega y Gasset “eu sou eu e a minha circunstância”. Quer dizer, ontologicamente (metafisicamente), há uma identidade no eu. Essa identidade só é possível por meio do conceito geral do ser. Sem o ser o eu não pode ser eu, ou seja, haveria ruptura no eu. Porém, para Ortega y Gasset essa identidade não está fechada, ela não é ab solutum mas complementada pelas circunstâncias.

Quando falamos de circunstâncias fizemos referência ao tempo, lugar, fim, modo. Ora, nenhuma dessas circunstâncias entra na definição do eu, ou seja, nenhuma delas tem a ver com a determinação do lugar ontológico do eu. Contudo, embora o tempo não entre na definição do eu, o eu não poderia se dar fora do tempo. O mesmo sucede com o lugar. O lugar não entra na definição do eu mas o eu não se pode dar em lugar nenhum. O eu, ontologicamente não depende de nenhum fim e de nenhum modo, porém, ele não pode se dar sem nenhum fim e sem nenhum modo.

Por conseguinte, podemos dizer que se as circunstâncias não são da essência ontológica do eu, elas são, contudo, os seus acidentes. O eu tomado em si mesmo pode se dar sem nenhuma de suas circunstâncias. Porém, o eu tomado como existente não se pode dar sem nenhuma de suas circunstâncias. De modo que embora o tempo, lugar, modo e fim sejam apenas circunstâncias, eles são acidentes metafisicamente necessários. Metafisicamente porque o tempo, o lugar, o modo e o fim são conceitos metafísicos e não conceitos físicos ou materiais se quiserem. Ninguém em sã consciência vai dizer que o tempo, o lugar, o modo e o fim são matérias compostas de átomos.

Post scripum:

O problema do eu na filosofia começa a ser estudado por S.Agostinho. Depois dele temos René Descartes. Depois destes temos Soren Kiekgaard, Karl Jaspers, J.P.Sartre. O problema do eu é o problema do existencialismo. Há dois tipos de existencialismo, um existencialismo cristão (Kiekgaard) e um existencialismo ateu (Sartre).

Na gramática, o eu é um pronome pessoal. Há três pronomes pessoais: eu, tu, ele. Eles também podem ser tomados no plural e temos: nós, vós, eles. Então, temos pessoas singulares e pessoas plurais. O eu (nós) pertence a quem fala. O tu (vós) a quem ouve e ele (eles) a quem é aludido, i.e., a uma terceira pessoa.

Os animais não têm um eu porque eles são incapazes de falar. Sendo o eu o centro da psique humana, esse centro só é revelado pela fala. Portanto, a fala fortalece a nossa centralidade psíquica. As pessoas que não falam, como uma criança, ainda não têm uma centralidade psíquica. As crianças não conseguem distinguir elas mesmas do universo inteiro. Somente conforme elas forem aprendendo a falar é que elas vão dando um centro ao seu psiquismo e tudo passa a gravitar em torno desse centro. Isso é ordem e onde há ordem também há beleza. Portanto, aprender a falar é mais importante do que aprender a resolver integrais duplas.

Diz-se na gramática que um pronome é aquela palavra que você coloca no lugar do nome. Imaginemos que seu nome seja João e você tem fome. Você não vai dizer: João tem fome. Ao invés disso, você vai dizer: eu tenho fome. Esse eu você colocou no lugar de João. As crianças recém-nascidas não são capazes disso. Quando elas começam a aprender a falar e se, por exemplo, uma delas se chama João e tiver fome ele não vai dizer: eu tenho fome. Ele vai dizer: João tem fome. Ele ainda não tem uma centralidade psíquica. Somente permanecendo nesse exercício de falar é que ela vai a pouco e pouco se diferenciando DELE e do TU para ser EU. E tomar consciência do próprio EU é existir. 

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