terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

O Método (I)

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O domínio do método é sempre mais importante do que ficar decorando conhecimentos já prontos. Conhecer o método de uma ciência e aprender a manejá-lo é aprender a raciocinar.



O termo método provém do grego meth’odos que quer dizer caminho. Partindo dessa definição formal do método segundo o seu étimo grego dizemos tratar-se o método de um caminho que nos conduz a um fim. Disto depreende-se que o método não é um fim em si mesmo. Não estudamos o método pelo método mas por aquilo que ele pode nos levar a alcançar nas ciências sejam elas naturais ou culturais e também na filosofia que é a ciência do universal.

Sem método não se pode conhecer o fim das ciências. Se tem dito e com razão que as ciências não respondem a todas as questões. As ciências só respondem as questões ligadas ao “como” e nunca questões ligadas ao por que e nem para que? As questões ligadas ao por que são respondidas pela ciência do universal que é a filosofia. A física newtoniana pode dizer para nós que a força de gravidade faz os corpos caírem mas ela não pode dizer por  que a força de gravidade faz cair os corpos. A física de Newton pode dizer para nós que a força de gravidade faz cair os corpos mas não pode dizer para nós para quê ela faz cair os corpos. Essa é uma questão a ser respondida pela teleologia.

Portanto, os que veneram a ciência como um novo deus do saber e vêem-na como a resposta a todas as questões estão errados. Há uma série de perguntas que a ciência não responde como as questões que colocamos acima mas há outras questões que ela não responde como a questão sobre “quem”. A física de Newton diz que a força de gravidade faz cair os corpos mas não diz quem exerce essa força de modo que é preciso ser muito pueril para acreditar que a ciência responde a todas as perguntas.

Qual é o fim das ciências e da filosofia? O fim é aquilo para que essas ciências e a filosofia tendem. Para Aristóteles o fim é também uma causa. Ele a chamava de causa final. Há de haver uma causa final emergente e uma causa final predisponente, ou seja, uma finalidade intrínseca e uma finalidade extrínseca. Por exemplo, a finalidade intrínseca da mangueira é dar mangas mas a sua finalidade extrínseca pode ser dar sombra.

A finalidade da física é explicar como a natureza funciona. A finalidade da economia é compreender as relações de produção. Essas são as finalidades intrínsecas dessas disciplinas pois as suas finalidades extrínsecas são outras. Nos dias que correm a finalidade extrínseca dessas disciplinas tem sido conseguir um emprego. Em muito poucas pessoas têm elas tido uma finalidade extrínseca diferente como a de torná-las mais cultas.

Sendo a finalidade da física explicar como é que a natureza funciona, para se alcançar esse fim é preciso percorrer determinado caminho, é preciso ter um método. Se usarmos o método errado não vamos explicar o funcionamento da natureza mas qualquer outra coisa imaginária que nada tem a ver com a realidade física. O mesmo acontece com a economia, sociologia, psicologia, etc.

O método em qualquer ciência é sempre mais importante do que ficar decorando conhecimentos já feitos e que você nem tem como saber se são verdadeiros ou falsos porque você não tem a pedra de toque, o critério, para testá-los. Conhecer o método de uma ciência e aprender a manejá-lo é aprender a raciocinar. Quando você chega a esse ponto você se liberta da cultura de fichário.

Para Galileu Galilei, o pai da física clássica, fazer ciência era reduzir o objecto aos seus aspectos matematizáveis. Por exemplo, se você vai estudar um corpo cientificamente você tem que abstrair o cheiro daquele objecto, a sua cor, e considerar apenas a sua forma, seu peso, enfim, somente aquilo que é mensurável. A partir disso podemos construir o método das ciências naturais.

Para melhor esclarecermos essa questão sobre o método vamos discorrer um pouco acerca da abstracção. Devemos ter cuidado de não confundir abstracção com qualquer tipo de separação. Se tenho um livro colocado por cima de uma mesa e separo o livro da mesa isso não é abstracção. Mas se tenho uma maçã verde e separo o verde da maçã isso já é abstracção. Ou seja, embora abstracção seja abs trahere, i.e., separar, ela não se refere a qualquer separação mas apenas a separação mental e não a uma separação real.

Veja, Aristóteles estudou a abstracção e atribuiu-lhe diversos graus que depois foram estudados pelos escolásticos em três graus abstractivos.

A abstracção do primeiro grau é aquela em que dado um ente abstrai-se do ente suas propriedades e toma-se o ente na sua generalidade como a abstracção de corpo, de casa, etc. Essa é aquela abstracção usada nas ciências.

A abstracção do segundo grau não somente abstrai o ente da sua matéria sensível mas também o toma apenas nos seus aspectos extensistas. A extensão contínua vai nos dar as figuras geométricas e a extensão discreta vai nos dar os números. Essa é, portanto, a abstracção das matemáticas.

A abstracção do terceiro grau já trabalha com as categorias. Em Aristóteles temos dez categorias. Temos como categorias 1) a unidade, 2) a relação, 3) causa, 4) efeito, 5) qualidade, 6) quantidade, etc. Essa abstracção vai nos dar a metafísica.

O método nas ciências nada mais é que fazer abstracção do primeiro grau. Nas matemáticas ele consiste em fazer a abstracção do segundo grau e na metafísica ele consiste em fazer abstracção do terceiro grau. Não há como estudar a realidade, a estrutura da realidade, sem fazer nenhuma dessas abstracções.

Segundo Mário Ferreira dos Santos, a estrutura da realidade é composta de duas tríades, uma tríade inferior e uma tríade superior. As ciências trabalham com a tríade inferior que contêm as seguintes três notas: 1) as coisas sensíveis, 2) as figuras geométricas e 3) os números matemáticos. Em relação as coisas sensíveis fazemos a abstracção de primeiro grau. Em relação as figuras geométricas e os números matemáticos fazemos a abstracção de segundo grau.

A tríade superior é composta das seguintes três notas: 1) as formas inteligíveis, 2) os números tomados como leis eternas e 3) o princípio supremo. Isso já não se refere as abstracções de primeiro e segundo grau mas sim as abstracções de terceiro grau e da mathesis.

Deste modo, quando fazemos ciência devemos ter o cuidado de não nos afastarmos das abstracções do primeiro grau. Quando fazemos a Matemática devemos ter o cuidado de não nos afastarmos da abstracção de segundo grau. Quando fazemos metafísica devemos ter o cuidado de não nos afastarmos das abstracções do terceiro grau.

Quando um físico, ao invés de tomar o objecto da sua ciência apenas abstraído da sua mera singularidade mas o toma nos seus aspectos extensistas, ele não mais está fazendo física. Quando ele toma um corpo na sua extensão contínua ele está fazendo geometria. Quando ele o toma na sua extensão discreta está fazendo matemática e não física. O mesmo ocorre com os economistas, os sociólogos, etc.

Tomemos a teoria da evolução. Já fizemos questão de esclarecer em outros artigos que teoria quer dizer contemplação, especulação, conexão. A teoria da evolução pretende ser o nexo explicativo do acontecer universal. Ele não somente se arroga a autoridade de explicar o surgimento das espécies mas também do cosmos. Portanto, a evolução acaba sendo uma super ciência. Ela explica tudo. Só que essa pretensão de explicação universal já desabona contra a própria teoria da evolução refutando-a como não científica porque só há ciência do particular e não do universal. Querendo ser uma ciência do universal, a teoria da evolução acaba sendo apenas um sistema filosófico. Se esse sistema filosófico é uma verdadeira filosofia ou uma pseudo-filosofia vai depender das teses sobre as quais esse sistema está fundado. Se essas teses forem apodícticas ele será um verdadeiro sistema filosófico, um sistema filosófico positivo e concreto, mas se forem contingentes, segue-se que a teoria de evolução cai no esteticismo, não passando de um mero amontoado de opiniões, um amontoado de expressão de impressões.

Essa relação que fizemos do método com os graus de abstracção em Aristóteles e nos escolásticos vem apenas corroborar a nossa tese de que a ciência não explica tudo mas apenas aquele aspecto que ela abstrai. Portanto, enquanto por meio da abstracção a ciência actualiza um ou vários aspectos do seu objecto ela virtualiza os outros aspectos que para serem actualizados vão exigir a abstracção dos aspectos ora actualizados.

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