A crítica que se
faz aos protestantes por orarem em voz alta não procede. Primeiramente, os protestantes clamam a Deus porque Deus disse para
fazer isso. Eis aqui uma resposta mística. Secundariamente,
orar em voz alta tem um efeito catártico na alma daquele que assim procede.
Certa vez, colocou-me alguém a seguinte questão:
“porquê é que os protestantes gostam de orar em voz alta se Deus está perto de
cada um de nós”?
O entendimento que temos ao ouvirmos uma questão
dessa natureza é que o interrogante está supondo que os protestantes julgam que
Deus é surdo. O outro entendimento é que a colocação de Deus desse interrogante
é, sem dúvida alguma, uma colocação antropomórfica de Deus.
O protestantismo não somente produziu pigmeus mas
também produziu gigantes enormes e dignos de todo o nosso respeito porque
elevaram o protestantismo as maiores alturas que eles puderam. Falo de um
Lutero, Zwinglio, Wycliff, Wesley, etc., de modo que é impossível que esses
homens não percebessem a deficiência no modo de fazer orações dos protestantes
se nele houvesse alguma deficiência.
Podemos começar respondendo a pergunta desses
interrogantes citando um trecho da Bíblia que está no livro dos Salmos em que
Deus faz o seguinte apelo: “clama a mim no dia da tua angústia, eu te livrarei
e tu me glorificarás”. Sendo a Bíblia a regra de fé e conduta aceite por todos
os cristãos, então, ela serve de ponto arquimédico para sobre ela construirmos
a nossa argumentação. Assim, de acordo com o trecho que citamos podemos dizer
que os protestantes oram em voz alta porque Deus assim exorta que eles o façam.
Portanto, eis aqui uma explicação mística para essa atitude, para essa postura,
ou seja, há uma razão mística para tal.
Uma razão mística é aquela que diz respeito ao mystos, ao oculto, e de mystos temos mistério. Quando falamos
em mistério não estamos, como muitos pensam, inventando uma desculpa para
fugirmos a questão. De modo nenhum. Aquilo que é místico, que pertence ao
mistério, não significa algo inacessível porque há pessoas que acedem ao que é
misterioso e esse número não é tão pequeno assim. A esses indivíduos chamamos
de místicos. Portanto, o mistério não é acessível no sentido de que ele não é
acessível apenasmente para a luz natural da nossa razão mas podemos aceder ao
misterioso por meio da revelação, por meio de uma iluminação divina do ser
supremo, o Deus das religiões.
Portanto, não adianta esse espírito de negar o
misterioso. Na verdade, é muito fácil negar quando nunca se teve uma experiência
mística, contudo, o facto de que uma pessoa X ou Y nunca tenha tido uma experiência
mística não significa que ela não existe ou que ela não é possível. De modo
nenhum. Porque se o fulano de X ou Y não tem tido a experiência mística, há
muitos outros que têm tido e não adianta também tentar depreciar essa experiência
tentando reduzi-la a um epifenómeno de certos estados pathicos, a alguma enfermidade, a alguma fraqueza física porque se
há místicos que padeçam de alguma fraqueza física há outros tantos que dela não
padecem.
Quando oramos, podemos fazê-lo em silêncio, podemos
fazê-lo em voz alta ou podemos fazê-lo em voz baixa. O tom de voz tem a sua
importância na oração e não podemos negar, caso contrário, não faria nenhum
sentido que o próprio Deus exortasse que as pessoas se dirigissem a ele por
meio de clamor.
Cientificamente está provado que a oração tem
efeitos psicológicos muito proveitosos ao ser humano, podendo resultar até
mesmo em benefícios físicos, o que não é nenhuma novidade para quem tem feito
da oração o seu pão de cada dia. Em outros artigos, falamos do efeito catártico
da confissão e a confissão nada mais é do que um tipo de oração que certamente
não requer-se que seja feita em voz alta mas em voz baixa como aquele publicano
de que falou Cristo que entrando no templo de Deus para orar não se atrevia a
levantar a face mas com o rosto inclinado, batendo em seu peito, dizia as seguintes
palavras: “ó Deus, sê propício para comigo, pecador”.
Quando um indivíduo está sobremodo irado, sua
tendência é a de descarregar essa ira em alguma coisa e por algum meio. Ele
pode gritar com as pessoas. Ele pode partir algum objecto, etc. E, no final de
tudo isso, uma calma apossa-se da sua alma, há um aquietar da mente. Porquê?
Porque houve uma catarse, houve uma descarga emocional. Quando isso não
acontece, a porta para a neurose fica cada vez mais larga, o caminho para a
neurose fica mais espaçoso e essa porta e esse caminho só podem ser estreitados
e fechados por meio da catarse.
Quando clamamos a Deus, isso tem um efeito catártico
muito grande. Um efeito catártico maior do que quando oramos em voz baixa.
Qualquer indivíduo que já tenha tido a experiência de clamar a Deus sabe o
efeito que isso tem sobre a sua alma, digo, como é que depois desse clamor há
um aquietar-se da mente. O mesmo acontece quando choramos.
A alma humana que é a forma do seu corpo, como disse
Aristóteles, é também conhecida como mente. Quando falamos de sentimentos,
estamos falando de uma faculdade que pertence a nossa alma e não ao nosso
corpo. Um cadáver não é capaz de emocionar-se, um cadáver não tem alma. O
emocionar-se é próprio da alma. O homem não tem apenas emoções positivas, ele
também tem emoções negativas. Quando um homem recebe uma notícia de que tem uma
doença incurável, uma emoção negativa brota-lhe n’alma e seu semblante descai.
Quando um homem recebe uma notícia de que aquele bem que ele tanto desejou, que
ele tanto anelou, agora lhe pertence, uma emoção positiva invade-lhe a alma e
seu rosto irradia-se de um esplendor que ilumina as pessoas que estão ao seu
redor.
Não podemos impedir que as emoções negativas surjam
em nossa alma porque também não podemos impedir que as más notícias cheguem aos
nossos ouvidos e não podemos impedir que essas más notícias cheguem a nós
porque também não podemos impedir que coisas tristes ocorram no mundo. O que é
triste resulta de um mal, seja ele moral ou físico ou até mesmo os dois.
Conforme vimos em outros artigos, o mal não tem uma causa eficiente, ele tem
uma causa deficiente. O mal resulta de uma deficiência, da carência de perfeição.
Contudo, quando as notícias ruins chegam aos nossos
ouvidos não devemos consentir que elas permaneçam na nossa alma ad eterno, o que resultaria numa
neurose que é um dos grandes males do tempo em que vivemos em que o homem com
provas dadas da sua inteligência pelos feitos que tem alçando na ciência e na
técnica acaba sucumbindo a um par de fantasias; o homem moderno que se tem
gabado, que se tem jactanciado de ser o zénite do realismo tem sucumbido a
males imaginários, males que não passam de entes ficcionais que a pouco e pouco
vão levando o homem a uma vida de suplícios a mais não poder.
Então, só resta ao homem um caminho, a saber:
desfazer-se dessas emoções negativas. De que maneira? Para responder a essa
pergunta é preciso primeiramente sondar as causas dessas emoções negativas. Há
duas teorias: uma de Freud e outra de Lipot Szondi a qual é também endossada
por C.G.Jung. A teoria de Freud tem o sexo como a força motriz de todo evento
psicológico que se dá no homem. Então, temos o complexo de Édipo que é uma
lenda contada pelo poeta Sófocles. Lipot Szondi fala de complexo de Caim e para
ele a força motriz por trás de todo acontecer psíquico é de natureza religiosa.
Não resta dúvida de que Szondi está montado na
razão. O homem é um ser superior. Ele não é um animal, ele tem humanidade. O
sexo pertence a parte animal do homem. Mas isso nunca angustiou o homem. A angústia
do homem prende-se com aquilo que pode lhe dar a sua verdadeira medida porque
se o homem é a medida de todas as coisas, como disse Protágoras, ele não é,
contudo, a medida de si mesmo porque há nele algo que transcende o próprio
homem e que o faz anelar sempre por um bem, por uma verdade, por uma realidade
cada vez maior, cada vez mais superior cada vez mais perfeita que é justamente
a ideia de religião que procura religar o homem com o ser supremo.
O drama humano não é um drama sexual mas sim um drama
religioso porque o homem sempre anela ao que lhe é superior, claro, proporcionado
sempre a aquilo que lhe é imanente. Portanto, todo drama psicológico do homem –
porque o homem é propriamente os seus pensamentos – é um drama religioso de
modo que esse homem só pode resolver esse drama na esfera naquela realidade que
o transcende.
Para religar o homem com o ser supremo, as religiões
lançam mão de certos rituais, de certas normas de conduta, etc. De todos os
rituais praticados pela religião, o mais conhecido é, sem dúvida alguma, a oração.
Quando oramos, afirmamos a vontade superior, a vontade divina em nós mesmos.
Mas esse reforço da visão da vontade superior em nós mesmos nem todos que se
dedicam a oração a têm realizado. Nem todos a têm realizado porque nem todos a
têm afirmado e reafirmado com a devida inteligência porque a vontade superior
não é apenas um apetite, uma orexis,
mas uma orexis orientada pelo
entendimento, pela inteligência, pela razão. Quando isso acontece, o resultado
não pode ser senão termos a nossa alma habitada pelo amor que nada mais é que a
unidade tensional da vontade e do entendimento dentro da alma humana. Podemos
predicar a vontade e o amor isoladamente mas elas juntas não podem ser senão o
amor. Isso não significa que o amor é soma de suas partes. De modo nenhum. O amor
é uma unidade subsistente com natureza própria.
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