segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Virtude e Felicidade

Resultado de imagem para virtude

O que o homem mais almeja é o bem supremo. Esse bem supremo é a felicidade. A felicidade, essa cidade feliz que é Jerusalém (cidade sagrada) em oposição a Roma (cidade profana), só pode ser alcançada por meio da ética e a ética só pode ser alcançada por meio da especulação acerca do verdadeiro e do falso. Por outras palavras, a felicidade que é o apaziguamento da alma humana só pode ser obtida por meio do saber.


Queremos agora voltar os nossos pensamentos para um tema igualmente importante, o tema das virtudes. Comecemos analisando este tema dando a definição daquilo que se entende por virtude.

A palavra “virtude” vem de habitus. Então, a virtude é um hábito, um costume, assim como a ética e a moral, moris, conforme tivemos oportunidade de examinar em outro artigo. Assim, partindo desse étimo latino da palavra virtude podemos ter a sua definição nominal e dizer que a virtude significa “ter posse de si mesmo”, “possuir a si mesmo”.

Então, o hábito, habitus, que vai consubstanciar a virtude o é do próprio indivíduo. Ortega y Gasset disse certa vez: “eu sou eu e a minha circunstância”. A nossa circunstância refere-se aos factores predisponentes que desde o exterior da nossa tectónica vão de algum modo influenciado pouco a pouco não o nosso ser mas o nosso modo de ser. A nossa circunstância é, pois, a própria realidade a qual é a fronteira inferior do eu porque a fronteira superior do eu é o ser.

Quando o homem vai adquirindo a pouco e pouco a influência que lhe vem desse mundo exterior e ela vai se cristalizando na sua psique, ou seja, ela vai se tornando o património da sua psique, então, isso se torna num habitus.

Nem todo habitus é uma virtude. O vício também é um hábito mas um mau hábito. Assim, a virtude distingue-se do vício por ser uma tendência para o bem enquanto o vício é um tender para o mal.

São Tomás de Aquino, na sua Suma teológica, divide as virtudes em dois tipos:

1)  Virtudes cardeais e

2)  Virtudes teologais

As virtudes cardeais são aquelas que o homem adquire como resultado do hábito propriamente dito. Essas virtudes se subordinam a lei do quaternário e elas são quatro, nomeadamente: a justiça, a prudência, a coragem/fortaleza e a temperança. Qualquer homem pode ter cada uma dessas virtudes contanto que faça um pouquinho de esforço.

Essas virtudes cardeais se dividem, por sua vez, em virtudes 1) ética e 2) dianoéticas. Examinemos pois cada uma delas.

1)  Virtudes éticas = conforme já estudamos em outros artigos, a ética é a especulação acerca da moral. Ela procura alcançar a aquele núcleo axiológico próprio das ciências cultas que é afanar-se aos juízos verdadeiros e afastar-se dos juízos falsos. Então, as virtudes éticas têm a ver com o agir bem nesse sentido.

2)  Virtudes dianoéticas = podemos chamá-las de dianoéticas ou intelectuais porque as virtudes dianoéticas têm a ver com agir bem no campo intelectual. Hoje em dia, todo mundo quer debater todo e qualquer tema e todo mundo quer ser um pesquisador, um investigador, um cientista. Não condenamos esse apetite, porém, muitos o têm de maneira leviana pois não tem sequer a noção da responsabilidade que isso acarreta. Para se ser um bom cientista, um bom investigador não basta apenas ter uma formação universitária e dominar os instrumentos técnicos de investigação na sua área de interesse. É por pensar que os domínios das técnicas de investigação por si só são suficientes para se ser um investigador que a humanidade assistiu, nos últimos três séculos, a uma onda enorme de falsificação na ciência.

É preciso, para além dos conhecimentos técnico-científicos, ter virtude, ter uma virtude dianoética. É por isso que Aristóteles exortava a não entrarmos em debate com indivíduos que não virtuosos. Para o estagirita, ter conhecimento sobre a matéria do debate era importantíssimo porque não se pode discutir com um néscio ou com um ignorante. Porém, isso não é suficiente. É preciso que os debatedores queiram a verdade como o fim último do debate. Para tal, os debatedores devem ser honestos. Olavo de Carvalho enunciou a fórmula da honestidade intelectual da maneira seguinte: “não dizer que sabe o que não sabe e não dizer que não sabe o que sabe perfeitamente bem” (sic).

Infelizmente, o que temos assistido na televisão é um verdadeiro ultraje a virtude, um verdadeiro ultraje a honestidade intelectual. As pessoas não debatem porque querem a verdade mas porque querem fazer boa figura diante da plateia, diante do seu partido ou seu grupo de referência. Hoje em dia, cada vez mais escasseiam os indivíduos que se exasperam pela verdade. O que as pessoas hoje querem é um arremedo de verdade e não a própria verdade.

O ter o homem se afastado da verdade fê-lo encontrar-se diante de profundas trevas exteriores. As trevas do relativismo. As trevas do nihilismo. As trevas do desesperismo. As trevas do existencialismo ateu de Jean Paul Sartre, e assim por diante. E cada vez mais, vamos ter que dar razão a Nietzsche quando ele profetizou, no século XIX, a queda do mundo moderno no nihilismo. Porque sem a verdade, a qual é o esplendor da alma como dizia Mário Ferreira dos Santos, não admira que o homem, hoje em dia, veja-se agrilhoado por todos os lados porque se há algum valor na máxima crística de que “conheceréis a verdade e a verdade vos libertará”, então, o desconhecimento da verdade é, sem dúvida alguma, a fonte-origem de todo o sofrimento humano como temos assistido nos dias que correm a despeito do grande avanço da técnica e da ciência que fez muitos espíritos optimistas pensarem que já havia a humanidade conseguido encontrar a panaceia para todos os seus males. Mas eles estavam enganados assim como estão enganados todos aqueles que acham que o ser humano vai encontrar a sua máxima realização nos bens materiais. Conforme já tivemos oportunidade de examinar, todos esses bens materiais que o homem moderno, do tipo social do empresário utilitário, tem produzido tão freneticamente são impotentes para dar ao homem a tão almejada felicidade como imaginaram que poderia acontecer todos os teóricos do utilitarismo desde Jeremy Bentham que até inventou o cálculo da felicidade como se a felicidade fosse um bem económico a venda nos supermercados. O que não sabia Bentham é que os bens materiais só podem dar ao homem o economic welfare, ou seja, apenas o bem-estar económico, mas não a felicidade.

A felicidade, esse apaziguamento da alma humana, só pode ser conseguida de outro modo. Não há nenhum bem de maior valor que o homem mais almeje do que a felicidade. Essa cidade feliz. Não a Atenas de Sócrates, Platão e Aristóteles mergulhada em uma profunda crise fazendo esquecer a era gloriosa de Péricles. Não a Roma de Cícero, Plotino, Agostinho, mergulhada em guerras intermináveis. Essa cidade feliz que é, simbolicamente apresentada no livro de apocalipse como, a nova Jerusalém não é uma cidade no sentido físicio da coisa, é uma cidade que tem que estar dentro de cada um de nós. É por isso que Cristo disse que o reino de Deus está dentro de nós. A palavra Jerusalém quer dizer cidade de paz porque salém quer dizer paz.

É disso que Sto. Agostinho queria falar quando escreveu sobre a cidade de Deus e a cidade dos homens. Jerusalém é a cidade de Deus (cidade sagrada). Roma é a cidade dos homens (cidade profana).

Aristóteles escreveu quer na Ética a Nicómaco, quer na Ética a Êudemo que a ética tem como finalidade o supremo bem. Para o estagirita o supremo bem é a felicidade. Então, o homem alcança o supremo bem por meio da ética, ou da virtude ética e como já vimos a ética é a especulação em torno da moral. Para os gregos a especulação era a contemplação. O que é a filosofia senão a contemplação da sabedoria? E o que era sabedoria para Pitágoras a quem é atribuído a paternidade da filosofia? Era a mathesis, ou a mathesis megiste, a suprema instrução. Então, não resta ao homem nenhuma outra saída para alcançar o bem supremo, a felicidade, o apaziguamento da sua alma, a não ser contemplar a sabedoria. Então, a felicidade não pode ser alcançada pela posse de bens materiais mas sim pelo afanar-se ao saber.

Depois de examinadas as virtudes cardeais, vamos agora examinar as virtudes teologais as quais são as seguintes e passo a mencionar: 1) fé, 2) esperança e 3) amor. Essas virtudes são teologais porque elas surgem espontaneamente dentro da alma do homem sem a realização de nenhum esforço. Então, vamos dizer que as virtudes teologais são um dom do ser supremo.

Isso pode parecer estranho, digo, afirmar que as virtudes teologais surgem espontaneamente no homem porque os livros publicados por aí pelos teólogos, evangelistas, etc., dizem que o homem tem que fazer alguma coisa para ter mais fé como por exemplo ler a bíblia ou ouvir a pregação, isto baseado na Epístola de São Paulo aos romanos 10:17 que diz que “a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo”. Porém, quando compulsamos um pouco mais esse trecho vemos que Paulo diz que nem todos que ouvem a palavra de Deus crêem e ele cita o exemplo dos israelitas que ouviram a voz de Deus e nem por isso tiveram fé. Aliás, se fosse assim não haveria incrédulos dentro da igreja.

Fé, já, sabe-se, o que é. A esperança também. Agora, a caridade é, muitas vezes, confundida com a acção de dar esmola. Ora, esmola, o ser humano sempre deu mas isso nem sempre significou caridade e, a propósito disto, podemos fazer menção das palavras de S.Paulo, Apóstolo: “ainda que eu desse todos os meus bens aos pobres e não tivesse caridade, isso de nada me aproveitaria”. Então, a caridade cristã é muito mais do que dar esmola. Caridade quer dizer ágape. O que é ágape? É o amor platónico. Mas não esse amor platónico mal entendido de que o amor platónico é amar e não se aproximar do objecto amado. Nada disso. O amor platónico não tem a ver com o simpatético, ele tem a ver com a colocação intelectual do amor, ou seja, amor para Platão era o amore intelectuale dos pitagóricos. É por isso que os cristãos, mesmo não tendo nenhuma simpatia de nenhum tipo para com os mussulmanos, hindus, ateus, pagãos etc., são aqueles que mais contribuem com os seus bens para aliviar a dor desses povos. Eles fazem isso porque eles amam o cristão que esses povos poderiam ser, o cristianismo que eles poderiam realizar mas não realizam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário