O que o homem
mais almeja é o bem supremo. Esse bem supremo é a felicidade. A felicidade,
essa cidade feliz que é Jerusalém (cidade sagrada) em oposição a Roma (cidade
profana), só pode ser alcançada por meio da ética e a ética só pode ser
alcançada por meio da especulação acerca do verdadeiro e do falso. Por outras
palavras, a felicidade que é o apaziguamento da alma humana só pode ser obtida
por meio do saber.
Queremos agora voltar os nossos pensamentos para um
tema igualmente importante, o tema das virtudes. Comecemos analisando este tema
dando a definição daquilo que se entende por virtude.
A palavra “virtude” vem de habitus. Então, a virtude é um hábito, um costume, assim como a
ética e a moral, moris, conforme
tivemos oportunidade de examinar em outro artigo. Assim, partindo desse étimo
latino da palavra virtude podemos ter a sua definição nominal e dizer que a
virtude significa “ter posse de si mesmo”, “possuir a si mesmo”.
Então, o hábito, habitus,
que vai consubstanciar a virtude o é do próprio indivíduo. Ortega y Gasset
disse certa vez: “eu sou eu e a minha circunstância”. A nossa circunstância refere-se
aos factores predisponentes que desde o exterior da nossa tectónica vão de
algum modo influenciado pouco a pouco não o nosso ser mas o nosso modo de ser. A
nossa circunstância é, pois, a própria realidade a qual é a fronteira inferior
do eu porque a fronteira superior do eu é o ser.
Quando o homem vai adquirindo a pouco e pouco a
influência que lhe vem desse mundo exterior e ela vai se cristalizando na sua
psique, ou seja, ela vai se tornando o património da sua psique, então, isso se
torna num habitus.
Nem todo habitus
é uma virtude. O vício também é um hábito mas um mau hábito. Assim, a virtude
distingue-se do vício por ser uma tendência para o bem enquanto o vício é um
tender para o mal.
São Tomás de Aquino, na sua Suma teológica, divide
as virtudes em dois tipos:
1) Virtudes cardeais e
2) Virtudes teologais
As virtudes cardeais são aquelas que o homem adquire
como resultado do hábito propriamente dito. Essas virtudes se subordinam a lei
do quaternário e elas são quatro, nomeadamente: a justiça, a prudência, a
coragem/fortaleza e a temperança. Qualquer homem pode ter cada uma dessas
virtudes contanto que faça um pouquinho de esforço.
Essas virtudes cardeais se dividem, por sua vez, em
virtudes 1) ética e 2) dianoéticas. Examinemos pois cada uma delas.
1) Virtudes éticas = conforme já estudamos em outros artigos,
a ética é a especulação acerca da moral. Ela procura alcançar a aquele núcleo
axiológico próprio das ciências cultas que é afanar-se aos juízos verdadeiros e
afastar-se dos juízos falsos. Então, as virtudes éticas têm a ver com o agir
bem nesse sentido.
2) Virtudes dianoéticas = podemos chamá-las de dianoéticas
ou intelectuais porque as virtudes dianoéticas têm a ver com agir bem no campo
intelectual. Hoje em dia, todo mundo quer debater todo e qualquer tema e todo
mundo quer ser um pesquisador, um investigador, um cientista. Não condenamos
esse apetite, porém, muitos o têm de maneira leviana pois não tem sequer a noção
da responsabilidade que isso acarreta. Para se ser um bom cientista, um bom
investigador não basta apenas ter uma formação universitária e dominar os
instrumentos técnicos de investigação na sua área de interesse. É por pensar
que os domínios das técnicas de investigação por si só são suficientes para se
ser um investigador que a humanidade assistiu, nos últimos três séculos, a uma
onda enorme de falsificação na ciência.
É preciso, para além dos conhecimentos técnico-científicos,
ter virtude, ter uma virtude dianoética. É por isso que Aristóteles exortava a
não entrarmos em debate com indivíduos que não virtuosos. Para o estagirita,
ter conhecimento sobre a matéria do debate era importantíssimo porque não se
pode discutir com um néscio ou com um ignorante. Porém, isso não é suficiente.
É preciso que os debatedores queiram a verdade como o fim último do debate.
Para tal, os debatedores devem ser honestos. Olavo de Carvalho enunciou a fórmula
da honestidade intelectual da maneira seguinte: “não dizer que sabe o que não
sabe e não dizer que não sabe o que sabe perfeitamente bem” (sic).
Infelizmente, o que temos assistido na televisão é um
verdadeiro ultraje a virtude, um verdadeiro ultraje a honestidade intelectual.
As pessoas não debatem porque querem a verdade mas porque querem fazer boa
figura diante da plateia, diante do seu partido ou seu grupo de referência.
Hoje em dia, cada vez mais escasseiam os indivíduos que se exasperam pela
verdade. O que as pessoas hoje querem é um arremedo de verdade e não a própria
verdade.
O ter o homem se afastado da verdade fê-lo
encontrar-se diante de profundas trevas exteriores. As trevas do relativismo.
As trevas do nihilismo. As trevas do desesperismo. As trevas do existencialismo
ateu de Jean Paul Sartre, e assim por diante. E cada vez mais, vamos ter que
dar razão a Nietzsche quando ele profetizou, no século XIX, a queda do mundo
moderno no nihilismo. Porque sem a verdade, a qual é o esplendor da alma como
dizia Mário Ferreira dos Santos, não admira que o homem, hoje em dia, veja-se
agrilhoado por todos os lados porque se há algum valor na máxima crística de
que “conheceréis a verdade e a verdade vos libertará”, então, o desconhecimento
da verdade é, sem dúvida alguma, a fonte-origem de todo o sofrimento humano
como temos assistido nos dias que correm a despeito do grande avanço da técnica
e da ciência que fez muitos espíritos optimistas pensarem que já havia a humanidade
conseguido encontrar a panaceia para todos os seus males. Mas eles estavam
enganados assim como estão enganados todos aqueles que acham que o ser humano
vai encontrar a sua máxima realização nos bens materiais. Conforme já tivemos
oportunidade de examinar, todos esses bens materiais que o homem moderno, do
tipo social do empresário utilitário, tem produzido tão freneticamente são
impotentes para dar ao homem a tão almejada felicidade como imaginaram que
poderia acontecer todos os teóricos do utilitarismo desde Jeremy Bentham que
até inventou o cálculo da felicidade como se a felicidade fosse um bem
económico a venda nos supermercados. O que não sabia Bentham é que os bens
materiais só podem dar ao homem o economic
welfare, ou seja, apenas o bem-estar económico, mas não a felicidade.
A felicidade, esse apaziguamento da alma humana, só
pode ser conseguida de outro modo. Não há nenhum bem de maior valor que o homem
mais almeje do que a felicidade. Essa cidade feliz. Não a Atenas de Sócrates,
Platão e Aristóteles mergulhada em uma profunda crise fazendo esquecer a era
gloriosa de Péricles. Não a Roma de Cícero, Plotino, Agostinho, mergulhada em
guerras intermináveis. Essa cidade feliz que é, simbolicamente apresentada no
livro de apocalipse como, a nova Jerusalém não é uma cidade no sentido físicio
da coisa, é uma cidade que tem que estar dentro de cada um de nós. É por isso
que Cristo disse que o reino de Deus está dentro de nós. A palavra Jerusalém
quer dizer cidade de paz porque salém quer dizer paz.
É disso que Sto. Agostinho queria falar quando escreveu
sobre a cidade de Deus e a cidade dos homens. Jerusalém é a cidade de Deus
(cidade sagrada). Roma é a cidade dos homens (cidade profana).
Aristóteles escreveu quer na Ética a Nicómaco, quer
na Ética a Êudemo que a ética tem como finalidade o supremo bem. Para o
estagirita o supremo bem é a felicidade. Então, o homem alcança o supremo bem
por meio da ética, ou da virtude ética e como já vimos a ética é a especulação
em torno da moral. Para os gregos a especulação era a contemplação. O que é a
filosofia senão a contemplação da sabedoria? E o que era sabedoria para
Pitágoras a quem é atribuído a paternidade da filosofia? Era a mathesis, ou a mathesis megiste, a suprema instrução. Então, não resta ao homem
nenhuma outra saída para alcançar o bem supremo, a felicidade, o apaziguamento
da sua alma, a não ser contemplar a sabedoria. Então, a felicidade não pode ser
alcançada pela posse de bens materiais mas sim pelo afanar-se ao saber.
Depois de examinadas as virtudes cardeais, vamos
agora examinar as virtudes teologais as quais são as seguintes e passo a
mencionar: 1) fé, 2) esperança e 3) amor. Essas virtudes são teologais porque
elas surgem espontaneamente dentro da alma do homem sem a realização de nenhum
esforço. Então, vamos dizer que as virtudes teologais são um dom do ser
supremo.
Isso pode parecer estranho, digo, afirmar que as
virtudes teologais surgem espontaneamente no homem porque os livros publicados
por aí pelos teólogos, evangelistas, etc., dizem que o homem tem que fazer
alguma coisa para ter mais fé como por exemplo ler a bíblia ou ouvir a pregação,
isto baseado na Epístola de São Paulo aos romanos 10:17 que diz que “a fé vem
pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo”. Porém, quando compulsamos
um pouco mais esse trecho vemos que Paulo diz que nem todos que ouvem a palavra
de Deus crêem e ele cita o exemplo dos israelitas que ouviram a voz de Deus e
nem por isso tiveram fé. Aliás, se fosse assim não haveria incrédulos dentro da
igreja.
Fé, já, sabe-se, o que é. A esperança também. Agora,
a caridade é, muitas vezes, confundida com a acção de dar esmola. Ora, esmola,
o ser humano sempre deu mas isso nem sempre significou caridade e, a propósito
disto, podemos fazer menção das palavras de S.Paulo, Apóstolo: “ainda que eu
desse todos os meus bens aos pobres e não tivesse caridade, isso de nada me
aproveitaria”. Então, a caridade cristã é muito mais do que dar esmola.
Caridade quer dizer ágape. O que é ágape? É o amor platónico. Mas não esse amor
platónico mal entendido de que o amor platónico é amar e não se aproximar do
objecto amado. Nada disso. O amor platónico não tem a ver com o simpatético,
ele tem a ver com a colocação intelectual do amor, ou seja, amor para Platão
era o amore intelectuale dos
pitagóricos. É por isso que os cristãos, mesmo não tendo nenhuma simpatia de
nenhum tipo para com os mussulmanos, hindus, ateus, pagãos etc., são aqueles
que mais contribuem com os seus bens para aliviar a dor desses povos. Eles
fazem isso porque eles amam o cristão que esses povos poderiam ser, o cristianismo
que eles poderiam realizar mas não realizam.
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