Ontologicamente,
“eu” é idêntico a si mesmo, porém, ele está sujeito a acidentes metafisicamente
necessários. A conquista do eu se faz pelo acto de falar. Temos que falar para
libertar o nosso eu. Não falar no sentido vulgar de falar mas no sentido de
aprofundamento da nossa auto-consciência.
Na análise sintáctica dividimos uma frase nos
seguintes elementos:
1) Sujeito
2) Predicado
3) Complementos (objectos) directo e indirecto
4) Complementos circunstanciais.
Por outras palavras, temos SUJEITO, PREDICADO,
OBJECTO e COMPLEMENTOS.
Dizemos que o sujeito se define pela acção e que o
objecto se define por sofrer essa acção, ou seja, o objecto se define pela
paixão. Hoje em dia as pessoas entendem a paixão como um sentimento maravilhoso
que as faz ir parar as nuvens. Porém, esse conceito de paixão só existe na
cabeça dessas pessoas porque a paixão não é isso. Paixão é sofrimento e
compaixão é cum paixão, sofrer com o
outro.
A acção e a paixão fazem parte das categorias de Aristóteles
juntamente com a relação, a unidade, a quantidade, a qualidade, a causa, o
efeito, a possibilidade, a existência. Deste modo, quando tomamos o sujeito
como acção e o objecto como paixão estamos a fazer uma abstracção de terceiro
grau e assim caímos na metafísica. Assim, ser subjectivo é dar primazia a acção
em detrimento da paixão e ser objectivo é dar primazia a paixão em detrimento
da acção.
O que conecta o sujeito do objecto é o predicado.
Esta é uma abordagem gramatical. Em lógica, aquilo que a gramática chama de
predicado é cópula. E aquilo que a gramática chama de objecto a lógica a lógica
chama de predicado. É preciso pois muita atenção para não confundirmos essas
duas abordagens.
Em gramática, predicado é visto como verbo. Porém,
essa abordagem não é completa porque também existe o predicado nominal. Não
podemos confundir predicado com categoria. Uma categoria é um antepredicamento.
Quando se diz “a Maria é bela” não podemos dizer que a palavra bela é uma
categoria. Nesta frase ela é um predicado nominal mas não uma categoria. Uma
categoria é um conceito geral como a qualidade, a quantidade, etc.
O que em metafísica chamamos de categoria, os
gramáticos chamam de substantivo comum abstracto. De facto, as categorias são
abstractas. Elas pertencem a abstracção de terceiro grau. Porém, belos ou
feios, gramaticalmente (morfologicamente), não são substantivos. São
adjectivos. São qualificadores do substantivo.
No que concerne aos complementos circunstanciais temos
vários e vamos tentar enumerá-los de acordo com aquilo que nos vier a memória:
1) C.C de tempo (quando?)
2) C.C de lugar (onde?)
3) C.C de Modo (como?)
4) C.C de fim (para quê?)
Dizia Ortega y Gasset “eu sou eu e a minha circunstância”.
Quer dizer, ontologicamente (metafisicamente), há uma identidade no eu. Essa
identidade só é possível por meio do conceito geral do ser. Sem o ser o eu não
pode ser eu, ou seja, haveria ruptura no eu. Porém, para Ortega y Gasset essa
identidade não está fechada, ela não é ab
solutum mas complementada pelas circunstâncias.
Quando falamos de circunstâncias fizemos referência
ao tempo, lugar, fim, modo. Ora, nenhuma dessas circunstâncias entra na definição
do eu, ou seja, nenhuma delas tem a ver com a determinação do lugar ontológico
do eu. Contudo, embora o tempo não entre na definição do eu, o eu não poderia
se dar fora do tempo. O mesmo sucede com o lugar. O lugar não entra na definição
do eu mas o eu não se pode dar em lugar nenhum. O eu, ontologicamente não
depende de nenhum fim e de nenhum modo, porém, ele não pode se dar sem nenhum
fim e sem nenhum modo.
Por conseguinte, podemos dizer que se as circunstâncias
não são da essência ontológica do eu, elas são, contudo, os seus acidentes. O
eu tomado em si mesmo pode se dar sem nenhuma de suas circunstâncias. Porém, o
eu tomado como existente não se pode dar sem nenhuma de suas circunstâncias. De
modo que embora o tempo, lugar, modo e fim sejam apenas circunstâncias, eles
são acidentes metafisicamente necessários. Metafisicamente porque o tempo, o
lugar, o modo e o fim são conceitos metafísicos e não conceitos físicos ou
materiais se quiserem. Ninguém em sã consciência vai dizer que o tempo, o
lugar, o modo e o fim são matérias compostas de átomos.
Post scripum:
O problema do eu na filosofia começa a ser estudado
por S.Agostinho. Depois dele temos René Descartes. Depois destes temos Soren
Kiekgaard, Karl Jaspers, J.P.Sartre. O problema do eu é o problema do existencialismo.
Há dois tipos de existencialismo, um existencialismo cristão (Kiekgaard) e um
existencialismo ateu (Sartre).
Na gramática, o eu é um pronome pessoal. Há três
pronomes pessoais: eu, tu, ele. Eles também podem ser tomados no plural e
temos: nós, vós, eles. Então, temos pessoas singulares e pessoas plurais. O eu
(nós) pertence a quem fala. O tu (vós) a quem ouve e ele (eles) a quem é
aludido, i.e., a uma terceira pessoa.
Os animais não têm um eu porque eles são incapazes
de falar. Sendo o eu o centro da psique humana, esse centro só é revelado pela
fala. Portanto, a fala fortalece a nossa centralidade psíquica. As pessoas que
não falam, como uma criança, ainda não têm uma centralidade psíquica. As
crianças não conseguem distinguir elas mesmas do universo inteiro. Somente
conforme elas forem aprendendo a falar é que elas vão dando um centro ao seu
psiquismo e tudo passa a gravitar em torno desse centro. Isso é ordem e onde há
ordem também há beleza. Portanto, aprender a falar é mais importante do que
aprender a resolver integrais duplas.
Diz-se na gramática que um pronome é aquela palavra
que você coloca no lugar do nome. Imaginemos que seu nome seja João e você tem
fome. Você não vai dizer: João tem fome. Ao invés disso, você vai dizer: eu
tenho fome. Esse eu você colocou no lugar de João. As crianças recém-nascidas
não são capazes disso. Quando elas começam a aprender a falar e se, por exemplo,
uma delas se chama João e tiver fome ele não vai dizer: eu tenho fome. Ele vai
dizer: João tem fome. Ele ainda não tem uma centralidade psíquica. Somente
permanecendo nesse exercício de falar é que ela vai a pouco e pouco se
diferenciando DELE e do TU para ser EU. E tomar consciência do próprio EU é
existir.
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